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Coringa (2019): o que há por trás da máscara?
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E-book331 páginas3 horas

Coringa (2019): o que há por trás da máscara?

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Sobre este e-book

A proposta geral foi uma análise da jornada do vilão de Joker (2019), do diretor Todd Phillips. O filme se destaca, em meio às demais adaptações das HQs da franquia de Batman, por evitar embates dicotômicos entre o bem o mal. Ironicamente, a premissa criada por Phillips é marcada justamente pelo oposto: a perda de controle, em um universo urbano onde Batman ainda não existe e o caos é agravado nas ruas de Gotham, cada vez mais imundas e violentas. Ao analisar a obra, chega-se a conjecturar a hipótese: e se a criação da persona Arthur Fleck não for uma tentativa de humanizar o Coringa, mas sim uma catarse baseada em memórias imaginárias? Partindo dessa hipótese, o final desmascararia a hipocrisia, uma vez que os argumentos usados para que o público simpatizasse com o vilão e justificasse os crimes dessa figura vingativa fossem, na verdade, meros frutos das suas memórias distorcidas. No final, o Coringa dançaria e zombaria daqueles que acreditaram em sua história. Para comprovar a hipótese, o objetivo desta pesquisa foi realizar uma análise dos aspectos estético-narrativos de Joker (2019). O processo foi dividido em duas etapas: primeiramente efetuou-se a decupagem dos elementos fílmicos, para posteriormente realizar a interpretação e reconstrução do filme tendo em conta os elementos decompostos. Adotou-se como metodologia a análise fílmica, com aporte teórico nos conceitos de Aumont (1995), Penafria (2009), Xavier (1983) e Vogler (2006), entre outros estudiosos sobre o tema.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de fev. de 2023
ISBN9786525274089
Coringa (2019): o que há por trás da máscara?

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    Pré-visualização do livro

    Coringa (2019) - Mia Liberata David Becker

    capaExpedienteRostoCréditos

    AGRADECIMENTOS

    Ao programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens e ao Programa de Suporte à Pós-graduação de Instituições de Ensino Particulares – PROSUP/CAPES, pelo apoio institucional e pela bolsa concedida, fundamentais à minha permanência no curso e realização desta pesquisa.

    À Prof.ª Dr.ª Denise Guimarães, cuja orientação, sensibilidade, paciência e inspiração jamais terão agradecimento suficiente. À Prof.ª Dr.ª Denize Araújo, madrinha dessa dissertação e maior motivadora de meu ingresso no programa. À Prof.ª Dr.ª À Ana Lesnovski, por aceitar participar de minha banca. Aos colega s de classe Latenik, Danda, Kavi e Claúdio, por toda a risadas e balbúrdia.

    Ao meu marido, companheiro e melhor amigo Thiago Becker, por ler minha mente, assegurar minha sanidade mental e alimentação durante as longas noites dissertando. À minha mãe, rainha e vida Márcia Patrícia David, pelo apoio incondicional, amor e incentivo sem limites, na pesquisa, na vida, e nas reviravoltas. A melhor amiga, Ruth Pereira Paulino pela compreensão e suporte, seja de perto ou de longe. Ao meu amigo Daniel Hideki Momo, pela paciência de ler e revisar minha apresentação milhares de vezes, por todo carinho e atenção. A José Elias David, Iraci Moreira David, Antônio Wanderley de Pádua Barreto e Luizabeth Inácio Pereira (em memória, sempre).

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    1 INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO I O PALHAÇO DO PALCO À PELÍCULA

    1.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DA DC E A ORIGEM DE BATMAN

    1.2 A LINHA TÊNUE ENTRE OS GÊNEROS DE COMÉDIA & TRAGÉDIA

    1.3 OS ARQUÉTIPOS

    1.4 A SOMBRA, O CAMALEÃO E O PÍCARO

    1.5 METODOLOGIA: ANÁLISE FÍLMICA

    1.6 CRITICA E PREMIAÇÕES

    CAPÍTULO II SORRINDO, CHORANDO, SURTANDO E DANÇANDO

    2.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTILO DE TODD PHILIPS

    2.2 JOAQUIN PHOENIX E A ENCARNAÇÃO DE UM PERSONAGEM

    2.3 DANÇA: A SEMIÓTICA GESTUAL E PERFORMANCE

    2.4 O PONTO DE VISTA NARRATIVO

    2.5 PERSONAGENS

    2.6 RELAÇÕES INTERPESSOAIS DOS PERSONAGENS

    2.7 FIGURINO E CARACTERIZAÇÃO

    2.8 CARACTERIZAÇÃO PSICOLÓGICA

    2.9 FOTOGRAFIA, POÉTICAS E ESTÉTICA

    2.10 ILUMINAÇÃO, CORES E SIMBOLOGIA

    2.11 OBJETOS RELAÇÕES, SIGNIFICADOS E FUNCIONALIDADE

    CAPÍTULO III O QUE HÁ POR TRÁS DA MÁSCARA?

