O debate nunca foi tão urgente. Do Rio de Janeiro, onde líderes do G20 se reúnem, às margens do mar Cáspio, sede da COP 29 no Azerbaijão, cresce o consenso de que o planeta está em um ponto de inflexão. Especialistas alertam que, sem um esforço coletivo imediato, as temperaturas globais podem ultrapassar o limite crítico de 2°C até 2100, expondo a humanidade a ondas de calor mais intensas, secas prolongadas e outros eventos climáticos extremos.
No Brasil, durante a cúpula do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa que já conta com a adesão de 82 países, incluindo todos os membros do G20. A proposta busca mobilizar recursos e implementar políticas públicas de enfrentamento à fome e à pobreza, com um olhar integrado para mitigar a crise climática e garantir a segurança alimentar das futuras gerações. No entanto, uma questão fundamental ainda é subestimada: a necessidade urgente de transformar os sistemas alimentares.
Segundo o mais recente relatório do IPCC, alcançar a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C é impossível sem reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa provenientes dos sistemas alimentares.
Cristina Mendonça, diretora executiva da Mercy For Animals Brasil, destacou a relevância do tema no G20 Social, uma série de eventos paralelos à cúpula oficial. "A transição para um sistema de produção e consumo de alimentos rico em vegetais não é apenas uma solução climática, mas também uma estratégia para reduzir desigualdades e promover segurança alimentar de forma sustentável. A cadeia de produtos de origem animal é extremamente ineficiente, porque transformamos seres sencientes e inteligentes em reatores de produção de alimento", afirmou Mendonça durante a roda de conversa Transformação dos Sistemas Alimentares para Enfrentar a Crise Climática e Promover a Sustentabilidade.
Ela citou dados alarmantes: 83% das terras agrícolas globais são ocupadas pela pecuária e pela produção de ração animal, enquanto esses sistemas entregam apenas 18% das calorias consumidas no mundo.
Impactos alarmantes do atual insustentável sistema alimentar
A pecuária industrial é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global. No Brasil, esse impacto é ainda mais expressivo, onde cerca de 60% das emissões totais de gases de efeito estufa estão ligadas à cadeia de produtos de origem animal. O metano emitido por rebanhos bovinos e o desmatamento para a abertura de pastos e de monoculturas de soja e milho, destinados à ração animal, são os maiores contribuintes.
Dados do MapBiomas apontam que mais de 95% do desmatamento da vegetação nativa brasileira nos últimos cinco anos estão associados à cadeia da pecuária. "Se a demanda por produtos de origem animal continuar no ritmo atual, precisaríamos de vários planetas para sustentar esse consumo. E nesta trajetória serão os grupos minorizados os mais afetados", destaca Mendonça.
Além dos impactos ambientais e sociais, o atual modelo alimentar impõe custos ocultos. Segundo a Comissão de Economia dos Sistemas Alimentares, os danos ambientais de saúde pública e sócio-econômicos representam cerca de 167% a mais do que a produção econômica dos setores de agricultura, silvicultura e pesca. A transição para dietas mais saudáveis é um importante vetor de transformação do sistema alimentar, com potencial para evitar cerca de 80 bilhões de dólares em custos ocultos a cada ano e gerar até 19 milhões de empregos na América Latina, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Organização Internacional do Trabalho. "Estas mudanças também promoveriam a soberania e a segurança alimentar e nutricional, ampliando o acesso a uma alimentação saudável e diversificada para a população e para as futuras gerações", afirma Mendonça.
Engajamento popular e políticas públicas
Cristina Mendonça enfatiza a importância de políticas públicas robustas para reestruturar os sistemas alimentares. Durante a cúpula, a Mercy For Animals assinou uma carta aberta, junto a outras organizações ao redor do mundo, às lideranças do G20. O documento pede alinhamento entre políticas públicas e financiamentos que apoiem pequenos produtores independentes, estimulem práticas agroecológicas e garantam o bem-estar animal.
A organização também ressaltou a importância do engajamento popular. Mendonça lembrou da grande mobilização no Plano Clima Participativo, no qual a sociedade brasileira apoiou a substituição de 35% dos alimentos de origem animal por vegetais até 2035. "Sistemas alimentares foi um dos quatro temas mais votados no Brasil Participativo, demonstrando um claro anseio por transformações profundas, que precisam estar refletidas tanto no Plano Clima quanto nas NDCs do Brasil, diretrizes apresentadas na COP 29, como parte do compromisso com o Acordo de Paris", complementa Mendonça.
*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha