O Céu e o Inferno: A Justiça divina segundo o Espiritismo
De Allan Kardec
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O Céu e o Inferno - Allan Kardec
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CIP - BRASIL - CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
K27c
Kardec, Allan, 1804-1869
O Céu e o Inferno, ou, A Justiça Divina Segundo o Espiritismo / Allan Kardec; tradução de Albertina Escudeiro Sêco. — 1. ed. — Rio de Janeiro: CELD, 2016.
Contendo: O exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, as penas e as recompensas futuras, os anjos e os demônios, as penas eternas, etc., seguido de inúmeros exemplos sobre a situação real da alma durante e após a morte.
470p.; 21cm
1. Espiritismo.
eISBN: 978-85-7297-575-9
I. Título.
II. Título: A Justiça Divina Segundo o Espiritismo.
05-3678.
CDD 133.9
CDU 133.9
O CÉU E O INFERNO
OU A JUSTIÇA DIVINA
SEGUNDO O ESPIRITISMO
Allan Kardec
LE CIEL ET L’ENFER OU
LA JUSTICE DIVINE SELON LE SPIRITISME
1ª Edição: agostoo de 2016;
1ª tiragem, do 1º ao 3º milheiro.
Tradução e revisão de originais:
Albertina Escudeiro Sêco
Revisão:
Elizabeth Paiva e Teresa Cunha
Composição:
Luiz de Almeida Jr. e Márcio de Almeida
Diagramação:
Rogério Mota
Arte-final e capa:
Roberto Ratti
Produção de ebook:
S2 Books
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Remessa via Correios e transportadora.
Todo produto desta edição é destinado à manutenção das obras sociais do Centro Espírita Léon Denis.
Eu juro por mim mesmo, disse o Senhor Deus, que não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta, que ele deixe seu mau caminho e que viva.
(Ezequiel, XXXIII, v. 11.)
Allan Kardec
1804 - 1869
Fac-símile da página de rosto da 1ª edição.
Tradução da página de rosto da 1ª edição.
SUMÁRIO
Capa
Ficha catalográfica
Folha de rosto
Créditos
Citação
Nota da editora
Prefácio
Primeira Parte - Doutrina
Capítulo I. O futuro e o nada
Capítulo II. Receio da morte
Causas do receio da morte
Por que os espíritas não receiam a morte
Capítulo III. O céu
Capítulo IV. O inferno
Intuição das penas futuras
O inferno cristão imitado do inferno pagão
Os limbos
Capítulo V. Quadro comparativo do inferno pagão e do inferno cristão
1º) Inferno pagão
2º) Inferno cristão
Capítulo VI. O purgatório
Capítulo VII. Doutrina das penas eternas
I Origem da doutrina das penas eternas
II Argumentos em apoio das penas eternas
III
IV Impossibilidade material das penas eternas
V A doutrina das penas eternas fez sua época
Ezequiel contra a eternidade das penas e o pecado original
Capítulo VIII. As penas futuras segundo o espiritismo
A carne é fraca
Princípios da Doutrina Espírita sobre as penas futuras
Código penal da vida futura
Capítulo IX. Os anjos
Os anjos segundo a Igreja
Refutação
Os anjos segundo o Espiritismo
Capítulo X. Os demônios
Origem da crença nos demônios
Os demônios segundo a Igreja
Os demônios segundo o Espiritismo
Capítulo XI. Intervenção dos demônios nas modernas manifestações
Capítulo XII. Da proibição de evocar os mortos
Segunda Parte - Exemplos
Capítulo I. A passagem
Capítulo II. Espíritos felizes
Senhor Sanson
Senhor Jobard
Samuel Philippe
Senhor Van Durst
Sixdeniers
Doutor Demeure
Senhora Viúva Foulon, nascida em Wollis
Um médico russo
Bernardin
A Condessa Paula
Jean Reynaud
Antoine Costeau
Senhorita Emma
O doutor Vignal
Victor Lebufle
Senhora Anais Gourdon
Maurice Gontran
Capítulo III. Espíritos em uma condição mediana
Joseph Bré
Senhora Hélène Michel
O marquês de Saint-Paul
Senhor Cardon, médico
Eric Stanislas
Senhora Anna Belleville
Capítulo IV. Espíritos sofredores
O castigo
Novel
Auguste Michel
Lamentações de um boêmio
Lisbeth
Principe Ouran
Pascal Lavic
Ferdinand Bertin
François Riquier
Claire
Capítulo V. Suicidas
O suicida da Samaritana
O pai e o conscrito
François-Simon Louvet
Uma mãe e seu filho
Duplo suicídio por amor e por dever
Luís e a pespontadeira de botinas
Um ateu
Senhor Félicien
Antoine Bell
Capítulo VI. Criminosos arrependidos
Verger
Lemaire
Benoist
Um espírito consignado. O espírito de Castelnaudary
Jacques Latour
Capítulo VII. Espíritos endurecidos
Lapommeray O castigo pela Luz
Angèle, nulidade sobre a Terra
Um espírito entediado
Uma ex-rainha da Índia
Xumène
Capítulo VIII. Expiações terrestres
Marcel, o menino do nº 4
Szymel Slizgol
Julienne-Marie, a mendiga
Max, o mendigo
História de um criado
A pena de talião
Senhor Letil
Um sábio ambicioso
Um idiota
Adélaide-Marguerite Gosse
Clara Rivier
Françoise Vernhes
Anna Bitter
Um espírito cego
Nota Explicativa
NOTA DA EDITORA
O CELD apresenta aos seus leitores O Céu e o Inferno, de Allan Kardec.
