Sehaypóri: O livro sagrado do povo Saterê-Mawé
De Yaguarê Yamã
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Sehaypóri - Yaguarê Yamã
Mawé)
O SEHAYPÓRI
, remo sagrado e símbolo maior da identidade cultural do povo Saterê Mawé, que tem a forma de bastão e é ornamentado com grafismos que simbolizam o Sehaypóri. Nesse instrumento estão registradas as histórias tradicionais da nossa nação, ao longo dos séculos. São pintados com as cores branca e vermelha – cores extraídas do barro-branco taguatinga e das plantas urucum e jenipapo, respectivamente, cujas tonalidades realçam a importância de cada conto.
É um escrito tão importante quanto a Bíblia para os cristãos ou a Torá para os judeus, pois orienta cada um daqueles que buscam ajuda e conselhos. Assim, os Mawé o definem como Urutó’hary, Urutó ywot
(Nosso avô, nosso pai
), o livro da sabedoria, para ler e para crer; para entender o significado da vida humana e o significado mais profundo: o de ser Mawé.
A LITERATURA ORAL MAWÉ, SUA MITOLOGIA E DIVISÃO NO SEHAYPÓRI
Chamamos de literatura oral as histórias Mawé contidas no livro simbólico, escrito com grafismo, denominado Sehaypóri.
Além do sentido simbólico, as histórias mostram claramente o pensamento Mawé de educar os filhos por meio de mitos, fábulas e parábolas. Esse também é um meio usado por outros povos de sociedades tradicionais na educação de seus membros, desde a infância até a idade adulta, quando então alcançam um estágio considerado culto, dando origem a um sentimento brando com relação à mitologia e um respeito inabalável à sabedoria dos ancestrais e à crença neles.
A literatura do Sehaypóri é completa e está dividida em três gêneros: mitos, lendas e fábulas . Essa divisão é feita de acordo com o perfil de cada história dentro da literatura, em um padrão que se iguala a qualquer outra escola literária.
Os mitos são as histórias mais importantes do Sehaypóri. Neles os Mawé depositam suas crenças, pois os mitos possuem algo que não está presente em nenhum outro gênero dessa literatura oral: eles revelam a realidade contida na cultura e explicam sua existência relacionada ao ato de bravura ou à perseverança de uma pessoa, originando assim rituais e cultos de personagens. Mesmo que a existência desses personagens não possa ser comprovada cientificamente ou por meios de documentação, a crença confere-lhes um caráter real, pois acredita-se naquilo que existe, mesmo que seja apenas imaginação ou crendice.
Todo mito nasce e serve para a manutenção da vida na crença presente em uma cultura: o sagrado, o verdadeiro, elementos importantes de uma sociedade. Assim são os mitos para os Mawé: explicações para sua existência baseadas nas leis da natureza, tratadas com todo o respeito. Essas leis dão origem e suporte a uma religião tradicional chamada Urutópig, que significa nossa crença
.
Os mitos reúnem quinze histórias que narram as aventuras dos seus heróis: os irmãos gêmeos civilizadores Mary-Aypók e Wasary-Pót, os lendários tuxauas Ãnumaré’hi’yt, Awyató-Pót e os jovens Mipynukúri e Heté-Wakóp. Além das aventuras dos grandes heróis, esse gênero também abrange a história da origem do mundo, criado primeiramente pelos dois deuses, Tupana e Yurupary e, depois, pelos enigmáticos Painí-Pajés. Incluídas nessa coleção estão também as origens dos clãs, da água, do timbó, da castanha e do guaraná, protagonizados pelos personagens Yakumã, Wkumã-wató e Anhyã-muasawê, irmãos semi-humanos que habitaram o planeta antes dos Mawé.
As lendas são compostas por cinco histórias, que não têm a pretensão de representar a verdade das coisas. Elas explicam, de forma simples, a origem dos Mawé e têm uma importância média dentro da tradição oral do povo. Elas foram contadas e criadas com esse intuito há centenas e centenas de anos, dando origem ou continuidade à literatura sonora da tradição Mawé.
Embora sejam em menor número que os mitos, as lendas possuem uma composição verbal rica e cheia de enredos permeados por aventuras fabulosas, e não deixam nada a desejar quando em comparação com outras histórias. Dizem que são um complemento ou uma extensão dos mitos, porém narradas de forma menos complexa, mais leve.
Nesse gênero, há histórias que narram a origem do caju e da mandioca, alimentos que, apesar de serem importantíssimos na cultura Mawé, tal qual o guaraná, por algum motivo não estão incluídos nas narrações do gênero dos mitos. O porquê disso não sabemos; porém, vale lembrar que a maior parte dessas histórias foi criada há centenas de anos pelos mais antigos, que deram origem ao povo atual e, por isso, pode haver alguma explicação remota que, no entanto, não chegou ao nosso conhecimento. Mas, por se tratar de lendas – com enredos bem mais claros e leves que nos demais gêneros –, não precisam de mais explicações, podendo ser entendidas pura e simplesmente por meio das narrativas. As fábulas são compostas oficialmente por sete histórias menores – com um ou dois episódios cada uma. Todas elas foram imaginadas com o objetivo de fazer incutir no pensamento da criança a crença da supremacia da inteligência sobre a força física. Cada um dos episódios consiste no desenvolvimento desse pensamento geral ou de algum outro que lhe seja subordinado.
