O jogo do psicofísico-poético: o trabalho criativo do ator à luz da teoria Sartriana
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O jogo do psicofísico-poético - Hugo Carvalho
Ao Grupo Teatral Phoenix,
pelas descobertas, estudos,
compreensão prática e amor ao teatro.
AGRADECIMENTOS
À minha família, meus pais, Sebastião (in memoriam) e Izilda, e minha irmã, Karlucha, pelo amor e força.
Ao Vinícius Luciani Dittrich, meu parceiro de vida, pela força, compreensão e apoio.
Aos Sineiros da Arte, que tanto contribuíram para a minha formação e profissionalização, mais especialmente à Fernanda Borges, à Ruth Rodrigues e à Chell Sant’Ana.
Aos integrantes do Grupo Teatral Phoenix, pela dedicação ao teatro, pela confiança em mim como diretor, professor e pesquisador, principalmente à Pita Belli, que me indicou ao cargo de coordenador e diretor do grupo, à Divisão de Cultura, nas figuras da Leide (in memoriam) e do Ruan, e à Universidade Regional de Blumenau (FURB).
A todos os mestres que passaram pela minha trajetória de estudos e profissão, tanto no campo do Teatro quanto da Psicologia.
Existir e fazer-se são uma só e mesma coisa.
Jean-Paul Sartre
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
I. O PESQUISADOR
II. A PESQUISA
1. SARTRE E O TRABALHO CRIATIVO DO ATOR
1.1 O PSICOFÍSICO-POÉTICO NO TRABALHO CRIATIVO DO ATOR
1.2 OS BLOQUEIOS E A CRIAÇÃO NO ESPAÇO DOS ENTRES
1.3 O FENÔMENO DA EMOÇÃO NA CRIAÇÃO DO ATOR
1.4 OS DILEMAS NO TRABALHO CRIATIVO E TÉCNICO DO ATOR
1.5 PROPOSIÇÕES ENTRE O JOGO DO ATOR E A NOÇÃO DE LIBERDADE EM SARTRE
2. OS DISPOSITIVOS CRIATIVOS NA PESQUISA
2.1 DISPOSITIVO 1 – AQUECIMENTO/PREPARAÇÃO PARA A EXPERIÊNCIA
2.2 DISPOSITIVO 2 – JOGO DO OLHAR E SURGIMENTO DE AÇÕES ESPONTÂNEAS QUE LEVAM A UMA CENA
2.3 DISPOSITIVO 3 – JOGO DAS INDAGAÇÕES
2.4 DISPOSITIVO 4 – JOGO DA LIBERDADE
2.5 DISPOSITIVO 5 – JOGO DA PERCEPÇÃO DA SITUAÇÃO E IMAGINAÇÃO PARA CONTINUAR A CENA
2.6 DISPOSITIVO 6 – JOGO DE NARRAR UMA HISTÓRIA EM PAR
2.7 DISPOSITIVO 7 – CORPO EMOCIONADO
2.8 DISPOSITIVO 8 – TRABALHO CORAL (MOVIMENTO E SOM)
3. O GRUPO TEATRAL PHOENIX E O PROCESSO DE MONTAGEM DE DUAS FAMÍLIAS RIVAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA CONCLUSÃO EM ABERTO
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
I. O PESQUISADOR
Quanto a mim, o pesquisador, gostaria de contar uma história. A minha história. Não de forma descolada dos propósitos desta pesquisa nem como forma de ressaltar meu Ego. Afinal, como desejo demonstrar ao longo do trabalho que na prática teatral o Ego fica ausente, posso utilizar um exemplo ainda mais prático aqui. Sou eu quem escrevo estas linhas para vocês lerem, mas meu Ego nessa ação também está ausente. Estou em disponibilidade para a escrita. Por isso, escrever, possibilitar o fluxo das palavras não é uma atividade banal. Da mesma forma que o trabalho criativo do ator também não o é.
Estou agindo no mundo a partir da escrita de algo que quero dizer, mas meu Ego não se manifesta, pois estou com a consciência espontânea, a consciência de primeiro grau, pré-reflexiva. Como assim?
, você, leitor, me perguntaria. Bem, é mais simples do que parece.
Enquanto escrevo, eu tenho consciência das letras que vão surgindo lado a lado, formando palavras, frases e sentenças que expressam determinada ideia. E isso é tudo. Vou encadeando minhas ideias na medida em que as produzo. Agora, se eu sentisse um desconforto nas costas e parasse de escrever, ainda assim poderia dizer que meu Ego não estava presente. Nessa situação, o objeto para minha consciência é meu corpo como um todo organizado, mais especificamente o desconforto nas costas em decorrência da minha postura durante o ato de escrever.
