O estrategista na pequena empresa: da ação empreendedora à estratégia
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Sobre este e-book
Atualmente, mais de duas décadas depois, a situação é muito diferente. Estratégia em pequenas empresas e empreendedorismo são temas amplamente investigados na academia brasileira. Apesar dos avanços recentes nos temas, o contexto das empresas de menor porte ainda é o espaço preferencial para buscar explicações sobre o processo de formação de estratégia que considerem questões associadas às características de seus dirigentes, além do contexto em que operam.
Este livro é dirigido principalmente para os programas de pós-graduação em Administração e áreas afins do Brasil. Todavia, a leitura deste livro pode, também, auxiliar empreendedores na criação e desenvolvimento de pequenas empresas. Penso que os temas nele tratados, embora em um linguajar mais acadêmico, podem ser úteis às pessoas que se aventurarem em um projeto empreendedor.
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O estrategista na pequena empresa - Fernando Antonio Prado Gimenez
1 EMPREENDEDORISMO
Ao escrever sobre esse assunto, registro, inicialmente, que o empreendedorismo não é um fenômeno recente na história do homem. De fato, empreender é um ato humano que pode ser notado em qualquer atividade que reúna grupos. Assim, desde os primórdios da humanidade, quando os seres humanos se juntaram para tentar superar as adversidades de um ambiente inóspito e ameaçador, pode-se dizer que foram criados empreendimentos para permitir a realização de tarefas sociais.
Hoje em dia, a sociedade contemporânea é marcada por um ritmo acelerado de mudança. O mundo em que vivemos se transforma continuamente. Vivenciamos alterações nos hábitos de consumo da população, mudanças demográficas, surgimento de novas tecnologias e sua incorporação em produtos e serviços. Essas mudanças causam impactos profundos nas organizações. Isso pode, por um lado, ameaçar sua sobrevivência ou, por outro, criar oportunidades de crescimento, bem como permitir o surgimento de novas organizações ou iniciativas empreendedoras em organizações já existentes.
Quando analisei o que já foi escrito sobre empreendedorismo, encontrei uma ampla gama de perspectivas. O empreendedorismo, como campo de conhecimento, é recente. Embora o tema tenha sido usado por economistas nos séculos XVIII e XIX, somente a partir de meados do século XX é que começaram os primeiros esforços de construção de conhecimento de forma sistemática e continuada nesse campo. Esse esforço se intensificou no início da década de 1980, com a consolidação de congressos e revistas acadêmicas dedicadas ao empreendedorismo.
Entendo que para empreender se deve buscar algo inovador, e há várias maneiras de inovar. Schumpeter (1988) apresentou cinco formas de inovação: (i) introdução de novos produtos; (ii) criação de novos métodos de produção; (iii) abertura de um mercado novo; (iv) identificação de novas fontes de suprimento; e (v) criação de novas organizações. Pode ser necessário, ainda, pensar no grau de inovação que se consegue incorporar em um novo empreendimento. Na literatura, fala-se em inovação incremental e radical. Como os nomes já indicam, a primeira está relacionada a pequenos incrementos em coisas já existentes. E a última diz respeito a novidades que ainda não existem na sociedade. Essa diferenciação está associada ao grau de inovação proposta.
Além disso, Tidd, Bessant e Pavit (2001) lembram que quando se fala de inovação, estamos nos referindo a qualquer tipo de mudança. Para eles, as mudanças inovadoras podem ser de quatro tipos: (i) inovação de produto, isto é, mudanças nas coisas (produtos/serviços) que uma empresa oferece; (ii) inovação de processo que são mudanças na forma em que os produtos/serviços são criados e entregues; (iii) inovação de posição, ou seja, mudanças no contexto em que produtos/serviços são introduzidos; e (iv) inovação de paradigma, ou seja, mudanças nos modelos mentais subjacentes que orientam o que a empresa faz.
Dessa forma, fica claro que, empreendedorismo, tendo a ver com inovação, pode ocorrer, por exemplo, pela criação de novas empresas ou organizações que serão baseadas em novos produtos, novos processos, novas posições ou novos paradigmas.
O significado de empreendedorismo se transformou ao longo de mais de 80 anos. No entanto, penso existir uma tendência à convergência que, embora não consensual, me parece ser aceita pela maioria dos estudiosos contemporâneos. Por exemplo, Stevenson, Roberts e Grousbeck (1985) consideraram empreendedorismo um processo pelo qual indivíduos – autonomamente ou dentro de organizações – perseguem oportunidades sem levar em consideração os recursos que eles controlam no momento. Assim, ao longo dos anos 1990, foram apresentadas propostas de significação para o termo que implicam o reconhecimento da inovação como parte essencial do fenômeno, salientando ainda a possibilidade de ele ocorrer em diferentes contextos, com consequências supostamente voltadas para o bem-estar humano.
