Nem é preciso perguntar de quem é essa frase. Todo brasileiro sabe quem é o autor e faz questão de guardar na memória o contexto da situação. Foi o jornalista Galvão Bueno, um dos maiores narradores de transmissões esportivas da televisão brasileira, ao se abraçar a Pelé no final da Copa do Mundo de 1994, quando a seleção de Carlos Alberto Parreira conquistou seu quarto título mundial. Alguém que não conhecesse o narrador diria que ele botou de lado suas prerrogativas profissionais para se mostrar um apaixonado torcedor. Galvão Bueno é uma junção de paixão e conhecimento, envolvimento e técnica, opinião própria e o dever da imparcialidade, o óbvio e a surpresa. E, como todo brasileiro, é técnico e torcedor. Talvez por isso, é hoje o narrador brasileiro mais admirado, às vezes criticado também, mas, sobretudo, um dos mais respeitados profissionais do Esporte. Galvão é capaz de narrar e comentar modalidades tão distintas como futebol, basquete, automobilismo, atletismo, vôlei e, sua mais recente paixão, o MMA (Mixed Martial Arts, “Artes Marciais Mistas”). E qual é o segredo desse sucesso, dessa capacidade de mexer com a paixão do torcedor? Galvão acredita que fugir de um estilo amarrado em regras é a sua marca, sua identidade.
Galvão Bueno na Copa do Mundo de 2014. — Foto: João Miguel Júnior/Globo
Início da carreira
Carlos Eduardo dos Santos Galvão nasceu em 21 de julho de 1950, na Tijuca, Rio de Janeiro. Para quem não liga a data ao fato, seis dias após o Brasil perder a Copa do Mundo para o Uruguai, no Maracanã. A chegada do filho foi um consolo para Aldo Viana Galvão Bueno e Mildred Santos Galvão Bueno, seus pais. A veia artística, a intimidade com a comunicação e as câmeras, Galvão teve a quem puxar: Aldo chegou a atuar como narrador esportivo de rádio, mas se destacou como escritor, roteirista e diretor de programas. Galvão gosta de dizer que ele foi “um dos pioneiros da televisão brasileira”. Sua mãe era atriz, trabalhou na Rádio Mayrink Veiga, na Rádio Tupi, e também atuou na televisão. Como o pai, Galvão faz questão de classificar a mãe como “pioneira”. Faz sentido, está no DNA da família.
Galvão talvez sonhasse com números, e os queria em seu futuro, daí a decisão de cursar administração e, depois, economia. Mas apaixonado por esportes desde pequeno, se realizou mesmo foi na faculdade de Educação Física. “A minha vida sempre foi esporte. Sempre pratiquei esporte desde garoto, desde pequenininho. Eu só pensava nisso. A base foi o basquete, ao qual me dediquei, e cheguei a ser semiprofissional. Mas eu jogava futebol, vôlei, handebol, atletismo, natação, hipismo. Fiz tudo”, conta.
O dinheiro que ganhava com o basquete era suficiente para pagar a mensalidade da faculdade e a gasolina do carro. Na ocasião, o narrador trabalhava como gerente de vendas em uma empresa de embalagens plásticas, de onde saiu para montar uma firma com a mesma atividade. E foi por acaso que começou sua carreira profissional na área de esportes. Ele era fanático por um programa esportivo da Rádio Gazeta chamado 'Disparada no Esporte', que promoveu um concurso no começo de 1974 para contratar um narrador que entendesse de várias modalidades. Galvão não se inscreveu, mas seu sócio o fez por ele – e é aí que Carlos Eduardo começa a se transformar em Galvão Bueno. Aprovado no concurso, ganhou um novo emprego e uma paixão para a vida toda: “Eu fui, ganhei o concurso e uma vida nova. Me apaixonei pelo trabalho. No dia seguinte, estava trabalhando”.