    3.1 SIMULACRO E SIMULAÇÃO

    3.2 AS MÁSCARAS USADAS PARA PROMOVER A HUMANIZAÇÃO DO VILÃO

    3.3 AS RISADAS E CANÇÕES

    3.4 ESTRATÉGIAS E SUBVERSÕES LIGADAS AO ESPAÇO E AO TEMPO

    3.5 RELAÇÕES DIALÓGICAS: METÁFORAS E ALEGORIAS DE CORINGA (2019)

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    ANEXOS

    ANEXO A – LIST OF ACCOLADES RECEIVED BY JOKER (2019 FILM)

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    Bibliografia

    1 INTRODUÇÃO

    A proposta geral desta dissertação é analisar a jornada do vilão em histórias em quadrinhos, ou seja, a construção de narrativas vilanescas. Realizamos a delimitação do tema em adaptações dessas obras para o cinema. O corpus pesquisado foi Joker (2019) em português Coringa, de Todd Phillips, que conta a origem do vilão mais popular da DC Comics¹. O filme se destaca em meio as demais adaptações HQs em quadrinhos da franquia de Batman por evitar embates dicotômicos entre o bem o mal, respectivamente representados pelo Homem Morcego e os inimigos por ele combatidos. Entretanto, a premissa criada por Phillips é marcada justamente pelo oposto: a perda de controle. Na obra, enquanto a desigualdade é exacerbada, a ordem e civilidade parecem sucumbir perante o caos agravado por uma greve de garis, que torna as ruas em Gotham cada vez mais imundas e violentas. Em um universo onde Batman não existe, o desafio de restabelecer a segurança na cidade e reduzir o poder dos vilões se torna ainda mais complexo.

    Desde a primeira adaptação: Batman: o filme, de Leslie H. Martinson (1966) até 2021, ano de encerramento desta pesquisa, a relação entre as narrativas gráficas e cinematográficas sobre as histórias em quadrinhos (HQs) da Detective Comics (DC) se expandiu, passando de filmes B para sucessos de bilheteria e vencedores do Oscar. Sobre o fenômeno, Denise Guimarães (2012, p. 11) pontua que o cinema contemporâneo parte de uma: linguagem sensorialmente rica e hibrida, que propicia: um vasto leque de propostas atraentes para a Comunicação, por isso, o tema extrapola a sazonalidade e limitação comuns a desenhos animados, geralmente destinados ao infanto-juvenil, e torna-se capaz de atrair os mais diversos públicos para as salas de cinema.

    Nos quadrinhos, Batman surge como a única solução, quando nem mesmo a polícia, dotada de autoridade e poder bélico, é capaz de controlar a violência. Para contactá-lo, um feixe de luz (bat-sinal) deve ser lançado ao céu. Após emiti-lo, um homem aparentemente comum, sem quaisquer poderes sobrenaturais ou armas especiais surgirá – no melhor estilo god ex machina – e trocará socos com os bandidos em busca de restabelecer a ordem nas ruas de Gotham. Batman traja uma indumentária negra, marcada pelo símbolo de morcego no peito e a emblemática cueca por cima das calças. O uniforme inclui uma máscara para os olhos, que lhe confere certo anonimato, esse herói também veste uma capa, que pode ser usada para planar, o efeito visual é semelhante ao voo realizado por esquilos voadores.²

    No cinema, Batman já recebeu versões com os mais diversos condicionamentos físicos, surgindo com aparências que variam desde uma criança franzina até um fisiculturista. As quatorze adaptações² inspiradas na HQ apresentam predominantemente uma mise-en-scène cinzenta e sombria, marcada pela violência. Em todas Batman é um justiceiro, um agente autoproclamado da justiça, que toma para si a tarefa de realizá-la. Na versão de Tim Burton de 1989, a temática principal é o embate entre dois indivíduos mentalmente perturbados, em uma metrópole decadente e totalmente corrompida pelo crime. Ao invés dos azul e cinza originais, o diretor optou por um Batman totalmente trajado de preto, estabelecendo a ideia do herói se misturando às sombras da noite para combater seus inimigos. A cor também retrata a dualidade inerente desse herói, pois o protagonista constantemente trilha um caminho por entre os extremos da justiça.

