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Psicologia Da Política
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E-book484 páginas6 horas

Psicologia Da Política

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Sobre este e-book

Estudos iniciais do compotamento político. A evolução dos povos é tão complexa quanto a dos seres vivos. As leis da evolução social ainda continuam pouco conhecidas. Somente algumas já foram encontradas. Tudo o que dizia respeito à existência dos povos era, até pouco tempo atrás, desdenhado ou ignorado. Por que tantos povos surgiram bruscamente do nada e encheram o mundo com o ruído de sua grandeza? Por que caíram em seguida num esquecimento tão profundo que durante séculos tudo foi ignorado sobre eles? Como nascem, evoluem e morrem os deuses, as instituições, as línguas e as artes? Eles condicionam as sociedades humanas ou são, pelo contrário, condicionados por elas? Por que certas crenças como o islamismo, puderam ser construídas quase instantaneamente, enquanto outras levaram séculos para se estabelecer? Por que este mesmo islamismo sobreviveu ao poder político que lhe serviu de suporte e ainda se expande, enquanto outras religiões como o cristianismo e o budismo parecem declinar e beirar seu fim? A todos estes “porquês” e a muitos outros, as respostas nunca faltaram. Parecemos como a criança que sempre precisa disso. Mas as explicações que poderiam contentar uma ciência muito jovem, não são mais aceitas em sua maturidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de nov. de 2018
Psicologia Da Política

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    Psicologia Da Política - Gustave Le Bon

    Gustave Le Bon

    Psicologia

    da

    Política

    Tradução: Souza Campos, E. L. de

    Teodoro Editor

    Niterói – Rio de Janeiro – Brasil

    2a Edição: 2018

    Psychologie Politique et la Défense Social. Paris: Ernest Flammarion, 1910.

    Traduzido por Souza Campos, E. L. de

    © 2018 Teodoro Editor: Niterói – Rio de Janeiro - Brasil

    Psicologia da política

    Gustave Le Bon

    LIVRO I

    Objetivo e Método

    __________

    CAPÍTULO I

    A psicologia da política.

    Sumário

    A primeira manifestação de progresso de uma ciência é renunciar às explicações simples que a satisfizeram em seu início. O que parecia inicialmente fácil de compreender torna-se mais tarde muito difícil de explicar.

    Os estudos relativos à evolução da vida das nações sofreram a mesma lei. Após ter tentado interpretar tudo, os historiadores percebem agora que eles dissertavam geralmente sobre ilusões nascidas em suas mentes.

    Os fenômenos sociais aparecem hoje como mecanismos extremamente complicados, estreitamente hierarquizados e onde a simplicidade pouco é observada. A evolução dos povos é tão complexa quanto a dos seres vivos.

    A ciência ainda procura as leis que determinam as transformações das espécies e condicionam suas formas sucessivas. As leis da evolução social ainda continuam pouco conhecidas. Somente algumas já foram encontradas.

    A análise dos diversos elementos, cujo agregado constitui uma sociedade, não tendo saído da fase das generalizações vagas e das afirmações conjecturais, a visão das coisas com que se contentam os teóricos do desconhecido continua muito fragmentária ainda. Do conjunto das necessidades que dirigem a trajetória da vida de um povo, eles escolhem a aquelas que impressionam suas mentes e negligenciam as outras. É por isso que a narrativa dos atos dos soberanos __ e, sobretudo, suas batalhas __ parecia constituir o único interesse da história. Tudo o que dizia respeito à existência dos povos era, até pouco tempo atrás, desdenhado ou ignorado.

    A ciência não se contenta mais com as respostas sumárias feitas outrora aos porquês que surgem por toda parte e com os quais a vida política das nações está repleta. Por que tantos povos surgiram bruscamente do nada e encheram o mundo com o ruído de sua grandeza? Por que caíram em seguida num esquecimento tão profundo que durante séculos tudo foi ignorado sobre eles? Como nascem, evoluem e morrem os deuses, as instituições, as línguas e as artes? Eles condicionam as sociedades humanas ou são, pelo contrário, condicionados por elas? Por que certas crenças como o islamismo, puderam ser construídas quase instantaneamente, enquanto outras levaram séculos para se estabelecer? Por que este mesmo islamismo sobreviveu ao poder político que lhe serviu de suporte e ainda se expande, enquanto outras religiões como o cristianismo e o budismo parecem declinar e beirar seu fim?

