Gestos de cuidado, gestos de amor: Orientações sobre o desenvolvimento do bebê
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Gestos de cuidado, gestos de amor - André Trindade
Bibliografia
PREFÁCIO
O CORPO FALA?
O livro de André Trindade chega às livrarias a fim de socializar anos de experiências, vivências, pesquisas e observações decorrentes da crença de que o gesto humano tem um sentido, uma intencionalidade, que precisa ser traduzido e compreendido por adultos que convivem com bebês e crianças, para seu pleno bem-estar.
A obra reflete o trabalho desenvolvido pelo autor, tanto em creches e escolas, particulares e públicas, quanto em consultório e em entidades assistenciais, o que amplia a abordagem do livro e atende às necessidades de pais, professores e cuidadores de bebês e crianças do nascimento aos 3 anos. A leitura prioriza o desenvolvimento motor e mental nessa faixa etária, sem o uso de tabelas e gráficos convencionais, mostrando que é possível um outro enfoque: o da relação afetiva, que constrói vínculos capazes de proporcionar ao bebê um crescimento saudável, respeitando seu ritmo pessoal de desenvolvimento.
Em uma linguagem objetiva, de fácil compreensão e com muitos exemplos, o autor mostra ao público que é possível equilibrar essa relação, na qual adultos e crianças interagem e aprendem a se escutar, olhar-se, sentir o que o outro tem a expressar e a comunicar na linguagem corporal. Essa construção é feita no contato dos corpos, dos olhos, da pele, da espera afetiva de um tempo
para que o adulto cuidador possa se sintonizar com as necessidades, os desejos e as faltas do bebê – caminhos amorosos de aprendizagens.
Como educadora e pesquisadora da infância, conheci o trabalho de André Trindade em 1996, o que me causou grande impacto pela sensibilidade de seu olhar afetivo sobre o corpo humano, por sua visão de que o corpo é um veículo de expressão e comunicação, por sua presença por inteiro no trabalho com crianças e educadores que acompanhei: corpo e alma em conexão, produzindo conhecimento e autoconhecimento, espelhando a identidade de cada um.
Além da relação afetiva, o mergulho sobre as fases evolutivas do desenvolvimento motor da criança, fruto de seus estudos com Godelieve Denys-Struyf, Marie-Madeleine Béziers e Yva Hunsinger (referências teóricas básicas no livro), mostra que o corpo fala
. A linguagem do movimento precisa ser compreendida por pais, professores, babás, recreacionistas, assistentes sociais, enfermeiras, pediatras, enfim, por cuidadores da infância.
Ao ler o livro de André Trindade, recordo-me das palavras de Madalena Freire: Aprender é superar modelos, recriando-os e, ao mesmo tempo, construindo o próprio
. Gestos de cuidado, gestos de amor proporciona aos pais, professores e cuidadores em geral instrumentos básicos para a construção de referenciais pessoais a fim de que lidem com bebês e crianças, favorecendo um desenvolvimento saudável e amoroso.
Vale a pena destacar que o autor aponta a importância do brincar no fortalecimento do vínculo entre o bebê e seu cuidador. O brincar é um caminho genuíno de aprendizagem na primeira infância, capaz de criar situações de encantamento, estranhamento e proximidade de contato entre o adulto e a criança. O livro aborda com originalidade as brincadeiras corporais e a intencionalidade dos gestos como fontes de conhecimento, imaginação e fortalecimento de vínculos afetivos.
O cuidar com afeto e sensibilidade requer uma busca constante de novas reflexões. O livro traz dicas
a fim de ajudar o adulto responsável pelo bebê a superar suas dificuldades cotidianas e a ampliar seu olhar diante de eventuais sentimentos de não saber
lidar com determinadas reações do bebê. Muitos exemplos e ilustrações completam o texto, que auxilia o adulto a apresentar o mundo à criança, transformando-se em um cuidador mais sensível.
A leitura atenta das palavras de André Trindade pode se transformar em uma referência básica para todos os que lidam com a primeira infância; um livro de cabeceira que, de fato, trará benefícios à criança, conduzindo a uma vida saudável, na qual corpo e mente possam se conectar em situações de acolhimento, limites e desafios.
O convite à descoberta está feito. Com certeza, o leitor encontrará respostas nas páginas seguintes que muito o ajudarão na desafiadora tarefa de educar e cuidar por inteiro de bebês e crianças de até 3 anos. A presente obra muito tem a contribuir para essa missão.
MARIA ALICE DE REZENDE PROENÇA
Mestre em Didática pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp) e historiadora
APRESENTAÇÃO DO AUTOR
UM POUCO DE HISTÓRIA PARA CONTAR
Continuidade, coerência e permanência parecem formar a base sólida do desenvolvimento inicial do indivíduo.
No ano de 1989, concluí minha formação no centro de Cadeias Musculares e Articulares G.D.S.¹ em Bruxelas, Bélgica. Ao longo de quatro anos, participei de estágios oferecidos a estrangeiros interessados no método. Nosso grupo era formado por médicos, fisioterapeutas, terapeutas corporais, psicólogos e profissionais de diversas áreas e de vários países. Todos tínhamos em comum o desejo de compreender o movimento humano em sua complexa dimensão mecânica e comportamental.
Encontrávamo-nos três vezes por ano, em estágios que duravam cerca de uma semana cada um. Eu vivia no Brasil, cursava a faculdade de Psicologia e já me interessava pelo trabalho com crianças.
Cada estágio na Bélgica representava um verdadeiro mergulho
neste tema que se tornou central em minha vida profissional: o conhecimento do corpo e da dimensão expressiva da postura. Antes disso, porém, ao prestar vestibular, eu havia hesitado entre a faculdade de Fisioterapia e a de Psicologia. Sabia que qualquer escolha acadêmica implicaria uma busca por informações complementares para atingir meu objetivo de integrar corpo e mente em um trabalho terapêutico.
