Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras
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Sobre este e-book
Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras reúne registros de assombro e alumbramento sobre a cultura e a gente brasileira. Tocado por Exu – orixá mensageiro, senhor das encruzilhadas – e de seu Zé Pelintra, o historiador Luiz Antonio Simas compartilha visões e táticas fresteiras contra a mortandade produzida pelo desencanto do mundo.
Nos 77 textos que compõem o livro, passeiam personagens vivíssimos – deste ou de outros mundos –, como Jaiminho Alça de Caixão, o "inventor" da profissão de papagaio de pirata; o maestro Tom Jobim tomando uísque com o imperador Nero incorporado em um médium; e a descida da entidade Nelson Rodrigues na Penha Circular. Aparecem também temas como a violência do capital sobre corpos, culturas e territórios, a força do encanto, o samba e o jogo do bicho.
Para o pedagogo e escritor Luiz Rufino, que assina o texto de orelha, "Nos pontos riscados por Luiz Antonio Simas – professor amigo da rua –, as sabedorias praticadas no trivial enredam histórias confiadas com graça, afeto, cisma e firmeza, que honram as memórias plantadas nos quatros cantos da sua aldeia."
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Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras - Luiz Antonio Simas
Copyright © Luiz Antonio Simas, 2023
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S598c
Simas, Luiz Antonio
Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras [recurso eletrônico] / Luiz Antonio Simas. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2023.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5802-101-8 (recurso eletrônico)
1. Crônicas brasileiros. 2. Ensaios brasileiros. 3. Contos brasileiros. 4. Livros eletrônicos. I. Título.
23-84137
CDD: 869
CDU: 821.134.3(81)
Gabriela Faray Ferreira Lopes – Bibliotecária – CRB-7/6643
Todos os direitos reservados. É proibido reproduzir, armazenar ou transmitir partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Este livro foi revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
