O silêncio da morte: as vertentes do silêncio no contexto de UTI
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O silêncio da morte - Priscila Cristina Gomes Drumond Silveira
CAPÍTULO 1 - O HOMEM DIANTE DA MORTE
"É preciso estar atento e forte.
Não temos tempo de temer a morte"³.
1.1 A MORTE E O LUTO EM TEMPOS ANTIGOS
Da Idade Média até o século XVIII, a presença da morte no âmbito familiar e social ocorria como um evento público. O enfermo presidia e protagonizava a tradicional cerimônia da morte. Caso este viesse a esquecer ou blefar, caberia aos assistentes, médicos ou sacerdotes, lembrá-lo. Nesse período, os ritos da morte eram aceitos e cumpridos por meio de cerimônias e não havia um caráter dramático ou gestos de emoção excessivos.
Familiares, amigos, sacerdotes e médicos acompanhavam o moribundo em seu quarto. No leito de morte – o quarto do enfermo –, sempre havia muitas pessoas que circulavam livremente pelo local. A iminência da morte transformava o quarto do enfermo em um local público. Inclusive, levavam-se as crianças para vivenciar este momento: não há representações de um quarto do enfermo sem a presença delas, ao passo que, atualmente, o recomendável socialmente é afastá-las no que se refere à morte⁴.
O trabalho do médico não assumia jamais o caráter de uma luta contra a natureza humana. Não havia meios de prolongar artificialmente a vida. Tal ideia era considerada uma blasfêmia, uma ofensa à ordem natural da vida⁵. Cabia aos médicos ou a algum dos acompanhantes do enfermo (a família ou o sacerdote) lhe avisar sobre sua morte próxima. Era o dever dessas pessoas manterem o moribundo ciente de seu estado e saúde. Se o enfermo compreendia o aviso e o aceitava, era sensato; do contrário, era considerado uma pessoa estúpida⁶.
Neste contexto, a morte era um tema aberto e frequente nas conversas, o que é possível observar em muitos poemas dedicados aos mortos e/ou à morte. A literatura da época nos dá testemunho disso:
Por fim a morte pálida com sua mão gelada
Com o tempo acariciará teus seios;
O belo coral de teus lábios empalidecerá
A neve de teus mornos ombros será fria areia
O doce piscar de teus olhos / o vigor de tua mão
Por quem caem / cedo desaparecerão
Teu cabelo / que agora tem o tom do ouro
Os anos farão cair, uma comum madeixa
Teu bem-formado pé / a graça de teus movimentos
Serão em parte pó / em parte nada e vazio.
Então ninguém mais cultuará teu esplendor agora divino
Isso e mais que isso por fim terá passado
Só teu coração todo o tempo durará
Porque de diamante o fez a Natureza⁷.
Isso não significa que os homens não temiam a morte. Havia o medo das epidemias, de todas as pestes que ocorriam na Europa. No entanto, a angústia diante da morte não chegava a ser da ordem do indizível, do inexprimível; pelo contrário, ela era traduzida em palavras nos poemas e nas conversas e, ainda, canalizada em ritos e cerimônias, nos quais havia a participação do grupo social⁸⁹.
A familiaridade com a morte caracteriza-se como uma forma de aceitação da ordem da natureza. Portanto, o homem se sujeitava a uma das grandes leis da espécie e não cogitava em evitá-la, nem em exaltá-la
¹⁰. O homem apenas aceitava a morte como uma solenidade que marca a importância das etapas da vida. A morte no leito era um rito que solenizava essa passagem, que marcava a etapa final da vida.
Nesta época, o mais temido pelo homem era a morte súbita, pois, nesses casos, não haveria testemunhas, nem cerimônias ou ritos, ou seja, o homem morria sozinho. A morte súbita era considerada uma morte feia e desonrosa, que ocorria com os viajantes nas estradas, com os afogados nos rios ou, até mesmo, com homens que morriam repentinamente. Esse tipo de morte era tratado como uma morte silenciosa, que os homens da época temiam por ser considerada monstruosa. Logo, morrer sozinho era encarado como uma maldição, visto que o homem era privado de compartilhar a dor de sua própria morte e, portanto, não haveria a possibilidade de selar a solenidade de uma etapa da vida. Mas, de um modo geral, a morte era quase sempre anunciada, já que as doenças nesta época eram graves e quase sempre mortais¹¹ ¹² ¹³.
Os rituais continuavam após a morte do enfermo com o processo de luto. Para este, era reservado um tempo, dedicado às expressões e às manifestações de pesar pela morte de uma pessoa da comunidade. O luto era escrupulosamente respeitado pela sociedade.
Não só se morria em público, na presença de familiares e amigos, mas a morte de cada um constituía um acontecimento público, em que a comunidade era atingida pelo desaparecimento do indivíduo. Nesse viés, a morte de uma pessoa não era um fenômeno isolado, mas representava um evento, pelo qual aqueles com quem o indivíduo manteve relações durante a vida – amizades, paternidade, filiação, alianças – compartilhavam a sua dor diante da perda¹⁴ ¹⁵.
Ariès¹⁶ assinala que, nesta época, o luto tinha por finalidade descarregar o sofrimento dos sobreviventes. As lamentações e gesticulações diante da perda de alguém serviam para desafogar a dor e tornar suportável o fato da separação
¹⁷. Em contrapartida, hoje essas expressões e manifestações de dor são rotuladas como histeria, crise dos nervos ou depressão, como veremos a seguir.
O período do luto era composto por visitas da família ao cemitério e dos parentes e amigos à família, assim como pelo fechamento de lojas e pelo uso de roupas pretas. Os enlutados, por sua vez, eram obrigados a um certo tipo de vida social: receber as condolências, as visitas de seus parentes, amigos e vizinhos e usar um tipo de vestimenta.
Estas gestualidades, na verdade, indicavam uma partilha da dor com os membros da comunidade. Rodrigues¹⁸ nomeia estes comportamentos como uma socialização da dor
¹⁹, no qual toda a sociedade expressava a sua tristeza pela morte de um de seus membros. Assim, os cortejos fúnebres eram dirigidos pela cidade como uma forma de expressão desse sofrimento. As roupas de cor preta distinguiam os enlutados e a este eram prestadas as condolências. Além disso, a vestimenta "discriminava o que está associado à vida e o que está ligado à