    A todos estes porquês e a muitos outros, as respostas nunca faltaram. Parecemos como a criança que sempre precisa disso. Mas as explicações que poderiam contentar uma ciência muito jovem, não são mais aceitas em sua maturidade.

    *

    *    *

    A era em que os deuses conduziam a história já passou.

    A Providência benevolente que guiava nossos passos incertos e reparava nossos erros desapareceu para sempre. Abandonado a si mesmo, o ser humano deve se orientar sozinho no amedrontador caos das forças desconhecidas que o envolvem. Elas ainda o dominam, mas ele aprende a cada dia a dominá-las, por sua vez. É este domínio cada vez mais acentuado sobre a natureza que é designado pela palavra progresso.

    Dominar a natureza não basta. Vivendo em sociedade, o ser humano deve aprender a dominar a si mesmo e obedecer a leis comuns. É aos líderes colocados a frente das nações que cabe a tarefa de editar essas leis e de fazê-las ser respeitadas.

    O conhecimento dos meios que permitem governar eficientemente os povos, ou seja, a psicologia da política, sempre constituiu um difícil problema. E muito mais, hoje em dia, em que necessidades econômicas novas, nascidas dos progressos científicos e industriais, pesam enormemente sobre os povos e escapam da ação de seus governantes.

    A psicologia da política participa da incerteza das ciências sociais indicadas acima. É preciso, no entanto, utilizá-la tal como ela é, pois os acontecimentos nos empurram e não esperam. As decisões que estes últimos provocam têm geralmente uma importância considerável, pois as consequências de um erro podem pesar sobre várias gerações. O século que precedeu o nosso forneceu numerosos exemplos disso.

    As mais importantes regras do governo das pessoas são aquelas relativas à ação. Quando agir, como agir e em que limites agir? A resposta a estas questões constitui toda a arte da política.

    *

    *    *

    Uma análise atenta dos erros políticos que permearam a trama da história mostra que eles tiveram geralmente erros de psicologia como causas.

    As artes e as ciências são submetidas a certas regras que não se pode violar impunemente. E existem regras igualmente muito precisas para governar as pessoas. Sua descoberta é muito difícil, sem dúvida, pois muito poucas, até aqui, foram nitidamente formuladas.

    O único verdadeiro tratado de psicologia da política conhecido foi publicado há quatro séculos por um ilustre florentino, que sua obra tornou imortal.

    O mármore luxuoso que protege seu sono eterno foi erguido sob as abóbadas da célebre igreja Santa Croce, em Florença. Esse panteão das glórias da Itália reúne magníficos monumentos erguidos em memória dos homens que fizeram sua grandeza: Michelangelo, Galileu, Dante etc. Os méritos desses semideuses do pensamento estão gravados nele em letras de ouro.

    Nessa galeria de ilustres almas só há um túmulo sobre o qual longas inscrições foram consideradas inúteis. Uma só indicação figura nele: Maquiavel, 1527. Tanto nomini nullum par elogium. (Nenhum elogio iguala tal nome).

    A obra que valeu a seu autor um epitáfio tão glorioso e tão curto é o pequeno volume intitulado O Príncipe, ao qual fiz alusão acima. O ilustre escritor formulou nele regras precisas sobre a arte de governar as pessoas de seu tempo.

    De seu tempo e não de outro. Foi por ter sido esquecida essa condição essencial que o livro, tão admirado inicialmente, foi desacreditado mais tarde, quando as ideias e os costumes tinham evoluído e ele deixou de traduzir as necessidades das novas eras. Somente então Maquiavel se tornou maquiavélico.

    Possuindo o sentido das realidades, o eminente psicólogo não buscava o melhor, mas somente o possível. Para penetrar seu gênio deve-se reportar a esse período brilhante e perverso, em que a vida do outro contava pouco e em que o fato de levar seu vinho consigo, para não ser envenenado quando se ia jantar na casa de um cardeal ou simplesmente na casa de um amigo, era considerado como muito natural. Julgar a política daquela época com as ideias da nossa, seria tão ilógico quanto querer interpretar as cruzadas, as guerras de religião, a Noite de São Bartolomeu, à luz das concepções atuais.

