Coleção Proinfantil

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COLEO PROINFANTIL

PRESIDNCIA DA REPBLICA MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA

Ministrio da Educao Secretaria de Educao a Distncia Programa de Formao Inicial para Professores em Exerccio na Educao Infantil

COLEO PROINFANTIL
MDULO II unidade 1 livro de estudo - vol. 2
Karina Rizek Lopes (Org.) Roseana Pereira Mendes (Org.) Vitria Lbia Barreto de Faria (Org.) Braslia 2005

Ficha Catalogrfica Maria Aparecida Duarte CRB 6/1047

L788

Livro de estudo: Mdulo II / Karina Rizek Lopes, Roseana Pereira Mendes, Vitria Lbia Barreto de Faria, organizadoras. Braslia: MEC. Secretaria de Educao Bsica. Secretaria de Educao a Distncia, 2005. 72p. (Coleo PROINFANTIL; Unidade 1) 1. Educao de crianas. 2. Programa de Formao de Professores de Educao Infantil. I. Lopes, Karina Rizek. II. Mendes, Roseana Pereira. III. Faria, Vitria Lbia Barreto de. CDD: 372.2 CDU: 372.4

MDULO II unidade 1 livro de estudo - vol. 2

SUMRIO
a - APRESENTAO DO MDULO II 8 b - ESTUDO DE TEMAS ESPECFICOS 14
FUNDAMENTOS DA EDUCAO
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A CRIANA DE 0 A 6 ANOS I ............................................................... Seo 1 Teorias do desenvolvimento ...................................... Seo 2 Como se chega a ser o que agente ? A criana nasce ou se torna inteligente? ..................... Seo 3 O desenvolvimento humano como objeto de estudo sistemtico .............................................................

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ORGANIZAO DO TRABALHO PEDAGGICO


COMO ESTUDAR A CRIANA E SUAS INTERAES SOCIAIS ........... Seo 1 O conhecimento do senso comum e o conhecimento cientfico sobre o homem e seu desenvolvimento ........ Seo 2 A observao e o registro de comportamentos infantis................................................................................ Seo 3 Anlise de interaes adulto-criana e criana-criana....................................................................

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c ATIVIDADES INTEGRADoraS 70

a - APRESENTAO

DO MDULO II
Tudo o que nos rodeia e que foi criado pela mo do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso produto da imaginao e da criao humana...
Lev Vygotsky1

Prezado(a) professor(a), Estamos dando continuidade ao Programa de Formao de Professores de Educao Infantil, o PROINFANTIL. Iniciamos agora o Mdulo II Infncia e Cultura. Como voc sabe, este programa foi preparado como um curso a distncia e dirigido a professores(as) que j trabalham com crianas de 0 a 6 anos em creches, pr-escolas e em turmas de Educao Infantil que funcionam em escolas de Ensino Fundamental. Esperamos que voc esteja gostando da proposta: para ns, muito importante continuar contando com a sua participao. Este livro apresenta o segundo dos quatro mdulos que tratam de Educao Infantil. Como vimos, e achamos que no demais repetir, os mdulos so os seguintes: Mdulo I Educao, Sociedade e Cidadania. Mdulo II Infncia e Cultura: linguagem e desenvolvimento humano. Mdulo III Crianas, adultos e a gesto da Educao Infantil. Mdulo IV Contextos de Aprendizagem e Trabalho Docente.

Como voc j conhece um pouco do PROINFANTIL, nesta apresentao trazemos apenas algumas informaes especficas sobre o Mdulo II. Inicialmente, apresentamos os temas e unidades que o mdulo contm. Em seguida, explicamos a estrutura deste mdulo e damos um destaque s Atividades Integradoras, uma novidade deste mdulo, que tambm estaro presentes nos Mdulos III e IV. Ao final, fazemos alguns comentrios sobre infncia, cultura, arte e processo de formao. Ao longo deste mdulo, voc ter a oportunidade de estudar vrios conceitos de Vygotsky, um psiclogo russo que viveu no incio do sculo XX. Alguns dos conceitos se referem infncia e cultura, outros como o trecho transcrito, em epgrafe,
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VYGOTSKY, Lev S. La imaginacin y el arte en la infncia (ensayo psicolgico). Mxico: Ed. Hispnicas, 1987.

