Ônus da prova e exceção de segurança: Nos atos de facções tipicamente terroristas
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Ônus da prova e exceção de segurança - Francisco Mailson de Oliveira Silva
PARTE I
1. PRINCÍPIOS NO PROCESSO PENAL
1.1 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES
O ordenamento jurídico deve ser analisado e interpretado como um sistema hermético, de forma sistemática, não podendo ser diferente quando da aplicação da norma processual penal. Com esse introito, é importante afirmar que o Código de Processo Civil trouxe dispositivo que torna a obrigação de fundamentar a decisão, impedindo que o juiz sentencie ou decida de forma vaga e simplória, sendo vedado fazer uso de cláusulas gerais ou conceitos abertos para aplicar a lei ao caso concreto.
A Constituição Federal insculpe no art. 93, inc. IX a imprescindibilidade de fundamentar, motivar a decisão. O axioma de ter a decisão motivada reflete no princípio da imparcialidade do juiz que deve se pautar nos fatos gravitantes nos autos e no juízo cautelar, não significando que, por pairar risco social, o magistrado decrete a prisão preventiva sem que haja mosaico fático para amparar sua decisão, sendo vaga e imotivada a decisão que se centra em especulações, em juízos de verossimilhança sem que haja arcabouço probatório suficientes para afastar a dúvida razoável de que o réu cometeu ou não determinado fato apurado em processo penal.
Extraindo-se da norma do art. 489, §1º do CPC obtemos o seguinte entendimento:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Em comentários ao dispositivo legal acima extraído, NEVES (2016, p. 125):
Sob o ponto de vista político a motivação se presta a demonstrar a correção, a imparcialidade e lisura do julgador ao proferir a decisão judicial, fundamentando o princípio como forma de legitimar politicamente a decisão judicial. Permite um controle da atividade do juiz não só do ponto de vista jurídico, feito pelas partes no processo, mas de uma forma muito mais ampla, uma vez que permite o controle da decisão por toda a coletividade.
Chama a atenção do operador em processo penal que o juiz, ao decidir pela prisão preventiva, faz uso do art. 312 do CPP para lastrear sua decisão; contudo, decretar a prisão do réu sem que haja fundadas razões de periculum libertatis e que as provas não induzem a certeza de que o réu é um risco social, é aplicar cláusulas gerais como ordem pública, aplicação da lei penal, para manter o réu preso cautelarmente.
Destarte, como o CPC traz norma mais clara de que a sentença ou decisão é carente de fundamentação quando, por exemplo, emprega conceitos jurídicos indeterminados, ou apenas se reporta ao texto do art. 312 do CPP para decidir. Decisões desse jaez devem ser debatidas em sede do Tribunal, apontando que não foi fundamentada, que é carente de razões jurídicas e fáticas. Não há como prosperar uma decisão judicial que decreta a prisão preventiva sem que se ancore nos fatos reais (e não especulações) de que o réu se enquadra na lesão à ordem pública, que o réu está atrapalhando a instrução processual ou mesmo a aplicação de lei penal, enfim, no Estado de Direito que prima pelo devido processo legal e de que as decisões devem ser fundamentadas, não se pode esperar outra conduta do juiz ao aplicar o art. 312 do CPP.
Deveras, a normativa do art. 312 do CPP é recheada de cláusulas abertas, tão abertas que o estado-acusação e o estado-juiz podem preencher com eloquência jurídica aquilo que dos fatos não inspira a imprescindibilidade de édipo de prisão cautelar.
1.2 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E PRISÃO CAUTELAR
Essa garantia constitucional da não culpabilidade, ou presunção de inocência, tem cunho garantista a fim de que o réu não seja submetido à regime a que somente o condenado definitivo deve passar. No entanto, como o próprio STF vem decidindo, embora exista a presunção de inocência, não significa que não haja possibilidade de se harmonizar a prisão cautelar.
Visto sob esse prisma, cabe tecer que a prova de circunstâncias que revelem que o réu deva ser segregado cautelarmente deve ser mais robusta do que a concernente à manutenção do réu como condenado, sendo, portanto, dois regimes de apreciar e submeter a prova para custodiar o réu da sociedade: a que rompe a presunção de inocência (exigindo mais profundidade na apreciação da prova) e na do réu condenado.
O mergulho do juiz no mosaico de provas para manter ou decretar a prisão cautelar é de suma importância para afastar essa cláusula geral do réu de liberdade para dar espaço para o poder estatal de perseguir, prender e condenar o réu. A persecução penal não pode, estampado na cláusula do dever de atuar do titular da ação penal, um vórtice sem limites de perseguição. A liberdade do réu encontra-se em cheque em cada movimento do titular da ação penal, não sendo razoável afastar a presunção de inocência, decretando a prisão preventiva, se as provas do caso não são robustas, mas especulativas.
