Aparelho portátil agiliza diagnóstico de apneia
Dispositivo desenvolvido na Unicamp simplifica e barateia a detecção da doença, que atinge milhões de brasileiros
Um dispositivo eletrônico desenvolvido na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp pode transformar a forma como atualmente se faz, no Brasil, o diagnóstico da apneia obstrutiva do sono (AOS). Reconhecida como um grave problema de saúde pública pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), essa condição clínica afeta um grande número de pessoas.
Segundo a entidade, estudos realizados na cidade de São Paulo mostram que 32,8% da população sofre de apneia do sono – distúrbio no qual ocorrem, durante o sono, várias obstruções na garganta, gerando pausas na respiração de, ao menos, dez segundos. Essas obstruções podem ocorrer dezenas ou até centenas de vezes em uma única noite e levam à fragmentação do sono, causando danos ao organismo, entre os quais sonolência diurna excessiva, irritabilidade, dificuldades de concentração ou memória, hipertensão arterial sistêmica, arritmias cardíacas e o desenvolvimento de sintomas de depressão.
Hoje, o protocolo para a realização do diagnóstico da síndrome prevê dois procedimentos: o preenchimento de um questionário com o histórico clínico do paciente e o exame de polissonografia noturna, realizado enquanto o paciente dorme. Sob supervisão de um profissional, esse exame usa sensores e eletrodos fixados na pele – em pontos específicos do corpo e do couro cabeludo do paciente –, além de um clipe em um dos dedos. Medem-se nove parâmetros diferentes, incluindo os obtidos por meio de eletroencefalograma, eletrocardiograma e análise do fluxo nasal de ar. Os dados são coletados, registrados e organizados em padrões para que um especialista possa, depois, interpretá-los.
O pesquisador Fabricio Nogueira Ditzz de Souza apresentou, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestre em engenharia elétrica na área de engenharia biomédica, um dispositivo portátil, de baixo custo, que funciona como uma espécie de atalho nesse processo de obtenção de um diagnóstico da AOS. Sob a orientação do professor da Feec Antônio Augusto Fasolo Quevedo, Souza criou uma ferramenta capaz de coletar dados por meio da análise do fluxo respiratório e da oximetria de pulso – dois dos indicadores avaliados no exame de polissonografia – e, com base nessas informações, descartar ou confirmar um possível quadro de apneia.
Segundo o pesquisador, na prática, o aparelho funciona como uma triagem com alto grau de confiabilidade. Atualmente, lembra, a triagem é feita por meio de um questionário, um método menos confiável, pois depende do relato do paciente. A análise feita a partir dos dados coletados pelo aparelho, ao contrário, será baseada nos resultados de oximetria e nos indicadores respiratórios. Esses dados, ressalta Souza, sustentam uma triagem segura – com 99,9% de confiabilidade – e, em muitos casos, podem mesmo fechar um diagnóstico.
De acordo com Souza, o novo sistema oferece uma série de ganhos em relação ao método convencional. Por se tratar de um aparelho portátil, o paciente não precisará ficar internado durante a noite em uma clínica especializada, como ocorre atualmente. Além disso, os resultados poderão ser enviados diretamente do dispositivo para o celular de um especialista. Essas características devem levar a uma redução significativa na fila de espera por um exame de polissonografia.
De acordo com o pesquisador, a nova tecnologia também vai diminuir os gastos com a estrutura exigida para a realização desses exames: um quarto em uma clínica por uma noite inteira, o aparato utilizado para as medições desejadas e a necessidade de acompanhamento do processo por um profissional. Além disso, segundo Souza, o aparelho é tão simples que poderá ser usado pelo paciente sem supervisão, ampliando de forma significativa sua aplicabilidade e, potencialmente, seu impacto na saúde pública.
Solução acessível
O aparelho compõe-se de três sensores – dois colocados nas narinas e um terceiro, na boca – e de um único sinal, que mede o fluxo respiratório. Além disso, o equipamento dispõe de um aparelho de oximetria, colocado em um dos dedos. “A própria pessoa poderá fazer esse trabalho. Ela pode posicionar os sensores no nariz e na boca, colocar o oxímetro no dedo indicador ou anelar, apertar o botão de ligar e dormir. O aparelho grava e transmite os dados, para um celular, por exemplo”, explica Souza.
“O sensor de fluxo respiratório mede a temperatura do ar. Conforme o ar passa [pelo nariz e pela boca], a temperatura varia. Quando o paciente inspira, a temperatura cai e, quando expira, a temperatura aumenta. A variação de temperatura no fluxo poderá ser identificada inclusive nos casos em que o paciente estiver com obstrução nasal e for levado a respirar apenas pela boca”, afirma o pesquisador. O oxímetro, por sua vez, mede a quantidade de oxigênio no sangue.
Souza conseguiu criar um aparelho de baixo custo, com componentes já disponíveis no mercado. Segundo o pesquisador, o equipamento montado somou um custo total de R$ 51,47. “Obviamente um orçamento comercial convencional deve levar em consideração elementos como custo de produção, equipamentos, recursos humanos, entre outras variáveis. Esse valor é apenas um indicador para os principais elementos do dispositivo, projetando um custo a princípio bastante baixo para a sua produção, um fator importante para determinar a viabilidade ou não de uma operação comercial”, pondera.
Souza salienta, no entanto, que sensores similares aos usados no novo aparelho são vendidos a preços significativamente mais altos no mercado. Os preços menores giram em torno de R$ 800, mas há casos de sensores para medir o fluxo respiratório que chegam a R$ 2.600. Já o sistema que utiliza polígrafos nos exames convencionais de polissonografia chega a ultrapassar os R$ 40 mil. “Isso sem levar em conta as despesas com sala, manutenção, refrigeração do espaço, o profissional que fará o monitoramento e outros custos de operação”, lembra.
O orientador do mestrado afirma que um dos aspectos mais importantes da pesquisa é o impacto que o aparelho pode produzir na vida das pessoas. “A pesquisa aplicada, aquela que atinge diretamente a população, é um dos pilares da Universidade”, declara Quevedo. “Essa é uma das melhores formas de a Universidade dar um retorno à sociedade, que mantém a nossa instituição. E uma das formas mais eficientes de promover esse retorno consiste em produzir algo que ultrapasse os muros da academia e que possa ser realmente útil à sociedade. E, nessa área da saúde pública, o impacto revela-se ainda mais importante.” Segundo o professor, o projeto contempla um outro aspecto importante, a aproximação entre a academia e a indústria. “A academia cria o conceito, a técnica, mas quem cria o produto é a indústria”, lembra.