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Sobre os ombros de um gigante: Da base rochosa subjacente à eficácia psicanalítica
Sobre os ombros de um gigante: Da base rochosa subjacente à eficácia psicanalítica
Sobre os ombros de um gigante: Da base rochosa subjacente à eficácia psicanalítica
E-book217 páginas2 horas

Sobre os ombros de um gigante: Da base rochosa subjacente à eficácia psicanalítica

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Sobre este e-book

Depois de mais de cinquenta anos no exercício da profissão de psicanalista e não tenho dúvidas de que é muito difícil saber "o que é a psicanálise". Claro, não estou me referindo ao que os autores ou escolas dizem sobre a psicanálise. O difícil é ter uma noção clara da psicanálise como ferramenta terapêutica. Para ir direto ao ponto: como a psicanálise cura?

Nos últimos vinte anos venho explorando esse problema que se circunscreve conceitualmente como a eficácia psicanalítica. Esse é o eixo conceitual do livro, em que proponho viajar "nos ombros de um gigante". Tenho certeza de que Sigmund Freud, ao descobrir e postular a existência do inconsciente psíquico, adquiriu a dimensão de um Gigante e foi graças a minha localização que pude gerar conceitualmente uma contribuição que acredito poder enriquecer o campo psicanalítico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de fev. de 2023
ISBN9786555063332
Sobre os ombros de um gigante: Da base rochosa subjacente à eficácia psicanalítica

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    Sobre os ombros de um gigante - Héctor Alberto Krakov

    Introdução

    Depois de mais de cinquenta anos no exercício da profissão de psicanalista, não tenho dúvidas de que é muito difícil saber o que é a psicanálise. Claro, não estou me referindo ao que os autores ou escolas dizem sobre a psicanálise. O difícil é ter uma noção clara da psicanálise como ferramenta terapêutica. Para ir direto ao ponto: como a psicanálise cura?

    Nos últimos vinte anos venho explorando esse problema que se circunscreve conceitualmente como a eficácia psicanalítica. Esse é o eixo conceitual do livro, em que proponho viajar nos ombros de um gigante. Tenho certeza de que Sigmund Freud, ao descobrir e postular a existência do inconsciente psíquico, adquiriu a dimensão de um Gigante e foi graças a minha localização que pude gerar conceitualmente uma contribuição que acredito poder enriquecer o campo psicanalítico.

    Sabemos que ler a Obra freudiana não é tarefa fácil. Ela é enorme, às vezes cativante e geralmente muito inspiradora. No entanto, também se torna uma tarefa difícil e tediosa. Possui uma qualidade particular: certos artigos, que posso ter lido em várias ocasiões, acabam apresentando aspectos que vou descobrir após sucessivas releituras ao longo dos anos. Alguns deles aparecerão neste texto: a atemporalidade do inconsciente, a tramitação psíquica, a operação genuína da terapia analítica, a pulsão emergente e muitos outros. Contudo, não gostaria de deixar de citar uma frase que faz parte do título deste livro: o biológico constitui, para o psicológico, sua base rochosa subjacente. A frase está incluída em Análise Terminável e Interminável (19371991c), no final da produção de Freud. Estou convencido de que essa é a razão pela qual sempre foi cético quanto aos efeitos clínicos da psicanálise. Tanto é que chegou a afirmar que a psicanálise é uma das três profissões impossíveis de exercer, junto com governar e educar.

    A primeira metade desse livro apresenta uma leitura sequencial de textos de sua obra sobre a técnica psicanalítica. Queria registrar esse percurso para a geração de jovens colegas; foi um esforço que valeu a pena. Tenho a total convicção de que um físico não poderia falar sobre a teoria da relatividade sem ter estudado exaustivamente a proposta de Albert Einstein, embora considere que uma grande proporção de jovens colegas dedicados à psicanálise pode não ter lido textos freudianos. E, ainda mais, talvez possam estar convencidos de que não é necessário fazer isso. Portanto, sem esperar que a leitura da síntese que preparei fosse suficiente, imaginei que quem a lesse teria uma ideia da técnica analítica como um todo. A partir da qual, ela poderia gerar interesse para buscar, em particular, conceitos ou ideias no texto original.

    A segunda parte do livro contém minha posição sobre a eficácia psicanalítica. Ela começa com um trabalho que valorizo especialmente: "Estudo sobre o conceito de agieren" (KRAKOV, 2010). Trata-se de uma exploração conceitual do termo usado por Freud, em alemão, para a posta em ato do inconsciente. Ao verificar o conceito nas edições em alemão, inglês e espanhol, cheguei à conclusão de que, quando foi traduzido para o inglês, pode ter havido um deslocamento de sentido, trazendo consequências para a psicanálise como um todo.

    O texto continua com dois casos clínicos de colegas, o paciente K e o tratamento de um menino de 10 anos. Por meio deles, relaciono minha proposta conceitual do sujeito inconsciente com a noção de enactment, encerrando com minha postulação sobre a eficácia psicanalítica.

