O Brilho da Verdade
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O Brilho da Verdade - Eliana Machado Coelho
1
APÓS MAIS DE 50 ANOS NO UMBRAL
Por não atentar, na situação de encarnada, aos mais sublimes e íntimos chamados direcionados aos valores benéficos, nobres e educativos à evolução do espírito humano que recebia, Samara passou muito tempo sofrendo na ignorância quando se deu seu desencarne súbito. Isso a levou a cumprir penas rígidas e dolorosas experiências pelo tão horripilante e indescritível Umbral.
Naquela encarnação, não havia traços ou planos para que Samara enlaçasse amizade ou afeição a ambientes inferiores, porém não tentou reagir contra os incitamentos, as propostas e as sugestões ocasionais de pessoas que cultivavam uma moral de pouco valor, deixando-se levar de forma incoerente a atos inconsequentes.
Devido aos pensamentos inconfessáveis e a compatibilidade momentânea com os prazeres carnais, ela atraiu para si a afeição de uma criatura muito inferior, possuidora de uma monstruosidade indescritível ao caráter humano.
Esse infeliz e desgraçado ser desencarnou logo depois dela. Acostumado com as horríveis vinganças e a liderança nas práticas das perversidades coletivas, ele familiarizou-se rapidamente com outras criaturas espirituais de semelhante caráter ao chegar ao Umbral, horrorizando e acompanhando o espírito Samara por mais de meio século após o desencarne.
Por muito tempo, o espírito Samara vagou e sofreu penas horrorosas em lugares descomunais. Além do desmesurado tratamento do qual padecia, ela experimentava sofrer moralmente pelas organizações que se fazia a sua volta.
Tudo ali era repulsivo, monstruoso, de uma qualidade espiritual terrivelmente inferior, a qual provocava aos inúmeros seres habitantes do Umbral uma aparência que não convém descrever devido à soma de matéria mental que poderá trazer tal ideia de seres tão horrendos.
Cabendo salientar que cultivamos à nossa volta a energia de nossos próprios pensamentos. Por essa razão, o que imaginarmos ou tivermos por ideia, atrairemos à nossa volta e para a nossa companhia.
Sendo essa atração, que é feita através de nossos próprios pensamentos, uma ameaça ao nosso equilíbrio mental, moral e espiritual, trazendo-nos imagens, ideias e sentimentos de ordem inferior, o que seria imensamente desnecessário a nós como espírito.
Depois de muito vagar sem rumo, objetivo ou propósito, Samara passou a refletir sobre tudo o que havia feito quando encarnada, sobre as desnecessárias indecorosidades vividas e o seu desrespeito às leis Divinas da Sábia Natureza.
Por um relance ela se observou, sua imagem física não era mais a mesma. Aliás, ela nem mesmo se reconhecia. Estava completamente desfigurada, cadavérica, feia e malcheirosa.
Samara possuía vaga noção cristã que ganhou conhecimento no catolicismo arcaico, pois o latim, pronunciado durante as missas que frequentava, dificultou, e muito, seus conhecimentos, entendimentos morais e religiosos sobre a vida adequada que qualquer pessoa tem de procurar manter.
Desde o seu desencarne, a partir do momento que começou a sofrer, padecendo como escrava, ela sempre rezou frases prontas pedindo para sair daquela lamentável situação, mas acreditou que nunca fora ouvida. Achou que estava no inferno. Único lugar onde poderia padecer tanto.
Com o passar dos anos, algo parecia estar diferente dentro dela.
O espírito Samara sempre procurou tentar, por si só, livrar-se de todo aquele horror sofrido no Umbral. Lamentou as dores e angústias que experimentava viver. Sentia-se desmilinguir, pois acreditava estar só em sua luta.
Certa vez, lembrou-se das palavras de Jesus: Batei e abrir-se-vos á
e recordou também de sua avó que, de modo simples, sempre dizia: Jesus ama a todos, em qualquer situação. É só a gente acreditar, pedir e saber esperar
.
