Caçada

Parte 1

Eu me lembro do primeiro dia que o vi. Ele era tão pequeno e indefeso, aninhado na barriga de sua mãe. Nós não tínhamos certeza de quanto tempo fazia que ela tinha morrido, mas a causa da morte era óbvia. Um tiro no pescoço. Ela deve ter tentado protegê-lo e sangrou até morrer.

Naquele momento, eu sabia exatamente como ele estava se sentindo. Nem uma semana atrás, eu também fiquei órfã. Meu pai e minha mãe morreram, a caminho da igreja, quando a carruagem em que estavam perdeu o controle e caiu sobre eles. Se eu não tivesse feito birra para não ir à missa naquela manhã, eu provavelmente teria morrido com eles.

O pequenino filhote branco choramingou ao lado de sua mãe, e o meu coração se derreteu. Eu rapidamente olhei para a minha tia, que estava encarando o pobre animalzinho digno de pena, e tentando descobrir o quão furioso meu tio ficaria se levássemos ele para casa.

Eu disse, praticamente implorando: Ele está abandonado, Tia Ofélia, assim como eu. Ele morrerá se não fizermos algo.

Eu a conheci faz poucos dias, e não tinha ideia dos sentimentos dela com relação a animais. Os únicos que minha tia e o meu tio possuíam eram cavalos, galinhas poedeiras e uma vaca leiteira. Todos tinham um propósito.

Por favor, Tia Ofélia, eu vou treinar ele para ser um bom cão de guarda, implorei.

Aborrecida, ela me encarou. Achei que já tinha se decidido, mas então algo mudou, de repente. Tia Ofélia olhou para mim novamente, de maneira doce, e sorriu.  Ok, tudo bem, disse minha tia, e eu desci da sela para pegar o filhotinho no colo, ao mesmo tempo que pulava de alegria por dentro.

O pobrezinho do filhote estava debilitado, muito mal. Ele logo me encarou, com seus olhinhos azuis. Eu o segurei aninhado ao meu peito, acariciando seu pelo branco com meus dedos.

Seu tio vai ficar uma fera comigo, ela disse, mas eu não estava mais prestando atenção. Eu já estava apaixonada. Em um mundo repleto de dor, eu finalmente tinha algo para me fazer feliz. Você vai ter de tomar conta dele sozinha. Eu não quero parte nenhuma nisso. 

Sim, pode deixar. , eu sussurrei, enquanto o abraçava.

Parece que ele ainda não foi desmamado. Você provavelmente terá de dar leite a ele, até que cresça e consiga comer coisas mais sólidas.

Eu passei o filhote para ela enquanto montava no meu cavalo, e o resgatei para poder carregá-lo até a casa. Como esperado, meu tio não ficou muito feliz com mais uma boca para alimentar. No entanto, quando ela disse a ele que o filhote foi a primeira coisa que me fez sorrir desde o enterro dos meus pais, ele não teve escolha senão ceder.

Que nome dará a ele? , perguntou meu tio, enquanto Tia Ofélia servia o ensopado do jantar.

Totó. disse eu, incerta. Não é um nome muito original, mas eu nunca tinha escolhido um nome para um animal de estimação antes.

Totó é um nome bom. , disse ele, quando pegava um pedaço de carne com o garfo. Faça o favor de manter o Totó fora do meu caminho enquanto eu estiver trabalhando por aqui, entendeu?

Sim senhor, eu respondi, timidamente.  Eu mal podia esperar a refeição terminar para cuidar do filhotinho que ficou no celeiro.

Tia Ofélia sentou-se à mesa e perguntou ao marido: Que raça você acha que ele é?

Para mim ele parece um lobo disse eu, cheia de esperança. Seria muito legal ter um lobo como animal de estimação, pensei.

Sem ver a mãe do filhote, eu não posso especular.

Eu posso lhe mostrar , eu disse. Eu lembro do lugar onde o corpo se encontra.

Bom, ele não deve ser um lobo, porque não temos lobos por aqui. Só ursos, coiotes e onças.

Eu acho bom que ele não seja um lobo, disse Tia Ofélia, do contrário não poderíamos deixar você ficar com ele. Lobos são animais selvagens que devem ficar na floresta. Ele deve ser só um vira-lata. .

Eu fiquei um tanto desapontada ao ouvi-la, mas não a ponto de me chatear muito. Logo após o jantar, eu fui ao celeiro ordenhar a vaca e ver se conseguia alimentá-lo com o leite. Eu o segurei em meus braços enquanto mergulhava o dedo no leite, e então deixei que ele o sugasse. A maneira com que ele abraçava minha mão com suas patinhas era a coisa mais linda que vi.

Você é meu, todo meu, disse baixinho para ele, e eu vou te amar para sempre.

Eu comecei a ir à nova escola na segunda feira seguinte. Era um tanto assustador estar em uma nova escola onde eu não conhecia ninguém, onde não tinha amigos. Não acho que teria muitos mesmo ou que pudesse escolher muito. A comunidade aqui era bem pequena. Tão pequena que a igreja local servia também de escola, e todas as séries eram alocadas em uma única sala, sob uma mesma professora. Eu realmente estava a galáxias de distância da minha velha escola, na cidade. Se eu tivesse ficado na cidade, eu teria me formado em uma turma de cem alunos. Aqui, eu me formaria em uma turma de três.

Tia Ofélia me acompanhou até a porta da sala de aula e me apresentou à professora. Eu podia sentir todo mundo olhando em minha direção enquanto