    Em Batman Eternamente, de Joel Schumacher (1995), por exemplo, as cores vibrantes como verde, roxo e vermelho foram usadas exclusivamente para os vilões Coringa e Charada. Há exceções para essa abordagem obscura, como em Batman vs. Superman, de Zack Snyder (2016), onde os raios lasers e demais efeitos especiais parecem ter ganhado mais destaque do que a narrativa em si, a qual apresenta uma solução simplória para finalizar a luta. Ainda assim, estes fatores não os invalidam como cinema ou desmerecem seus estudos, pois segundo Guimarães (2012, p. 12): [...] tais filmes exigem questionamento sobre suas formas de produção e capacidade de penetração nas dinâmicas culturais. Assim, podemos abordar as negociações intersemióticas dessas obras, independentemente de sua natureza.

    No universo criado para o Coringa de Todd Philips (2019), em meio a um cenário caótico, acompanhamos a história de Arthur Fleck, um homem desamparado que vive à margem da sociedade, partindo da perspectiva do próprio protagonista. O que pode ser visto com uma tentativa de justificar o comportamento do Coringa, que só se tornaria vilão após perceber que esta era a sua única opção naquele ambiente urbano violento, sombrio e perigoso. Essa tentativa é reforçada pela identidade visual da obra, na qual a fantasia e o uso dos efeitos especiais dão lugar à melancolia, reforçados por uma mise-en-scène que abdica do brilho e coreografias de lutas, para focar em batalhas do cotidiano.

    Enquanto seus antecessores pertencentes aos gêneros de aventura/ação, apostavam majoritariamente em versões caricatas do vilão, o filme Coringa, foi classificado como um drama/crime e é regido em uma atmosfera desconfortável, um desconforto constante que só é amenizado em cenas lúdicas marcadas por danças e delírios. O oxímoro do palhaço triste abre a exposição do protagonista, que chora em frente ao espelho enquanto se prepara para fazer os outros sorrirem. Uma possível alusão ao Palhaço Pagliacci de Alan Moore e Dave Gibbons (1999):

    Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico diz: O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo. O homem se desfaz em lágrimas. E diz: Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci. (MOORE; GIBBONS, 1999, p. 34)

    Na cena seguinte, ele segura um cartaz amarelo escrito: "Everything must go", esta frase age como conjectura conectando o prelúdio ao final do filme, pois, a partir desse momento, o protagonista, que já não tinha muito, lentamente vai perdendo tudo. A liberdade plena, que sua nova persona exige, só pode ser conquistada quando não há mais nada a perder. Mais adiante na trama, descobrimos que o protagonista possui uma deficiência neurológica, sequela dos espancamentos que sofria na infância, por isso é incapaz de expressar adequadamente o que sente e acaba rindo ou chorando em momentos inadequados. Assim, podemos entender o riso como a tragédia que Arthur não podia conter.

    Calcada em um realismo visceral, a narrativa criada por Todd Philips para Joker (2019) recorre a uma forma bastante sensível e até mesmo lúdica para retratar a origem do vilão Coringa por meio da persona: Arthur Fleck, um homem solitário e deprimido que encontra refúgio nas suas alucinações, fantasias e violência. Disfarces, sombras, máscaras que a sua mente cria para escapar dela mesma, mais uma vez reforçando o lúdico. A ludicidade ameniza a melancolia, porque a história apesar de trágica, é colocada de uma forma que alivia a tristeza. Por isso, o filme pode ser interpretado e sentido sem qualquer conhecimento prévio sobre as HQs de Batman. É claro que as alegorias, referências e diagnósticos da obra original podem servir de complemento, mas não são o gatilho de interpretação, são interesses e curiosidades que não o definem.

    Se considerarmos a máxima do personagem Duas Caras em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) de Christopher Nolan: Ou você morre como herói ou vive o suficiente para se tornar o vilão, será mesmo que Coringa só se torna um vilão por viver demais? Mudando uma variável da narrativa, podemos transformá-lo em herói. Basta pensar no que ocorreria caso o protagonista morresse no beco escuro como um homem comum, alguém que durante seu turno de trabalho foi furtado, e que na busca por reaver seus pertences, acaba sendo espancado em um beco. Caso falecesse dentro das circunstâncias acima citadas, Coringa seria considerado o herói, um trabalhador que só estava tentando lutar uma disputa claramente injusta, e que, não tendo chances de revidar, acaba perdendo o combate e se torna mais uma vítima da criminalidade. É interessante observar que, até mesmo fora do contexto fictício, a criminalidade é vista como uma entidade capaz de gerar mortes, e não como um produto da injustiça em si. Todavia, não coube a esta pesquisa discutir sobre o que é justo ou não no mundo real, por isso delimitamos o tema à produção de vilões para a ficção.