O espírito Samara compreendeu que todo aquele sofrimento era por sua culpa, por culpa de seu descaso ao bom comportamento moral e espiritual. Quando encarnada, desafeiçoou-se de tudo de bom que a vida lhe ofereceu para a compreensão às leis da honestidade, do pudor e dos bons costumes. Usando seu livre-arbítrio se dispôs a outros tipos de aventuras, que julgava serem mais divertidas, atraindo-se espiritualmente àquela situação.
Não mais rezou palavras decoradas. Passou a sentir realmente vontade de mudar sua condição, de evoluir, de sair daquela situação. Ela desejou ter agido melhor quando encarnada, arrependendo-se de todos seus feitos indignos e pensou:
— Se há um Deus, Ele sabe realmente o que eu sinto. Deus sabe que estou arrependida e que desejo mudar. Desejaria ter agido diferente, entretanto, pobre de mim, só agora pude perceber isso. Senhor, ouça minhas preces. Perdoe meus pecados. Acolha-me em Seu reino. Dá-me orientação. Preciso de Sua paz, Senhor. Preciso de Sua proteção Divina
.
Nem um segundo se fez e o espírito Samara acreditou ter visto uma luz brilhante e forte. Depois disso, de nada se lembra, pois sentiu grande e irresistível sonolência que a dominou completamente, anestesiando-lhe os sentidos.
Acolhida a um Posto de Socorro, tratada com muito carinho e atenção, ela ficou em repouso por algum tempo, pois sua aparência espiritual era cadavérica e suas necessidades inúmeras.
Tempos depois, já se levantava do leito e andava pela enfermaria. Dias passaram e ela se dispôs a caminhar pelos corredores e saguões.
Mesmo com permissão, temia passear pelos jardins. Somente muito tempo depois ganhou confiança, através dos incentivos que recebia, para caminhar pelos belos canteiros cobertos por flores magníficas. Tinha medo de sair daquele edifício e não retornar mais, voltando à miserável situação e condição anterior. Sentia receio de que aqueles seres inferiores pudessem aparecer ali e levá-la novamente, o que seria impossível de acontecer naquele lugar.
O tempo foi passando e Samara começou a perceber que sua aparência física mudara sensivelmente para melhor. Ela já não tinha mais aquele aspecto cadavérico e sujo. Suas vestes apresentavam-se limpas e alimentava-se bem.
Seus pensamentos, agora, eram voltados para coisas construtivas e enobrecedoras do espírito humano, o que melhorava incrivelmente seu aspecto.
Ganhou considerável conhecimento sobre o plano espiritual e agradecia imensamente a Deus por estar em tão nobre e elevada situação, por receber tanta orientação e carinho.
Certo dia, o espírito Inácio, administrador daquele Posto, pediu a presença de Samara em sua sala.
— Bom dia, Samara! — expressou-se Inácio animadamente. — Como tens passado?
— Bem. Muito bem, obrigada — respondeu encabulada. Mesmo assim continuou: — Em primeiro lugar, eu gostaria de aproveitar esta nobre oportunidade para agradecer-vos pela hospitalidade e pelo excelente tratamento que venho recebendo neste ilustre e elevado local que é de vossa distinta administração.
O caro senhor não deve imaginar como vinha sofrendo desde que morri. Demorou eu entender minha morte. Quando me vi desorientada, procurei no início por meus familiares que ignoravam minha presença e maldiziam-me. Mesmo diante de meu fronteiriço e meus revides às ofensas recebidas, eles não podiam me ouvir e nem me percebiam. Eu não quis crer em minha morte. Não aceitava aquela situação. Muito sofri. Depois fui levada a vagar por...
Samara passou a relatar toda a sua dolorosa odisseia, como se Inácio a desconhecesse. Paciente ouvinte, ele deixou-a contar tudo, enquanto sentia seu desabafo. Acreditou que aquilo lhe seria necessário.
