Por uma Nova Ordem Constitucional - Documentos da CNBB 36 - Digital
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Por uma Nova Ordem Constitucional
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
1ª edição – 2023
Direção-Geral:
Mons. Jamil Alves de Souza
Autoria:
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Projeto gráfico, capa e diagramação:
Henrique Billygran Santos de Jesus
978-65-5975-307-9
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão da CNBB. Todos os direitos reservados ©
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SAAN Quadra 3, Lotes 590/600
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CEP: 70.632-350
Fone: 0800 940 3019 / (61) 2193-3019
E-mail: [email protected]
www.edicoescnbb.com.br
Conteúdo
Introdução
I. PARTE:
CONSTATAÇÕES E DESAFIOS
1. A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO POLÍTICO
2. O SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO
3. A PARTICIPAÇÃO DO POVO
II. PARTE:
IGREJA E PROCESSO CONSTITUINTE
1. A COLABORAÇÃO DA IGREJA
2. A ELEIÇÃO DE NOVEMBRO DE 1986
3. DURANTE O FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE
4. APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
III. PARTE:
CONTEÚDO DA CONSTITUIÇÃO: CRITÉRIOS E EXIGÊNCIAS
1. A ATUAÇÃO DOS CRISTÃOS
2. A ORDEM SOCIAL
2.1. Critérios básicos
2.2. Exigências concretas
3. A ORDEM POLÍTICA
3.1. Critérios básicos
3.2. Exigências concretas
4. A ORDEM ECONÔMICA
4.1. Critérios básicos e aspirações
4.2. Exigências concretas
5. A ORDEM CULTURAL
5.1. Critérios básicos
5.2. Exigências concretas
6. A ORDEM INTERNACIONAL
6.1. Critérios básicos
6.2. Exigências concretas
CONCLUSÃO
Introdução
1. Reunidos na 24ª Assembléia Geral da CNBB, nós, Bispos da Igreja Católica no Brasil, queremos expor pontos fundamentais para a reflexão e ação dos membros de nossas comunidades, em vista do processo constituinte, destinado a preparar a nova Constituição.
2. Oferecemos fraternalmente nossa reflexão aos irmãos de outras Igrejas, especialmente as integradas no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), cujo testemunho também nos enriquece e com quem muito temos em comum, sobretudo no que se refere à fé em Jesus Cristo e aos valores fundamentais da pessoa humana e da vida em sociedade, segundo os desígnios de Deus. Acreditamos que nossa contribuição poderá ajudar os futuros constituintes e todos os homens e mulheres de boa vontade que, entre nós, lutam por uma sociedade justa e fraterna.
3. Não é função nossa, como Pastores, apresentar pormenores técnicos para a formulação da Constituição.¹ Mas, como membros da sociedade brasileira e de uma instituição que, fundada na mensagem e na obra de Jesus Cristo, tem nesta mesma sociedade presença significativa, não podemos deixar de dar nossa contribuição para o grande debate nacional que ora se aprofunda. Temos consciência de que nosso desejo de contribuir para uma sociedade justa e fraterna passa agora por um esforço de explicitação das exigências cristãs de uma nova ordem constitucional.
4. Reconhecemos e afirmamos a autonomia responsável que cabe aos cristãos leigos,² engajados nos vários partidos políticos, associações, sindicatos e movimentos, neste momento histórico de reordenamento institucional, num ano em que, coincidentemente, o papel do leigo será tema destacado da reflexão de toda a Igreja, em preparação ao próximo Sínodo dos Bispos.
5. Compete aos leigos assumir como tarefa própria, a instauração da ordem temporal, e nela agir de modo direto e concreto guiados pela luz do Evangelho
.³ A autêntica espiritualidade do leigo envolve o propósito de construir a cidade dos homens segundo a dignidade essencial e inalienável da pessoa humana e integrar o compromisso sócio- político como expressão da caridade, como amor a Deus e ao próximo.
