A Aplicabilidade das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil
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A Aplicabilidade das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil - Marcelo Di Rezende
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1. OS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL
1.1 - CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.2 - DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO INTERNACIONAL
1.3 - A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL
1.4 - DIGNIDADE HUMANA - FUNDAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS
CAPÍTULO 2. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E SUA CORTE
2.1 - BREVE HISTÓRICO E COMPONENTES DO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.
2.2 - ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
2.3 - AS COMPETÊNCIAS CONSULTIVA E CONTENCIOSA DA CORTE
2.4 - OS PROCEDIMENTOS DA CORTE.
CAPÍTULO 3. A ATUAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NOS CASOS BRASILEIROS
3.1 - CASOS BRASILEIROS JULGADOS PELA CORTE.
3.1.1 - Caso Ximenes Lopes
3.1.2 - Caso Nogueira de Carvalho
3.1.3 - Caso Arley Escher e outros
3.1.4 - Caso Garibaldi
3.1.5 - Caso Presídio Urso Branco
3.1.6 - Caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia)
3.2 - LEI DA ANISTIA E DIVERGÊNCIAS JURÍDICAS.
3.3 - A IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DA CORTE NO BRASIL.
3.4 - O STF BRASILEIRO FRENTE ÀS DECISÕES DA CORTE.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Anexo I
Anexo II
Anexo III
Anexo IV
Anexo V
Anexo VI
Anexo VII
Anexo VIII
Anexo IX
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Os direitos humanos consistem em temática de interesse geral que suscita grande diversidade de opiniões, e vem sendo discutida crescentemente na América Latina nas últimas décadas em razão do processo de democratização.
No cotidiano forense, os diversos profissionais do Direito (advogados, juízes, desembargadores, ministros, promotores, procuradores etc.), se deparam frequentemente com situações fáticas em que buscam lidar com medidas baseadas no Direito Positivo, mas nem sempre nas noções correntes de Justiça.
É de conhecimento que em alguns momentos, costumam surgir questões que exigem destes profissionais o discernimento entre tais conceitos, momentos estes muito bem captados e imortalizados pelo jurista uruguaio Juan Eduardo Couture Etcheverry (1999, p. 38), que pontuou: teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça.
A questão da implementação das decisões oriundas de tribunais internacionais, em especial, da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, é de suma importância para o Estado signatário do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como o Brasil.
Com relação à responsabilidade estatal pela proteção dos direitos humanos, tem-se que o Estado brasileiro se submete ao Direito Internacional na promoção e resguardo desses direitos, o que consolida a ideia do Estado Democrático de Direito e legitima o país frente à comunidade internacional.
Constatou-se, que as normas que devem prevalecer, em eventual colisão de preceitos e direitos, serão aquelas mais benéficas ao ser humano, utilizando-se a interpretação pro homine.
As frequentes violações dos direitos reconhecidos pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos pelo Estado Parte, in casu, o Brasil, deixa as pessoas indefesas, visto que aquele sujeito que deveria garantir tais direitos é o mesmo que transgride esse instrumento de proteção.
Há muito o Estado Brasileiro não responde com a devida diligência às demandas de seus cidadãos dentro de um prazo razoável, principalmente àqueles das classes situadas na base na pirâmide social. E estas ações ou omissões nacionais configuram-se, em grande parte, violação dos direitos protegidos pelos artigos 8.1 e 25, em relação com o artigo 1.1 da Convenção Americana, que é referendada pelo nosso país.
A questão evidenciou-se como uma suposta incompatibilidade entre alguns preceitos da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a legislação interna brasileira, e diante dessa antinomia, indaga-se: qual deveria prevalecer? E ainda, qual o método de interpretação e de ponderação a ser utilizado? Esse método deveria variar de acordo com a norma interna cuja ponderação se pretende efetivar, seja ela materialmente constitucional, formalmente constitucional ou infraconstitucional?
Este livro relata a concreta possibilidade da aplicação no Brasil da jurisprudência de lavra da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De início, é verificada a necessidade de se ater aos julgados exarados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e os efeitos de sua internalização no Direito Brasileiro. De igual forma, mostra-se o quão imprescindível é a análise do nível hierárquico que as decisões da Corte possuem no ordenamento jurídico brasileiro.
No livro é analisada a eventual colisão entre preceitos inseridos na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e na legislação interna brasileira, relevando-se ponderações de valores, não exclusivamente de direitos fundamentais.
É estudado ainda qual o efeito desta internalização da submissão ou não da República Brasileira aos preceitos da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e da sua eventual desobediência no tocante à competência jurisdicional dos Órgãos Internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O artigo 8.1 da Convenção, no que é pertinente, estabelece que:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
O artigo 25.1 da Convenção preceitua com propriedade que:
Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
O artigo 63.1 da Convenção Americana dispõe que:
Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.