    Maquiavel não era um simples teórico. Envolvido intimamente, através de suas funções, com a política ativa de seu país, ele sofreu as dissensões que convulsionavam as repúblicas italianas, então em pleno regime sindicalista e perturbadas sem parar pelas mais sangrentas discórdias. Ele viu, em 1502, Florença ser reduzida a um gonfalonato¹, que não passava de uma verdadeira ditadura perpétua, ou seja, cesarismo puro. Esta última forma de governo lhe parecia uma fase fatal de anarquia, sempre produzida por governos populares. Ele não estava muito enganado, pois todas as repúblicas italianas acabaram __ como, aliás, as repúblicas ateniense e romana __ da mesma maneira.

    A maior parte das regras relativas à arte de conduzir as pessoas, ensinadas por Maquiavel, são, há muito tempo, inutilizáveis e, no entanto, quatro séculos se passaram sobre a poeira deste grande morto sem que ninguém tenha tentado refazer sua obra.

    A psicologia da política __ ou a ciência de governar __ é, no entanto, tão necessária, que os homens de Estado não conseguiriam passar sem ela. Eles não passam sem ela, mas, na falta de leis formuladas, os impulsos do momento e algumas regras tradicionais muito sumárias, constituem seus únicos guias.

    Tais guias levam frequentemente a custosos erros. Napoleão, tão consciente da psicologia dos franceses, ignorava profundamente a dos russos e dos espanhóis. Esta ignorância o jogou em guerras em que toda sua genialidade de conquistador falhou, contra um patriotismo insuspeitado, que nenhuma força teria podido vencer. Muito mal aconselhado, o herdeiro de seu nome acumulou, na Crimeia, no México, na Itália e outros lugares, erros de psicologia muito graves, que nos valeram finalmente uma nova invasão.

    Os grandes condutores de pessoas são, necessariamente, grandes psicólogos. Sem o conhecimento íntimo da mentalidade dos indivíduos e dos povos que possuía Bismarck, a superioridade dos exércitos germânicos não teria, certamente, bastado para criar a unidade da Alemanha.

    *

    *    *

    A psicologia da política é construída com materiais diversos e os principais são: a psicologia individual, a psicologia das massas e enfim, a psicologia dos povos. Os mestres de nosso ensino consideram evidentemente esses conhecimentos bem inúteis, pois não são mencionados em nenhum de seus programas. A escola de ciência política parece até mesmo ignorar sua existência. Não é estranho que se possa ter recebido o título de doutor em ciência política, sem ter nunca ouvido falar de conhecimentos que são, no entanto, as verdadeiras bases da política?

    Constituindo algumas noções tradicionais a única bagagem psicológica dos homens de Estado medíocres, eles ficam absolutamente desorientados diante de certos problemas novos, em que a rotina não mostra a solução. Os impulsos móveis dos partidos se tornam seus guias e os erros então cometidos são inumeráveis.

    Muito longa seria a lista deles, mesmo limitada aos últimos anos. Erro perigoso de psicologia, essa separação entre a Igreja e o Estado, que dá ao clero uma independência e um poder que os mais católicos de nossos reis jamais teria tolerado. Erros fundamentais de psicologia, nossos princípios de educação; tão diferentes daqueles que levaram a Alemanha a realizar todos os seus progressos científicos, industriais e econômicos. Erros de psicologia as ideias de assimilação às quais nossas colônias devem sua decadência. Erro de psicologia, a medida que introduziu delinquentes no exército, outrora confinados em batalhões especiais compostos de outros delinquentes e onde, por consequência, seu contato não poderia contaminar ninguém. Erro de psicologia muito grande, a capitulação do governo na primeira greve dos carteiros. Erros de psicologia ainda, um grande número de nossas leis pretensamente humanitárias. Erro de psicologia sempre, essa utópica esperança de reconstruir as sociedades a golpes de decretos e a crença de que um povo pode se livrar inteiramente da influência de seu passado.

    As forças que determinam as ações de um povo são certamente complexas: forças naturais, forças econômicas, forças históricas, forças políticas etc. Elas produzem finalmente uma certa orientação de nossos pensamentos e, por consequência, de nosso comportamento. Essas forças tão diversas são, desta forma, finalmente transformadas em forças psicológicas. É então a estas últimas que todas as outras se reduzem.