Em decisão da lavra da Min. Laurita Vaz, da 5ª Turma do STJ no recurso ordinário em habeas corpus n. 226.014 - SP¹, temos a observância da aplicabilidade do princípio da presunção de inocência como forma de dar maior peso ao direito do réu de permanecer em liberdade, do que a ânsia do estado-acusação de ver o réu preso preventivamente:
A prisão preventiva é excepcional e só deve ser decretada a título cautelar e de forma fundamentada em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência. O STF fixou o entendimento de que ofende o princípio da não culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP. Assim, verificou-se a ilegalidade da medida cautelar no caso; pois, como o paciente encontrava-se em liberdade durante a tramitação da apelação e não foi fundamentada a necessidade da imediata aplicação da medida de segurança de internação, ele tem o direito de aguardar o eventual trânsito em julgado da condenação em liberdade. Destaque-se que a medida de segurança é uma espécie de sanção penal ao lado da pena, logo não é cabível, no ordenamento jurídico, sua execução provisória, pois a LEP (arts. 171 e 172) determina a expedição de guia pela autoridade judiciária para a internação em hospital psiquiátrico ou submissão a tratamento ambulatorial, o que só se mostra possível depois do trânsito em julgado da decisão.
Outra situação, dessa vez afastando a presunção de inocência, deu-se no caso de repercussão nacional foi o do Goleiro Bruno² em que nem na fase de investigação nem tampouco na fase da ação penal e julgamento, se conseguiu localizar o corpo da vítima, havendo apenas provas indiretas para constatar o crime cometido, portanto materialidade delitiva. Contudo, analisando os autos do processo principal, evidencia-se que antes do publicado sumiço da vítima, no período da gestação, já existem fatos demonstrando que o Goleiro Bruno estava insatisfeito, e que, inclusive, já tinha ameaçado de morte a vítima, por diversas vezes, para abortar, o que esta não concordou. Dessume-se desses eventos que, embora o corpo da vítima, até hoje, seja desconhecido, os fortes indícios anteriores ao crime e a prova indireta colhida, revelaram para o Conselho de Sentença de Contagem-MG que havia autoria e materialidade, sendo salutar a condenação, e não absolvição.
Muito se tem para revisar a forma e proceder da magistratura diante do acervo probatório a fim de decretar ou manter a prisão cautelar, haja vista que a liberdade do réu e a sua presunção de inocência não podem ser afastados diante do dever estatal de perseguir o possível criminoso.
1.3 DEVIDO PROCESSO LEGAL
O due process of law é cláusula assente na Constituição, de inspiração norte-americana, tendo por concepção que o Estado de Direito, ao criar as regras de procedimento, de averiguação, de trâmite, não pode desrespeitar ao arrepio da lei. O devido processo legal exige do agente estatal mais cuidado no proceder diante do suspeito, do réu. Geralmente essa cláusula é vilipendiada na fase de investigação, no nascedouro do cometimento do crime, quando, por exemplo, a polícia está nas ruas observando, intervindo, fazendo buscas, dentre outra gama de atribuições, intercepta o suspeito. Porém, muitas vezes, existe um flagrante forjado pelo agente estatal, quando introduz quantidade de droga na casa do averiguado, para levá-lo à condenação por tráfico de drogas.
As realidades são chocantes, como a que se observa no caso nº 3 do Capítulo IV da presente obra, em que houve o flagrante forjado, levando à absolvição do réu com a exclusão da prova ilícita. No entanto, uma reflexão é bem salutar nesse ponto: o devido processo legal é aplicado ao Estado como um todo, sendo vedado proceder ao arrepio das regras previamente estabelecidas, como o CPP e outras fontes legislativas, porém, ao suspeito, ao réu, é possível se desfazer de evidências, destruir provas, agir de má-fé para não ter elementos de convicção para a condenação? O dever de lealdade é exigido de ambas as partes no proceder penal, não sendo passível se cogitar que a destruição de evidências se enquadre na cláusula de não produzir prova contra si mesmo.
As evidências já existem no mundo fenomênico, sendo que a conduta do suspeito vem fulminar esses elementos a fim de não conduzir a uma condenação penal. Não há produção de prova contra si mesmo, mas deslealdade e má-fé do suspeito, uma obstrução da justiça, proceder ao extermínio de evidências vocacionadas à verdade do caso.
1.4 RAZOÁVEL DURAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE PRISÃO
A legislação processual brasileira é omissa na previsão do tempo, prazo de eficácia da medida cautelar de prisão preventiva, deixando ao prudente juízo de adequação e proporcionalidade do magistrado se a medida está sendo excessiva ou não. Há, portanto, discricionariedade gritante.
Na análise do Codice del Procedura Penale, a que remetemos o leitor ao Capítulo III da presente obra, traz análise do dispositivo legal do direito processual italiano que preconiza prazos de duração da medida cautelar, sendo sublime com escopo de dar proteção a razoável duração do processe em prol do réu e de que o estado-acusação e o estado-juiz estaria adstritos a observarem os prazo de eficácia das medidas cautelar como forma de tutelar a ordem jurídica, a liberdade do réu, maximizando a atuação do órgão acusador. De duas, uma: ou se reúnem provas suficientes em tempo hábil e se encerra o processo criminal, ou, devolve-se a liberdade do réu diante da fruição do prazo da medida cautelar previamente insculpida.