Deste modo, se deu a análise crítica deste conjunto teórico-jurisprudencial e sua confrontação com o paradigma brasileiro aplicado pelo STF.
Será verificada no livro a descrição histórica do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e sua relação com a evolução do conceito de direitos humanos na comunidade internacional, estes, que fizeram com que certos países seguissem o entendimento humano ditado pela CIDH.
Estes julgados, de abrangência internacional, traduzem obrigações para os Estados e direitos para as pessoas, e por isso necessitam ser debatidos, sobretudo no âmbito dos Tribunais internos.
O pouco conhecimento acerca do alcance destes direitos certamente contribui para que os mesmos não sejam efetivamente cumpridos, mas o que se percebe, já na coleta de dados e pesquisa jurisprudencial, é que as decisões da Corte têm sido, por algumas vezes, propulsoras de mudanças nas legislações internas de alguns países.
Os capítulos componentes do livro abordam respectivamente os seguintes assuntos: no primeiro capítulo falou-se da concepção de direitos humanos e a tutela no âmbito internacional, explorando o fundamento da dignidade humana para os mesmos.
O assunto do segundo capítulo foi a estrutura e funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e, mais especificamente, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Já no terceiro capítulo, foram descritos os casos brasileiros julgados pela Corte e apresentadas suas atualizações, onde foi narrado acerca da influência do STF na implementação das decisões promulgadas pela Corte nas condenações do Brasil por violações dos direitos humanos.
Também no terceiro capítulo, foi elaborada a conclusão no sentido de se diferenciar sentenças estrangeiras e sentenças da Corte, extinguindo assim, a necessidade de prévia homologação pelo STF, no caso destas últimas.
O livro tem a intenção maior de singelamente contribuir para com a elaboração de regras e critérios objetivos para aplicação específica e determinada, isto é, nos casos concretos vivenciados pelos profissionais do Direito em suas atividades ligadas ao Processo Civil, Penal e Direito Constitucional, recorrendo basicamente à pesquisa bibliográfica, doutrinária, histórica e documental (jurisprudência).
CAPÍTULO 1. OS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL
1.1 - CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais têm por finalidade promover o respaldo à dignidade do ser humano. Conjuntamente, são instrumentos de proteção indispensável que objetivam garantir um modo de vida digno, evitando prejuízo à integridade do sujeito. A Constituição Federal de 1988 prevê, em seus dispositivos, os direitos fundamentais como pilares de todo o ordenamento jurídico atual. A prática do direito deve ser, então, permeada pelo previsto constitucionalmente a serviço do cidadão.
A Revolução Industrial, seguida da evolução tecnológica e científica e da globalização, possibilitou que uma grande parte dos direitos fundamentais passasse a ser utilizada por uma delimitada parcela da sociedade mundial, porém, outra parte da população se submete ainda a ações que ofendem a dignidade humana.
A dignidade está na fonte do direito, sendo que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica (Montoro, 1999). Desta forma, consiste em valor moral e ético inviolável.
A dignidade humana é o valor dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito (Otero, 2003, p. 254).
A análise das questões que envolvem os direitos fundamentais que consolidam a guarda da dignidade humana se faz proeminente na atualidade, sendo a concretização de tais direitos necessária à consolidação do Estado Democrático de Direito, cuja concepção se relaciona à globalização e seus efeitos para os sujeitos de direito, atores de um cenário diversificado, singular e múltiplo, ao mesmo tempo, na medida em que ocorre o respeito à dignidade humana perpassado pela perspectiva pluralista, evidenciando o paradigma democrático.
Consoante Goyard – Fabre (2007), não é a visão do único a mais adequada à ordem jurídica moderna e, neste sentido, não existe o poder de um Estado, e sim a conduta de um Estado aliado ao outro, ambos inseridos em um contexto globalizado. Tal ponto de vista é observado nas circunstâncias em que um sujeito detentor de seu direito e verdade se une a outros, como por exemplo, por meio de grupos sociais em dinâmica reivindicatória.
Na sociedade contemporânea não existe somente uma ordem jurídica com poder absoluto. Ao contrário, ocorre a pluralidade de ordens jurídicas ativas no cenário global e que são compostas por várias facetas jurídicas, correspondendo a um aglomerado de valores diferentes. Neste contexto é que se constrói a atualização do Direito.
Os elementos necessários para essa reinvenção do Direito são o reconhecimento da pluralidade de ordens jurídicas e a retórica dialógica, em oposição ao monopólio estatal do direito e a sua cientificização; e a repolitização do Direito, por meio da substituição da rígida separação Estado- sociedade civil, por um outro critério analítico que inclua novas formas de sociabilidade e que veicule práticas políticas transformadoras (Foley, 2006, p. 95).