Após muito falar, diante da atenção recebida de Inácio, Samara suspirou aliviada e por fim argumentou:
— É por tudo isso que vos sou imensamente grata e coloco-me a vossa inteira disposição, tendo em vista o que fizera por mim. Já estou em condições de trabalhar e ajudar-vos com outros doentes
que estão aqui em condições semelhantes as minhas quando cheguei. Além disso...
Pela primeira vez Inácio, com delicadeza, interrompeu-a:
— Cara Samara — disse ele —, sinto-me imensamente feliz por compartilhar, juntamente contigo e com os demais irmãos, de tão nobre e revigoroso abrigo que é este Posto de Socorro. No entanto, cabe-me orientar-te de que não é a mim a quem deves agradecer e muito menos colocar-te, sinceramente, a tão nobre e honrosa disposição. Deves sim voltar teus agradecimentos e tua disponibilidade ao querido e amado Mestre Jesus, pois foi Ele quem nos ensinou o caminho de amor e paz, de moral e dignidade, de fraternidade, paciência e perdão que nos leva ao Pai Eterno e de infinita bondade a quem chamamos de Deus. — Percebendo o embaraço de Samara, Inácio prosseguiu tentando abrandar-lhe a timidez: — Sei que são sinceros teus devotamentos, porém quero lembrar-te de que sou um humilde servidor deste Posto como qualquer um outro que há aqui. Não deves a mim nenhum agradecimento, ao contrário, eu te devo agradecer em nome de todos os trabalhadores daqui a oportunidade que nos deste de te servir e orientar. Esperamos que nossas humildes e limitadas condições tenham te proporcionado grande e proveitoso bem-estar e crescimento espiritual.
Vendo-a mais à vontade, o gentil espírito Inácio esboçou leve sorriso e decidiu definir o seu chamado:
— Bem, cara Samara, eu a chamei justamente por termos percebido o teu progresso em crescente escala animadora, desde que chegaste aqui. Particularmente, venho observando teu desenvolvimento, tua sinceridade e vontade de servir, mas para isso, a cara companheira necessita de muito mais conhecimento que receberá através dos meios e métodos de instruções que não dispomos, pois, como sabes, este é um Posto de Socorro e em uma colônia terá condições e oportunidades para melhor aprimorar teus conhecimentos na esfera evolutiva da espiritualidade.
Explicando-lhe os motivos de sua ida para uma colônia maior, Inácio sentiu-se satisfeito como quem se depara com o dever cumprido.
Samara, por sua vez, sentia-se lisonjeada e orgulhosa de si mesma, apesar de ainda não se achar segura o suficiente para enfrentar lugares e situações novas e diferentes.
2
O DESPERTAR DE HONÓRIO
Tendo, no Posto em que administrava, outros dois espíritos que julgava estarem preparados, assim como o espírito Samara, para receberem mais esclarecimentos e desenvolvimento espiritual, Inácio encaminhou e acompanhou Samara, Maria e Helena a uma colônia próxima e mais apropriada, aproveitando a visita para rever velhos amigos.
Ao chegarem lá, foram levadas aos aposentos reservados a elas. As três encontravam-se admiradas com tudo o que viam.
Assim que se acomodaram e conheceram o lugar onde lhes seria proporcionado grande parte de seus estudos, Inácio solicitou a presença de Samara no salão principal, avisando-a de que alguém gostaria muito de revê-la e cumprimentá-la.
Rapidamente, caminhou até o salão. No trajeto, sentia um misto de emoções que se alternavam entre a ansiedade e a curiosidade.
Ao deparar-se com a figura conhecida de Nicolau, estremeceu encabulada.
O espírito Nicolau centralizou seu olhar fraterno em Samara, aproximou-se encantado de alegria pelo prazer de vê-la agora ali, na mesma colônia em que ele habitava e trabalhava como assistente do coordenador do departamento de orientação.