Do rádio à televisão
Galvão começou em 1974, na Rádio Gazeta e, depois, na TV Gazeta, onde ficou até 1977. Um ano depois, participou das transmissões dos jogos da Copa do Mundo da Argentina, pela TV Record, como comentarista e permaneceu na emissora por dois meses. Em seguida, foi para a Bandeirantes, onde trabalhou durante quatro anos. O convite para a Globo veio em 1981. Com um estilo próprio de narração, Galvão revolucionou o ritmo das transmissões esportivas na Globo que ficou marcado por um tom inconfundível. “Na Bandeirantes, resolveram que eu seria narrador. Estava começando a rede. Eu fiz alguns jogos em circuito fechado. A direção achou ótimo. Eu achei um horror. E comecei a ser narrador. Fiquei lá três anos e pouco com essa função, quando começou o namoro com a Globo. O que eu queria na vida era vir para a Globo”, confessa.
Sua carreira na Globo foi sedimentada pelo estilo vibrante e inquieto que conquistou a confiança do torcedor. “O esporte era diferente do que é hoje, assim como o esporte em televisão era diferente do que é atualmente. Hoje nós temos uma carga de transmissão, uma presença na grade, muito marcante. A qualidade da transmissão, os equipamentos mudaram muito. Fazia-se futebol com três, quatro câmeras. Hoje, não. Você tem todos os detalhes. Não existe mais nada que aconteça em um jogo de futebol, em um jogo de vôlei, em um jogo de basquete que o telespectador não veja”, reflete.
Galvão Bueno foi conquistando espaço e respeito a cada evento que participava. Virou uma referência de qualidade e envolvimento nas transmissões de futebol e corridas de fórmula 1. Gols e ultrapassagens são comemorados sempre com entusiasmo e vibração, contagiando o público de maneira inigualável. “Tem que arrepiar”, acredita, exatamente como ele se sente: arrepiado. Se perguntado sobre o que gosta mais de narrar, futebol ou corrida de formula 1, a resposta é desconcertante: “Todo mundo pergunta. Eu respondo: ‘basquete’. Mas, na realidade, a minha carreira foi feita em cima do futebol e da fórmula 1. É evidente que não há nada igual a uma Copa do Mundo. Não há evento no mundo que seja mais importante para um brasileiro e, consequentemente, para quem trabalha nisso. A fórmula 1 é cativante porque é muito mais difícil de transmitir”.
Em 1996, Galvão estreia como comentarista esportivo no 'Jornal Nacional', fazendo parte da mudança conceitual na apresentação do telejornal A ideia era promover jornalistas envolvidos com a produção de conteúdo para a bancada. Logo em um de seus primeiros editoriais, Galvão falou do desempenho de Rubens Barrichello no GP do Brasil.

'Jornal Nacional': Galvão Bueno no comentário esportivo, 01/04/1996.
Narrações épicas
Das narrações que fez de automobilismo, Galvão Bueno destaca a conquista dos dois títulos de Nelson Piquet, em 1983 e 1987, e os três campeonatos de Ayrton Senna, em 1988, 1990 e 1991. Amigo pessoal de Senna, Galvão não gosta nem de lembrar da morte do piloto no Grande Prêmio de Ímola, em 1º de maio de 1994.

Globo Repórter: Morte de Ayrton Senna, 06/05/1994.
No futebol, considera um privilégio acompanhar de perto os títulos da seleção canarinho. Participou da cobertura de todas as Copas a partir de 1982, e narrou as finais desde 1990 até o Mundial da Rússia em 2018. Na Copa da França, em 1998, Galvão coordenou o debate esportivo 'Bate-Bola', um quadro do 'Esporte Espetacular' com comentários sobre os jogos do torneio. Na Copa do Mundo da Coreia e do Japão, em 2002, o 'Bate-Bola' passou a ser um programa independente, exibido logo após os jogos da seleção. Além do programa, Galvão Bueno, Pedro Bial e Fátima Bernardes apresentaram o 'Brasil na Copa', exibido nas noites de domingo.