no alto da pgina anterior tratam de criao. Pois bem, mesmo sabendo que neste curso h muitas exigncias, vrios textos, diversas tarefas e encontros, insistimos na importncia da criao, porque acreditamos que cada um de ns crianas, jovens ou adultos precisa encontrar seu lugar, espao, tempo e jeito de criar. 1. O MDULO II O Mdulo II Infncia e Cultura: linguagem e desenvolvimento humano contm oito unidades de Fundamentos da Educao (FE) e oito unidades de Organizao do Trabalho Pedaggico (OTP). So elas: - Unidade 1 FE Teorias do desenvolvimento humano e a criana de 0 a 6 anos I. OTP Como estudar a criana e suas interaes sociais. - Unidade 2 FE Teorias do desenvolvimento humano e a criana de 0 a 6 anos II. OTP Mediando o olhar da criana sobre si mesma. - Unidade 3 FE Produo cultural da/para a infncia. OTP Mediando o olhar da criana sobre o mundo. - Unidade 4 FE As crianas e seus parceiros exploram o mundo. OTP Promovendo um ambiente ldico de aprendizado e desenvolvimento. - Unidade 5 FE A construo de conhecimentos e da subjetividade pela criana. OTP A comunicao com bebs e com crianas pequenas. - Unidade 6 FE A criana de 0 a 6 anos e a construo da linguagem. OTP A linguagem da criana no cotidiano. - Unidade 7 FE O brinquedo e a brincadeira. OTP O faz de conta infantil. - Unidade 8 FE Crianas com desenvolvimento atpico. OTP Somos todos iguais, apesar de diferentes.

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Aps cada unidade (Fundamentos da Educao e Organizao do Trabalho Pedaggico), h uma sugesto de Atividade Integradora para ser realizada no encontro quinzenal. Falaremos sobre isso no item 2, a seguir. Vale lembrar que as unidades foram escritas por pessoas diferentes, convidadas pelo MEC para colaborarem com o PROINFANTIL. Esses autores e autoras so professores e estudiosos desses temas h muitos anos, e trabalham na Educao Infantil ou na formao de professores(as) em vrias universidades brasileiras, em creches, pr-escolas ou escolas, secretarias de educao etc. Por conta dessa variedade, s vezes h opinies diferentes ou maneiras diferentes de abordar o mesmo tema e, s vezes, h temas ou idias que se repetem ou so abordados de maneira muito parecida, ou porque os assuntos esto relacionados, ou porque os autores pensam de modo semelhante. 2. FE, OTP E ATIVIDADE INTEGRADORA A partir deste Mdulo II, temos unidades de Fundamentos da Educao (FE) e de Organizao do Trabalho Pedaggico (OTP). Qual a diferena entre eles? Os textos de FE focalizam conceitos e explicaes tericas, ainda que tambm tragam muitas situaes da prtica. Os textos de OTP tm o foco nas situaes da prtica e seu objetivo propor sempre que possvel um movimento em direo teoria, em direo aos textos de Fundamentos da Educao, para que se possa compreender a prtica ou os problemas que a teoria traz e tambm para encontrar respostas ou sugestes para resolver os problemas ou encaminhar as atividades com as crianas. A diferena sutil e o mais importante que o movimento de estudar a teoria e de pensar a prtica possa acontecer. Aps cada unidade FE e OTP sugerida uma Atividade Integradora articulando os contedos e as prticas trabalhadas. As Atividades Integradoras so dirigidas tanto aos(s) professores(as) quanto aos tutores(as), e contm orientaes para os encontros quinzenais que acontecem depois que os(as) professores(as) estudarem cada unidade (FE e OTP). Nossa inteno mesmo a de que essas Atividades Integradoras sejam uma proposta, entendida de forma flexvel, sem amarrar o tutor ou o grupo. Mas mesmo que a estrutura seja um pouco diferente daquela do Mdulo I, o processo de trabalho o mesmo e nossa maior preocupao continua sendo, repetimos, a oportunidade de reflexo que o curso oferece sobre a prtica e de busca de conhecimento. Assim, as prticas que consideramos mais importantes so como j enfatizamos a observao, a leitura e a escrita. A observao, porque o PROINFANTIL tem como objetivo pensar as prticas cotidianas e oferecer subsdios para o trabalho com as crianas na Educao Infantil realizado