Aproximando-se um pouco mais, segurou ambas as mãos de Samara, que abaixou o olhar envergonhada, e, com imensa alegria, cumprimentou-a:
— Querida amiga Samara! Como estou feliz por tê-la aqui!
Ela, por sua vez, não conseguiu encará-lo.
Quando encarnada, apaixonou-se imensamente por Nicolau que, na época, já era casado com sua prima Lavínea.
Por todos os meios, tentava persuadi-lo para que vivessem juntos uma imensa paixão, não medindo as consequências de seus atos.
Tentava separá-lo de sua prima, intrigando Lavínea contra Nicolau, querendo provocar imensa discórdia entre ambos.
A experiência vivida entre Nicolau e Lavínea foi imensamente difícil, tendo em vista as tramas complexas armadas pela pobre Samara. Porém, o casal teve mais fé e assim adquiriu muita força para superar o desafio.
Durante os dez anos de matrimônio que os uniram, Samara os incomodou, dando-lhes paz somente quando Nicolau desencarnou num acidente em que a charrete tombou e ele quebrou o pescoço deixando a viúva com três pequenos órfãos de pai.
Samara, mesmo em boas condições financeiras, não se propôs em ajudar sua prima, muito menos aos filhos de Nicolau, que passaram inúmeras necessidades devido à falta do pai.
Mesmo viúva, empenhou-se ao máximo na educação e na boa formação moral dos pequeninos, guiando-os sempre para o caminho do bem e do amor fraterno.
Desencarnou depois de um mês do casamento de seu caçula quando já possuía dois netos, um de cada filho já casado.
Naquele instante, chegou, ali naquele saguão, o espírito Lavínea que também queria cumprimentar a recém-chegada.
Aproximando-se de Samara, abraçou-a com terno carinho emanando-lhe imensa quantidade de energias fraternas.
Samara retribuiu o afeto, mas não conteve as lágrimas de vergonha e arrependimento.
Lavínea afastou-se do abraço e, colocando firmemente as mãos nos ombros da outra, balançou-a com firmeza dizendo:
— Aqui não há lugar para lágrimas de tristezas. Se estais aqui é porque tu mereces esta condição.
— Eu te fiz tanto mal... — murmurou embargada pelos soluços. — Eu deixei de obedecer às razões morais para dar atenção aos meus instintos imorais. Perturbei a vossa felicidade para destruir vosso matrimônio. Não auxiliei quando em vossa viuvez... quando eu poderia e deveria. Não sei o que dizer-vos.
Nicolau, para atenuar o constrangimento de Samara, completou:
— Cara Samara, se reconsiderastes tudo o que deixastes de fazer, arrependendo-vos dos valores que, infelizmente desprezou, se o remorso e o arrependimento tocou-vos a razão, fazendo-vos refletir e desejar imensamente a mudança e a correção do que vós fizestes, esta é a oportunidade de elevação que tendes! Aqui não há lugar para lamentações e sim para o desejo de evoluir. Eu e minha amada Lavínea estamos aqui para apresentar-vos a nossa fraternidade, o nosso carinho e o nosso desejo em vosso progresso moral e espiritual. Estamos a sua disposição.
Samara abraçou-os emocionada e, diante de tanto conforto, passou a sorrir, ansiosa por aprender e reparar suas faltas.
Empenhou-se ao máximo, preparou-se por décadas e décadas no plano espiritual para as condições que sabia enfrentar na próxima reencarnação.
Com a ajuda de Nicolau e Lavínea, ela superava todos os obstáculos que surgiam, dedicando-se incessantemente aos trabalhos oportunos.
Após anos e anos de preparo, Nicolau e Lavínea partiram da colônia para o reencarne terreno, dispondo-se à dura tarefa de doutrinação no campo do Espiritismo Evangélico.