I. PARTE:
CONSTATAÇÕES E DESAFIOS
1. A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO POLÍTICO
6. A sociedade brasileira, secularmente viciada pelos privilégios de minorias, pela dependência externa e pela marginalização do povo, necessita inadiavelmente de soluções estáveis para os graves problemas éticos, econômicos, sociais, políticos e culturais. O recente período autoritário agravou ainda mais a concentração do poder e da renda, levando a corrosão de valores básicos, sobretudo pela corrupção e impunidade.
Como resultado dos grandes movimentos cívicos, que se estenderam a toda a nação em 1984, inaugurou-se nova fase de nossa história política.
7. Um novo regime não pode, no entanto, funcionar com uma velha Constituição que, ademais, é somente uma Emenda Constitucional, imposta em 1969 pela Junta Militar, então no poder.
8. O momento político que vivemos é de transição. Este Não se limita, no entanto, à passagem do ordenamento institucional herdado do regime anterior ao reencontro da democracia política. Ela se inscreve num processo histórico mais denso e permanente de superação de uma sociedade elitista, que exclui dos benefícios do desenvolvimento grandes parcelas da população. Ao mesmo tempo, busca uma democracia também econômica e social que estenda a todos a condição de cidadão participante e corresponsável na luta pela melhoria das condições coletivas de vida.
9. Torna-se assim extremamente importante o atual momento político, para o povo tomar consciência de sua condição de sujeito da História, para o efetivo exercício da cidadania e para o reencontro da sociedade consigo mesma, com a conseqüente reestruturação da ordem jurídica e do funcionamento das instituições.
2. O SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO
10. Nessa perspectiva de mudança mais profunda, é mister afirmar que a nova Constituição não deverá restringir-se à reorganização do Estado e de suas relações com a sociedade. Ela deverá traduzir a busca de um novo modelo de sociedade, na sua dimensão social, política, econômica, cultural e internacional. Modelo que se baseará nas exigências éticas da sociedade humana e na extensão da cidadania efetiva a todos os brasileiros e brasileiras sem exceção. Dentro desse novo modelo, caberá a todos os cidadãos o papel de participar corresponsavelmente no empenho pelo aperfeiçoamento social e ao Estado a função de promover para o bem comum, caracterizando uma democracia orgânica e participativa.
11. Adotando-se esse critério, a Constituição deverá inverter a posição tradicional, que dá ao Estado toda a primazia da iniciativa social. A sociedade deverá ganhar a condição de sujeito coletivo da transformação social, conquistando instrumentos de exercício de uma democracia que lhe permitam organizar e controlar a ação do Estado, colocando-o a seu serviço. O sentido que deve ter a nova Constituição é o de abrir espaço para que toda a sociedade possa identificar criticamente o que deve ser mudado, num processo de busca de justiça social, liberdade, igualdade de direitos e de oportunidades. Nesse esforço a sociedade utilizará a mediação do Estado para que a vida democrática se aprofunde e a justiça prevaleça cada vez mais nas relações sociais.
12. Já existem em outros países instrumentos e mecanismos que visam dar à sociedade condições de controlar as decisões de interesse coletivo, governamentais ou privadas. Da atuação dos movimentos populares já surgem novas propostas. Outras vem sendo discutidas no nível dos especialistas. Será através dessas alavancas de transformação social que a sociedade disporá de meios para avançar sempre mais rumo à justiça, à plena democracia e à efetiva participação de todos⁴.
3. A PARTICIPAÇÃO DO POVO
13. A discussão do conteúdo da nova Constituição pode ser instrumento privilegiado de educação e conscientização política do povo. Mas a participação de todos nesse processo é ainda mais decisiva. Só um povo que participe, assumirá a futura Constituição como obra sua; saberá comprometer-se com ela e exigir o seu cumprimento.
14. A elaboração da nova Constituição não deve cair nos erros das Constituições anteriores, que, ou foram promulgadas por constituintes com escassa representatividade popular, ou impostas pelo poder com a colaboração de peritos. A presença destes é indispensável para dar forma articulada ao texto final. Mas é a participação da sociedade que deverá definir o seu conteúdo.
15. Conseqüentemente, a Comissão Especial instituída pelo Executivo, para apresentar à consideração do Congresso Constituinte uma proposta de Constituição, não substitui nem reduz a importância do amplo debate popular necessário para que a Constituição possa ser realmente assumida pelo povo.
