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LÉO: Uma conquista inspirada em histórias reais
LÉO: Uma conquista inspirada em histórias reais
LÉO: Uma conquista inspirada em histórias reais
E-book319 páginas3 horas

LÉO: Uma conquista inspirada em histórias reais

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Sobre este e-book

MERGULHE NESTA FICÇÃO TÃO REAL QUANTO A VIDA

A vida de um atleta de alto rendimento não é fácil. Desde a opção pela carreira no esporte, a qual nem sempre é uma verdadeira escolha, até os sacrifícios e abdicações que fazem parte dessa vida, ter apoio é fundamental.

Apoio que não faltou ao persistente Léo, inspirado em diversos personagens reais. Ele enfrentou a pressão e os anseios do pai para que fosse jogador de futebol e decidiu se arriscar e viver seu grande sonho: a natação.

Ora angustiante, ora vibrante, a intensa história de Léo é feita de altos e baixos, no esporte ou fora dele. Especialmente na vida de um atleta, essa montanha-russa corre vertiginosamente e tem picos e vales de dimensões gigantescas.

Bem-vindo a esse tortuoso e magnífico caminho de nosso campeão. Caminho repleto de escolhas, decisões e imprevisíveis desdobramentos a cada capítulo. Carla Di Pierro, Eduardo Cillo e Fernanda Tartalha do Nascimento, além de renomados psicólogos esportivos, mostram talento com as palavras e compartilham conosco tudo o que aprenderam como ouvintes atentos de tantos outros caminhos, de tantos "Léos" que tiveram o prazer de conhecer e de apoiar. Uma história para ser lida de um só fôlego.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de nov. de 2019
ISBN9788542816402
LÉO: Uma conquista inspirada em histórias reais

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    Pré-visualização do livro

    LÉO - Carla Di Pierro

    Capítulo 1

    Já fazia pouco mais de um ano que a vida de atleta de Léo tinha chegado ao fim. Ele dera um largo salto na carreira ao aceitar o convite para virar técnico de natação. Um salto de dentro para fora da piscina. Depois de quase vinte anos contando braçadas e controlando sistematicamente a respiração, fora convidado para trabalhar em um dos maiores clubes de São Paulo. De início hesitou, pois não iria trabalhar com os nadadores de ponta. Na sua cabeça, ele esperava uma transição mais rápida: Porra! Fui um dos maiores nadadores do Brasil. Disputei três Olimpíadas, ganhei duas medalhas e cheguei muito perto de recordes mundiais. Quem pode ser mais qualificado? O desejo de queimar etapas começou a ser desconstruído em casa. Janaína, sua esposa, quase sempre conseguia ponderar bem sobre as situações novas que apareciam:

    – Meu amor, não acha que está sendo um pouco apressado? Você praticamente acabou de largar as piscinas, terminou a faculdade aos trancos e barrancos, ainda está fazendo a pós e os caras já te convidaram pra fazer parte da equipe! Na boa? Vai lá pelo menos pra conversar um pouco mais e saber o que o André pode te oferecer. E não se esqueça… logo mais não seremos só nós dois. O Daniel está crescendo rapidamente na minha barriga…

    André era o diretor de natação e tinha feito o convite porque sabia que a simples presença de Léo no clube lhe daria mais moral com o presidente. Além disso, como uma boa jogada de marketing, poderia angariar mais patrocínio, o que seria fundamental para o clube, já que não contaria mais com as verbas do governo depois do término das Olimpíadas no Rio, no final daquele ano. Mas Léo andava vaidoso e cabeça­-dura. Desde que largara a carreira de atleta profissional, tinha de lidar com um orçamento bem mais apertado. Sempre achava que recebia menos do que merecia e, mesmo com os bons conselhos de Janaína, estava relutante. Então marcou um café com André na padaria que ficava perto da entrada principal do clube, mas chegou atrasado e encontrou o diretor prestes a pagar a conta. Com cara de poucos amigos, André lhe deu a primeira pedrada:

    – O café que eu ia pagar pra você, tive que tomar enquanto te esperava. Se quiser alguma coisa, agora a conta é sua.

    Léo quase deu meia­-volta sem dizer uma palavra sequer, mas ouviu a voz de Janaína: Por que está indo embora? Você nem perguntou sobre as condições de trabalho no clube!.

    Então Léo recuou o passo que estava prestes a dar em direção ao carro, respirou, decidiu não mentir para a esposa e disse:

    – Tranquilo. Mas só pago o meu. Se você quiser qualquer outra parada aí, se vira.