Não se coaduna com o garantismo penal previsto na Constituição Federal de 1988 com a ausência total de prazos de duração de medidas cautelares de prisão cautelar, sendo afronta aos princípios da proporcionalidade, da razoável duração do processo, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. O réu está sujeito às vicissitudes do processo quando se designa audiência de instrução, após 9 meses preso preventivamente, e, na data aprazada, as testemunhas de acusação faltam, redesignando-se a audiência para outra data. Com isso, o réu tem que se sujeitar a essas intempéries do processo. Se existisse um prazo de medida cautelar, certamente o réu já deveria ser posto em liberdade por inoperância do Estado-juiz e, ainda, favorável à acusação que teve a audiência redesignada porque suas testemunhas faltaram.
Interessante julgado do STJ no habeas corpus n. 220.218 - RJ³, da Min. Laurita Vaz, da 5ª Turma, em que se pode ver a mitigação da cláusula razoável duração do processo, mas que constrange a liberdade do réu ao se privar sua liberdade por inoperância do Estado, Vide excerto do julgado abaixo, por ser importante sua reflexão:
A Turma discutiu se há excesso de prazo na formação da culpa, quando o paciente encontra-se preso há mais de um ano, sem recebimento da denúncia. Entendeu-se, por maioria, que os prazos indicados para a conclusão da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, pois variam conforme as peculiaridades de cada hipótese, razão pela qual a jurisprudência os tem mitigado à luz do princípio da razoabilidade. Assim, somente se cogita da existência de constrangimento ilegal por eventual excesso de prazo para a formação da culpa, quando o atraso na instrução criminal for motivado por injustificada demora ou desídia do aparelho estatal. No caso, o processo é complexo, pois há vários corréus, integrantes da organização criminosa e, no curso da instrução criminal, o paciente foi transferido para estabelecimento penal federal de segurança máxima, ou seja, para estado distinto do distrito da culpa, o que demanda a expedição de cartas precatórias. Concluiu-se, portanto, que não há constrangimento ilegal por excesso de prazo.
Mesmo que haja complexidade no caso, como na situação suso, não é obrigação do réu permanecer à deriva diante das operações do Estado no combate ao crime organizado. Por inexistir prazo de duração da prisão cautelar o estado-juiz tende a se ancorar nas vicissitudes, nos acontecimentos externos, para transferir a responsabilidade de morosidade na conclusão do processo ao réu. Não se pode olvidas na vedação de proteção insuficiente a que o Estado deve ao corpo social e ao réu em processo penal. A persecução e julgamento deve observar prazos, sob pena de lesão às garantias do réu e a base do garantismo penal da Constituição Federal de 1988.
1 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1139772&num_registro=201102812004&data=20120430&formato=PDF, acessado em 10 de janeiro de 2019.
2 Disponível em: https://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_movimentacoes.jsp?comrCodigo=79&numero=1&listaProcessos=10035624, acessado em 10 de janeiro de 2019.
3 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1122650&num_registro=201102335860&data=20120910&formato=PDF, acessado em 10 de janeiro de 2019.
2. O ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL
Na cadeia de custódia da prova, em que, desde o momento do crime no mundo fenomênico, com a introdução da prova no processo, até sua efetiva valoração pelo julgador, o tempo decorrido entre a deflagração de inquérito, ou outro procedimento investigativo, e a prolação de sentença de mérito, pode agravar a situação pessoal do réu ou, na melhor das hipóteses processual, culminar em sua absolvição por ausência de provas. Contudo, o tormentoso é o esperar a sentença, mantendo-se o acusado preso, mesmo sem carga probatória suficiente para tal desiderato.
É no inquérito policial quando se iniciam, corriqueiramente, os trabalhos de colheita de provas para subsidiar o titular da ação penal na denúncia. As provas colhidas, como celular da vítima, gravações ambientais por meio de circuito interno, cápsulas deflagradas, testemunhas oculares do momento do crime, pegadas, rastros, enfim, uma gama de elementos de informação são conduzidos pelo presidente do inquérito policial, a fim de que se tenham elementos circunstanciais para apontar na direção do autor ou partícipe do crime.
Não é raro existirem apenas testemunhas oculares, por exemplo, de um homicídio ocorrido no período noturno, em que uma testemunha afirma, em sede policial, que viu uma pessoa encapuzada disparar uma arma de fogo e, também, que viu uma tatuagem na perna do suspeito. Por infelicidade do destino, pegam um suspeito com uma tatuagem na perna e, desse fato, decreta-se a prisão do suspeito.
No caso acima relatado, o elemento de informação probante é uma testemunha que afirma ter visto uma tatuagem na perna do suspeito e, dessa informação, que