O Direito deve estar coerente com a integração entre justiça e democracia, possibilitando vias de acesso à primeira pela sociedade em geral. A questão da validação e ou legitimidade do poder estatal na perspectiva do Estado Democrático de Direito é uma reflexão constante, já que inserida neste modelo está a flexibilidade ancorada nas diferenciações circunstanciais, históricas e culturais dos muitos Estados.
É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita dos seus endereçados reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido (Habermas & Häberle, 2003, p. 68).
Em complemento ao pensamento de Habermas & Häberle (2003), tem-se a lição de Goyard – Fabre (2002, p. 484) em seu Os princípios filosóficos do Direito Político Moderno
, que diz: A norma jurídica — e também ética — só é aceita se aqueles a quem diz respeito consentem em reconhecê-la
, denotando o exercício da democracia. Segundo a autora, é este consentimento que se origina no espaço público, e para ele volta como discussão, que garante a liberdade em âmbito comunitário e não mais individual, sendo a participação democrática da comunidade no trabalho do Estado ponto chave do Estado Democrático de Direito.
Como pressupostos básicos do Estado Democrático de Direito, são enumerados por Zimmermann (2002), os seguintes:
1. A soberania é popularmente exercida por representantes políticos;
2. A sociedade é regida politicamente por uma Constituição, documento escrito, que explicita os acordos sociais entre os diversos atores da comunidade;
3. A limitação do poder do governo é feita por meio do respeito à separação dos poderes;
4. Validação dos direitos fundamentais considerados inerentes à pessoa humana;
5. Respeito ao direito das minorias;
6. Inexistência de regalias a qualquer que seja, evidenciando a igualdade entre todos perante a lei;
7. Total responsabilidade do governo, tendo sido este eleito pela sociedade por tempo pré-estabelecido;
8. Preservação de multiplicidade de partidos políticos;
9. Sujeição da vontade do governo às leis.
No Brasil, atualmente, a preocupação da sociedade civil em geral é com a efetivação do poder democrático, que demanda a consolidação dos direitos fundamentais previstos na Carta Magna e possibilitam o exercício da cidadania.
O Estado Democrático de Direito repousa na Constituição, sobretudo em seus princípios norteadores, os quais correspondem aos direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e fraternidade e também aos princípios fundamentais: soberania, cidadania, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, diversidade política e afirmação de que o poder é do povo, sendo exercido por um representante eleito.
A Constituição Federal de 1988 enumera em seu Título II os direitos fundamentais, englobando direitos individuais, sociais, difusos e coletivos, divididos em cinco capítulos, a saber: a) Direitos individuais e coletivos: Encontram-se relacionados no art. 5º e seus respectivos incisos e correspondem aos direitos relacionados à pessoa humana e sua singular personalidade, sendo direito à igualdade, à dignidade, dentre outros; b) Direitos sociais: Encontram-se na Constituição Federal a partir do art. 6º e prevê que é responsabilidade do Estado Social de Direito que o indivíduo tenha acesso à educação, saúde, trabalho, dentre outros direitos sociais; c) Direitos de nacionalidade: Correspondem à relação do sujeito com determinado Estado que resulta em direitos e deveres de ambas as partes; d) Direitos políticos: Trata-se do direito que o indivíduo possui do exercício de sua cidadania, podendo assim se envolver em questões políticas do Estado, conforme dita o art. 14; d) Direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos políticos: No art. 17 está previsto que o indivíduo, assim como os partidos políticos que o representam, possui direito à autonomia e liberdade de escolha com o objetivo de manutenção do Estado Democrático de Direito (Silva, 2006).
Segundo Abreu (2006), os direitos fundamentais são oriundos do debate acerca da constitucionalização que teve início no século XVIII, resultando hoje em vários elementos comuns no plano internacional a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas assinada em Paris em dez de dezembro de 1948.
Outras denominações dos direitos fundamentais são: direitos do homem, direitos individuais, direitos humanos e liberdades fundamentais. A única diferenciação existente entre as expressões direitos fundamentais
e direitos humanos
corresponde ao plano de aplicação dos mesmos, sendo que o primeiro se restringe à jurisdição da Constituição Federal e o segundo garante ao homem liberdade e igualdade, mas no plano internacional, assunto que será discutido mais adiante. A expressão direitos do homem
corresponde, conforme a concepção jusnaturalista, aos direitos inerentes à pessoa humana, sendo que, quando positivados juridicamente, recebem a denominação de direitos fundamentais, como é o caso da Constituição Federal Brasileira de 1988.
É importante enumerar, citando que como direitos fundamentais individuais tem-se: direito da personalidade que diz respeito à privacidade do sujeito, sua liberdade de ação, escolhas e pensamento; direito ao trabalho; direito de estar protegido contra discriminações de qualquer que seja a tipologia; direito à igualdade; direito