    O clima, que já não estava bom, ameaçou implodir de vez. Então foi a vez de André respirar fundo e dizer calmamente:

    – Beleza. Cada um paga o seu, mas senta aí e pelo menos ouve o que tenho a dizer.

    Léo ficou desconfiado se André e Janaína tinham conversado, mas decidiu ouvir sua proposta.

    Enquanto André falava, Léo se esforçava para manter a atenção nele, sem demonstrar a inquietação que sentia de olhar o relógio a cada minuto. Mas tudo mudou para Léo quando, empolgado, o diretor falava sorrindo sobre as possibilidades de carreira, sobre os planos de marketing, os patrocínios que estavam prestes a fechar, as chances enormes de que em menos de um ano Léo se tornasse o treinador chefe à frente da equipe principal, o head coach da preparação para futuras Olimpíadas, do peso enorme de sua palavra para os atletas da base e tantas outras promessas de felicidade e sucesso. Léo já tinha aceitado antes mesmo de o diretor terminar de falar, mas não quis dar mole:

    – Preciso pensar. Confesso que achei muito interessante, mas preciso pôr tudo na balança antes de me decidir.

    André sabia que o ex­-atleta, e agora praticamente técnico, já tinha aceitado. Sabia ler as pessoas muito bem. Foi notando a mudança do interesse de Léo conforme ia falando. Os sinais clássicos de interesse na mudança das expressões faciais e postura corporal, e o mais importante: o semissorriso no canto da boca de Léo quando ele disse que tinha que pensar. Sabia que ele já estava se imaginando dando treinos e colhendo conquistas. No fundo, André se achava um tremendo expert em persuasão e sempre judiava dos psicólogos do clube com um certo ar de desdém. Como se eles fossem seus concorrentes. Essa era uma competição da qual gostava muito – influenciar pessoas e mudar comportamentos.

    Ao final de quase duas horas, se despediram e Léo nem mesmo se lembrava de que havia lhe dito que ainda precisava pensar. Já indo embora, André se lembrou de que estava tão preocupado em falar das oportunidades que Léo teria que esqueceu de perguntar sobre sua formação, afinal ele teria que convencer outras pessoas de que Léo era bom para o cargo:

    – Ah! Só para ter certeza: você já terminou a pós em treinamento esportivo no NAPSP,¹ certo?

    Léo, que todo final de semana de aula da pós questionava se voltaria no próximo, retrucou:

    – Quase. Só falta a monografia.

    E o diretor concluiu:

    – Vou dizer ao presidente que você foi convidado para fazer o mestrado, mas não sabe se consegue conciliar com o trabalho aqui no clube. Se alguém perguntar, confirma.

    Aos risos, eles se despediram felizes. E assim começou a carreira de treinador de Léo.

    • • •

    Não era a primeira vez que Léo encarava uma situação como aquela. Para falar a verdade, perdera a conta de quantas foram as situações em que precisou se controlar para não pôr tudo a perder. Em momentos como esse, um filme acelerado passava em sua cabeça com as lembranças das inúmeras sessões de treino que encarou, das infinitas avaliações e tomadas de tempo a que foi submetido, das incontáveis mensagens e demonstrações de apoio que recebia, das expectativas de dirigentes e patrocinadores, dos gritos de seu pai que se destacavam na arquibancada, das festas e baladas que não pôde ir, dos suplementos que engolia mesmo não tendo fome e, principalmente, do medo de estragar tudo por conta da imensa batalha que travava consigo mesmo na véspera de competições importantes.

    Mas, desta vez, o ponto de vista era outro. A boca seca, constantemente estimulada por uma língua irrequieta, as mãos sem posição, circulando pelo corpo e pelo espaço em volta, o olhar aturdido, que pouco se fixava em algo próximo, as pernas balançando em uma corrida frenética sem sair do lugar, o coração acelerado, a cabeça chacoalhando para frente e para trás buscando confirmar o recebimento das instruções do técnico e, ao mesmo tempo, sinalizando que nada ou quase nada estava sendo compreendido, por conta da velocidade com que seus pensamentos, incontroláveis, surgiam e iam embora. Sinais clássicos de que a ansiedade era tão grande que quase nada mais era possível além da grande luta para acalmar os nervos. Mas desta vez nada disso estava acontecendo com Léo, e, sim, com Letícia, uma de suas atletas juniores, que estava prestes a entrar na piscina para uma competição regional, mas que parecia se sentir em uma final olímpica nadando contra competidoras de quatro braços e oito pernas.

