O Direito Probatório na Corte Interamericana de Direitos Humanos
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O Direito Probatório na Corte Interamericana de Direitos Humanos - José Eduardo Aidikaitis Previdelli
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO DIREITO E DEMOCRACIA
Aos meus filhos, Artur e Henrique, pela sabedoria infantil que, de forma pura e peralta, me incentiva a ser melhor: por eles e para eles.
AGRADECIMENTOS
À família, em primeiro lugar, cada um de sua forma, me incentivando e auxiliando para esta conquista, assim como compreendendo os períodos de ausência.
Às colegas, Bárbara Simões, Camila Buralde, Daniella Bitencourt e Graziele Costanza, pelo apoio incondicional, pelas risadas, lições e, sobretudo, pela amizade. Ao colega Jesus Tupã Silveira Gomes, pelos materiais compartilhados, construtivos debates e pelo exemplo de dedicação e generosidade na academia.
Aos professores Artur Thompsen Carpes, Luis Alberto Reichelt, Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos, pelas lições, pelos auxílios e pela gentil disponibilidade em compartilhar os conhecimentos.
À professora Ana Paula Ávila, que ensinou e cativou, com carinho, conhecimento, conduta e lições que transcenderam a sala de aula.
Ao professor João Paulo K. Forster, pela orientação pautada pela simplicidade, disposição e atenção, além dos profundos conhecimentos partilhados.
Sobretudo, ao professor Gilberto Schäfer, amigo e mestre de longa data. Na falta de palavras que possam expressar todo o apoio, incentivo e as lições, fica o mais puro e sincero MUITO OBRIGADO!
Já se vê quanto vai do saber aparente ao saber real. O saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber de realidade, quanto mais real, mais desconfia, assim do que vai aprendendo, como do que elabora.
(BARBOSA, Rui. Oração aos Moços, 1997, p. 32)
PREFÁCIO
A consideração do Direito Processual Civil sob a ótica dos Direitos Humanos é, sem dúvida, um dos filtros mais importantes para a compreensão do momento atual vivenciado por aqueles que se propõem ao enfrentamento dos desafios experimentados no cotidiano forense. Poucos esforços serão tão produtivos quanto aqueles de quem se dedica à construção de soluções que tomem o jurisdicionado a partir da perspectiva do homem que, despido de todas as máscaras de outros papéis sociais secundários, deve ser visto na sua essência e alçado à condição de protagonista, ponto de partida e de destino da atuação do Direito e das demais ferramentas culturais por ele projetadas.
Uma abordagem tal amplia o universo até então conhecido pela generalidade dos operadores do Direito e abre as portas para uma série de novas possibilidades. É nessa direção que avança o reconhecimento quanto à existência de mecanismos de controle de convencionalidade situados para além do universo das instituições usualmente trabalhadas no âmbito interno. Antes disso: é nesse tom que se dá a ruptura com os limites artificiais que separam os homens, de modo a permitir que, até mesmo, a soberania do Estado, tradicionalmente definida como um poder supremo que não se sujeita a outros que a ele sejam contrastados, passe a ser considerada como fenômeno cujo exercício se sujeita a controle. E para além: é nessa mesma trilha que se ergue a possibilidade de afirmar que os critérios a serem considerados para a realização desse controle, em suma, são situados em parâmetros universais mínimos, que transcendem as escolhas político-culturais densificadas em ordenamentos constitucionais, e que tais escolhas devem ser harmonizadas em função das balizas dos Direitos Humanos.
A inovadora obra do amigo José Eduardo Aidikaitis Previdelli avança, pois, em uma direção única e até então inexplorada. Partindo de dogmática robusta e com linguagem clara, lança luzes sobre o direito humano à prova e examina questões espinhosas a partir do estudo de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nela, vejo não só uma leitura plenamente sintonizada com uma compreensão atual da fenomenologia processual civil contemporânea, mas, antes e acima de tudo, a expressão de uma abordagem corajosa, de quem sabe que não basta repetir o que já é por todos conhecido, consciente de que a mera reprodução não nos permite superar os desafios de hoje. Ao buscar respostas para temas como os da valoração e do ônus da prova em um microssistema próprio, o autor brinda a todos com a revelação no sentido de que, mesmo quando feitas as mesmas perguntas, um olhar diferente faz com que as respostas encontradas sejam igualmente diferentes. A abordagem séria e responsável do tema pelo autor, comprometida da primeira à última linha com o olhar dos direitos humanos, faz com que as reflexões feitas sobre a livre apreciação da prova à luz de critérios de persuasão racional do juiz e sobre a compreensão das regras sobre ônus da prova como critérios de julgamento ganhem outra envergadura.