Mas um dos fatos mais marcantes de sua carreiras aconteceu fora de estádios de futebol ou pistas de automobilismo. Trata-se da cobertura dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1984. “Foi a primeira vez que se transmitiu uma cerimônia de abertura inteira. A narração foi minha e de Osmar Santos. Foram quatro horas e meia, eu falando para o Brasil, e o Boni falando no meu ouvido, mas fantástico como sempre, um gênio da televisão. Ele já realçava: ‘Diz: a maior audiência da história da televisão’. Naquele momento, você imaginava quantas pessoas no mundo inteiro estariam vendo a Olimpíada. Essas coisas ficam na cabeça da gente”, pontua.
Sobre a transmissão mais importante que fez, o narrador lembra o final da maratona feminina dos Jogos de 1984, quando a suíça Gabriele Andersen, extenuada, conseguiu completar a prova em 37º lugar, e foi ovacionada pelo público. Ele narrou ao vivo a emocionante volta final da corredora no Coliseu de Los Angeles.
Programas e bordões
Experiente, amigo de vários expoentes do esporte nacional, Galvão Bueno apresentou o programa 'Espaço Aberto', na GloboNews, de 1999 a 2001. Em 2003, estreou o 'Bem, Amigos!', no canal SporTV. A menina dos olhos da vez, aponta, é o MMA (em português, Artes Marciais Mistas), esporte que acredita ser a próxima paixão do brasileiro.
Galvão Bueno é conhecido, ainda, por seus bordões. Do longínquo “vai que é sua, Taffarel”, ao cantado “Ronaldinhooo”, terminando naquele que é seu cartão de visitas, “bem, amigos!”. “Eu nunca me preocupei em criar nenhum bordão. Algumas coisas pegam, ficam, mas vêm meio sem querer. Como a história do ‘Bem, amigos da Rede Globo’. Um dia eu fui abrir uma transmissão e me deu um branco. Eu não sabia se diria ‘boa tarde’, ‘boa noite’, o que falava – porque se estou de noite em algum lugar, pode ser de tarde no Brasil. Então, falei: ‘Bem, amigos da Rede Globo…’ E ficou. Caiu no gosto popular”, conta.
Em março de 2009, o jornalista estreou o quadro 'Na Estrada com Galvão', do Esporte Espetacular, em que entrevistou grandes nomes do futebol. Uma conversa com Kaká, no centro de treinamento do Milan, na Itália, marcou a estreia do programa.

'Esporte Espetacular': 'Na Estrada com Galvão' (2009)
Copa de 2014
Cobrindo Copas desde 1982, Galvão narrou, em 2014, a abertura da Copa do Mundo no Brasil. Durante o torneio, além da transmissão dos jogos da seleção, ele ancorou edições especiais do 'Jornal Nacional' ao lado de Patrícia Poeta, diretamente dos estádios onde a seleção estava jogando.
Da Copa no Brasil, Galvão destaca dois momentos marcantes em especial. Um foi o furo que conseguiu após a contusão de Neymar no jogo contra a Colômbia: ” O 'Jornal Nacional' ia entrar cinco minutos depois do jogo, já estava tudo paginado e aí me deu um estalo, eu peguei o telefone e liguei para o Rodrigo Paiva, assessor de imprensa da CBF, que disse:” Perdemos o nosso menino”. Eu berrei dentro do estúdio:” Para tudo, Neymar está fora da Copa”, E foi tudo ali ao vivo, ninguém sabia. A notícia foi dada aos jogadores da seleção pelo 'JN.'”
A outra lembrança inesquecível da Copa de 2014 foi a trágica derrota de 7×1 para a Alemanha: “Saiu um gol dois, três, quatro… Eu olhava para o Arnaldo, o Arnaldo olhava para mim, Onde isso vai parar?, e o Ronaldo do meu lado esquerdo foi ficando pálido, uma coisa louca. A Seleção era uma parte importantíssima da vida dele. E eu pensava: o que eu vou falar no 'Jornal Nacional' daqui a pouco? Era uma coisa diferente de tudo que já tinha acontecido.”
Galvão Bueno estará no time de locutores da Copa do Mundo de 2022, no Catar, a décima primeira de sua carreira.
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