    PARTE I

    A técnica psicanalítica: uma leitura das obras freudianas

    Trabalhos sobre hipnose e sugestão (1888-92/1992x)

    Introdução

    A técnica psicanalítica contém, em seu fundamento, a experiência que Freud vivenciou no Hospital Salpètrieré em Paris. Observando os tratamentos hipnóticos que Charcot realizava com pacientes histéricos, ficou chocado com o comportamento que os pacientes tinham com o hipnotizador.

    Nos artigos técnicos podemos encontrar conceitos que foram consequência desta experiência inaugural: a) a influência da personalidade do hipnotizador na transferência positiva sublimada, b) o uso do divã, com o objetivo de que o paciente se encontre em situação semelhante à da hipnose.

    De qualquer forma, o que inaugurou toda a sua obra foi a descoberta da existência de um segundo nível de funcionamento psíquico, com características e leis próprias.

    Freud se interessou pelo método hipnótico desde muito jovem. Em particular pelas obras de Josef Breuer, seu futuro colaborador, que usava a hipnose com propósitos terapêuticos. Depois de sua experiência na clínica Charcot, onde pôde verificar os reais efeitos da hipnose, passou a usá-la com uma frequência cada vez maior. De qualquer forma, Freud deixava claro que, embora se interessasse pela sugestão, estava mais interessado na possibilidade de rastrear a origem dos sintomas, com o método catártico de Breuer.

    Pouco depois parou de usar a hipnose, pois lhe parecia um método caprichoso e místico com o qual só conseguia colocar em transe uma pequena parcela de seus pacientes. A seguir, criou um método para produzir os efeitos da sugestão sem colocar os pacientes em estado hipnótico. No início, propôs aos pacientes o estado de concentração, com o qual conseguia substituir o sono pela hipnose. O objetivo era que os pacientes se lembrassem do episódio traumático que tinha causado seus sintomas. Com esse objetivo, Freud desenvolveu a técnica de pressão na testa. Ele garantia a seus pacientes que, assim que pressionasse a testa, a informação desejada apareceria. Pouco tempo depois, ele desistiu da pressão na testa e, em vez disso, recomendou que fechassem os olhos.

    Por fim, sua técnica foi definida com um aspecto que incluía parte da história da hipnose:

    Eu sigo o conselho de pedir ao paciente para deitar no divã enquanto você senta atrás, de tal forma de não ser visto por ele. Essa cenografia tem um significado histórico: é o resto do tratamento hipnótico a partir do qual a psicanálise foi desenvolvida. Mas, por diversas razões, ela merece ser preservada (FREUD, 1888-92/1992)

    Freud aparentemente teria usado a hipnose com eficácia desde 1886 até 1896. E sempre sentiu carinho pela velha técnica hipnótica que lhe permitia conhecer certos processos psíquicos. Somente em virtude disto pudemos ter a ousadia de criar situações complexas na cura analítica, e mantê-las transparentes (FREUD, 1888-92/1992).

    Tratamento psíquico (ou anímico) (1890/1992x)

    Trata-se de uma obra inaugural na qual Freud se propõe a considerar a abordagem do psíquico como tratamento da alma (Freud, op. cit.). Ele afirma que os distúrbios, tanto emocionais quanto corporais, podem ser tratados por meio de recursos que de maneira primária e imediata influenciam sobre o anímico do homem. Portanto, afirma que o instrumento essencial para tratar o anímico são as palavras. Ele difere, portanto, das abordagens médicas da época, que consideravam que as alterações dos pacientes eram entendidas do ponto de vista biológico-fisiológico. Para isso, ele tomava como referência o número de sintomas nos pacientes, que apareciam e desapareciam sem causa alguma. Naquela época, embora fosse admitido que eles estavam vinculados a estados emocionais, sustentava-se que eram doenças funcionais do sistema nervoso.

    Em forma progressiva, foi se consolidando a ideia do efeito da influência anímica sobre o corpo. A relação entre corpo e alma e, muito especialmente, a expressão das emoções, veio daí. A expectativa angustiada que influenciava a possibilidade de adoecer, e a expectativa otimista, que favorecia a cura do paciente, se tornaram relevantes. Elas exerciam um certo efeito sobre a maioria dos tratamentos na moda ou nas curas milagrosas. O mesmo acontecia com os tratamentos realizados por profissionais em pacientes renomados da época.