São obras como a do José Eduardo que fazem com que Estados acabem criando modelos mais exigentes e qualificados no que se refere ao exercício da jurisdição. Torço para que o impacto da presente obra seja o maior possível, pois sei que os resultados encontrados poderão ser caracterizados como um verdadeiro salto civilizatório em realidades mais sensíveis, e tudo isso graças à adoção de um Direito Processual Civil mais qualificado.
Porto Alegre, outubro de 2020.
Luis Alberto Reichelt
Professor nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado da PUCRS.
Procurador da Fazenda Nacional em Porto Alegre (RS).
APRESENTAÇÃO
O estudo dos Direitos Humanos deve limitar-se aos direitos materiais ou há um campo de análise dos direitos processuais? O processo também é permeado pelos direitos humanos e se apresenta como mecanismo de tutela deles?
Essas questões que me inquietavam desde o início do mestrado em Direitos Humanos foram o ponto de partida para as pesquisas relacionadas aos direitos humanos processuais. Esses estudos resultaram na elaboração desta pesquisa versando sobre o direito à prova e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, agora publicada neste livro.
Na construção do livro, adotei o pensamento no sentido de que a teoria é estéril quando apartada da prática, assim como o resultado prático é sempre menos rico sem sólidos alicerces teóricos. Assim, o texto é estruturado sobre premissas dogmáticas do campo dos direitos humanos processuais, com ênfase naquele voltado à prova, com análise da aplicação dessas em julgamentos concretos, sobretudo no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A pretensão da presente obra, longe de trazer soluções para um tema amplo e rico em nuances, é provocar os leitores e as leitoras, em especial a todos e todas que compartilham das inquietações, a pensar os Direitos Humanos sob nova perspectiva: a processual.
Convido todos e todas ao debate sobre o tema e desejo uma boa leitura.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO 19
1
(RE)DESCOBRINDO O DIREITO HUMANO À PROVA 23
1.1 Considerações preliminares 23
1.2 Direitos humanos processuais 25
1.2.1 Direito ao processo justo 27
1.2.2 Direito à igualdade processual 33
1.2.3 Direito ao contraditório 38
1.2.4 Direito à ampla defesa 44
1.3 Direito humano à prova 48
1.3.1 Conceito e natureza jurídica da prova 52
1.3.2 Finalidade e funções da prova 58
1.3.3 Sistemas de avaliação da prova 62
1.3.4 Ônus da prova e suas funções 69
1.4 Conclusões parciais 73
2
O DIREITO PROBATÓRIO NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 75
2.1 Considerações preliminares 75
2.2 Valoração da prova na corte interamericana de direitos humanos 77
2.2.1 Modelos de constatação da prova 77
2.2.2 Caso Escher e Outros vs. Brasil 85
2.2.3 Sistema de valoração da prova sana crítica 89
2.2.4 Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica 96
2.3. Ônus da prova na corte interamericana de direitos humanos 98
2.3.1 Teoria estática e teoria dinâmica de distribuição do ônus probatório 99
2.3.2 Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras 105
2.3.3 Ônus da prova em matéria penal vs. presunção de inocência 107
2.3.4 Caso Agustín Bladimiro Zegarra Marín vs. Peru 112
2.4. Conclusões parciais 115
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS 119
REFERÊNCIAS 123
INTRODUÇÃO
Desde o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem e seus pactos posteriores, a promoção e a proteção dos direitos humanos assumiram especial patamar da atuação do direito. Em decorrência de tal constatação, Bobbio (2004) afirma que o próprio debate sobre o fundamento dos direitos humanos encontra-se superado desde a Declaração Universal, remanescendo a especial preocupação com a garantia e proteção deles.
Sob tal enfoque, o estudo exclusivamente dos direitos humanos sob o prisma do direito material pode resultar em dificuldades na sua concretização, pela ausência de mecanismos hábeis para o exercício da pretensão protetiva desses direitos. Em outras palavras, pode-se pensar os direitos humanos processuais como aquele núcleo essencial de direitos reconhecidos à pessoa humana e que atuam como instrumentos para que façam valer os direitos humanos materialmente assegurados, como aqueles relacionados à antidiscriminação, igualdade de gênero etc.
