Contos de Andersen: Por Monteiro Lobato
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Contos de Andersen - Christian Andersen
Título original: Fairy Tales by Hans Christian Andersen
Copyright © Editora Lafonte Ltda. 2021
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Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida por quaisquer meios existentes
sem autorização por escrito dos editores e detentores dos direitos.
Em respeito ao estilo do tradutor, foram mantidas as preferências ortográficas do texto original, modificando-se apenas os vocábulos que sofreram alterações nas reformas ortográficas.
Realização GrandeUrsa Comunicação
Tradução e Adaptação Monteiro Lobato
Ilustrações Harry Clarke
Direção Editorial Ethel Santaella
Direção Denise Gianoglio
Revisão Valéria Thomé
Capa, Projeto Gráfico e Diagramação Idée Arte e Comunicação
Editora Lafonte
Av. Profª Ida Kolb, 551, Casa Verde, CEP 02518-000, São Paulo-SP, Brasil
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A
Sereiazinha
Muito longe, em alto-mar, a água é azul como o mais azul dos miosótis e tão clara como o mais puro cristal. Mas tão fundo se mostra o mar ali, que não existe corda, por mais comprida, que lhe alcance as areias. Só com uma porção de torres de igrejas, colocadas umas sobre as outras, é que se poderia ir do fundo à superfície. Lá moram as sereias, criaturas metade mulher, metade peixe.
Mas não pensem que só há sereias no fundo do mar. Não! Há também flores e árvores delicadíssimas, que ao menor movimento das águas balançam gentilmente. Lindas árvores! Através dos seus galhos, nadam peixes, exatamente como por entremeio dos galhos das árvores da terra pulam passarinhos. Na parte mais profunda, fica o palácio do rei do mar. Palácio maravilhoso, com paredes de coral, janelas muito altas e pontudas, feitas do mais claro âmbar, teto de conchas, que se abrem ou fecham conforme as marés. Cada uma dessas conchas tem dentro uma pérola digna de figurar em uma coroa de rainha.
O rei do mar tinha ficado viúvo havia muito tempo e quem tomava conta do palácio era sua mãe, senhora bastante trabalhadeira, mas muito orgulhosa da sua nobre estirpe. Só ela tinha o direito de usar doze conchas de ostras na cauda. As outras fidalgas do reino apenas podiam usar seis. Fora isso, era uma excelente criatura, que tratava com grande carinho as princesinhas, suas netas, das quais a mais nova era a mais linda.
A pele dessa sereiazinha mostrava-se tão delicada e macia como as pétalas das rosas, e seus olhos azuis refletiam o azul mais profundo que existe no mar.
As sereiazinhas reais brincavam o dia inteiro nos grandes salões do palácio, em cujas paredes nasciam flores do mar. Quando as janelas estavam abertas, peixinhos de todas as cores entravam e saíam, como na terra as andorinhas entram, às vezes, em nossas casas. Com a diferença de que os peixinhos nenhum medo mostravam, deixando-se acariciar e vindo comer nas mãos das pequenas sereias.
Em frente ao palácio, havia uma espécie de jardim-pomar muito grande, cheio de árvores vermelhas e azuis, cujas frutas brilhavam que nem ouro e cujas flores pareciam faíscas de fogos soltados no dia de São João. Aquelas árvores não paravam nunca. Viviam numa ondulação perpétua. O chão, embaixo, era coberto duma brilhante areia azul-safira, e a massa de águas acima dele, de azul muito mais claro, dava a perfeita ideia dum céu que houvesse caído no meio do mar. Quando não havia vento e a superfície do oceano se mostrava lisa que nem um espelho, podia-se ver lá do fundo o sol, tal qual enorme flor vermelha que emitisse luz da sua corola.
Cada princesa tinha naquele jardim-pomar um canteiro para plantar o que quisesse. Uma semeou, no seu, flores de modo que ao nascer formassem o jeito duma baleia. Outra plantou flores de maneira a formar os contornos dum polvo. A sereiazinha mais nova as arrumou em círculo para imitar o sol, apenas plantando ali flores bem vermelhas, como lhe parecia ser a cor desse astro.
Era muito diferente das outras, essa sereiazinha. Quieta e pensativa. Enquanto suas irmãs se divertiam com as mil coisas achadas nos navios naufragados, ela só quis uma estátua de mármore representando um gentil mancebo. Colocou no seu canteiro essa estátua e, junto, plantou um salgueiro escarlate. Quando o salgueiro cresceu, os galhos foram se curvando sobre o mármore até quase tocar na areia azul do chão. Nos dias de sol lá em cima, as sombras desses galhos brincavam na areia azul, como se quisessem trocar beijos com as raízes.
De nada a sereiazinha gostava tanto como de ouvir contar a sua avó histórias de navios, seres humanos e cidades. Quando soube que as flores da terra tinham perfume, ficou pensativa. Também muito se impressionou com o fato de serem verdes as florestas de lá e de andarem saltitando por entre as árvores certos peixes de penas – era assim que a sua vovó se referia aos passarinhos.
– Quando você completar quinze anos – disse-lhe a vovó –, poderá subir à tona d’água, sentar-se nas rochas, ver os grandes navios que cruzam os mares e também conhecer de longe as florestas e as cidades.
No ano seguinte, uma das irmãs sereias iria completar quinze anos, mas, como cada uma era um ano mais moça do que a outra, a mais nova teria de esperar cinco anos para ter licença de subir à tona. A mais velha, já prestes a receber essa licença, prometeu contar às mais novas tudo quanto visse de notável no seu primeiro dia de ida à superfície. Embora soubessem muita coisa contada pela vovó, desconfiavam que muito mais coisas ainda existiam por lá.
Nenhuma delas, porém, ansiava tanto pelo dia de ir à tona como a mais nova, ou por ser justamente a que teria de esperar mais tempo