    A expectativa confiante do paciente quanto à possibilidade de cura começou a ganhar relevância. Muito em particular a confiança no médico que o tratava, visto que este aparecia rodeado por uma auréola especial. Era uma característica que vinha da antiguidade. Nos povos antigos, eram os sacerdotes que, graças ao poder divino, realizavam os tratamentos para curar pacientes. Portanto, as palavras em sua condição de ensalmo¹ foram as melhores mediações para animicamente influenciar a cura de um paciente. Com esse pano de fundo, o método hipnótico passou a ser utilizado para exercer influência com finalidade terapêutica, embora transitória, na vida anímica dos pacientes. Conseguia-se, com a hipnose, colocar o paciente para dormir, preservando os desempenhos mentais que faltam no sono normal. O mais surpreendente foi o comportamento dos pacientes em relação ao hipnotizador:

    Eles só ouviam e viam essa pessoa, e a ela obedeciam, sem restrição alguma. Se o hipnotizador dissesse: Você está vendo uma cobra, cheire uma rosa, ouça a mais bela música, a pessoa hipnotizada via, cheirava e ouvia o que ele pedia. Pedia a representação que foi inculcada (…) Então se observa que ele viu e ouviu como vemos e ouvimos nos sonhos: ele alucinou (FREUD, op.cit., p. 126 -127)

    Só em certas situações da vida normal observava-se este tipo de relação em que existia uma entrega total: é a que os filhos pequenos têm com os pais e também certos amantes com a pessoa amada. O efeito dos hipnotizadores nos pacientes era chamado de sugestão. Era importante saber que um paciente podia ser forçado a ver coisas que não existiam ou, inversamente, podia ser proibido de ver algo que estava ali (alucinação negativa). Também era possível dar-lhe a ordem para executar uma ação após o despertar; chamada sugestão pós-hipnótica. Em tais casos, se o paciente fosse perguntado por que ele tinha feito tal ação, ele dava uma explicação banal, muitas vezes sem sentido (comportamento conhecido como racionalização).

    Além disso, na hipnose profunda, os pacientes não se lembravam de nada do experimentado durante o transe hipnótico. É um setor que se mantinha separado do resto do psíquico. Também parecia que a obediência do doente ao médico dependia mais do paciente do que das virtudes do hipnotizador. Um aspecto importante a ser levado em consideração: não se podia fazer com que um doente praticasse uma ação contra sua posição ética ou moral (pedir uma mulher recatada para se despir ou um homem honesto para roubar um objeto, por exemplo). Finalmente, nas doenças anímicas graves, não eram obtidos resultados positivos com um único transe hipnótico.

    Salmo (do latim: tocar as cordas de um instrumento musical). Composição ou cântico de louvação a Deus.

    O método psicanalítico de Freud (1904[1903]/1992g)

    Na nota introdutória, James Strachey menciona que a única coisa que restava do método hipnótico na época da publicação deste trabalho era a exigência de que o paciente estivesse deitado. O método terapêutico que Freud definia e exercia como psicanálise era proveniente da terapia catártica usada por Josef Breuer dez anos antes. Sobre esse método, ambos tinham feito um relatório conjunto em 1895 intitulado Estudos sobre a histeria (FREUD, 1893-1895/1992i). O método catártico, assim denominado por Breuer, tinha como pré-condição que o paciente fosse hipnotizável. Ele se sustentava na expansão da consciência, obtida por meio da hipnose, e tinha como objetivo a eliminação dos sintomas dos pacientes. Consistia em conduzir o paciente de volta, em estado hipnótico, ao momento em que os sintomas ocorreram pela primeira vez. Surgiam nesses momentos recordações, pensamentos e impulsos no paciente, que nunca antes tinham aparecido em sua consciência. Quando os pacientes conseguiam se expressar emocionalmente, deixando que surgissem suas reações, a sintomatologia desaparecia. Chegou-se à conclusão de que os sintomas eram produzidos porque essa emoção havia sido sufocada e transformada em inervação somática. No entanto, por serem multideterminados, os sintomas tornavam a aparecer. Deste modo, concluíram que com o tratamento catártico apenas uma das impressões traumáticas era resolvida.

    Mesmo assim, valia a pena salientar a substancial diferença que existia entre o método hipnótico tradicional e o catártico. No primeiro, o hipnotizador dava ao paciente a ordem de esquecer o episódio traumático, ao passo que com a nova operatória catártica, tentava-se fazer com que os processos psíquicos que geravam os sintomas passassem para um outro nível de funcionamento.

    Freud tentou, a partir daquele momento, parar de usar a hipnose. Com o método catártico, havia desistido de exercer a sugestão direta imposta pelo hipnotizador. Ele convidava o paciente a se deitar de costas em um divã e sentava atrás dele, fora da vista do paciente. Não sugeria que este fechasse os olhos, nem qualquer outro procedimento relacionado à hipnose. Sua proposta era que o paciente se concentrasse em sua própria atividade anímica, sem que nada pudesse evitá-la. Dessa forma, conseguiu que o novo método fosse aplicável em um grande número de pacientes em comparação com aqueles que eram potencialmente hipnotizáveis. A desvantagem a ser superada era que a consciência do paciente não se expandia como acontecia com a hipnose. O achado fundamental, descoberto por Freud, foi que o equivalente à expansão da consciência poderia ser alcançado com ocorrências espontâneas. Esses eram pensamentos involuntários geralmente considerados como uma perturbação do pensamento. Por isso, propôs que se comportassem como se estivessem "de conversa

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