Para a nossa tradução, utilizamos como base a 1ª edição da obra, publicada em 1865, e a comparamos, linha a linha, com a 4ª edição que veio a público em 1869. Nessa comparação, pudemos constatar as diferenças existentes entre as duas edições, porquanto há trechos que constam em uma e não aparecem na outra, isto de forma recíproca.
Resolvemos, então, acrescentar à 1ª edição a matéria encontrada na 4ª, formando um único texto que, acreditamos, será de grande interesse para os pesquisadores e estudiosos da Doutrina Espírita. Neste trabalho, a ordem dos parágrafos — que em alguns capítulos dos originais franceses difere da 1ª para a 4ª edição — obedece ao que consta na 1ª edição, porém, embora na edição de lançamento os parágrafos não sejam numerados, decidimos numerá-los na nossa tradução (seguindo o exemplo da 4ª edição) por achar que assim será mais fácil localizar determinados trechos dentro de cada capítulo.
Para melhor esclarecimento dos leitores, assinalamos todas as diferenças por nós encontradas nas duas edições por intermédio de notas de rodapé. Quanto à matéria acrescentada, demos-lhe um destaque visual, fazendo a sua inserção em um tipo de letra (Tahoma) diferente do utilizado no restante do texto (Times New Roman).
Esperamos que o nosso objetivo, que é o de proporcionar um maior conhecimento sobre O Céu e o Inferno, obra tão importante que o Mestre Allan Kardec nos deixou, seja alcançado por todos os que se dedicarem à leitura da tradução que ora lhes apresentamos.
PREFÁCIO
[1]
O título desta obra indica claramente o seu objetivo. Nela reunimos todos os elementos aptos a esclarecer o homem sobre seu destino. Como em outros escritos nossos sobre a Doutrina Espírita, nada lhe inserimos que fosse o produto de um sistema preconcebido ou de uma concepção pessoal que não teria nenhuma autoridade: tudo foi deduzido da observação e da concordância dos fatos.
Em O Livro dos Espíritos se encerram as bases fundamentais do Espiritismo; ele é a pedra angular do edifício; todos os princípios da Doutrina ali estão colocados, até aqueles que devem fazer o seu remate. Mas era necessário mostrar os seus desdobramentos, dela deduzir todas as consequências e todas as aplicações, à proporção que elas se patenteavam pelo ensino complementar dos espíritos e por novas observações. Foi o que fizemos em O Livro dos Médiuns e em O Evangelho Segundo o Espiritismo, com pontos de vista particulares. É o que fazemos nesta obra, com um outro ponto de vista, e é o que faremos sucessivamente naquelas que nos faltam publicar, e que virão a seu tempo.
As ideias novas somente frutificam quando a terra está preparada para recebê-las. Ora, não convém entender como terra preparada, algumas inteligências precoces que apenas dariam frutos isolados, mas uma certa harmonia na predisposição geral, a fim de que ela não somente dê frutos mais abundantes, mas que a ideia, achando um maior número de pontos de apoio, encontre menos oposição e seja mais forte para resistir aos seus antagonistas. O Evangelho Segundo o Espiritismo já foi um passo à frente; O Céu e o Inferno é um passo a mais cujo alcance será facilmente compreendido, porque toca no ponto mais sensível de certas questões, porém ele não devia vir mais cedo.
Se considerarmos a época em que o Espiritismo surgiu, reconheceremos, sem dificuldade, que ele veio no momento oportuno, nem muito cedo nem muito tarde. Mais cedo, teria abortado, porque, as simpatias não sendo suficientemente numerosas, ele sucumbiria sob os golpes de seus adversários. Mais tarde, teria lhe faltado a ocasião favorável para apresentar-se; as ideias poderiam tomar um outro curso do qual seria difícil afastá-las. Era preciso deixar às antigas ideias o tempo de se deteriorarem e de provar sua insuficiência, antes de apresentar as novas.
As ideias prematuras não são bem-sucedidas porque não se tem maturidade para compreendê-las, e porque a necessidade de uma mudança de posição ainda não se faz sentir.
Hoje está evidente para todas as pessoas que um imenso movimento se manifesta no modo de pensar; uma reação formidável se opera em direção ao progresso, contra o espírito estacionário ou retrógrado da rotina. Os satisfeitos da véspera são os impacientes do dia seguinte. A humanidade está em trabalho de criação, existe alguma coisa no ar, uma força irresistível que a impulsiona para a frente. Ela é como um jovem saído da adolescência que entrevê novos horizontes sem os determinar, e sacode os cueiros da infância. Desejamos qualquer coisa de melhor, alimentos mais sólidos para a razão, porém esse melhor ainda é indeterminado. Todos o procuram, todos nele trabalham, desde o crente até o incrédulo, desde o operário até o sábio. O Universo é um vasto canteiro de obras; uns o destroem, outros o reconstroem. Cada um talha uma pedra para o novo edifício, do qual só o Grande Arquiteto possui o plano definitivo, e cuja organização só se compreenderá quando suas formas começarem a se desenhar sobre a superfície do solo. É o momento que a Soberana Sabedoria escolheu para a vinda do Espiritismo.