    *

    *    *

    As dificuldades entre povos são, algumas vezes, tão graves que só podem ser resolvidas a golpes de canhão. O único direito a invocar então é a lei do mais forte. Tais foram as diferenças entre a Prússia e a Áustria, entre o Transvaal e a Inglaterra, entre o Japão e a Rússia. Mas quando se trata de questões secundárias, as influências psicológicas, habilmente manejadas, conseguem às vezes substituir os argumentos militares. Somente um adversário muito superior em potência pode desdenhá-las. Ele golpeará o solo com sua espada, como fizeram Napoleão e Bismarck e o adversário terá que se resignar em esperar a hora da revanche, que sempre chegará.

    Ninguém parece suficientemente forte hoje em dia para empregar esses processos sumários. Os cruzamentos de alianças não permitem mais a nenhum soberano falar como se fosse o único senhor. A aventura do Marrocos ensinou aos povos a sorte que os espera se eles não sabem solidarizar suas fraquezas para se defenderem.

    É então entre forças quase iguais que acontecem agora as discussões provocadas pelos incidentes da vida cotidiana. Então a psicologia retoma seu papel e a ação dos diplomatas pode se tornar importante.

    É indubitável, no entanto, que essa ação não é mais hoje em dia o que ela foi outrora. Informado pelo telégrafo, o telefone e os jornais, o público discute apaixonadamente os menores acontecimentos políticos, enquanto os diplomatas trocam lentamente suas notas obscuras. Habituados outrora a negociar nas sombras, eles precisam atualmente discutir em plena luz e seguir a opinião pública, em vez de precedê-la.

    E, no entanto, seu papel, injustamente desdenhado, guarda uma certa utilidade. Acontecimentos recentes colocaram isso em evidência.

    Várias questões importantes foram, com efeito, solucionadas graças a intervenções diplomáticas. Bombardeio dos barcos pesqueiros ingleses pelos couraçados russos no início da guerra com o Japão; o caso Casablanca; a diferença austro-russa com relação à Sérvia etc. Se tivéssemos, às vésperas de 1870, diplomatas um pouco acima da mais desoladora mediocridade, a guerra teria sido adiada para um momento em que nós teríamos podido preparar alianças e não teria acontecido no momento escolhido pelo inimigo.

    É a psicologia da política, mais uma vez, que ensina a resolver problemas que aparecem a cada dia. Discernir, por exemplo, quando é preciso ceder ou resistir às exigências populares. De acordo com seu temperamento, os homens de Estado cedem indefinidamente ou resistem sempre. Detestável princípio. De acordo com as circunstâncias é preciso saber resistir ou, pelo contrário, ceder. Nenhuma parte da psicologia da política é mais difícil e as consequências dos erros mais graves. A Revolução Francesa teria sido talvez evitada __ certamente atenuada __ se na época da crise agrícola e financeira de 1788, que havia aumentado a miséria das classes trabalhadoras pela escassez e o desemprego, a classe aristocrática não tivesse persistido em recusar a igualdade fiscal. Isso resultou num ódio intenso contra as classes privilegiadas e nos motins que levaram à desagregação de um longo passado.

    *

    *    *

    Impressionado outrora pela ausência de obras especializadas em psicologia da política, eu sempre esperei essa lacuna ser coberta.

    Após dez anos quase exclusivamente dedicados às experiências de física, de onde meu livro sobre L’Évolution de la Matière surgiu, essas pesquisas se tornaram muito onerosas para serem continuadas. Eu tive então que abandoná-las e me contentei em retomar antigos estudos. Desejoso de aplicar à política os princípios expostos em vários de meus livros precedentes, eu solicitei ao meu ilustre amigo, o professor Ribot, que me indicasse os tratados de psicologia da política publicados no último século. Sua resposta foi de que eles não existiam. Meu espanto foi o mesmo de quinze anos antes, quando, querendo empreender o estudo da psicologia das massas, eu constatei que nenhum escrito havia sido publicado sobre este assunto.

    Não é, certamente, que as dissertações políticas tenham algum dia faltado. Elas abundam, pelo contrário, desde Aristóteles, mas seus autores foram, na maioria das vezes, teóricos, estranhos às realidades de seu tempo e que só conheciam o ser humano quimérico criado pelos seus sonhos. Nem a psicologia, nem a arte de governar têm nada a perguntar a eles.