    Durante a vida esportiva de Léo, muitas vezes ele se sentiu de forma parecida e sabia que somente a experiência e ajuda especializada poderiam amenizar aquele sofrimento e colocar Letícia de volta na prova. Tinha dúvidas se algo que dissesse ou fizesse poderia ajudá­-la, mas tinha uma certeza: não poderia se omitir.

    Eu não vou conseguir, pensava Letícia. De repente todo o treinamento parecia insuficiente e a sensação de que não era capaz de enfrentar o desafio a sua frente a dominava totalmente. A ideia da derrota era terrível. Um ano atrás ela estava nessa mesma piscina, sem expectativas e numa equipe bem menor, nadando para ganhar a prova e chamar a atenção de todos que assistiam. Desde então, tudo parecia perfeito: foi convidada para treinar no clube que sempre sonhou, nadava ao lado de atletas que admirava e convivia diariamente com Léo, ídolo que ela sempre acompanhou pela TV. Nesse cenário, Letícia se desenvolveu muito bem. Na última tomada de tempo tinha nadado um segundo abaixo de sua melhor marca. Mas agora, esperando sua hora de ir para o balizamento, nada disso parecia lhe trazer confiança. Vou decepcionar todo mundo, ela dizia a si mesma.

    O incentivo e o investimento da família, presente e animada na arquibancada, assim como a confiança do técnico, que insistia em dizer que ela era a melhor atleta da prova, colocavam em Letícia uma pressão com a qual ela não sabia lidar. Ela tentava não olhar para a arquibancada. Nem tinha falado com os pais desde que chegara ao local da competição. Mesmo sabendo que eles estavam lá, confiantes em sua vitória, a distância a ajudava a se concentrar um pouco para a prova. Mas Léo estava perto o tempo todo. E, mesmo buscando não se aproximar muito dele, era difícil fugir de suas expectativas. Nesse momento, ela não se achava boa o bastante para corresponder. Mas, por saber que ele só queria o melhor para ela, acabou não evitando quando ele quis conversar. Ela não queria dizer nada e tentou apenas ouvir as instruções. Focar só nisso: no que tinha que fazer. Mas o coração continuava acelerado e o corpo tenso. Vendo que as instruções táticas não eram suficientes, Léo resolveu apelar para o emocional:

    – Confie em você, Letícia. Você é a melhor desta prova! Todo mundo acredita em você.

    O pouco de controle que Letícia tinha foi embora nesse momento. Ela olhou para a família empolgada na arquibancada, olhou para o seu técnico, tão confiante, esqueceu todas as instruções e só pensava: Eu não posso perder, todo mundo acredita em mim. Ela nunca havia nadado tão pressionada. Foi para a sua prova e ainda em cima do bloco sentia seu corpo tremer. Só pensando em não perder, se esqueceu de sua estratégia de prova. Largou tensa, seus braços pesavam como nunca tinha sentido antes, a respiração saiu do seu controle, a dor tomou conta do seu corpo, como se literalmente tivesse caído um piano em suas costas, e nos últimos metros de prova viu duas de suas adversárias acelerarem mais do que ela era capaz. Acabou com a terceira colocação. Que vergonha, meu Deus! Decepcionei todo mundo. E agora, como vou encarar meu treinador? Então saiu correndo para o vestiário chorando de soluçar, tentando se esconder de tudo o que tinha acontecido e de todos.

    • • •

    A casa era simples e ficava em uma rua pouco movimentada do bairro da Lapa, na Zona Oeste de São Paulo. O pai era um corintiano fanático e a mãe gostava de atividade física, mas não era muito adepta da competição a qualquer preço. Léo foi concebido em uma noite quente de um sábado ensolarado, no final de um janeiro seco do meio da década de 1980. Vicente, o pai, tinha passado a tarde jogando com os amigos no clube Santana. Começaram com uma boa pelada na quadra de society. Valentes e fominhas que eram, se dividiram depois da pelada. Alguns foram dar umas braçadas na piscina descoberta, enquanto Vicente e mais três resolveram disputar alguns games nas duplas das quadras de saibro. Ao final de um set inteiro, com a sensação embriagante da disputa, Vicente ensaiava um trotezinho na pista oval de corrida quando foi surpreendido pelo abraço quente de Marina, com quem havia se casado recentemente. Ela estava demais. Um biquíni pequeno para os padrões da época, com o qual havia desfilado a tarde toda na piscina principal. Por um momento Vicente se perguntou por que ficou aquele tempo todo correndo, suando e jogando. Quase não podia crer que aquela era sua esposa. Tentando disfarçar sua estupidez, chamou­-a para comer um lanche e tomar uma cerveja antes de irem para casa. Não conseguiram sair tão cedo das dependências do clube. Em um canto escuro do amplo estacionamento do clube Santana, estava parada a Kombi de entregas de Vicente. O casal bem que tentou pegar leve, mas, com a empolgação de recém­-casados, deram início à vida de Léo ali mesmo, no espaço livre da parte de trás da Kombi.