    Mesmo ignorando o universo pregresso, ainda é possível compreender a premissa básica da obra: o paradoxo do palhaço vilão. Um símbolo híbrido forjado na loucura e perversidade. Coringa (2019) pode ser perverso, principalmente porque pode levar o público à uma constante inquietação. Seja pela expressão apreensiva: mostrando os dentes cerrados, marcada por lábios posicionados para baixo, ou em uma expressão positiva, quando os lábios se movem para cima, ao sorrir com e do personagem. Analisando a obra por esse viés, o que se nota é uma possibilidade de estratégia narrativa usada para perverter, que pode levar até as últimas consequências as principais características dos arquétipos do pícaro: a impulsividade e espontaneidade.

    Assim, a partilha do sensível estabelecida pode induzir o público a compactuar e aplaudir os atos impulsivos de um vilão insano, que manipula o suspense do começo ao fim. Ora, basta observar que a história parte exclusivamente do ponto de vista do protagonista, para colocar em questão o teor de realidade dos fatos observados. De acordo com Ventura (2021):

    Existem muitos vídeos fakes que nós aplaudimos de pé. Sabe como é que chama isso? Cinema, novela, seriado. A gente sabe que aquela série é uma ficção, e aquela série, mesmo sendo ficção nos toca, nos faz ficar introspectivos, e me leva a pensar sobre a realidade da minha vida. Muitas vezes, eu vejo um filme no cinema e repenso minha história. (VENTURA, 2021, parte do conteúdo de Não minta para mim, no Youtube)

    Porém, se considerarmos que, tanto a ficção quanto as memórias reais são momentos relembrados e recontados, pode-se aferir que ambas cumprem a mesma função: contar histórias. Para Foster (2019, S07, EP01): [trad. nossa]: Humanos são viciados em narrativas³, porque podemos nos vender ao mundo por meio delas. Para Vogler (2006):

    [...] sempre existirá o prazer do Me conte uma história. As pessoas sempre se divertirão entrando no transe de uma história e se deixando conduzir pela narrativa de um hábil tecelão de histórias. É divertido dirigir um carro, mas também pode ser divertido ser dirigido num carro e, como passageiros, podemos ver mais paisagens do que se fôssemos obrigados a nos concentrar na estrada. (VOGLER, 2006, p. 21)

    Desse modo, todas as narrativas podem ser reais, mas a realidade, ou seja, o que foi real para cada pessoa, acontece apenas uma vez. Por isso, em um universo onde Batman não existe, um pouco mais próximo da realidade, o desafio de restabelecer a segurança na cidade e reduzir o poder dos vilões se torna ainda mais complexo. Ciente desta complexidade, com o intuito de entender a película, fomos em uma busca pelo estado da arte, mais especificamente, por trabalhos acadêmicos que tratassem sobre as questões do arquétipo do vilão e as adaptações de histórias em quadrinhos no cinema. Neste tema, encontraram-se os livros de Denise Guimarães (2012), Christopher Vogler (2006), Carl Jung (2000), as teses de Luís Gustavo Vechi (2008), Alexandre Schmitt (2011) e as dissertações de Valéria Yida (2016) e Fabricio Marques Franco (2017).

    A problematização está vinculada às indagações sobre o que realmente há por trás da máscara de Arthur Fleck; e em como, nesse contexto, o Coringa assumiria ou não uma atitude perversa, pertinente ao comportamento esperado do arquétipo sombrio ao qual pertence. A justificativa para esse estudo parte da necessidade de demonstrar como a obra realiza uma série de rupturas, as quais abrangem desde aspectos técnicos, tais como a ausência de superpoderes e efeitos especiais, comuns em adaptações de HQs contemporâneas a obra; narrativos, por ser um filme sobre um vilão sem a presença de um herói para combatê-lo; além dos fins políticos presentes, que sinalizam mudanças sobre a percepção da riqueza no cinema.

    Essas perguntas conduziram a conjecturar a hipótese: E se, a criação da persona Arthur Fleck não for uma tentativa de humanizar o Coringa, mas sim uma catarse baseada em memórias imaginárias? Partindo dessa hipótese, o final desmascararia a hipocrisia, uma vez que os argumentos usados para que o público simpatizasse e justificasse os crimes dessa figura vingativa, fossem, na verdade, meros frutos das memórias distorcidas de um vilão. Nesse contexto, Coringa assumiria uma atitude perversa, pertinente ao comportamento esperado do arquétipo sombrio ao qual pertence, porque após inventar uma narrativa picaresca, no final com sua risada e dança, ele zombaria daqueles que acreditaram em sua história.