Os espíritos que presidem o grande movimento regenerador agem, então, com mais sabedoria e previdência do que os homens podem fazê-lo, porque os espíritos abrangem a marcha geral dos acontecimentos, enquanto que nós vemos apenas o círculo limitado do nosso horizonte. Tendo chegado os tempos da renovação, de acordo com os decretos divinos, era necessário que no meio das ruínas do velho edifício, o homem, para não se desencorajar, entrevisse as bases da nova ordem de coisas, era necessário que o marujo pudesse perceber a estrela polar que deve guiá-lo para o porto.
A sabedoria dos espíritos que se mostrou no aparecimento do Espiritismo, revelado quase instantaneamente por toda a Terra, na época mais propícia, não é menos evidente na ordem e na gradação lógica das revelações complementares sucessivas. Não depende de ninguém constranger-lhes a vontade a esse respeito, porque os espíritos não regulam seus ensinamentos ao gosto da impaciência dos homens. Não basta dizer: Nós queremos ter tal coisa
, para que ela nos seja dada. E ainda menos nos convém dizer a Deus: Julgamos que chegou para vós o momento de nos dar tal coisa; nós mesmos nos julgamos bastante avançados para recebê-la
, porquanto isso seria dizer-lhe: Nós sabemos melhor do que vós o que convém fazer.
Aos impacientes, os espíritos respondem: Começai primeiro por saber muito, compreender muito, e, principalmente, praticar muito o que sabeis, a fim de que Deus vos julgue dignos de aprender mais. Depois, quando chegar o momento, saberemos agir e escolheremos nossos instrumentos.
A Primeira Parte desta obra, intitulada Doutrina, contém a análise comparada das diversas crenças sobre o céu e sobre o inferno, os anjos e os demônios, as penas e as recompensas futuras. O dogma das penas eternas ali é examinado de um modo especial, e refutado por argumentos tirados das próprias leis da Natureza, que dele demonstram não somente o lado ilógico, tantas vezes já assinalado, mas a impossibilidade material. Com as penas eternas caem naturalmente as consequências que se acreditava delas poder se tirar.
A Segunda Parte encerra inúmeros exemplos em apoio à teoria, ou melhor, que serviram para estabelecer a teoria. Eles extraem sua autoridade na diversidade das épocas e dos lugares em que foram obtidos, porque, se emanassem de uma só fonte, poder-se-ia considerá-los como o produto de uma mesma influência. Eles tiram-na, além disso, da sua concordância com o que se obtém, todos os dias, em todos os lugares onde alguém se ocupa das manifestações espíritas dentro de um ponto de vista sério e filosófico. Esses exemplos poderiam ser multiplicados ao infinito, porque não há centro espírita que não possa fornecer uma notável quantidade deles. Para evitar repetições tediosas, tivemos que fazer uma escolha entre os mais instrutivos.
Cada um desses exemplos é um estudo, onde todas as palavras têm o seu valor para aquele que nelas refletir com atenção, porque de cada ponto brilha uma luz sobre a situação da alma após a morte, e sobre a passagem, até aqui tão obscura e tão temida, da vida corporal para a vida espiritual. É o guia do viajante antes de entrar em um país que ele vê pela primeira vez. A vida de além-túmulo ali se expõe, sob todos os seus aspectos, como um vasto panorama. Cada um nela obterá novos motivos de esperança e de consolação, e novos fundamentos para fortalecer sua fé no futuro e na justiça de Deus.
Nesses exemplos, o maior número deles tirado de fatos contemporâneos, ocultamos os nomes próprios, todas as vezes que julgamos necessário, por motivos convenientes fáceis de entender. Aqueles a quem esses exemplos podem interessar os reconhecerão facilmente; para o público, nomes mais ou menos conhecidos, e algumas vezes totalmente desconhecidos, nada teriam acrescentado ao ensino que deles se pode tirar.
As mesmas razões que nos fizeram omitir os nomes dos médiuns em O Evangelho Segundo o Espiritismo, levaram-nos a abster-nos de os nomear nesta obra, feita mais para o futuro que para o presente. Eles estão ainda menos interessados nisso porquanto não poderiam atribuir a si o mérito de uma coisa para a qual o seu próprio espírito não participou em nada. Aliás, a mediunidade não está sob a dependência deste ou daquele indivíduo; é uma faculdade fugidia, subordinada à vontade dos espíritos que se querem comunicar, faculdade que possuímos hoje e que pode faltar amanhã, que nunca é aplicável a todos os espíritos indistintamente, e, por isso mesmo, não constitui um mérito pessoal como o seria um talento adquirido pelo trabalho e pelos esforços da inteligência. Os médiuns sinceros, aqueles que compreendem a importância da sua missão, consideram-se como instrumentos que a vontade de Deus pode despedaçar quando quiser, se eles não procedem de acordo com os seus projetos. Eles são felizes pela faculdade que lhes permite tornarem-se úteis, porém, disso não sentem vaidade alguma. Quanto ao resto, nós nos restringimos, a esse respeito, aos conselhos dos nossos guias espirituais.
A Providência quis que a nova revelação não fosse privilégio de ninguém, mas que tivesse seus mensageiros por toda a Terra, em todas as famílias, junto aos grandes como junto aos pequenos, conforme estas palavras das quais os médiuns de nossos dias são a realização: Nos últimos tempos, diz o Senhor, derramarei do meu espírito sobre toda a carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos. Nesses dias, derramarei do meu espírito sobre meus servos e servas e eles profetizarão
. (Atos, II: 17 e 18.)