    • • •

    O primeiro contato de Léo com o esporte foi no clube. Ainda bem novo, a mãe, Marina, empurrava o carrinho de bebê incansavelmente por todo o espaço do Santana, acompanhando as peripécias do marido, Vicente. Mesmo que não entendesse o que estava acontecendo, Léo foi sendo acostumado com diversos espaços e práticas esportivas. Logo que começou a andar, o pai o incentivava jogando uma bola e estimulando os primeiros chutes. Léo gostava, ria, mas logo se distraía com um passarinho ou com a algazarra de outras crianças, o que frustrava um pouco as expectativas de Vicente, que pensava estar criando o novo craque do Timão e da seleção de futebol. Nas primeiras vezes em que entrou na piscina Léo não ficou muito à vontade, mas acabou se acostumando com a água morna e curtindo a sensação de flutuar, amparado pelas boias de borracha ou pelos braços do pai. O esporte era, até então, apenas uma brincadeira, que ele podia parar quando quisesse.

    Léo morava na rua Guaipá, perto da linha de trem da estação Imperatriz Leopoldina, e aos 10 anos de idade começou a andar pelo bairro da Lapa de bicicleta. Naquela época era tranquilo pedalar por ali, mas já existiam os assaltos à mão armada. Sua mãe vivia dizendo: Cuidado, meu filho. Se quiserem te roubar, não reaja. Dá logo essa bicicleta!. Mas Léo pensava em todas as estratégias de como se safaria se alguém viesse roubá­-lo. Ele se achava tão rápido e tão conhecedor do bairro, que ninguém conseguiria alcançá­-lo, então se divertia pensando em como entraria nas ruelas e nos esconderijos e em como atravessaria as praças e ruas para defender sua bicicleta dos pivetes, por isso adorava pedalar pelo bairro descobrindo as ruas, passagens secretas e criando rotas novas para ir e vir.

    Na saída da escola, durante o ginásio, ele costumava passar na banca de jornal para comprar figurinhas do Campeonato Brasileiro. As repetidas ele usava para jogar bafo na escola e ganhar mais algumas. Léo estudava na colégio João Monteiro Boanova, na rua Peribebui, escola reconhecida no bairro pelo alto nível dos professores e pela boa formação dos alunos. No final da rua da escola ficava a entrada do Pelezão, um clube fundado na década de 1970, que dispunha de aulas de tênis, futebol, vôlei, basquete, natação e ginástica olímpica para as crianças e os adolescentes do bairro, e aulas de ginástica para os adultos.

    Marina, mãe de Léo, frequentava as aulas de ginástica durante a semana, enquanto o filho fazia futebol e natação em dias alternados. Para a família, o esporte sempre foi importante, tanto para a saúde quanto para a formação do caráter de Léo. O pai dizia que ele tinha de aprender a ganhar e perder, e a perseverar, e que grandes campeões aguentavam o que fosse preciso. Depois de praticarem esporte no clube do bairro, mãe e filho passavam na padaria que ficava na esquina da rua de casa para comprar pão fresquinho e fazer o lanche da tarde com queijo e presunto.

    Aos finais de semana o clube Santana era o espaço de diversão onde Léo podia brincar de jogar bola e de nadar com os amigos, que não eram muitos, mas que ele conservava desde pequeno. Já na escola, a experiência com esporte não foi das mais ricas. Como tinha recursos limitados, oferecia apenas aulas básicas de educação física.

    – Atividade extracurricular é para escola de rico – dizia a diretora Neide.