Lavínea acompanharia Nicolau como sua amada fiel, esposa e amiga terrena, apoiando, incentivando e auxiliando-o na instrução de irmãos encarnados e desencarnados, amparando e esclarecendo a mediunidade dos companheiros que lhes fossem colocados à disposição. Caberia a eles o difícil trabalho de inserir e elucidar, no seio familiar junto aos parentes mais próximos, os preceitos espíritas, não deixando de perder as oportunidades de oferecer-lhes todo o embasamento necessário para o entendimento de tão nobres ensinamentos.
Eles sabiam de antemão que receberiam como filhos duas criaturas maravilhosas, amáveis companheiros competentes que se dedicariam à instrução e à orientação do semelhante, dos quais o casal receberia muito apoio, compreensão e colaboração.
Ao saber dos planos reencarnatórios, o espírito Samara ficou felicíssimo ao saber que teria os espíritos Nicolau e Lavínea como parentes próximos.
Nicolau seria seu tio e, agora já encarnado, recebera o nome de Alfredo. Era irmão de seu futuro pai: Honório.
Lavínea reencarnada recebera o nome de Dora.
Dora e Alfredo já tinham como bênção os dois tão esperados e amados filhos: Dirceu e Júlio.
Alfredo, presidente de um organizado grupo espírita, edificava cada vez mais sua meta com os ensinamentos do Espiritismo Cristão. Por outro lado, Dora, dedicada mãe e companheira, ajudava-o com as noções basicamente espíritas na educação dos tão amados filhos que aproveitavam ao máximo tudo o que lhes era ensinado.
Alfredo não era rico. Tinha de trabalhar muito para manter a família, porém parecia nunca se cansar. Era extremamente dedicado, não medindo esforços ao ensinamento do Evangelho e sua prática. Seu maior obstáculo era passar para seus irmãos Honório, Sílvia e Marta o entendimento e a aceitação das explicações espíritas para os fatos da vida terrena.
A mãe deles, dona Filomena, católica, não interferia na educação religiosa dos filhos, deixando-os à deriva.
Com o tempo, Honório casou-se com uma moça chamada Clara e receberam, como primogênita, Samara, a quem deram o nome de Camila.
Tendo na memória o absoluto esquecimento do passado, Alfredo e Dora tinham, em seus corações, a lembrança intuitiva e por isso muito se afeiçoaram à sobrinha Camila.
Tempos depois, Camila teve duas outras irmãs: Cida e Vera, que eram gêmeas. Anos se passaram e quando Camila já era uma adolescente, ganhou outro irmão, Júnior.
Nessa época, Honório e Clara passavam por inúmeras dificuldades financeiras e a situação parecia estar cada vez mais desesperadora.
Alfredo, sempre prestativo, começou a dividir o que tinha com o irmão Honório.
Seus pais, já velhos e sem possuir muitos bens financeiros, pouco podiam ajudar. As irmãs, Sílvia e Marta, casaram-se e moravam em outra cidade. Quase não tinham notícias delas. Raramente escreviam ou enviavam algum cartão de Natal.
O desespero tomava conta de Honório que, não conseguindo nem mesmo pagar o aluguel, teve de se mudar para a casa de Alfredo, que, sozinho, passou a sustentar as duas famílias.
Dora e Clara se dispuseram a fazer faxina em casa de família para ajudar no orçamento e na manutenção da casa, enquanto Camila e seus primos mais velhos, Dirceu e Júlio, se revezavam entre o horário escolar e os cuidados com os menores.
Alfredo incentivava Honório, que já se deixava abater com a crise. Entretanto, por causa das dificuldades, Honório apresentava-se mais humilde, menos arrogante. Passou a frequentar o Centro Espírita, do qual Alfredo era presidente, junto com toda a família.
Alfredo e Dora passavam horas com os filhos e a sobrinha mais velha, Camila, contando-lhes crônicas e exemplos espíritas, elevando-lhes o espírito e o entendimento com os ensinamentos à luz do Espiritismo.