Mas também foi dito: Haverá falsos Cristos e falsos profetas
. (Ver em O Evangelho Segundo o Espiritismo, o cap. XXI.)
Ora, esses últimos tempos chegaram; não é o fim do mundo material, como se tem acreditado, mas o fim do mundo moral, quer dizer, a era da regeneração.
Allan Kardec
CAPÍTULO I
[2]
O FUTURO E O NADA
1. Nós vivemos, nós pensamos, nós agimos, eis o que é indubitável; nós morremos, isto não é menos certo. Porém, deixando a Terra, para onde vamos? Em que nos transformaremos? Seremos melhores ou piores? Seremos ou não seremos? Ser ou não ser, tal é a alternativa; é para sempre ou para nunca; é tudo ou nada: ou viveremos eternamente, ou tudo estará acabado, sem retorno. Vale bem a pena pensar nisso.
Todo homem experimenta a necessidade de viver, de fruir, de amar, de ser feliz. Dizei àquele que sabe que vai morrer que ele ainda viverá, que sua hora foi retardada; dizei-lhe especialmente que ele será mais feliz do que o foi, e seu coração vai palpitar de alegria. Mas, para que serviriam essas aspirações de felicidade se um sopro pode fazê-las desaparecer?
Existe alguma coisa mais desesperadora do que a ideia da destruição absoluta? Afeições sagradas, inteligência, progresso, saber laboriosamente adquirido, tudo seria aniquilado, tudo estaria perdido! Que adiantará nos esforçarmos em nos tornar melhores, nos constrangermos para reprimir as paixões, nos fatigarmos para enriquecer nosso espírito, se desse proceder não devemos recolher nenhum fruto, principalmente com a ideia de que amanhã talvez isso não nos servirá mais para nada? Se fosse assim, a sorte do homem seria cem vezes pior que a do bruto, porque o bruto vive inteiramente no presente, na satisfação de seus apetites materiais, sem aspiração em relação ao futuro. Uma secreta intuição diz que isso não é possível.
2. Pela crença em o nada, o homem concentra inevitavelmente todos os seus pensamentos na vida presente; com efeito ele não poderia, racionalmente, preocupar-se com um futuro que não espera. Essa preocupação exclusiva com o presente o conduz naturalmente a pensar em si antes de tudo, é, pois, o mais poderoso estimulante do egoísmo, e o incrédulo é coerente consigo mesmo quando chega a esta conclusão: Gozemos enquanto aqui estamos, gozemos o mais possível, pois que, depois de nós, tudo está acabado; gozemos rápido, porque não sabemos quanto isso durará
; e a esta outra, aliás bem grave para a sociedade: Gozemos, não importa à custa de quem, cada um por si; a felicidade, neste mundo, é do mais astuto.
Se o respeito humano retém alguns, que freio podem ter aqueles que não creem em nada? Eles dizem que a lei humana atinge apenas os inaptos; eis por que aplicam seu talento nos meios de se esquivarem dela.
Se existe uma doutrina malsã e antissocial é seguramente o niilismo,[3] porque ela rompe os verdadeiros laços da solidariedade e da fraternidade, fundamentos das relações sociais.
3. Vamos supor que, por uma circunstância qualquer, todo um povo adquire a certeza de que, em oito dias, em um mês, em um ano se assim se quer, será exterminado, que nenhum indivíduo sobreviverá, que não restará mais nenhum traço de si mesmo após a morte; que fará esse povo durante esse tempo? Trabalhará para o seu melhoramento, para a sua instrução? Entregar-se-á ao trabalho para viver? Respeitará os direitos, os bens, a vida do seu semelhante? Irá submeter-se às leis, a uma autoridade, qualquer que ela seja, mesmo a mais legítima: a autoridade paterna? Haverá para ele um dever qualquer? Certamente que não. Pois bem! O que não acontece coletivamente, a doutrina do niilismo o realiza cada dia isoladamente. Se as consequências não são tão desastrosas quanto poderiam ser é porque, em princípio, na maior parte dos incrédulos há mais fanfarrice do que verdadeira incredulidade, mais dúvida do que convicção, e porque eles têm mais medo do nada do que o que querem fazer parecer: o título de espírito forte alimenta o seu amor-próprio; em segundo lugar, porque os incrédulos absolutos são em ínfima minoria; eles sofrem involuntariamente a influência da opinião contrária e são mantidos por uma força material; porém, se a incredulidade absoluta chegar, um dia, à condição de maioria, a sociedade estará em dissolução. É para o que tende a propagação dessa doutrina.[4]
Quaisquer que sejam as suas consequências, se ela fosse verdadeira, seria necessário aceitá-la, e não seriam nem sistemas contrários, nem a ideia do mal que dela resultaria, que poderiam fazer com que ela não existisse. Ora, não é preciso disfarçar que o cepticismo, a dúvida, a indiferença, cada dia ganham mais terreno, apesar dos esforços da religião; isso é positivo. Se a religião é impotente contra a incredulidade, é porque lhe falta alguma coisa para combatê-la, de tal maneira que, se ela ficasse na imobilidade, em um dado tempo seria infalivelmente ultrapassada. O que falta à religião neste século de positivismo,[5] em que se quer compreender antes de crer, é a sanção de suas doutrinas por fatos positivos; é também a concordância de certas doutrinas com os dados positivos da Ciência. Se ela diz branco e os fatos dizem negro, é preciso optar entre a evidência e a fé cega.