Uma definição de empreendedorismo que considero adequada e que gosto de adotar foi apresentada por Morris (1998). Esse autor sugeriu que empreendedorismo é um processo pelo qual indivíduos ou grupos integram recursos e competências para explorar oportunidades no ambiente, criando valor, em qualquer contexto organizacional, com resultados que incluem novos empreendimentos, produtos, serviços, processos, mercados e tecnologias. Enxergo nessa definição alguns temas centrais ao empreendedorismo: (i) processo; (ii) integração de recursos e competências; (iii) oportunidades; (iv) valor; e (v) inovação.
Dentro desse enfoque amplo que o empreendedorismo assumiu na literatura, Stevenson e Jarillo (1990) apontaram três correntes de pesquisa. Um primeiro grupo de pesquisadores se concentrava na explicação das consequências do empreendedorismo, buscando respostas para a pergunta: o que acontece quando empreendedores agem? Esse parece ser o domínio dos economistas principalmente. A pergunta sobre por que empreendedores agem, recebeu em especial a atenção de pesquisadores da área de psicologia e sociologia, fornecendo importantes explicações sobre as causas da ação empreendedora com foco no indivíduo. Por fim, o centro de atenção de alguns pesquisadores, de diversas disciplinas, esteve em como os empreendedores agem, gerando conhecimento sobre as características e formas de ação empreendedora em contextos organizacionais e ambientais diferenciados.
A diversidade de perspectivas com que o empreendedorismo é tratado na literatura é exemplificada de forma eficaz e resumida por Filion (1999). Nesse trabalho, o autor mostra como pesquisadores filiados a diferentes campos do conhecimento tendem a visualizar os empreendedores de forma diferenciada. Assim, por exemplo, para os economistas, os empreendedores estão associados à inovação e são direcionadores de desenvolvimento, para os engenheiros, esses são bons distribuidores e coordenadores de recursos, e para os administradores, empreendedores são vistos como organizadores competentes e desembaraçados que desenvolvem visões por meio da organização e uso de recursos.
Em minha visão, empreender envolve uma série de decisões, algumas simples, outras complexas, mas todas voltadas para a sustentabilidade em longo prazo do empreendimento que surge. Esse conjunto de decisões passa inicialmente por escolher o campo de atuação da empresa ou organização, decidindo sobre a oferta de produtos ou serviços e para quais mercados ou segmentos da sociedade. Adicionalmente, é preciso escolher ou buscar tecnologias que tornem possível a produção dos produtos ou prestação de serviços, bem como outras tecnologias que permitam acessar os clientes onde quer que estejam. Por fim, é preciso um terceiro grupo de decisões, que envolvem a criação de uma forma ordenada de trabalho com definições de funções, tarefas e processos que permitam à empresa nascente ser bem-sucedida em seus estágios iniciais e ao longo de seu crescimento.
Encontrei em Brush, Greene e Hart (2002) uma boa síntese sobre os diferentes tipos de recursos que compõem a base para um novo empreendimento. Eles podem ser humanos, sociais, financeiros, físicos, tecnológicos e organizacionais. Os recursos podem ser simples ou complexos. Os simples são tangíveis, descontínuos e baseados na propriedade. E os complexos são intangíveis, sistemáticos e baseados no conhecimento.
As mesmas autoras distinguem recursos utilitários de instrumentais. Os utilitários são aplicados diretamente no processo produtivo ou combinados para desenvolver outros recursos, enquanto os instrumentais são usados para fornecer acesso a outros recursos.
Por fim, como mostraram as três autoras, pode-se dizer que a criação de uma nova empresa envolve buscar e articular recursos diferentes que podem ser simples, tais como matéria-prima ou dinheiro. Depois, é necessário pensar em capacidades e competências que envolvem a sistematização de procedimentos e são baseados em conhecimento, sendo, portanto, recursos complexos. Por fim, os recursos organizacionais mais complexos e de difícil imitação – ativos estratégicos e vantagem única – são fruto de esforço contínuo de inovação e diferenciação, permitindo à empresa se tornar mais competitiva em seu mercado.