    A ausência de obras clássicas sobre um assunto tal e a não existência de cátedras dedicadas a seu ensino provam que sua utilidade não parece clara. Era, portanto, necessário demonstrá-la. Este será um dos objetivos deste livro.

    A psicologia da política é construída __ eu já mencionei isso __ com materiais tirados do estudo da psicologia individual, das massas, dos povos e, enfim, dos ensinamentos da história. Vários desses materiais começam a ser conhecidos, mas eles não são a obra em si.

    No estado atual de nossos conhecimentos, a política não pode ser somente uma adaptação cotidiana do comportamento às necessidades. Racionais ou não, o que importa é que são necessidades. Os preconceitos herdados de um povo e suas crenças religiosas podem ser declarados absurdos pela razão, mas um verdadeiro homem de Estado não tentará jamais combatê-los, sabendo que ele não pode fazê-lo impunemente. Somente teóricos que ignoram as realidades acreditam que a razão pura governará o mundo e transformará as pessoas. Na realidade, a inteligência prepara lentamente as mudanças que, em longo prazo, transformarão nossas almas, mas sua utilidade imediata é muito pequena. Muito poucas coisas podem ser mudadas por ela bruscamente.

    A psicologia da política está ainda, já dissemos isso, na era das incertezas. No entanto, regras __ empíricas frequentemente, mas, no entanto, muito precisas __ surgem a cada dia. Não é formulando-as que provamos seu valor, mas mostrando as consequências de sua ignorância. Este será também um dos objetivos aos quais eu me proponho.

    O desenvolvimento dos princípios que me serviram de guia exigiria comentários que as dimensões deste livro não comportam; eles podem ser encontrados em meus livros anteriores².

    Eu estou quase exclusivamente confinado, neste livro, à aplicação das regras determináveis da psicologia da política aos acontecimentos contemporâneos. Mesmo limitado a este período muito circunscrito, o assunto era ainda tão vasto que foi preciso geralmente que me contentasse com indicações sumárias. Examinar o papel da psicologia da política na história dos povos, na formação de suas crenças, nas lutas guerreiras, que formam a trama de seu passado necessitaria de vários volumes.

    Tendo que tratar de assuntos um pouco áridos, capazes, por consequência, de assustar o leitor e esgotar facilmente sua atenção, eu procurei evitar as formas muito didáticas. As proposições mais sérias geralmente ganham ao serem apresentadas em um quadro pouco severo.

    *

    *    *

    Um dos capítulos desta obra é dedicado a descrever os fatores da persuasão e mostra o papel preponderante da repetição. Foi a convicção de sua utilidade que me estimulou a repetir às vezes as mesmas coisas em termos pouco diferentes. Eu lamento que a falta de espaço tenha me impedido de fazê-lo mais vezes. Napoleão exagerou pouco ao dizer que a repetição é a única figura séria de retórica. É pelo menos permitido afirmar que ela constitui um dos mais ativos fatores das convicções.

    Todos os grandes homens de Estado tiveram consciência de seu poder. Foi por meio de repetições inumeráveis que o imperador da Alemanha conseguiu persuadir seus súditos da utilidade dos sacrifícios necessários para a construção de uma grande frota de guerra. O ex-presidente dos Estados Unidos, o Sr. Roosevelt, a este propósito, disse muito justamente: Todas as grandes verdades fundamentais arriscam soar como coisas batidas e, no entanto, por mais batidas que elas sejam, elas precisam ser reiteradas mais uma vez e sempre.

    Se as repetições são necessárias para difundir verdades conhecidas, o quanto não são necessárias para fazer com que sejam aceitas verdades novas? Eu experimentei isso mais de uma vez. Os apóstolos que no curso das eras transformaram nossas concepções e nossas crenças, só conseguiram isso através de repetições incessantes.