4. É nesse estado de coisas que o Espiritismo vem opor um obstáculo à invasão da incredulidade, não somente pelo raciocínio, não somente pela perspectiva dos perigos que ela traz consigo, mas pelos fatos materiais, fazendo tangíveis e visíveis a alma e a vida futura.
Cada um de nós, sem dúvida, é livre, na sua crença, para crer em alguma coisa ou não crer em nada; porém, aqueles que procuram fazer prevalecer no espírito do povo, principalmente na juventude, a negação do futuro, sustentando-se na autoridade do seu saber e na superioridade da sua posição, semeiam germes de perturbação e de dissolução na sociedade, e se expõem a uma grande responsabilidade.
5. Existe uma outra doutrina que se defende de ser materialista, porque admite a existência de um princípio inteligente fora da matéria, é a da absorção no todo universal. Segundo essa doutrina, cada indivíduo assimila, em seu nascimento, uma parcela desse princípio que constitui sua alma e lhe dá a vida, a inteligência e o sentimento. Por ocasião da morte, essa alma retorna ao foco comum e se perde no infinito como uma gota de água no oceano.
Essa doutrina é, sem dúvida, um passo à frente sobre o materialismo puro, porquanto ela admite alguma coisa, enquanto que a outra não admite nada, porém, as suas consequências são as mesmas. Que o homem seja lançado no nada ou no reservatório comum, para ele é a mesma coisa; se, no primeiro caso, ele é exterminado, no segundo, ele perde sua individualidade; é, portanto, como se ele não existisse; as relações sociais também não deixam de ser rompidas, e para sempre. O essencial para ele é a conservação do seu eu; sem isso, que lhe importa ser ou não ser! O futuro para ele é sempre nulo, e a vida presente é a única coisa que lhe interessa, que o preocupa. Sob o ponto de vista de suas consequências morais, essa doutrina é tão perigosa, tão desesperadora, tão estimulante do egoísmo quanto o materialismo propriamente dito.
6. Pode-se, além disso, fazer aí a seguinte objeção: todas as gotas de água tiradas do oceano se assemelham e têm propriedades idênticas, como as partes de um mesmo todo; por que as almas, se elas são tiradas do grande oceano da inteligência universal, se parecem tão pouco? Por que o gênio ao lado da estupidez? As mais sublimes virtudes ao lado dos vícios mais ignóbeis? A bondade, a doçura, a mansuetude, ao lado da maldade, da crueldade, da barbárie? Como as partes de um todo homogêneo podem ser tão diferentes umas das outras? Dir-se-á que é a educação que as modifica? Mas então, de onde vêm as qualidades inatas, as inteligências precoces, os instintos bons e maus, independentes de toda educação, e frequentemente tão pouco em harmonia com os meios em que se desenvolvem?
A educação, sem dúvida alguma, modifica as qualidades intelectuais e morais da alma; mas aqui se apresenta uma outra dificuldade. Quem dá à alma a educação para fazê-la progredir? Outras almas que, por sua origem comum, não devem ser mais adiantadas? E depois, aliás, para que esse melhoramento, para que tantos esforços para adquirir talentos e virtudes, para que trabalhar pelo progresso da humanidade se tudo isso deverá se sepultar e se perder no oceano do infinito, sem proveito para o futuro de cada um? Valeria o mesmo ficar o que se é, selvagem ou não, beber, comer, dormir tranquilamente sem se torturar o espírito. Por outro lado, a alma, reentrando no todo universal de onde havia saído, após haver progredido durante a vida, ali coloca um elemento mais perfeito; de onde se conclui que esse todo deve, com o tempo, achar-se profundamente modificado e melhorado. Como então acontece que dali saiam incessantemente almas ignorantes e perversas?
7. Nessa doutrina, a fonte universal de inteligência que fornece as almas humanas é independente da Divindade, ser superior e distinto que anima tudo por sua vontade; não é precisamente o panteísmo. O panteísmo propriamente dito dela difere quando, segundo ele, o princípio universal de vida e de inteligência é o próprio Deus. Deus é ao mesmo tempo espírito e matéria; todos os seres, todos os corpos da Natureza compõem a Divindade, da qual são as moléculas e os elementos constitutivos; em uma palavra: Deus está em tudo e tudo é Deus, Deus é o conjunto de todas as inteligências reunidas; cada indivíduo, sendo uma parte do todo, ele mesmo é Deus; nenhum ser superior e independente comanda o conjunto; o Universo é uma imensa república sem chefe, ou antes, onde cada um é chefe com poder absoluto.
8. A esse sistema podem se opor numerosas objeções, das quais as principais são estas: a Divindade não podendo ser concebida sem o infinito das perfeições, pergunta-se como um todo perfeito pode ser formado de partes tão imperfeitas e tendo necessidade de progredir? Cada parte devendo ser submetida à lei do progresso, daí resulta que o próprio Deus deve progredir; se ele progride incessantemente, deve ter sido, na origem dos tempos, muito imperfeito. Como um ser imperfeito, formado de vontades e de ideias tão divergentes, pôde conceber as leis tão harmoniosas, tão admiráveis de unidade, de sabedoria e de previdência que regem o Universo? Se todas as almas são porções da Divindade, todas concorreram para as leis da Natureza; como então pode acontecer que elas murmurem sem cessar contra essas leis, que são obras suas? Uma teoria não pode ser aceita como verdadeira senão com a condição de satisfazer a razão e dar conta de todos os fatos que abrange; se um só fato vem lhe dar um desmentido, é porque ela não está na verdade absoluta.