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em creches, pr-escolas e escolas. A leitura, porque amplia a compreenso das idias e o conhecimento do mundo. A escrita, porque ela organiza o pensamento, ajuda a sistematizar as idias, a perceber as dvidas, a se posicionar diante das diferentes situaes e a saber o que precisa ser mais estudado. Escrever uma forma viva e interessante de a gente se acompanhar. No caso do Mdulo II, observar, ler e escrever so prticas fundamentais tambm, porque so abordados temas delicados sexualidade, mordidas, controle de esfncteres, deficincias fortemente vinculados a prticas culturais, hbitos de grupos, preconceitos que, em geral, so pouco discutidos. Procuramos garantir, nas unidades, uma linguagem respeitosa, evitando grias e equilibrando com bom senso sugestes de como agir em diversas situaes. Procuramos, enfim, uma forma de falar nos temas que muitas vezes se constituem em tabus, com respeito tambm diversidade dos adultos que lidam com as crianas nas creches, pr-escolas e escolas, seus prprios limites e costumes. E recomendamos aos(s) professores(as) e tutores(as) do PROINFANTIL uma postura de escuta e respeito em relao s diversas posies que existem sobre esses temas, um cuidado especial, porque para vrias pessoas pode ser difcil conversar sobre questes ligadas ao corpo: mordidas, controle de esfncteres, sexualidade. Entendemos que as conversas, os encontros, os debates, precisam ser orientados pela idia de que o mais importante de tudo so as crianas e que em funo delas (e das crianas que fomos) que os preconceitos e os tabus precisam ser enfrentados. 3. INFNCIA, CULTURA, ARTE E FORMAO No interior do tema Infncia e Cultura, muitas questes so propostas: a brincadeira e as interaes so o eixo central. E aqui muito importante como parte do seu processo de formao que cada professor(a) aproveite o curso para contar e registrar suas histrias de infncia, para contar e escrever como so as atividades, no dia-a-dia, das crianas com as quais trabalha e para pensar: Que condies so necessrias para que seja possvel mudar? Como fazer para conseguir tais condies?. Por outro lado, voc deve ter percebido, ao fazer a leitura e o estudo do Mdulo I, que buscamos a companhia de poetas, escritores ou pintores. Ao longo de todas as unidades, h poemas, trechos de msicas, pinturas ou outras imagens. Acreditamos que todas essas manifestaes culturais so uma parte importante do processo de conhecimento, que chamamos dimenso cultural da formao. Esperamos que voc aprecie este tipo de formao que convida ao mesmo tempo ao estudo, reflexo e criao. Fazemos isso

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porque entendemos que a arte ajuda a compreender os temas, nos faz pensar e sentir de outra forma, contribui para a construo do conhecimento. Aqui tambm, no Mdulo II, a arte est presente, na pintura na literatura em geral e na poesia em particular. Manuel Bandeira, um poeta pernambucano, professor durante muitos anos num colgio pblico na cidade do Rio de Janeiro, disse que s no cho da poesia piso com alguma segurana2. Comeamos esta apresentao falando desse processo de criao. Lembramos agora, de novo, ao fecharmos a apresentao, que precisamos tomar cuidado para que, ao cumprirmos tantas tarefas que nos so exigidas trabalhar com as crianas nas creches, pr-escolas ou escolas, ler os textos, fazer as atividades, escrever o memorial, preparar o portflio ou ao simplesmente estudar possamos garantir o lugar, o espao, o tempo e o jeito de criar. Este lugar ou esse tempo pode ser o de escrever um poema, criar uma msica, danar, preparar uma comida diferente, propor um jogo novo para as crianas, brincar com elas etc. A criao pode estar presente na vida pessoal de cada um(a) de ns e tambm no cotidiano da Educao Infantil. Alis, foi o prprio Vygotsky no mesmo livro j mencionado aqui que disse que, em tudo o que ultrapassa a rotina repetitiva, existe uma nfima parcela de novidade e de processo criador humano. As bases da criao esto assentadas na faculdade de combinar o antigo e o novo. Esperamos que essa combinao de velho e novo seja enfrentada como um bom desafio ao longo do estudo deste mdulo!

BANDEIRA, Manuel. Itinerrio de Pasrgada. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984. p.107. Nasceu em Pernambuco, em 1886, e morreu no Rio de Janeiro, em 1968.