Os estágios na Bélgica cumpriram essa função: estudávamos profundamente a ação dos músculos, das articulações, da estrutura óssea e ao mesmo tempo o comportamento expresso por meio dos gestos e das posturas.
Tive sorte de contar com excelentes professores, entre eles Godelieve Denys-Struyf, criadora do método.
Nesse mesmo ano de 1989, o interesse pela psicomotricidade me levou a conhecer Marie-Madeleine Béziers², autora do livro A coordenação motora. Iniciou-se uma nova fase de estudos.
Meus encontros com madame Béziers ocorreram em Paris, por doze anos consecutivos, nos meses de janeiro ou fevereiro, quando eu estava em férias das atividades do consultório. Chegava a ficar por um mês em Paris, e a cada dia nos encontrávamos por cerca de duas horas. Iniciávamos nosso estudo diário com uma sessão de trabalho sobre meu próprio corpo, já que seu método se aplica tanto a bebês quanto a crianças e adultos. Ela me deu a oportunidade de ter sua mão e seu olhar orientando meus gestos e minha postura. Em seguida ao tratamento, partíamos para leituras de textos e discussões de vídeos de tratamentos de bebês. Depois de alguns anos, era eu quem levava os vídeos dos tratamentos que realizava no Brasil para nossas discussões. Muitas vezes, Yva Hunsinger, sua irmã e também autora do livro O bebê e a coordenação motora, participava de nossas discussões. Embora tenha sido um período de trocas e crescimento profissional, toda vez que eu voltava ao Brasil carregado de informações, sentia falta de poder aplicar tudo que havia aprendido.
Assim, em 1991, decidi oferecer meus serviços a uma instituição pública de amparo à infância na cidade de São Paulo, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), unidade Sampaio Viana, hoje extinta.
Por meio do sistema de voluntariado, ingressei no Movimento de Apoio à Integração Social (Mais), organização pioneira em atendimentos voluntários ligada à Febem. Convidei Presciliana Straube de Araújo, fisioterapeuta com experiência em atendimentos de crianças com distúrbios neurológicos, para se juntar a mim.
Trabalhamos por quase dois anos, atendendo bebês com os mais variados distúrbios. O que todos tinham em comum era a experiência de descontinuidade, incoerência e impermanência.
Tudo era fragmentado e interrompido na vivência dessas crianças, a começar pela condição de afastamento dos pais, a inconstância ou a impossibilidade de visitá-los. Muitas vezes, as crianças eram afastadas dos pais por conta da instabilidade emocional e mental destes. Os cuidadores, embora tivessem extrema boa vontade, eram poucos e, nas trocas de seus turnos, não chegavam a estabelecer vínculos significativos com as crianças. A criança nunca sabia quem encontraria no próximo turno.
A organização do espaço era caótica. As crianças dormiam cada dia em um berço diferente, vestiam roupas umas das outras, o ambiente era barulhento e a agitação pairava no ar.
Foi um período de muito aprendizado e ao mesmo tempo bastante difícil pelos limites de possibilidades de atuação. O trabalho restringiu-se ao atendimento das necessidades individuais de alguns bebês. Pudemos interferir pouco na organização da rotina das crianças, em seu ambiente e no fortalecimento do vínculo afetivo entre elas e seus cuidadores.
Hoje, colaboro com creches públicas da cidade de São Paulo e estou desenvolvendo projetos de humanização dos cuidados na primeira infância. A situação é diferente daquela que encontrei no passado, pois, nos projetos atuais, tenho como principal objetivo o trabalho com o professor de creche, informando-o e sensibilizando-o sobre muitos dos temas tratados aqui.
Ao longo dos anos, mantive os atendimentos aos bebês em meu consultório particular. Nesses atendimentos, trato das dificuldades encontradas por bebês e suas mães no curso de seu desenvolvimento inicial: dificuldades motoras, de coordenação, de sono, de alimentação, bem como questões ligadas ao relacionamento da dupla mãe–bebê, são os temas mais comuns no consultório.
O desenvolvimento da criança se dá em um fluxo natural de evolução e crescimento. Cada conquista no plano físico (sentar, engatinhar, andar, entre outras) corresponde a uma conquista no plano comportamental.
Quando uma interrupção ocorre nesse fluxo, cabe a nós cuidadores procurar entender quais são as necessidades e as dificuldades vividas pela criança. Nosso papel será o de ajudá-la nas difíceis passagens entre uma etapa e outra.
Os procedimentos terapêuticos envolvem invariavelmente a mãe e o bebê.
Por um lado, a intervenção sobre o corpo do bebê se dá por meio da reorganização corporal. O tratamento utiliza-se do toque preciso e de algumas massagens dirigidas sobre a pele para restaurar a coordenação e o movimento saudável da criança.
Em relação à mãe, a ação terapêutica consiste no acolhimento de suas dúvidas e possíveis angústias diante das dificuldades. É preciso transmitir a ela informações capazes de assegurá-la, tranqüilizá-la e, ao mesmo tempo, orientá-la nos gestos diários de cuidados com seu bebê.
Freqüentemente, surpreende-me a rapidez com que os problemas se desconstroem
e a vida retoma seu fluxo natural de evolução, após essas intervenções.
Fora os casos realmente graves, que precisam de acompanhamento prolongado, o trabalho com bebês tem resultado em poucas sessões.
Não se trata de oferecer soluções milagrosas
, mas o fato é que a força da vida é tão intensa nesse período que a intervenção terapêutica – muitas vezes educativa