Antártida: Cartas do fim do mundo
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Antártida - Bruna Chíxaro
Para Laena
Bem-vinda a bordo!
Já aconteceu de você estar indo a algum lugar deslumbrante, porém estar mais curiosa para conhecer as pessoas que também estão na viagem do que para chegar ao destino propriamente dito? É isso que sinto! Quer dizer, saber que estou indo à Antártida é algo realmente singular e incrível, mas estou conhecendo muitas pessoas extraordinárias a bordo.
Já são dez horas e acabamos de jantar lá em cima, num salão bonito, onde fica o restaurante do barco. Deixamos o porto da cidade de Ushuaia, na Argentina, há poucos minutos e, somente daqui a alguns dias, chegaremos à Antártida. Antes de contar-lhe sobre meu primeiro dia na expedição, preciso descrever o cenário que está, neste momento, ao alcance dos meus olhos: Eu estou numa sala semelhante a uma pequena biblioteca, sentada em um sofá lilás. Da pequena janela redonda à minha direita, de onde ainda consigo ver resquícios da costa argentina, vejo também o pôr do sol. Isso mesmo, são vinte e duas horas, mas ainda não escureceu.
Aqui nesta sala há estantes repletas de livros e enciclopédias sobre o Polo Sul, jogos de tabuleiro e uma grande máquina com abastecimento inesgotável de chá, chocolate quente e café. Não gosto de café, você sabe, mas adoro o aroma forte que ele deixa no ambiente – o que me lembra seus cappuccinos, sempre tão cheirosos. É quase como uma sala de open bar polar. Apesar de já estar bastante frio, o dia foi mágico o suficiente para deixar meu coração quentinho.
Você já ouviu falar na Síndrome de Stendhal, também conhecida como Síndrome da Overdose de Beleza? As pessoas costumam descrevê-la como uma coleção de palpitações fortíssimas sentidas no peito quando alguém se depara com fato excessivamente belo. O nome vem do escritor francês Henri-Marie Beyle, cujo pseudônimo era Stendhal. Durante uma visita a Florença, ele encontrou uma grande quantidade de obras de arte tão belas que sentiu seu coração bater descomedidamente, a ponto de parecer que sua vida estava sendo drenada. Creio que nunca senti isso. Talvez eu tenha tido sensação parecida quando conheci a Fontana di Trevi, na Itália, e a vista da montanha Lion's Head, na África do Sul. Ou, ainda, talvez quando contemplei uma foto do Keanu Reeves fazendo CrossFit. No entanto, hoje meu coração também acelerou de forma surpreendente quando vi, pela primeira vez, a cidade de Ushuaia.
Ushuaia é uma beldade! É capaz de tirar nosso fôlego, mesmo quando vista de cima, uma vez que, de tão perfeita, parece uma pintura. O oceano azul, as grandes montanhas, as casinhas coloridas e as pequenas ruas floridas parecem ter nascido com a única missão de fazer-nos suspirar. Minha boca, sem querer, deixou escapar: Tarde demais, Deus... Estou Te vendo.
Vou contar-lhe um pouco sobre como chegamos aqui, à capital da Terra do Fogo. O ponto de encontro oficial da viagem deu-se em um hotel em Buenos Aires, às quatro da manhã do domingo. Cheguei um dia antes, porque meu amigo Márcio estava passando férias lá e pudemos explorar a cidade juntos. Quando viu o tamanho da minha mala, Márcio assustou-se. Percebi que eu tinha exagerado na quantidade de roupas, de forma que lhe entreguei algumas coisas para que levasse de volta a Manaus. Mesmo assim, quando o staff da viagem pesou minha bagagem no dia seguinte, ela ainda estava acima dos limites de peso, razão por que tive de desfazer-me de alguns livros e uma caneca. É, não sei explicar-lhe por que razão coloquei tudo isso na mala, mas é que eu nunca fizera antes uma viagem parecida.
O que levar para o fim do mundo?
Poucas horas depois de recebermos algumas instruções, fomos levados ao aeroporto para pegar um rápido voo para Ushuaia, de onde nossa expedição partiria. O avião era muito pequeno. Tão pequeno que, enquanto o maldito
balançava no ar, fiquei imaginando como seria morrer ainda a caminho da Antártida. Fiquei apavorada com a turbulência e quase pedi uma grande taça de calmante
tinto para a aeromoça, mas, por considerar que ela era a mesma pessoa que pesou as bagagens, dirigiu o ônibus até o aeroporto e recepcionou a todos no balcão de embarque, imaginei que, provavelmente, estaria ocupada também pilotando o avião.
Respirei fundo e meu nervosismo foi notado por minhas vizinhas de assento, duas senhoras americanas chamadas Rose e Jen. Uma delas disse: "Sabe, melhora se você tentar concentrar-se em outra coisa. Eu, por exemplo, estou contando quantas vezes escuto a palavra mate* sendo dita."
Após uma breve pausa, ela continuou: Dezoito até agora.
Creio que pareci confusa, porque a outra olhou para mim sorrindo e explicou: Australianos. Há muitos neste grupo. De onde você é, querida?
*Mate é uma gíria muito utilizada na Austrália e em alguns outros países da língua inglesa. Sua tradução, em português, significaria algo como amigo
.
Enquanto respondia, percebi que eu estava segurando o pulso de Rose. Devo tê-lo confundido com os braços da poltrona em algum momento, entre o avião começar a balançar e meus olhos esbugalharem de pavor. Rapidamente, soltei meus dedos e pedi desculpas. As duas começaram a dar risadas, o que me acalmou e me fez sorrir. Elas têm setenta anos, moram na Pensilvânia e são amigas desde a época da universidade, como você e eu. Trabalharam como professoras de Ensino Infantil por muitos anos e, desde que se aposentaram, viajam juntas com frequência para lugares inusitados. Rose é viúva e o marido de Jen não gosta tanto de sair de casa. Apenas para assistir aos Eagles
*. Fiz que sim com a cabeça e criei uma nota mental para lembrar-me de pesquisar mais tarde se isso era o nome de algum time esportivo ou se ele era um aficionado observador de aves.
*Frase original falada em inglês: Just to watch the Eagles.
Elas contaram-me também que conheceram juntas todos os outros continentes, sendo a Antártida o último