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B - ESTUDO DE TEMAS ESPECFICOS

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FUNDAMENTOS DA EDUCAo

TEORIAs DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A CRIANA DE 0 A 6 ANOS - I


Diego no conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcanaram aquelas alturas de areia, Depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensido do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejou, pedindo ao pai: - Me ajuda a olhar!1
Eduardo Galeano

In: GALEANO, Eduardo. O livro dos abraos. Porto Alegre: L&PM, 2003. p. 15.

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ABRINDO NOSSO DILOGO Prezado(a) professor(a), no mdulo anterior, voc estudou algumas questes relacionadas Histria da Infncia e da Educao Infantil, e tambm algumas questes que dizem respeito poltica nacional de educao e alguns temas relacionados a discriminaes tnicas e de gnero. Neste mdulo, vamos comear a estudar as teorias do conhecimento. Abrimos esta unidade esclarecendo a importncia de se conhecer as diferentes teorias que sustentam a prtica pedaggica de todos(as) ns professores(as). A forma como atuamos com as crianas pode refletir as crenas e valores orientados por algumas teorias. DEFININDO NOSSO PONTO DE CHEGADA Nossos objetivos so: 1. Discutir diversas concepes sobre o desenvolvimento da criana que tm influenciado a prtica dos(as) educadores(as). 2. Discutir a interao de fatores genticos e culturais no desenvolvimento infantil e debater por que a viso da criana, como ser submetido s presses do meio cultural, est sendo substituda pelo conhecimento de que ela interage com o seu meio e constri cultura. 3. Apresentar dados histricos da constituio dos estudos sobre o desenvolvimento humano, apontando a contribuio da Psicologia, Sociologia, Antropologia e Medicina na formulao dos novos conceitos e metodologias de investigao. CONSTRUINDO NOSSA APRENDIZAGEM Esta unidade est dividida em trs sees: a primeira apresenta as principais concepes sobre o desenvolvimento da criana, define as correntes inatista, ambientalista e interacionista e suas implicaes para a prtica dos educadores; a segunda apresenta como se chega a ser o que hoje A pessoa nasce ou se torna inteligente?; e a terceira apresenta o desenvolvimento humano como objeto de estudo sistemtico.

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Seo 1 Teorias do desenvolvimento Objetivo especfico a ser alcanado nesta seo: - Discutir diversas concepes sobre o desenvolvimento da criana que tm influenciado a prtica dos(as) educadores(as).
Professor(a), hoje, estudos e pesquisas apontam que o desenvolvimento humano se d como um processo de apropriao da experincia histrico-social pelo homem. Mas, nem sempre foi assim. Essa viso resultado da evoluo de vrias teorias. Os fatores internos (biolgicos) e externos (ambiente) ao homem no eram vistos em interao, mas, sim, de forma separada: - Primeiro, valorizava-se somente os fatores internos biolgicos (Teoria Inatista). - Mais tarde, passou-se a valorizar somente os fatores externos ambiente (Teoria Ambientalista). - Hoje, valoriza-se a interao desses dois fatores (internos e externos) no desenvolvimento humano (Teoria Interacionista). Vamos entender, ao longo desta seo, como as concepes inatista, ambientalista e interacionista podem interferir no modo como os(as) professores(as) acreditam que a criana constri conhecimento. No se preocupe em memorizar as caractersticas de cada teoria. Ao longo da leitura, voc vai perceber as diferenas entre elas. Voc j ouviu algumas destas frases? - Esse menino no aprende, que nem o pai. - Pau que nasce torto morre torto. - Filho de peixe, peixinho . Podemos tomar essas falas como ponto de partida para entender a corrente terica conhecida como Inatista.

Importante!
O Inatismo considera importante somente os fatores genticos e biolgicos, ou seja, aquilo que hereditrio, inato. Por isso o nome inatismo, caractersticas e dons que a criana traz quando nasce.