    Isso acontece porque o verdadeiro mecanismo das convicções difere profundamente daquele que ensinam os livros. Muito útil para demonstrações científicas, o racionalismo desempenha apenas um papel muito pequeno na gênese de nossas crenças. As ideias não se impõem, de maneira alguma, por causa de sua exatidão; elas se impõem somente quando, através do duplo mecanismo da repetição e do contágio, elas invadiram as regiões do inconsciente onde são elaborados os motivos geradores de nosso comportamento. Persuadir não consiste simplesmente em provar a justeza de uma razão, mas muito mais em fazer agir de acordo com essa razão.

    ***

    CAPÍTULO II

    As necessidades econômicas e as teorias políticas.

    Sumário

    As imagens evocadas na mente por narrativas impressionam mediocremente e, por isso, as diferenças entre o passado e o presente nunca aparecem muito claramente.

    Só representamos nitidamente as coisas abstratas comparando-as com impressões concretas já percebidas. Quem presenciou uma batalha ou um naufrágio ficará sempre impressionado com narrativas de eventos semelhantes.

    Essa representação do passado através de comparação concreta ficou muito clara para mim um dia, nas seguintes circunstâncias:

    Os acasos de uma excursão me levaram a atravessar de automóvel a ponte sobre o rio que divide em duas a antiga cidade de Huy, na Bélgica. Um ruído tão intenso a envolvia que eu tive que parar. Eu desci e me encostei ao parapeito.

    Sob o espesso manto de bruma que envolvia as coisas avistavam-se massas monumentais imponentes. Isso era para mim o desconhecido. Eu esperei que ele se mostrasse.

    Subitamente, um claro raio de sol dissipou as nuvens e, numa visão inesperada, surgiram, separados pelo rio, dois mundos, duas expressões da humanidade erguidas uma diante da outra e que, numa primeira olhada, pareciam ameaçadoras, inconciliáveis e terríveis.

    Na margem esquerda, um agregado de antigos edifícios.

    Dominando o conjunto, uma gigantesca fortaleza com linhas rígidas e uma majestosa catedral, que a piedade ardente de numerosas gerações havia, durante séculos, lentamente ornamentado seus contornos.

    Na margem direita, fazendo frente a essas grandes sínteses de uma outra era, se erguiam as paredes tristes e nuas de uma imensa usina de tijolos acinzentados, suplantadas por altas chaminés que vomitavam torrentes de fumaça negra pontilhada por fagulhas.

    Em intervalos regulares uma porta se abria, propiciando longas teorias sobre homens hirsutos, cobertos de suor, com o rosto maltratado e o olhar sombrio. Filhos de ancestrais dominados pelos deuses e os reis, eles só mudaram de senhores, para se tornarem servidores do ferro.

    E eram mesmo dois mundos, duas civilizações em presença, que obedeciam a motivos diferentes e eram animados por outras esperanças. De um lado, um passado já morto, mas cujas vontades ainda obedecemos. Do outro, um presente carregado de mistérios e que carrega em seus flancos um futuro desconhecido.

    Eles sempre existiram, esses dois mundos e, constantemente hostis, mas, com sentimentos semelhantes, uma fé comum geralmente cobria o abismo que os separava. Hoje, fé e sentimentos desapareceram e só deixaram de pé a atávica hostilidade do pobre para com o rico. Libertados gradualmente das crenças e dos laços sociais do passado, os trabalhadores modernos se revelam cada vez mais agressivos e opressores, ameaçando as civilizações com tiranias coletivas que farão talvez sentir a falta da tirania dos piores déspotas. Eles falam como senhores a legisladores que os bajulam servilmente e obedecem a todos os seus caprichos. O peso do número procura cada dia mais substituir o peso da inteligência.

    *

    *    *

    A vida política é uma adaptação dos sentimentos do ser humano ao meio que o rodeia. Esses sentimentos variam pouco, pois a natureza humana se transforma muito lentamente, enquanto que o meio moderno evolui rapidamente em razão dos progressos contínuos da ciência e da indústria.

    Quando o ambiente exterior se modifica muito rapidamente, a adaptação é difícil e disso resulta o mal-estar geral observado hoje em dia. Fazer a natureza do ser humano se enquadrar às necessidades de todo tipo que o envolvem e das quais ele não é o senhor, constitui um problema que ressurge sem parar e cada vez mais difícil.

    O mundo antigo e o mundo moderno diferem profundamente pelos seus pensamentos e seus modos de vida. Os elementos novos que nos guiam não são derivados de raciocínios abstratos e não oscilam, de maneira alguma, de acordo com nossas esperanças ou de nossas concepções lógicas. Eles são o resultado de necessidades que sofremos e que não criamos.