As fábulas têm claramente um significado educacional. Elas mostram o quanto os homens podem aprender com os bichos, revelando os sentimentos humanos como forma de esclarecimento, como nas fábulas de outros povos. As narrativas Mawé não são diferentes, nem têm menos agilidade. Elas contribuem para a compreensão e o aprendizado da criança.
O POVO MAWÉ
Os Mawé ou Saterê Mawé são um povo indígena heterogêneo originado do tronco Tupi, pertencente à etnia Tupi-Guarani. São trilíngües: falam o idioma nacional Saterê, o português (implantado pela sociedade dominante), além da língua geral, o nhengatu, falada por parte dessa sociedade que, por estar há mais de trezentos anos em contato com os brancos, atualmente vive em estado de integração, o que lhe tirou muito de sua tradição.
Em sua cultura original, os Mawé são organizados e divididos em cinco clãs tribais: Saterê, o clã principal e detentor dos direitos políticos
do povo; Napu’wany’ã, o clã agricultor; Koreriwá, o clã caçador; Watunriá, o clã pescador; e Hwariá, o clã guerreiro. Além desses cinco, há outros clãs menos importantes pertecentes a cada clã principal: o Awi’á, ou clã das abelhas, o Wasaí, o Ga’ap, o Mói, o Waraná, o Maraguá (independente) e o Hamaut.
Os Saterê Mawé habitavam uma larga faixa de fronteira situada entre os Estados do Amazonas e do Pará, numa região conhecida como Mawézia, a pátria dos Mawé. Essa região abrange os municípios de Parintins, Barreirinha, Boa Vista do Ramos e Maués, no Amazonas, e Itaituba e Aveiro, no Pará. Localiza-se a leste da segunda maior ilha fluvial do mundo, a ilha Tupinamba’rana, berço da civilização Mawé. Atualmente os Mawé ocupam somente um terço dessas terras, que foram demarcadas pela Funai com o nome de Área Indígena Andirá-Maráw, nos confins do território original.
Ao todo, formam uma população de 12 mil pessoas, distribuídas dentro e fora da fronteira do seu território. Muitos vivem em cidades vizinhas, como Parintins, Maués e, também, em Manaus, capital do Amazonas.
Tradicionalmente, os Mawé são governados por tuxauas, governantes que administram as vilas e as aldeias. Eles são eleitos pelo conselho de anciãos ou pela própria comunidade para representá-la no conselho geral do povo. Cada vila e cada comunidade tem o seu tuxaua, e o conselho de todos os tuxauas elege um tuxaua maior para governar o clã, e as associações de tuxauas elegem um governador maior, denominado tuxaua-geral. Existem dois tuxauas-gerais, pois há duas áreas administrativas: a área indígena do rio Andirá, incluindo a região dos rios Mamuru, Mariakuã e Waikurapá e a área indígena do rio Maráw, que abrange os vales dos rios Urupady, Mawés-Açu, Majuru e Mary-Mary.
Os Mawé são conhecidos como o povo do guaraná
, o primeiro a praticar agricultura dessa planta originária das terras pretas e férteis da região dos rios Mawés-Açu, Maráw, Mamuru e Andirá – os rios sagrados dos Mawé.
, que vamos tratar neste livro), pelas festas nacionais, como o Waiperiá. O Waiperiá é o ritual da passagem da adolescência para a idade adulta. Nessa cerimônia, os participantes calçam luvas cheias de tukanderas – formigas venenosas – e são por elas picadas enquanto dançam e entoam o hino sagrado. Esse rito tem o propósito de tornar os meninos homens corajosos, valentes guerreiros, bons pescadores e bons caçadores e serve também para ensinar-lhes a suportar a dor e a prevenir qualquer doença, como gripe, catapora, malária, sarampo etc.
Os Mawé dedicam-se a artes plumárias, como as famosas luvas de tukandera
, tecelagens, colares de penas e de dentes, utensílios de pesca e domésticos, além da carpintaria fluvial, como vários tipos de canoas e outras embarcações.
Entre seus costumes tradicionais, pode-se citar a afiação dos dentes para ajudar a mastigação de peixes e caças – base de sua alimentação – e o hábito de tomar bebidas, como o sakpó, o kaxiry, o tarubá, o basapó e a kaxiromba, e ainda inúmeros vinhos
(sucos) regionais como o wasay, a bacaba, o cupuaçu, o taperebá, o uxy, o kaioé e o patawá.
O vermelho e o preto são suas