    O objetivo principal dessa pesquisa foi realizar uma análise sobre os aspectos estético narrativos de Joker (2019), com o intuito de entender a construção do vilão na obra, bem como a apresentação de argumentos e teorias que possam endossar ou invalidar a hipótese. Para alcançá-lo a metodologia escolhida foi a análise fílmica. O aporte teórico para realizá-la baseia-se nos conceitos de Aumont (1995), Penafria (2009), Xavier (1983) e Vogler (2006). O processo foi dividido em duas etapas, primeiramente os elementos fílmicos são decompostos, para posteriormente realizarmos a interpretação e reconstrução do filme, tendo em conta os elementos decompostos, seguindo o sistema descrito por Penafria (2009) que consiste em:

    1) enumerar os efeitos da experiência fílmica, ou seja, identificar as sensações, sentimentos e sentidos que um filme é capaz de produzir quando é visionado; identificar como é que esses meios foram estrategicamente organizados de modo a produzirem determinado(s) efeito(s). 2) a partir dos efeitos chegar à estratégia, ou seja, fazer o percurso inverso da criação de determinada obra dando conta do modo como esse efeito foi construído. (PENAFRIA, 2009, p. 6)

    O método visa esmiuçar as questões referentes ao filme Coringa (2019) e foi usado para manter o que Andrade e Uchôa (2019, p. 14) classificam como: um equilíbrio entre a as análises das cenas por meio das teorias do cinema e a preocupação das reflexões e interpretações sobre o contexto narrativo. Ciente da complexidade envolvida em tentativas de explicar qualquer narrativa, metodologias foram adotadas para garantir que o processo explicativo não fosse contaminado pelo posicionamento pessoal. Severino (2002, p. 83) define a explicação como o ato de: tornar evidente o que estava implícito, obscuro ou complexo. Em busca de uma resposta para a questão norteadora, inicialmente apresentamos as principais características dos gêneros de tragedia e comédia, ainda nessa linha de raciocínio, desenvolvemos uma reflexão acerca da subversão da comédia; em seguida, utilizamos o arcabouço teórico para realizar uma análise fílmica, bem como pontuar os parâmetros semióticos assinalados por Peirce, Santaella e Eco.

    Posteriormente, definiremos o que são arquétipos e o que é a jornada do herói. Essa explicação é apresentada com o intuito de esboçar a construção e ressignificação do protagonista para um vilão. Por fim há os resultados dos estudos sobre a perversão do humor na cultura pop, observando como esse fenômeno enaltece o anti-herói, apontando como evidências para essa hipótese pontos que permeiam desde a corporeidade até comportamentos considerados inadequados do ponto de vista moral. Guimarães (2012, p.12) acrescenta que essa abordagem metodológica: caracteriza, analisa e observa diálogos entre as narrativas gráficas e cinematográficas, de modo a averiguar as alquimias que marcam o trajeto das referidas imagens. Essas explicações são usadas para discutir e comparar as várias posições que se entrechocam dialeticamente, aplicando a argumentação apropriada à natureza do trabalho. Severino (2002, p. 83) também esclarece a respeito da exigência da logicidade e da necessidade de clareza nessa divisão, para que não se limite a um critério puramente espacial: não basta enumerar simetricamente os vários itens: é preciso que haja subtítulos portadores de sentido, estes títulos devem dar a ideia exata do conteúdo do setor; o que nos levou a dividir a dissertação em três capítulos.

    No primeiro capítulo introduzimos o papel do palhaço do palco à película, logo após apresentamos a linha tênue entre os gêneros de comédia e tragédia. Na sequência, contextualiza-se: a semiótica, o universo de Batman e as adaptações de quadrinhos para o cinema; a jornada do herói; e os arquétipos para apontarmos em quais cenas a Sombra, o Pícaro e o Camaleão podem ser detectados em Coringa (2019). A seguir, aborda-se a metodologia adotada e os conceitos de adaptação, hibridação e imagem em ação. O capítulo é concluído com a inserção das críticas e premiações recebidas pelo filme.

    No segundo capítulo, abordamos pontos técnicos da obra, destacando aspectos como: características do estilo do diretor; o ator e a encarnação de um personagem; a dança e a semiótica gestual na performance. A seguir, decompomos a narrativa com o intuito de estudar todos os personagens, as relações interpessoais estabelecidas entre eles, seus figurinos e caracterizações físicas e psicológica. Na sequência, aborda-se as observações feitas sobre o uso da fotografia, cores e simbologia, a iluminação, técnicas de

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