    A era atual não difere daquelas que as precederam, pelas rivalidades e as lutas, pois estas últimas nascem de paixões que variam pouco. A diferença real recai principalmente sobre a dessemelhança dos fatores que fazem os povos evoluírem hoje em dia. Este é o ponto essencial que vou tentar destacar agora.

    As verdadeiras características deste século são: primeiramente, a substituição do poder dos reis e das leis, pelos fatores econômicos. Em segundo lugar, o cruzamento de interesses entre povos outrora separados e que não possuíam nada para intercambiar.

    Este último fenômeno, de origem relativamente recente, tem uma importância considerável. Os povos não estão mais, como antigamente, isolados e sem quase nenhuma relação comercial. Eles vivem todos uns dos outros e não poderiam sobreviver uns sem os outros. A Inglaterra seria rapidamente reduzida à fome se ela fosse rodeada por um muro que a impedisse de receber os alimentos que ela vai buscar no exterior e que paga com outras mercadorias.

    Essas novas condições de existência permitem pressentir que em todos os grandes movimentos industriais e comerciais que transformam a vida das nações e criam a riqueza em um ponto e a pobreza em outros, a influência dos governos, tão considerável outrora, torna-se a cada dia mais fraca. Eles mesmos, convencidos de sua impotência, seguem os movimentos e não os dirigem mais. As forças econômicas são os verdadeiros senhores e ditam as vontades populares, às quais pouco se resiste.

    Há 60 anos (1850), um soberano ainda era suficientemente poderoso para decretar o comércio livre em seu país. Hoje em dia, ninguém nem mesmo ousaria isso. Que a proteção, condenada pela maior parte dos economistas, seja boa ou nociva, pouco importa. Ela responde às vontades populares da hora presente e esta hora está rodeada de necessidades bastante esmagadoras para que os homens de Estado pensem muito no futuro.

    Eles se iludem, aliás, sobre as consequências de sua intervenção. Esses comandantes dóceis de exércitos indóceis obedecem sempre e não comandam.

    Numa sessão, em 11 de março de 1910, o senhor Méline assegurou diante do Senado que o livre comércio tinha arruinado a agricultura inglesa, cuja produção de trigo tinha abaixado em mais da metade em meio século, enquanto que sob o regime de proteção, a França, que em 1892 tinha um déficit alimentar de 695 milhões, o viu desaparecer e ser substituído por um excedente de 5 milhões, que permite exportar trigo, em vez de importá-lo. O célebre economista atribui, naturalmente, ao regime de proteção, do qual ele foi apóstolo, os 700 milhões que os agricultores retiram agora do solo.

    Pode-se, no entanto, assegurar, sem medo de errar, que desde a origem do mundo nenhuma lei teve tal poder criador. De fato, a nova produção agrícola é resultante unicamente dos imensos progressos científicos realizados por uma agricultura que se sentia muito ameaçada.

    E se os ingleses não realizaram os mesmos progressos não foi, de maneira alguma, porque o comércio livre os impediu de lutar contra a concorrência estrangeira, mas simplesmente porque eles acharam muito mais vantajoso fabricar produtos industriais, de cuja venda eles conseguem mais dinheiro do que precisam para comprar todo o trigo que precisam.

    Que o regime protecionista seja útil ou nocivo não é o caso, aliás, de se considerar aqui. Na política atual __ e é justamente o que eu queria mostrar __ não se trata de buscar o melhor, mas unicamente o acessível. Em nossos dias nenhum déspota, repito, seria suficientemente forte para impor a livre troca ou a proteção a um país que não o queira. Quando os povos se enganam, pior para eles. A experiência mostra para eles. Algumas pessoas de gênio, ajudadas pelas circunstâncias, conseguem algumas vezes superar correntes, mas seu número sempre foi muito pequeno.

    O que foi exposto mostra bem a que ponto os fatores da hora presente diferem daqueles do passado e permite pressentir a pouca influência das teorias políticas sobre a evolução dos povos. Com os progressos da ciência, da indústria e das relações internacionais, nasceram, invisíveis, mas todo-poderosos senhores, aos quais os povos e até mesmo seus soberanos devem obedecer.