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Para os inatistas, cada ser humano j traz consigo caractersticas bsicas, definidas desde o nascimento, s precisando que essas caractersticas sejam desenvolvidas ao longo do tempo, com a maturao. Assim, para o Inatismo, o ambiente em que a criana vive no interfere naquilo que ela vai aprender, pois suas caractersticas inatas vo se desenvolver naturalmente em vrias etapas predeterminadas. Para compreendermos melhor, vejamos o seguinte exemplo: Um(a) professor(a) prope a um grupo de 10 crianas, menores de 6 anos, que batam palmas acompanhando o ritmo de uma determinada msica. Somente trs crianas do grupo conseguem acompanhar o ritmo da msica. O bom desempenho destas crianas, na viso inatista, seria visto como um dom herdado por exemplo, dos pais msicos. E as outras crianas que no acompanharam to bem o ritmo da msica podem ser vistas como incapazes de aprender um ritmo porque no herdaram dos pais esse dom.

Professor(a), em sua prtica, voc pode perceber que no assim que acontece. Embora as crianas possam aprender de formas diferentes, todas so capazes de aprender.

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Esta forma de pensar dos inatistas trouxe muitas conseqncias para a prtica escolar. Vamos ver o porqu? Se concordarmos com essa teoria, a escola no tem muito o que fazer, j que o aprendizado da criana vai depender dos traos de comportamento que ela traz quando nasce. No exemplo acima, como voc pode perceber, se o(a) professor(a) acreditar que somente as crianas que nasceram com o dom da msica podem aprender ritmo, ele(a) no ter muito o que fazer em relao s outras crianas, no verdade? Assim, as caractersticas individuais da criana, como agressividade, sensibilidade, falta de interesse ou dificuldade de aprender, por exemplo, so vistas como traos inatos (de nascimento) que, portanto, dificilmente podero ser modificados pela educao escolar. Vejamos uma frase que tambm ajuda a entender a Teoria Inatista e que voc pode ter ouvido ao longo de sua vida. Pedrinho carinhoso e sensvel. Isso ele herdou da me. Mas herdou do pai a teimosia e o temperamento difcil. No possvel mudar sua sina. Essa fala expressa a excessiva valorizao da hereditariedade. Com base nesta idia, muitos(as) professores(as) acreditavam que no havia muito o que fazer com a criana: se ela era inteligente, era porque nasceu numa boa famlia. Se no correspondesse s expectativas do(a) professor(a), era justificado pela frase: tambm, com a famlia que tem! Para os inatistas, a criana aprende de acordo como os seus dons. Se a criana no aprende porque no herdou o dom dos pais. Isso determina que ela nunca vai aprender, porque j nasceu sem essa pr-disposio. Comentrio A concepo inatista contribuiu mais para rotular as crianas como incapazes do que para entender o que realmente dificultava a aprendizagem.

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Atividade 1
Professor(a), no incio desta seo destacamos algumas frases e exemplos que ilustram a teoria inatista. Voc, em seu cotidiano, encontra alguma situao ou, at mesmo, outras frases que nos remetam a essa teoria? Voc pode utilizar seu caderno para descrev-las. A segunda corrente terica que vamos conhecer chamada Ambientalista. Para exemplificar essa corrente, tambm selecionamos algumas frases: - de pequenino que se torce o pepino. - A criana uma folha de papel em branco.

Importante!
O Ambientalismo, como o prprio nome d a entender, valoriza o ambiente no aprendizado humano. Ou seja, a criana desenvolve suas caractersticas em funo das condies do meio em que vive. Esta viso considera as estimulaes que o meio proporciona como fonte de aprendizado.

Para os ambientalistas, o mais importante so os fatores exgenos, aquilo que est fora do indivduo. A criana nasce sem caractersticas psicolgicas, seria como uma massa a ser modelada, estimulada e corrigida pelo meio em que vive. O papel da escola seria o de estimular a criana com novas aprendizagens. Para os ambientalistas, a criana no sabe, uma folha em branco. O saber est com o(a) professor(a) e, portanto, ele(a) precisa transmitir o conhecimento para a criana, que o recebe de forma passiva. De acordo com essa concepo, educar algum seria moldar o seu comportamento, seu carter, seu conhecimento, dando criana tudo aquilo que ela no tem. Dentro da concepo ambientalista, a educao centrada no(a) professor(a) que, como adulto, visto como o(a) dono(a) da verdade, devendo ensinar e estimular as crianas.