    Além disso, não fazia muito sentido fazer um baita esforço para angariar recursos e oferecer atividades concorrentes com as do Pelezão, ali tão próximo. Como resultado, o foco da escola era mesmo o desempenho acadêmico formal nas disciplinas de sala. Na única quadra descoberta que a escola possuía os dois professores de Educação Física não faziam muito esforço para incentivar os alunos. Na maioria das vezes as aulas eram verdadeiras peladas de futsal ou vôlei (quando as meninas reclamavam da falta de oportunidade) entre os alunos das turmas, que os professores acompanhavam de forma desinteressada. A maior preocupação que eles tinham era a de que alguém se machucasse e eles tivessem que pôr em prática os conhecimentos básicos de primeiros socorros, exercitados anos atrás na faculdade. Não era incomum ouvir um deles dizendo algo como: Cuidado! Mais devagar. Ninguém aqui está treinando. É só para experimentar. Assim, as aulas de educação física eram pouco estimulantes e jogava apenas quem queria. Léo gostava dessa prática sem compromisso e pressão, mas nem sempre estava dentro da quadra. Era comum observá­-lo na arquibancada batendo e trocando figurinhas, ou envolvido em alguma outra brincadeira divertida.

    Nas férias de verão e nos feriados a família costumava ir para Ubatuba. Ficavam no trailer do avô Mario, na praia da Lagoinha. O espaço era apertado, mas Léo não se incomodava. Além da piscina, aprendeu a amar o mar e se arriscava a surfar nas ondas gordas do Sapê.

    • • •

    O tempo foi passando e Léo começou a ter contato com as primeiras competições esportivas. Os finais de semana no clube passaram a ser recheados de festivais e torneios internos com os colegas da natação e do futebol. Nas competições de futebol o pai estava sempre presente: Vicente se empolgava com os jogos do filho, sentia­-se como se estivesse em campo – até a boca seca e o frio na barriga ele sentia antes do início do jogo. Durante a partida sentia um nervosismo e uma irritação que o levavam a gritar e dar ordens, isso quando não aparecia uma reclamação ou crítica: Chuta! Corre! Passa a bola! Não pode errar esse lance! Você não viu que tinha que ter chutado pro gol?. Vicente ficava inconformado com os erros que ele julgava serem bobos, e o caminho de volta para casa começou a se tornar insuportável. Léo dificilmente recebia um elogio; seu pai era das antigas, e acreditava que os grandes campeões eram forjados na base da pressão. E nada mais do que isso. Léo sofria muito com a dificuldade de atender às expectativas do pai. Mais do que vitórias, ele queria reconhecimento do seu maior ídolo e não entendia por que não conseguia melhorar. Parecia que todo o esforço que fazia estava sendo em vão. Começava a acreditar que não tinha o menor talento para o esporte, mas temia decepcionar ainda mais o seu pai, por isso aceitava as críticas e ficava horas a fio, incansavelmente, pensando no que estava faltando.

    Em um determinado momento do início da adolescência de Léo, Vicente tomou uma decisão que gerou muita polêmica na honesta casa da rua Guaipá: a resposta para o fracasso esportivo de Léo só poderia ser uma – excesso de atividades. O diagnóstico paterno veio acompanhado de uma escolha: Léo deveria parar a natação para poder descansar o corpo, aproveitar melhor os treinos de futebol e se preparar para as peneiras no terrão do Parque São Jorge. Além de torcedor fanático, Vicente precisava resolver uma dívida que tinha consigo mesmo. Quando ainda muito jovem, sonhava em ser jogador do Corinthians e pertencer à galeria de craques do time do povo, porém Joel, seu pai e avô de Léo, proibiu que ele seguisse com seus planos:

    – Isso é coisa de vagabundo! Jogador de futebol acaba na miséria e gasta tudo o que ganha na noite. Nesta família todo mundo trabalha, moleque!

    Vicente engoliu a raiva, mas nunca a digeriu. Passou boa parte da vida se perguntando como poderia ter feito diferente. Chegou a ser aprovado na peneira inicial do seu clube do coração, mas nem sequer contou ao pai. Adiou o sonho e foi ajudar o pai nas entregas pelos bairros da Casa Verde e do Limão. Certo dia, ficou feliz quando conseguiu escapar da vista do pai. Dizendo que precisava fazer um trabalho da escola, pegou um ônibus até a ponte do Tatuapé e esperou pela sua vez no teste do terrão do Corinthians. Não precisou de muito tempo para ser notado. Valmir, responsável pela peneira, gostou do que viu: um meia canhoto que sabia finalizar e não fugia do pau. Pediu que ele voltasse na semana seguinte para uma avaliação mais completa. Vicente passou na primeira etapa e ficou alguns dias bolando um plano para voltar na próxima. Mas acabou se amedrontando com a possibilidade de seu pai descobrir e se enfurecer. Não seria a primeira vez que o sangue espanhol de Joel ferveria e a cinta comeria o seu coro. Vicente se convenceu de que teria outra chance e resolveu esperar. O fato é que ele nunca voltou ao clube para um teste, e passou o resto da vida remoendo aquela dívida consigo mesmo. Estava na hora de resolver aquela pendência: Léo teria que dar certo.