16. No que se refere aos representantes do povo a serem eleitos em novembro de 1986, o ato convocatório da Constituinte, aprovado pelo Congresso Nacional, fechou as portas da Assembléia Constituinte a pessoas não pertencentes aos quadros político-partidários e atribuiu poderes constituintes a senadores já eleitos, não porém para essa função. É do conhecimento público também que grupos decididos a manter privilégios e garantir a continuidade de velhas situações de dominação já se estão organizando para influir no processo constituinte. Denunciando estes fatos, herdados sobretudo do período arbitrário, cremos que ainda há tempo para sanar ou neutralizar esses males.
17. Só a mobilização de toda a sociedade poderá, portanto, evitar que sua participação se restrinja à mera eleição de deputados e senadores que assumirão o mandato constituinte, e ao acompanhamento, à distância, dos seus trabalhos depois de eleitos. Espera-se muito mais dessa participação: que o povo possa apresentar propostas aos candidatos, eleger parlamentares que defendam essas propostas e, contrabalançando a influência do poder econômico, possa influir na discussão do próprio conteúdo da Constituição e exercer uma permanente função crítica.
II. PARTE:
IGREJA E PROCESSO CONSTITUINTE
1. A COLABORAÇÃO DA IGREJA
18. A fé deve iluminar a ação dos cristãos, neste momento tão importante para a construção de uma sociedade justa e fraterna, na permanente fidelidade a Cristo, à Igreja e ao Homem⁵.
19. A ação pastoral da Igreja no Brasil, nas últimas décadas seguindo a linha do Vaticano II, MedellÍn e Puebla, tem-se caracterizado pela busca de fidelidade aos apelos de Deus que nos vêm da realidade: o grito de um povo que sofre e que reclama justiça, liberdade e respeito aos direitos fundamentais dos homens e dos povos⁶.
Formulação significativa desta busca de fidelidade tem sido a opção preferencial pelos pobres. Longe de ser exclusiva e excludente, ela expressa a opção pela dignidade de todos os seres humanos, filhos de Deus, privilegiando aqueles nos quais essa imagem aparece mais desfigurada por serem vítimas de modelos econômicos, marginalizados pelo poder político e oprimidos pela injustiça⁷.
20. A pedagogia de sua ação pastoral, marcada pelo esforço em abrir espaços para que os pobres se reúnam em comunidades, à luz de uma fé profundamente entranhada na vida, procura superar a separação entre fé e vida, enumerada entre os erros mais graves de nosso tempo pelo Vaticano II⁸.
21. Esta caminhada da Igreja, junto ao povo sofrido, certamente tem sido uma das contribuições significativas para que hoje a Nação aspire a uma transição rumo à mudanças mais profundas do que a simples modernização de uma democracia formal.
22. Reconhecendo a injustiça como forma de violência institucionalizada, a Igreja a rejeita, como rejeita igualmente a violência enquanto caminho normal para superá-la.⁹ Esta opção, de acordo com inequívocos pronunciamentos de Igreja, responde mais globalmente às exigências das bem-aventuranças evangélicas, pela libertação do homem todo e de todos os homens.
Ela foi reconhecida como pastoralmente válida por João Paulo II, por ocasião de sua visita à nossa Pátria¹⁰.
23. No processo constituinte, que permitirá consolidar os avanços dos últimos anos, a Igreja deve colaborar, como parte da sociedade, numa busca que será de todo o corpo social. Ela não pretende que a Constituição seja confessional. Numa linha de coerência com a sua atuação até agora, ela trabalha para que se incorporem à nova Constituição os mecanismos e instrumentos democráticos – alavancas de transformação social – que permitirão a participação ativa da população nas decisões de interesse coletivo.