Atentando para tal risco, faz-se imperiosa a análise dos direitos humanos processuais, previstos e decorrentes dos Pactos Internacionais, como mecanismos de efetiva proteção daqueles direitos materiais, ao permitirem o adequado acesso e trâmite das pretensões perante as Cortes nacionais e internacionais.
Neste panorama, emerge o direito humano à prova, decorrendo e, ao mesmo tempo, integrando o direito ao processo justo, como um mecanismo processual de proteção aos direitos humanos. Em especial, observa-se a sua aplicação e análise pela Corte IDH, como ponto central neste estudo.
O direito humano à prova é reconhecido como um dos ramos de maior importância no estudo do processo, dada sua extensão que abrange as etapas processuais compreendidas desde a produção da prova até a sua valoração e formação do convencimento do órgão julgador (FIX-ZAMUDIO, 2003). Em razão de tal constatação, torna-se possível compreender a afirmação de que a arte do processo é fundamentalmente a arte da administração das provas (BENTHAM, 1959).
Ainda, não se pode descuidar que as Cortes Internacionais – especialmente, para fins do presente estudo, a Corte Interamericana, têm assumido protagonismo na promoção e proteção dos direitos humanos. Merece, assim, detida análise dos mecanismos processuais adotados perante aquela, com ênfase no direito à prova, ao passo que constitui uma atividade central nos procedimentos contenciosos perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
(BOVINO, 2005, p. 82).
Para tal desiderato, propõe-se como eixo central deste livro a seguinte questão: em que medida o direto probatório se apresenta como mecanismo processual de proteção aos direitos humanos, de acordo com a sua aplicação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Com a finalidade de buscar elementos para solver tal questionamento, com o exame do direito humano processual à prova perante a Corte IDH, o estudo desenvolverá três objetivos distintos, mas sequenciais. O primeiro deles diz respeito à constatação da existência e apresentação de conteúdo dos direitos humanos processuais. O segundo se relaciona à (re)apresentação do direito humano à prova, sob aspectos dogmáticos e legislativos, com a finalidade de, em atenção ao terceiro objetivo, observar a sua aplicação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, como mecanismo processual de proteção dos direitos humanos.
A presente obra foi estruturada – para uma melhor abordagem do tema proposto – em dois capítulos que, por sua vez, são compostos por duas partes cada. O primeiro deles será dedicado à análise dogmática envolvendo os direitos humanos processuais, com ênfase ao direito à prova, e o segundo, ao exame conjunto de casos julgados pela Corte Interamericana, relacionados ao direito probatório.
Desse modo, o primeiro capítulo se volta à análise, na sua parte inicial, das disposições doutrinárias e de estatutos legais dos chamados direitos humanos processuais, examinando-se o direito ao processo justo consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e Convenções sobre Direitos Humanos, assim como nos ordenamentos constitucionais e processuais dos países integrantes do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Considerando-se o processo justo como gênero dos direitos processuais, sob os mesmos enfoques são analisadas algumas de suas espécies, como é o caso dos direitos humanos processuais à igualdade processual, ao contraditório e à ampla defesa. A segunda parte se dedica ao estudo do direito à prova, partindo-se de sua qualificação como direito humano processual para, então, buscar a sua conceituação como elemento polissêmico e a consequência de cada um dos seus enfoques. Também, busca-se a definição da natureza jurídica da prova, em consonância com os objetivos considerados do processo, assim como suas finalidades. Ainda, abordam-se as funções da prova, sob dupla perspectiva: interna e externa, bem como demonstrativa e argumentativa. A seguir, passa-se à revisão dos principais sistemas de valoração da prova, desde aquele formatado segundo as regras religiosas até aquele atualmente vigente, que se baseia na racionalidade da sua formação e justificação. Ao final do capítulo, traçam-se os parâmetros conceituais e de incidência do ônus da prova e suas funções, subjetiva e objetiva.
O segundo capítulo traz o estudo do direito humano à prova consoante à sua aplicação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, mediante a análise de questões dogmáticas em cotejo com as razões apresentadas nos casos contenciosos julgados por ela, selecionados em razão do tema abordado. Na primeira parte, dedicada