    1 Núcleo de Alta Performance de São Paulo.

    Capítulo 2

    Marina não concordou com a decisão de Vicente. Léo também não. Ela achava que a situação toda deveria ser conduzida com menos pressão e que, com o tempo, o filho faria escolhas legítimas e saudáveis. Na verdade, desde antes de se casar com Vicente, Marina já imaginava que esse tipo de coisa poderia acontecer. Não foram poucas as situações em que Vicente se atrasou ou deixou de ir a algum lugar por conta dos jogos do Corinthians. Sem falar da alteração de humor quando o time perdia. No dia do casamento ela teve certeza: o smoking preto e branco, a estátua de São Jorge, padroeiro do clube, ao lado do altar, o hino tocado à exaustão no salão de festas, os padrinhos e amigos subindo no palco e transformando um dos dias mais importantes de sua vida em mais uma comemoração da Fiel Torcida… Marina sabia que não estava se casando apenas com Vicente, mas também com sua paixão clubística, sua fé cega e seus sonhos não realizados.

    Léo ensaiou uma reclamação, mas a expressão brava e decidida do pai o intimidou, a ponto de marejar seus olhos com força. As lágrimas mal começaram a sair e Vicente ficou ainda mais puto. Léo engoliu as lágrimas junto com o resto do jantar e foi para o quarto, onde finalmente se entregou ao choro. Talvez eu goste de natação, pensava ele, tanto quanto de futebol. A possibilidade da perda valorizava ainda mais aquele espaço que era praticamente só seu. Os treinos na piscina eram muito solitários em grande parte das vezes, e Léo estava começando a gostar disso. Eram momentos em que ele podia pensar com calma (quando os treinos não eram muito intensos), e curtia o fato de que os resultados dependiam muito mais dele do que dos outros. Era uma verdadeira escola de autoconfiança. Aos poucos Léo ia descobrindo como aproveitar melhor os movimentos de seu corpo dentro da água para, com isso, progredir nas provas. Gostava daquele sistema de se comparar com ele mesmo, pois assim tinha a sensação de controle.

    Já o futebol era muito mais variado e imprevisível. Além da dificuldade em controlar a bola com os pés, a instabilidade dos companheiros de time, as dores constantes e a cobrança descabida do treinador eram fatores que ele via com muito desgosto. Não foram poucas as vezes em que ele foi bem individualmente, mas o time não. Como consequência, teve que ouvir broncas cabeludas no vestiário, mesmo não merecendo, e cobranças adicionais em casa:

    – Não importa se o Paulinho te deu uma bola quadrada, Léo! Isso é desculpa de perdedor. Craque recebe uma pedra e transforma em bola açucarada – dizia o pai.

    Léo achava injusto, mas pensava que não valia a pena contestar. Ele sentia que seu esforço ou bom desempenho nunca eram percebidos, mas não desistia de tentar corresponder às expectativas de Vicente. Fazia cara feia, mas no outro dia estava lá, disposto a tentar de novo. Para ele, nada era pior do que imaginar ser a decepção do pai, e dessa vez não foi diferente. Ainda em meio ao choro, o sentimento de raiva de Léo se misturou ao medo de não corresponder a tudo que o pai sempre sonhou para ele. Tinha a esperança de um dia fazer seu pai sentir orgulho. O gosto pela natação de repente foi silenciado pela sua decisão final: se ele quer, eu vou tentar.

    A vontade do pai prevaleceu e lá foram eles em uma quarta à tarde rumo ao terrão do Parque São Jorge. Léo sentia falta das piscinas, mas Vicente nem percebeu, empolgado com histórias e narrativas de lances épicos protagonizados por Sócrates, Casagrande e companhia. Na verdade, Léo já estava cansado e parecia perder o gosto pelo futebol e pelo clube do coração do pai. Mesmo assim, e sem dar nenhum sinal de que um grande craque de futebol estava nascendo

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