Na literatura, identifiquei três momentos muito significativos, simbolizados na contribuição de três autores, que representam perspectivas distintas e complementares e me auxiliaram no entendimento do empreendedorismo, seja do ponto de vista científico ou prático. Eles são Joseph Schmpeter, David McClelland e Peter Drucker. Comento sobre a contribuição de cada um deles a seguir.
Schumpeter e a visão econômica do empreendedorismo
Joseph Schumpeter foi um economista e é reconhecido amplamente como autor de importante contribuição para o entendimento da ação empreendedora. Em um de seus livros, em que trata de uma teoria do desenvolvimento econômico, Schumpeter considerou o empreendedorismo como o fator fundamental desse desenvolvimento. Em 1934, Schumpeter tratou empreendedorismo como a realização de novas combinações de recursos, incluindo fazer coisas novas ou coisas que já são feitas, mas de novas maneiras.
A partir de considerações preliminares sobre a natureza dos fatos da vida humana, Schumpeter entendia que esses nunca são pura ou exclusivamente econômicos, e que sempre existem outros aspectos que, segundo ele, poderiam até ser mais importantes, mas sua intenção residia na explicação de fatos que resultam do comportamento econômico. Isto é, fatos dirigidos para a aquisição de bens, diferenciando-os do que chamava fatos sociais que, segundo ele, resultam do comportamento humano.
Para ele, o desenvolvimento se dava por meio de descontinuidades no sistema econômico que causam o deslocamento de seu ponto de equilíbrio. Para melhor entendimento dessa noção, Schumpeter contrastou o desenvolvimento econômico com o crescimento. O segundo é entendido como o processo interno, ou seja, controlado pelo próprio sistema, de ajustes contínuos. Para Schumpeter, o novo não é alcançável a partir do antigo mediante passos infinitesimais. O novo surge na esfera empresarial quando, por meio da ação de indivíduos, surgem alterações na produção. Produção para Schumpeter significa combinar materiais e forças que estão ao alcance do indivíduo, enquanto o empreendedorismo se manifesta quando novas combinações são desenvolvidas, ou seja, quando surgem novas formas de produção.
A partir dessas noções, Schumpeter apresentou o conceito de empreendimento como sendo a realização de novas combinações, sendo o empreendedor o indivíduo cuja função é realizá-lo. É importante notar que, para Schumpeter, o empreendedor não era apenas o criador de empresas, pois como mencionei anteriormente, para ele novas combinações surgem em cinco formatos: novos bens, novos métodos de produção, novos mercados, novas fontes de matérias primas e novas organizações.
Para se entender a proposição de Schumpeter sobre o empreendedorismo é preciso considerar que, na sua visão, o empreendedorismo é uma função econômica cujo centro é a inovação – distinto da função gerencial, cujo cerne está no ajuste e manutenção do equilíbrio. Fundamental, também, é compreender que, para Schumpeter, o empreendedorismo é um fato econômico, em outras palavras, se manifesta no mundo das relações guiadas pelo interesse em aquisição de bens.
McClelland e a visão comportamental do empreendedorismo
David McClelland foi um psicólogo que desenvolveu estudos focados no comportamento empreendedor entre 1950 e 1970, principalmente. Ele é o estudioso que marca o segundo momento muito relevante, em minha opinião, no campo do empreendedorismo. Foi em 1961 que ele publicou sua obra mais importante, The achieving society. Ela foi lançada em português, em 1972, com o nome de A sociedade competitiva: realização e progresso social. Para ele, o comportamento empreendedor deveria ser visto, também, como um dos motores do desenvolvimento econômico. Contudo, seu foco de atenção estava na busca de explicações para razões que levam indivíduos específicos a se envolverem com empreendimentos, e outros não.
Deve-se a McClelland uma contribuição muito importante no campo do empreendedorismo. Em sua visão sobre o empreendedorismo, surgiu a noção de papel, diferente da função empreendedora na economia, no sentido de que o comportamento empreendedor é um entre os diferentes papéis que o indivíduo assume na vida social. O exercício desse papel por um indivíduo, na visão de McClelland, está associado à intensidade de uma força central no comportamento empreendedor que ele denominou necessidade de realização.
Quando alguém pensa em empreender, é muito provável que a necessidade de realização motive seus comportamentos. No entanto, em alguns momentos, as pessoas empreendem também por necessidade, por terem que achar uma maneira de ganhar a vida na sociedade. Em geral, os empreendimentos que surgem motivados pela necessidade de realização tendem a ser mais duradouros do que os que são criados pela necessidade de