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Produzido no Brasil
2023
São pais de santo, paus de arara, são passistas
São flagelados, são pingentes, balconistas
Palhaços, marcianos, canibais, lírios, pirados
Dançando dormindo de olhos abertos à sombra
Da alegoria dos faraós embalsamados
João Bosco e Aldir Blanc, O rancho da goiabada
SUMÁRIO
Apresentação
1. Confissão de fé
2. O palpite de exu
3. Cotando o bicho
4. Ele atirou, ninguém viu
5. Ode a jaiminho alça de caixão
6. Pelintração
7. Nero, o imperador de cavalcante
8. Nega luzia
9. Ninguém foi funcionário público em barbacena
10. Nossos fantasmas
11. Lugares assombrados
12. Fantasmas contemporâneos
13. Fantasmas do passado
14. Konga e eu
15. Eu e carlinhos
16. Precisamos falar sobre a loira do banheiro
17. Entre eros e tânatos
18. Wilson moreira e shakespeare
19. A galinha-d’angola da intendente magalhães
20. Jogadores de ronda
21. Enredo
22. O folião e os moinhos
23. Pelintração
24. Malandro miguel na voz de tião casemiro
25. O chefe
26. Joias no prego
27. Pelintração
28. Fantasia
29. A praça é da patota de cosme
30. Lendo o mundo
31. Diversão
32. Cotidiano
33. Terreiro
34. buscando a terceira margem
35. Pelintração
36. Quem não gosta de samba?
37. Baila!
38. O nascimento dos toques de tambor
39. Embala eu
40. Pero vaz de lalá
41. O disfarce do castor
42. Ao rei do bacalhau e uma dica da araca
43. Pelintração
44. Um médium no carnaval
45. O sacrifício de macaé
46. Elegia da vagabundagem
47. Breve registro
48. autoridade
49. Pelintração
50. Silas, o criador
51. Milagreiro
52. A casa da tia ciata
53. A casa da mãe joana
54. Pelintrações
55. Paizinho quincas e tia maria
56. Levem as crianças
57. Irmão da malandragem
58. O primeiro terreiro
59. Nomes
60. O rei do samba sincopado
61. O carnaval assusta
62. Aprendendo o abc
63. Mercadão de madureira: espaço educativo
64. Uma noite com luiz carlos da vila
65. Alberto mussa,
66. Memória e esquecimento
67. Madame quer acabar com o samba
68. Pelé e seu sete da lira
69. Carlota joaquina em japeri
70. Agogôs imperiais
71. Breves notas sobre o nudismo contemporâneo
72. Pelintrações
73. O encontro entre exu e walter benjamin no morro da mangueira
74. O primeiro cadáver
75. Morte × aniquilação
76. Pelintração
77. Sobre viventes
APRESENTAÇÃO
OS TEXTOS que compõem este livro podem ser lidos em qualquer ordem. Nas páginas que seguem, eles vão embaralhados, como cartas aleatoriamente distribuídas por um vigarista que comanda a banca em um jogo de azar. O profano rasura o sagrado, o sagrado rabisca o profano; o carnaval se intromete na gira, malandros e pequenos trambiqueiros viram filósofos, e o que parece ser uma elegia ao amor e ao afeto deságua na violência. Breves ensaios sobre o colonialismo, outros sobre mitos e ritos, entrecruzam-se com pequenas aventuras cotidianas de sambistas, papagaios de piratas, apontadores do jogo do bicho, ambulantes, profetas, namorados, membros do esquadrão da morte, defensores intransigentes da vida, espíritos desencarnados, malandros maneiros, erês, assombrações, defuntos frescos, bodes, cachorros, toques de atabaques, sons de agogôs e de rajadas de metralhadora retratadas em estilhaços desconexos. De súbito, algum fragmento pelintra aparece na esquina. A descontinuidade é proposital e sugere um jogo exusíaco: é possível rearrumar os textos agrupando-os em temáticas definidas; coisa que não farei. Esse desafio é de quem lê. Os textos são curtos e sugiro que sejam lidos na rua: no botequim, no trem, no metrô, na fila do supermercado, na porta da escola, na sala de espera do dentista, numa tarde vadia em alguma praça carioca.
A cidade é a grande boca que tudo come.
1. CONFISSÃO DE FÉ
MINHA RELAÇÃO com o Rio de Janeiro não é celebratória. Ela é moldada no espanto que parte de uma constatação: a cidade, em meio ao cenário deslumbrante, foi forjada na espoliação dos habitantes originais, na violência da escravização, nos projetos higienistas das elites contra pretos e pobres.
Ao mesmo tempo, nas frestas dos projetos de aniquilação e morte, foram reconstruídos modos de vida e redes de sociabilidades, deglutidas e regurgitadas referências diversas, reencantados os territórios em terreiros, às margens, contra as instâncias do poder ou negociando com elas.
É uma cidade de grandes deslocamentos (a diáspora negra, o desterro de ciganos, judeus e portugueses pobres, a migração de nortistas e nordestinos) e de pequenas diásporas internas (derrubada de cortiços, remoções de comunidades, arrasamento de morros, gentrificações repulsivas).
Vem daí minha percepção de que o embate carioca é entre o corpo e a morte, o encanto e o desencanto, o confinamento e a rua. Por isso escrevo sobre sambas, macumbas, quermesses, procissões, botequins, carnavais, jogo do bicho, Maracanã, baile, gurufim, vigaristas, santos, fantasmas e casas portuguesas.
A intelectualidade que o Rio produziu – gente da estirpe de Pixinguinha, Paulo da Portela, Ismael Silva, Almirante, Ciata de Oxum, Noel Rosa, Ivone Lara, Lima Barreto, Padeirinho, Tata Tancredo, Mané Garrincha, Cartola, Heitor dos Prazeres, Zé Pelintra, dona Maria Mulambo, seu Sete da Lira etc. – não é filha da cidade cordata; é filha da cidade violenta. A despeito disso, ou talvez em virtude disso, subverte, resiste, negocia, ginga, dribla, se vinga gargalhando na esquina e criando arte.
A cidade disputada me interessa profundamente. Racionalmente, tento pensá-la e entendê-la; passionalmente, amo, odeio e aceito a sina riscada no chão com a pemba de fé e a vareta de pipa: é o meu lugar no mundo.
O Rio de Janeiro é minha circunstância naquilo que tem de melhor e pior: faca que risca o prato no samba e que fere e fura o bucho. O que faço é a tentativa provisória e incompleta de entender a capacidade de criação de beleza no inferno, entre fragmentos e estilhaços de espantosa vida.
Eu não acredito na cidade, mas acredito no samba.
2. O PALPITE DE EXU
SEU DJALMA de Lalu, pai de santo iniciado pelo famoso sacerdote Tata Fomotinho, tinha terreiro aberto na rua Manoel Reis, em Nilópolis. Exu Lalu, de vez em quando, dava um palpite em sonho a Djalma e o homem ganhava uns trocados no jogo do bicho. Um dia, lá pela década de 1970, Exu avisou para seu filho jogar tudo num milhar do macaco: grupo 17,