9. Do ponto de vista moral, as consequências são também bastante ilógicas. De início é, para as almas, como no sistema anterior, a absorção em um todo e a perda da individualidade. Admitindo-se, segundo a opinião de alguns panteístas, que elas conservam sua individualidade, Deus não tem mais vontade única; é um composto de miríades de vontades divergentes. Depois, cada alma sendo par-te integrante da Divindade, nenhuma está dominada por um poder superior, não incorrendo, por consequência, em nenhuma responsabilidade por seus atos bons ou maus; ela não tem nenhum interesse em fazer o bem e pode fazer o mal impunemente, já que é senhora soberana.
10. Além disso, esses sistemas não satisfazem nem a razão nem as aspirações do homem, chocam-se, como se vê, com dificuldades insuperáveis, porque são impotentes para resolver todas as questões de fato que eles suscitam. O homem tem, portanto, três alternativas: o nada, a absorção ou a individualidade da alma antes e depois da morte. É para esta última crença que a lógica nos conduz irresistivelmente; é aquela também que tem estabelecido a base de todas as religiões desde que o mundo existe.
Se a lógica nos conduz à individualidade da alma, ela também nos leva a esta outra consequência: o destino de cada alma depende de suas qualidades pessoais, porque seria irracional admitir que a alma atrasada do selvagem e a do homem perverso estivessem no mesmo nível da alma do sábio e do homem de bem. Segundo a justiça, cada alma deve ter a responsabilidade de seus atos; porém, para que sejam responsáveis, é necessário que sejam livres para escolher entre o bem e o mal; sem livre-arbítrio, há fatalidade, e com a fatalidade não poderia haver responsabilidade.
11. Todas as religiões têm igualmente admitido o princípio do destino feliz ou infeliz das almas após a morte, ou, dito de outra forma, das penas e dos gozos futuros que se resumem na doutrina do céu e do inferno, que se encontra por toda a parte. Porém, no que elas diferem essencialmente, é sobre a natureza dessas penas e desses gozos e principalmente sobre as condições que podem merecer umas e outros. Daí os pontos de fé contraditórios que deram nascimento aos diferentes cultos, e os deveres particulares por eles impostos para honrar a Deus, e, por esse meio, ganhar o céu e evitar o inferno.
12. Todas as religiões, em sua origem, estiveram em relação com o grau de adiantamento moral e intelectual dos homens; estes, ainda muito materialistas para compreender o mérito das coisas puramente espirituais, fizeram consistir a maior parte dos deveres religiosos no cumprimento de formas exteriores. Durante algum tempo, essas formas foram suficientes para a sua razão; mais tarde, esclarecendo-se o seu espírito, eles sentem o vazio que as formas deixam atrás de si, e, se a religião não os satisfaz mais, eles abandonam a religião e tornam-se filósofos.
13. Se a religião, no início apropriada aos conhecimentos limitados dos homens, houvesse sempre seguido o movimento progressivo do espírito humano, não haveria incrédulos, porque é da natureza do homem ter necessidade de crer, e ele crerá se receber um alimento espiritual de acordo com suas necessidades intelectuais. O homem quer saber de onde veio e para onde vai; se lhe é apresentado um objetivo que não responde nem às suas aspirações, nem à ideia que ele faz de Deus, nem aos dados positivos que a Ciência lhe fornece; se, além disso, para o alcançar, lhe são impostas condições das quais sua razão não lhe demonstre a utilidade, ele repele o todo; o materialismo e o panteísmo lhe parecem ainda mais racionais, porque neles se discute e se raciocina; raciocina-se falso, é verdade, mas o homem ainda prefere raciocinar falso do que não raciocinar de modo nenhum.
Porém, que se apresente ao homem um futuro em condições lógicas, digno em todos os pontos da grandeza, da justiça e da infinita bondade de Deus, e ele abandonará o materialismo e o panteísmo, dos quais sente o vazio em seu foro íntimo, e que ele só aceitara por falta de algo melhor. O Espiritismo oferece mais, por isso é acolhido com solicitude por todos aqueles que a incerteza pungente da dúvida atormenta e que não encontram o que procuram nem nas crenças nem nas filosofias comuns; o Espiritismo tem por si a lógica do raciocínio e a confirmação dos fatos, é por isso que inutilmente o têm combatido.
14. O homem, instintivamente, tem a crença no futuro; porém, não possuindo até hoje nenhuma base certa para defini-lo, sua imaginação concebeu os sistemas que têm dado margem à diversidade nas crenças. A Doutrina Espírita sobre o futuro não sendo uma obra de imaginação concebida mais ou menos engenhosamente, mas o resultado da observação de fatos materiais que hoje ocorrem sob nossos olhos, reunirá, como já o faz agora, as opiniões divergentes ou indecisas e promoverá, pouco a pouco, e pela força dos fatos, a unidade na crença sobre esse ponto, crença que não estará mais estabelecida sobre uma hipótese, mas sobre uma certeza. A unificação, feita no que diz respeito à sorte futura das almas, será o ponto inicial de aproximação entre os diferentes cultos, um passo imenso, inicialmente em direção à tolerância religiosa, mais tarde em direção à fusão.