Minha consciência, então, estabeleceria relação com o que eu estivesse sentindo no ato da escrita – em qual posição estava sentado, como minha respiração se comportava, se eu estava conseguindo escrever em fluxo, sem travas, ou se sentia certa dificuldade. Quais dificuldades? Poderia me conscientizar do ambiente, se ruidoso ou silencioso; poderia observar se meus utensílios para a ação de escrever eram confortáveis ou não. Em tudo isso está presente o eu
, que é o eu psicofísico, o Moi¹, mas não o eu psicológico, o Je². O Ego
é um produto segundo, pois requereria outra consciência que reflexionasse uma primeira consciência espontânea. Essa outra consciência é de segundo grau, pois é uma operação reflexiva. Já a consciência espontânea é do campo do vivido, em que acontece a consciência de alguma coisa que também é consciência de si mesma de ponta a ponta. Ah, que absurdo! Isso é impossível
, você diria. Mas não é. Eu tento explicar: ao mesmo tempo que sou eu quem digito estas palavras, eu estou apenas no ato espontâneo de fazê-lo, uma espécie de consciência-da-escrita-a-ser-feita. Outra pessoa poderia dizer que sou eu quem está ali na escrivaninha, sentado, compenetrado. E isso está correto. Porém, sou eu ali escrevendo com consciência-da-escrita-a-ser-escrita, a princípio sem Ego
, apenas meu psicofísico. É meu corpo que permite que eu sente em uma escrivaninha e digite em um computador e é minha consciência que se relaciona com os utensílios da escrita e a escrita a ser realizada. Já o Ego
seria segundo, pois é uma construção psicológica de cada sujeito.
O quem sou
só surgirá em um segundo momento, quando alguém ler e revelar se o que escrevi está bom ou não, se as ideias estão coerentes, se deixo claro o que quero dizer… Depois da crítica, posso parar e pensar no meu esforço de ter escrito aquelas linhas, pode se impor para mim meu projeto e desejo de ser³ um escritor coerente e bem-sucedido, elogiado por alguém. Assim surge a satisfação em ser um bom escritor, em escrever de forma clara meus pensamentos, em experimentar-me inteligente, vitorioso e saber-me capacitado (Je), por exemplo. Mas, se alguém critica de forma arrasadora minha produção, eu posso experimentar-me um fracassado, logo, resultar em um saber-de-ser⁴ um nada. Nesse momento vemos o Ego aparecendo em uma operação reflexiva.
Sartre aponta que René Descartes tenta desqualificar toda a ciência ao negar a possibilidade de conhecimento das coisas pelo sentido. Afinal, os sentidos enganam. Descartes escreveu Discurso do método no século XVII, mais precisamente em 1637, no qual propõe não haver garantias de que as coisas estivessem onde pareciam estar. Assim, a parede não estaria onde está, nem a cadeira, nem o livro. Deus seria o único que garantiria a existência de todas as coisas. Isso remete diretamente ao mito platônico da caverna⁵, no qual a verdade não está onde aparenta, mas em outro lugar, e para acessá-la seria necessário ser iluminado. É o princípio da dúvida metódica: duvido de tudo, só não posso duvidar de que estou pensando. Dessa maneira, Descartes (2010) coloca que tudo é pensamento. E tudo são leis, lógicas. Não é a realidade que conta, o que conta é o pensamento.
O cogito cartesiano que diz Penso, logo existo
é desconstruído por Sartre (1994) pois, antes de haver uma consciência reflexiva, esta precisa posicionar outra consciência, que é anterior, pré-reflexiva e espontânea. De forma que primeiro vive-se, experimenta-se, para depois refletir sobre as experiências vividas.
Segundo Sartre (1994), Descartes estaria equivocado em seu Penso, logo existo
, pois Sartre demonstra que antes de pensar é necessário viver, estar no mundo, relacionar-se com as coisas. Por isso, deveria ser Existo, logo sou
. Esse sou
é segundo, ele advém das experiências travadas espontaneamente a partir da experiência vivida. Somente após a experiência é que posso refletir e me saber sendo como um alguém.
Bem, agora posso voltar à minha história. Quais foram as experiências que vivi para chegar a propor esta pesquisa? Para responder, terei que falar do meu material vivido, da minha existência e de como fui me sabendo ao longo da minha história. Começo contando que eu era uma criança muito tímida, mas logo descobri o teatro, ainda na escola. Lá, eu pude trabalhar minha timidez, de fato, mas o que eu gostava mesmo era de observar as construções das cenas, a forma como a professora Sandra⁶ trabalhava e como me incluía nos processos. Aquilo tudo me cativava muitíssimo. Entretanto, até começar a fazer teatro, eu não fazia ideia do que era. Não era