24. A Igreja realizará a dimensão social de sua ação pastoral à medida em que os cristãos, impulsionados pela fé, se mobilizarem para concretizar a vivência do amor em ações verdadeiras.¹¹ Aproveitando toda a riqueza de que o processo constituinte é portador, a Igreja estará, assim, contribuindo para uma sociedade justa e fraterna, sinal e anúncio do Reino definitivo.¹²
25. Muitas dioceses, movimentos leigos e outros organismos eclesiais vêm promovendo estudos, debates, encontros e assembléias sobre o processo constituinte. Também várias são as publicações, cartilhas e subsídios destinados à informação do povo cristão que se conscientiza a respeito da necessidade de participar na elaboração da nova Constituição. É necessário, porém, que esse movimento do povo cristão se amplie e se irradie, somando-se a outras iniciativas, para verdadeira mobilização de toda a Nação.
2. A ELEIÇÃO DE NOVEMBRO DE 1986
26. A próxima eleição é ocasião de discernir, a partir das exigências da Fé, os critérios que devem nortear a escolha dos deputados e senadores que serão nossos constituintes. Essa escolha é de suma importância. O voto é uma espécie de procuração: dá ao eleito poderes para agir em nome dos cidadãos. É necessário pois, saber escolher, principalmente por tratar-se de uma Constituinte. Isso é tanto mais importante, porque a eleição simultânea de governadores poderá absorver a atenção maior dos eleitores.
27. O alistamento eleitoral com o recadastramento que se processa atualmente em todo o Brasil é o primeiro passo para possibilitar a participação de todos os brasileiros maiores nas eleições para a Assembléia Constituinte. É oportunidade extraordinária de ajudarmos, como cristãos, os nossos irmãos mais pobres, especialmente os analfabetos, a superarem as dificuldades para obter o seu título de eleitor.
28. É fundamental que as eleições apresentem alto nível de credibilidade perante o povo. Daí o repúdio a qualquer forma de compra de voto e a importância da colaboração de todos nas iniciativas destinadas a superar os vários tipos de fraude, que têm viciado o processo eleitoral. Indispensável para isso é a colaboração dos que se dispuseram a exercer a função de fiscais na apuração dos votos.
29. Para merecer a confiança do eleitor cristão, não bastam um discurso religioso e uma retórica democrática e popular. É necessário o testemunho de vida coerente com os valores cristãos ou com os valores humanos fundamentais implícitos na mensagem cristã. Requer-se, ainda, uma ética e uma prática social e política comprometidas concretamente com a luta pela justiça e com a causa dos marginalizados, empobrecidos e oprimidos, excluídas posições ideológicas incompatíveis com a fé cristã.
30. Também não se pode confiar em promessas e propósitos generosos
para com o bem do povo, quando o candidato tem um passado comprometido com interesses pessoais ou de grupos privilegiados ou apresenta um comportamento marcado pela desonestidade, corrupção e oportunismo.
31. Conquanto os partidos sejam a mediação normal e necessária do processo político, não basta a simples referência a uma sigla partidária. Lamentavelmente, com efeito, não existe no Brasil autêntica tradição partidária. Os programas dos partidos não são, em geral, claramente definidos e conhecidos e não passam, freqüentemente, de promessas inconseqüentes e eleitoreiras. É necessário, pois, que o eleitor, em vista da futura Constituição, saiba avaliar o conteúdo das propostas de cada partido e seu comprometimento com as mesmas.
32. À luz de todos os critérios precedentes é que o eleitor deverá orientar-se na escolha de candidatos confiáveis.
33. É de suma importância que cristãos vocacionados para a ação política se apresentem como candidatos à Constituinte. Os cristãos qualificados por sua experiência a serviço do povo e solicitados pela confiança de seus irmãos e companheiros não se podem furtar a prestar esse serviço. Devem assumir, com generosidade, a ação política como serviço desinteressado, eficaz e coerente com sua opção de fé.¹³
34. Evitando o risco de transformar os movimentos e as comunidades eclesiais em bases político-partidárias, devem os cristãos apoiar eficazmente os irmãos e irmãs que, por coerência com sua vocação, se dispuserem a entrar na ação político-partidária. O apoio eficaz implica num acompanhamento fraterno que os mantenha integrados à comunidade eclesial e na abertura de espaços adequados para que possam avaliar e aprofundar sua fé diante dos desafios e dificuldades especiais em sua nova missão cristã.
3. DURANTE O FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE
35. A ação dos cristãos durante o funcionamento da Assembléia Constituinte é tão importante quanto nas