CAPÍTULO II
RECEIO DA MORTE[6]
Causas do receio da morte.
Por que os espíritas não receiam a morte.
Causas do receio da morte
1. O homem, qualquer que seja o grau da escala a que ele pertença, desde o estado de selvageria, tem o sentimento inato do futuro; sua intuição lhe diz que a morte não é a última palavra da existência, e que aqueles de quem estamos saudosos não estão perdidos para sempre. A crença no futuro é intuitiva, e infinitamente mais generalizada que a crença no nada. Então, como pode acontecer que, entre os que creem na imortalidade da alma, ainda se encontre tanto apego às coisas da Terra, e um tão grande receio da morte?
2. O receio da morte é um efeito da sabedoria da Providência e uma consequência do instinto de conservação comum a todos os seres vivos. Ele é necessário, enquanto o homem não está bastante esclarecido sobre as condições da vida futura, como contrapeso à tendência que, sem esse freio, o levaria a deixar prematuramente a vida terrestre, e a negligenciar o trabalho na Terra que deve servir para o seu próprio adiantamento.
É por isso que, entre os povos primitivos, o futuro é apenas uma vaga intuição, mais tarde uma simples esperança, mais tarde enfim uma certeza, porém ainda atenuada por um secreto apego à vida corporal.
3. À medida que o homem compreende melhor a vida futura, o receio da morte diminui; mas, ao mesmo tempo, compreendendo melhor sua missão sobre a Terra, ele aguarda seu fim com mais calma, mais resignação e sem medo. A certeza da vida futura dá um outro curso às suas ideias, um outro objetivo aos seus trabalhos; antes de ter essa certeza, ele trabalha apenas para a vida atual; com essa certeza, trabalha tendo em vista o futuro sem descuidar-se do presente, porque sabe que seu futuro depende da direção mais ou menos boa que ele dá ao presente. A certeza de reencontrar seus amigos após a morte, de continuar as relações que ele teve sobre a Terra, de não perder o fruto de nenhum trabalho, de crescer continuamente, em inteligência e em perfeição, lhe dá a paciência de esperar e a coragem de suportar as fadigas momentâneas da vida terrestre. A solidariedade que o homem vê se estabelecer entre os mortos e os vivos faz com que ele compreenda a que deve existir entre os vivos; a fraternidade tem por consequência sua razão de ser, e a caridade, um objetivo no presente e no futuro.
4. Para libertar-se dos receios da morte, é necessário poder analisá-la sob seu verdadeiro ponto de vista, isto é, haver penetrado, pelo pensamento, no mundo espiritual e dele fazer uma ideia tão exata quanto possível, o que indica no espírito encarnado um certo desenvolvimento e uma certa capacidade para se desligar da matéria. Entre aqueles que não estão suficientemente adiantados, a vida material ainda prevalece sobre a vida espiritual.
Apegando-se ao exterior o homem só vê a vida no corpo, enquanto que a vida real está na alma; tendo o corpo ficado sem vida, aos seus olhos tudo está perdido, e ele se desespera. Se, em lugar de concentrar seu pensamento sobre a vestimenta exterior, o corpo, ele o fizesse sobre a própria fonte da vida, a alma, que é o ser real que sobrevive a tudo, ele lamentaria menos a perda do corpo, fonte de tantas misérias e de dores; para isso, no entanto, é necessário que o espírito tenha uma força que só adquire com a maturidade.
O receio da morte resulta, portanto, da insuficiência de conhecimentos sobre a vida futura; mas ele indica a necessidade de viver, e o medo de que a destruição do corpo seja o fim de tudo; ele é assim provocado pelo desejo secreto da sobrevivência da alma, ainda encoberta pela dúvida.
A apreensão, se enfraquece à medida que a certeza se forma, e desaparece quando a certeza é absoluta.
Eis o lado providencial da questão. Seria prudente não fascinar o homem, cuja razão não estava ainda bastante sólida para suportar a perspectiva, muito positiva e muito atraente, de um futuro que o fizesse negligenciar o presente, necessário ao seu adiantamento material e intelectual.
5. Esse estado de coisas é mantido e dilatado por causas puramente humanas que, com o progresso, irão desaparecer. A primeira é o aspecto sob o qual a vida futura é apresentada, aspecto que seria suficiente para inteligências pouco avançadas, mas que não poderia satisfazer as exigências da razão dos homens que pensam maduramente. Desde que, dizem eles, se nos apresentam, como verdades absolutas, princípios contestados pela lógica e os dados positivos da Ciência, é porque eles não são verdades. Daí, entre alguns há a incredulidade, entre um grande número de outros, uma crença misturada com a dúvida. A vida futura é para eles uma ideia vaga, antes uma probabilidade do que uma certeza absoluta; acreditam nela, gostariam que assim fosse e, apesar disso, exclamam: Se no entanto não for assim! O presente é positivo, dediquemo-nos primeiro a ele; o futuro virá por acréscimo.
E depois, dizem ainda, o que é afinal a alma? É um ponto, um átomo, uma centelha, uma chama? Como sente? Como vê? Como percebe? A alma não é para eles uma realidade efetiva: é uma abstração. Os seres que lhes são queridos, reduzidos em seu pensamento ao estado de átomos, estão, por assim dizer, perdidos para eles, e não têm mais aos seus olhos as qualidades que os faziam amá-los. Eles não compreendem nem o amor de uma centelha, nem aquele que se pode ter por ela, e eles mesmos ficam mediocremente satisfeitos por serem transformados em mônadas.[7] Daí resulta o retorno ao positivismo da vida terrestre, que tem qualquer coisa de mais substancial. O número daqueles que são dominados por essas ideias é considerável.