    *

    *    *

    Os elementos econômicos da vida dos povos constituem, portanto, necessidades às quais eles são forçados a se adaptar, pois não podem se livrar delas. A essas necessidades naturais se juntam outras, muito artificiais, que os teóricos da política e os governos que os seguem tentam criar. Estudemos seu papel.

    Apesar de todos os recursos de seus laboratórios, os biólogos jamais conseguiram transformar uma única espécie viva. As pequenas modificações exteriores que consegue produzir a arte do criador são sem duração e sem força.

    É mais fácil transformar um organismo social do que um ser vivo? A resposta afirmativa a esta questão dirigiu toda nossa política no último século e ainda a dirige.

    A possibilidade de reconstruir as sociedades por meio de instituições novas sempre pareceu evidente aos revolucionários de todas as eras, principalmente os da nossa Revolução. Ela parece igualmente certa para os socialistas. Todos aspiram reconstruir as sociedades com base em planos ditados pela razão pura.

    Mas, na medida em que ela progride, a ciência contradiz cada vez mais essa doutrina. Apoiada na biologia, na psicologia e na história, ela mostra que nossos limites de ação sobre uma sociedade são muito restritos, que as transformações profundas não se realizam jamais sem a ação do tempo, que as instituições são o envelope de uma alma interior. Estas últimas constituem um tipo de vestimenta, capaz de se adaptar a uma forma interior, mas impotente para criá-la e é por isso que instituições excelentes para um povo podem ser detestáveis para outro. Longe de ser o ponto de partida de uma evolução política, uma instituição é simplesmente o término dela.

    Certamente que o papel das instituições e das pessoas sobre os acontecimentos não é nulo. A história mostra isso em cada uma de suas páginas, mas ela exagera seu poder e não percebe que elas são geralmente a eclosão de um longo passado. Se elas não chegam no momento certo, sua ação é simplesmente destrutiva como a dos conquistadores.

    Acreditar que se modifica a alma de um povo mudando suas instituições e suas leis tornou-se um dogma que teremos que combater frequentemente nesta obra e que terá que ser revisto um dia.

    Os povos latinos ainda não o reviram e é a isso que se deve sua fraqueza. Suas ilusões sobre o poder das instituições nos custaram a mais sangrenta revolução que a história conheceu, a morte violenta de vários milhares de pessoas, a decadência profunda de todas as colônias e os progressos ameaçadores do socialismo.

    Nada pôde abalá-lo, esse terrível dogma e nós não deixamos de aplicá-lo rigorosamente a cada dia aos infelizes nativos que caíram em nossas mãos e que nós levamos assim ao ódio e à revolta.

    Os jornais forneceram recentemente um novo exemplo dessa cegueira geral ao reproduzirem alguns extratos de uma circular do governador da Costa do Marfim a seus administradores. Seu resultado final foi a sublevação do país, o massacre de vários oficiais e a muito custosa necessidade de enviar, da metrópole, tropas numerosas para restabelecer a ordem. Se os ingleses e holandeses governassem suas colônias com tais princípios, há muito tempo eles as teriam perdido.

    Esse documento, cujas passagens mais memoráveis eu vou fornecer, ilustra nitidamente nossa irredutível incapacidade de compreender que a alma de um povo não é transformada por decretos e que instituições excelentes para um povo podem ser muito ruins para um outro e que, em todo caso, são sempre inaplicáveis.

    Escreve o governador:

    É preciso ‘que nossos súditos venham ao progresso, apesar deles...’ É obter pela autoridade o que seria recusado pela persuasão... ‘É preciso modificar completamente a mentalidade negra’ para nos fazer compreender... O que eu não quero é que façamos uso de uma sensibilidade sem resultado. Mesmo que não pareçamos levar em conta desde o início os desejos dos nativos, o que importa é que sigamos sem fraqueza pela única via suscetível de nos levar ao objetivo... Eu não creio, de maneira alguma, que é preciso temer as consequências de nossa ação, mesmo quando isso não respeitar costumes, quando o melhor que se possa pensar deles é que eles são opostos a todo progresso.

    Não é a mentalidade negra que é urgente modificar __ se a coisa dependesse de nossa vontade __ mas as dos administradores capazes de

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