O divino livro O Evangelho segundo o Espiritismo era lido e estudado diariamente no lar de Alfredo, que fazia questão da presença de todos em volta da humilde mesa, a fim de que fossem expostos e estudados os tesouros sagrados nele contidos. Honório participava, porém distante daquelas vibrações harmoniosas que reinavam, pois estava bem desanimado. Saindo à procura de emprego, diariamente ele retornava desconsolado pelas portas que se faziam fechar a sua frente.
Certo dia, quando o sol escaldante do mês de dezembro se fazia brilhar radiante na imensidão azul, depois de horas numa fila imensa de desempregados à porta de uma firma, Honório revoltou-se diante da negativa feita às suas qualificações profissionais.
Aflito e desorientado, passou a caminhar sem rumo.
Depois de andar muito, chegou suado e todo desalinhado à praia de Copacabana. Ele tirou os sapatos e afrouxou a gravata que já se desarrumara toda. Sentou-se na areia quente e ficou ali por bastante tempo pensando em tudo o que acontecia e no que fazer de sua vida.
Seu irmão não tinha a obrigação de sustentá-lo juntamente com a esposa e quatro filhos. Alfredo mal ganhava para o sustento da própria família e ainda tinha de dividir com ele, e os seus, o pouco que havia. Algumas vezes nem ele mesmo entendia como conseguiam comer diariamente nem se fosse uma só refeição.
Mas alguns pensamentos monstruosos passaram a tomar conta dos sentimentos de Honório.
A princípio pensou em suicídio. Em seguida acreditou não ser o suficiente. O melhor a fazer era acabar com a vida dos quatro filhos, que por sua causa estavam nesse mundo, e com a da esposa a qual sofria com aquela situação por culpa dele. Aí sim, depois disso consumado, ele se mataria, pois somente assim não deixaria suas obrigações para alguém.
A caminho da casa de Alfredo, Honório começou a pensar em uma maneira de pôr um fim àquele sofrimento e começou a tecer planos de como executar tal tragédia. Ele andava pela calçada de forma mecânica e instintiva, fazendo imperceptivelmente o trajeto de volta.
Sem perceber, passando ele frente a uma igreja evangélica, chamaram-lhe a atenção as palavras altas vociferadas pelo pastor que iniciava o culto naquele momento. Sem refletir, Honório entrou no templo religioso acomodando-se em uma cadeira bem no fundo da igreja e lá ficou extasiado.
Aos chamados irritadiços do pastor aos que se negavam se entregarem a Deus, Honório despertou assustado, como quem acabasse de acordar.
Em alto e bravo som, o pastor chamou novamente:
— Entregue-te a Deus Pai Todo-Poderoso! Só Ele pode te salvar da maldição!!! Da angústia!!! Da insatisfação desse mundo pecaminoso!!! Se tu sofres, se estás passando por dificuldades, se estás desolado, entrega ao Senhor o teu coração e os teus problemas. Venha aqui na frente e entrega-te!
Honório, com os olhos cheios de lágrimas, não resistiu e caiu em pranto.
O pastor, apesar da distância, percebeu seu desespero. Então, vendo-o inseguro e indeciso, passou a manipular suas palavras dizendo coisas que lhe tocavam nos problemas íntimos, fazendo-o desabafar em desesperado choro compulsivo.
— Irmão!!! — dizia. — Venha aqui e entrega a Deus os teus problemas e as tuas dúvidas! Deixa que o Senhor tome-te em Teus braços e conduza-te ao conforto do que reservou a ti!!! O sofrimento não pertence ao homem e sim ao demônio!!!
Honório, levado por uma força sobrenatural, caminhou até a frente e, chegando próximo aos degraus onde ele estava, colocou-se de joelhos e pôs-se a chorar ainda mais.
O pastor, dando gritos de glória e aleluia, era acompanhado pela multidão que junto vibrava feliz por ter entre eles mais um irmão que entregava a Deus o seu coração e os seus problemas.
No fim do culto, depois dos cantos