6. Uma outra razão que une às coisas da Terra até aqueles que creem mais firmemente na vida futura, prende-se à impressão que conservam do ensino que lhes foi dado sobre ela na infância.
O quadro que a religião traça sobre o assunto, é preciso admitir, não é muito sedutor nem muito consolador. Nele se veem, de um lado, as contorções dos condenados que pagam em torturas e chamas sem-fim os erros de um momento, e para quem os séculos sucedem aos séculos sem esperança de alívio nem de piedade, e o que é ainda mais implacável, para quem o arrependimento não produz o efeito desejado. De outro lado, as almas abatidas e sofredoras do purgatório, que esperam sua liberdade da boa vontade dos vivos que rezarão ou farão rezar por elas, e não por seus esforços para progredir. Essas duas categorias compõem a imensa maioria da população do outro mundo. Acima dessas almas está o muito restrito plano dos eleitos, desfrutando, durante a eternidade, de uma beatitude contemplativa. Essa eterna inutilidade, preferível, sem dúvida, ao nada, não deixa de ser uma fastidiosa monotonia. Assim se vê, nas pinturas que retratam os bem-aventurados, figuras angélicas, mas que antes exprimem tédio que a verdadeira felicidade.
Esse estado não satisfaz nem as aspirações nem a ideia instintiva do progresso que só parece compatível com a felicidade absoluta. É difícil conceber que o selvagem ignorante, de senso moral obtuso, somente porque recebeu o batismo, esteja no mesmo nível que aquele que chegou ao mais alto grau de Ciência e de moralidade prática, após longos anos de trabalho. É ainda menos concebível que a criança morta com muito pouca idade, antes de ter consciência de si mesma ou de seus atos, desfrute dos mesmos privilégios, só pela realização de uma cerimônia na qual sua vontade não teve nenhuma participação. Por menos que reflitam, esses pensamentos não deixam de preocupar os crentes mais fervorosos.
7. O trabalho progressivo que se realiza na Terra nada representando para a felicidade futura, a facilidade com que creem adquirir essa felicidade por meio de algumas práticas exteriores, e até mesmo a possibilidade de comprá-la por dinheiro, sem uma séria reforma do caráter e dos hábitos, dão aos prazeres terrenos todo o valor. Mais de um crente diz em seu íntimo que, já que seu futuro está assegurado pela realização de certas fórmulas, ou por dádivas póstumas que não o privam de nada, seria supérfluo impor a si sacrifícios ou um constrangimento qualquer em proveito do próximo, desde que se pode conseguir a salvação trabalhando cada um por si.
Certamente esse não é o pensamento de todos, porquanto existem grandes e belas exceções, mas não se pode ocultar que ele não seja o da maioria, principalmente das massas pouco esclarecidas, e que a ideia que se faz das condições para ser feliz no outro mundo não conserva a dedicação aos bens deste mundo, e, por conseguinte, o egoísmo.
Acrescentemos a isso que, nos usos, tudo concorre para fazer lamentar a perda da vida terrestre, e recear a passagem da Terra para o céu. A morte é cercada apenas de cerimônias soturnas que aterrorizam mais do que despertam a esperança. Se a morte é representada, isso sempre acontece sob um aspecto repelente e nunca como um sono de transição; todos esses símbolos lembram a destruição do corpo, mostrando-o horrendo e descarnado; nenhum simboliza a alma se desprendendo radiosa de seus laços terrestres. A partida para esse mundo mais feliz é acompanhada apenas pelas lamentações dos sobreviventes, como se acontecesse a maior desgraça àqueles que se vão; se lhes diz um eterno adeus, como se jamais fôssemos revê-los; o que se lamenta por eles são os gozos deste mundo, como se não devessem encontrar outros maiores. Que infelicidade, diz-se, morrer quando se é jovem, rico, feliz, e se tem diante de si um brilhante futuro!
A ideia de uma situação mais feliz apenas aflora no pensa-mento, porque nele não tem raízes. Portanto, tudo concorre para inspirar o terror pela morte em lugar de fazer nascer a esperança. O homem, sem dúvida, precisará de muito tempo para se desfazer desses preconceitos, mas isso acontecerá à medida que sua fé se fortalecer, quando então ele fará uma ideia mais sadia da vida espiritual.
Por que os espíritas não receiam a morte
9. A Doutrina Espírita muda inteiramente a maneira de considerar o futuro. A vida futura não é mais uma hipótese, mas uma realidade; o estado das almas após a morte não é mais uma teoria, mas o resultado da observação. O véu está levantado; o mundo espiritual nos aparece em toda a sua realidade prática; não foram os homens que o descobriram pelo esforço de uma concepção engenhosa, são os próprios habitantes desse mundo que vêm nos descrever sua situação; nós ali os vemos em todos os graus da escala espiritual, em todas as fases da felicidade e do infortúnio; assistimos a todas as peripécias da vida de além-túmulo. Aí está, para os espíritas, a razão da calma com que eles encaram a morte, da serenidade de seus últimos instantes sobre a Terra. O que lhes serve de apoio não é somente a esperança, é a certeza: eles sabem