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Importante!
A Teoria Ambientalista acredita que a criana aprende em etapas determinadas pelo(a) professor(a) e atravs de treinamento. Desta forma, a prtica pedaggica estaria voltada para aquisio de determinados conhecimentos e valores pr-estabelecidos. O papel do(a) professor(a) seria estimular a criana a responder aquilo que ele est pedindo, sem questionamento. Essa teoria acredita que o meio responsvel pela formao do sujeito, sendo o adulto quem vai controlar tudo o que a criana deve aprender. Atravs de testes, avaliado se a criana absorveu a informao corretamente.

Voltando aos nossos exemplos, podemos dizer que a frase a criana uma folha em branco supe que a criana, ao nascer, no traz nenhuma caracterstica inata: cabe ao meio dar-lhe conhecimento. Assim tambm, de pequenino que se torce o pepino quer dizer que de pequena que a criana deve ser moldada e corrigida pelo adulto. Muitas vezes em nossa prtica, quando atuamos diretamente com as crianas, recebemos respostas que no espervamos. Quando propomos algumas atividades, nos surpreendemos com determinados comportamentos que elas manifestam, mostrando que so capazes de compreender, raciocinar, contestar, deduzir, fantasiar, ter desejos, imaginar etc. A teoria ambientalista no leva em conta essas caractersticas da criana.

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Atividade 2
Ao descrever o seu trabalho na Educao Infantil, uma professora diz: As crianas so como uma tela em branco. Ns, professores(as), temos as tintas e os pincis, e depende de ns o quadro que ser pintado nessa tela. Que relaes podemos fazer entre este exemplo e a Teoria Ambientalista? Comentrio A Teoria Ambientalista no foi suficiente para explicar o desenvolvimento humano porque, ao considerar a criana como passiva, podendo ser controlada ou manipulada pela situao, desconsiderava sua capacidade de compreender, raciocinar, contestar, deduzir, fantasiar, ter desejos, imaginar etc.

Voc Sabia?
A Teoria Ambientalista tambm pode ser chamada de comportamen talista, behaviorista ou empirista. Comportamentalista porque valoriza o comportamento da criana e empirista porque valoriza a empiria (experincia) que a criana tem com o meio em que vive.

A primeira coisa a saber que os interacionistas valorizam a experincia. Acreditam que atravs dela a criana aprende a olhar as situaes de diferentes perspectivas. Em especial, ela aprende que, para ir em frente na busca por certos objetivos, tem que considerar a resposta do outro, das pessoas com as quais interage, adulto ou criana, que indicam sua posio ou ponto de vista. Os interacionistas no concordam com os inatistas porque estes desprezam o papel do ambiente. Tambm no concordam com os ambientalistas porque estes ignoram fatores maturacionais. Os interacionistas levam em conta tanto os aspectos inatos quanto influncias do ambiente no desenvolvimento humano. Para os interacionistas, atravs da interao com outras pessoas mais experientes que a criana vai construindo suas caractersticas (sua maneira de pensar, sentir e agir) e sua viso de mundo (seu conhecimento).

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Vamos conhecer a histria de Pedro e Tina escrita por Stephen Michael King:

Cada vez que Pedro tentava desenhar uma linha reta... Ela saa toda torta. Quando todos sua volta olhavam para cima... Pedro olhava para baixo. Se ele achava que ia fazer um dia lindo e ensolarado... Chovia, splish, splesh, splush. Um dia, de manh bem cedo, quando estava andando de costas contra o vento, Pedro deu um encontro em Tina. Tina fazia tudo certinho. Ela nunca amarrava errado os cordes de seus sapatos nem virava o po com manteiga para baixo. Ela sempre se lembrava do guarda-chuva e sabia muito bem escrever seu nome. Pedro ficava encantado com tudo que Tina fazia. Ento, Tina mostrou-lhe a diferena entre direito e esquerdo, entre a frente a as costas, e que o cu era em cima e o cho embaixo. Um dia, eles resolveram construir uma casa na rvore. Tina fez um desenho para que a casa ficasse bem firme em cima da rvore. Pedro juntou uma poro de coisas para enfeitar a casa. Eles acharam muito engraado. Bem no fundo, Tina gostaria que tudo que ela fizesse no fosse to perfeito. Ento Pedro lhe arranjou um casaco e um chapu que no combinavam. Depois, ensinou Tina a andar de costas e a dar cambalhotas. Eles rolaram morro abaixo...e juntos aprenderam a voar. Pedro e Tina so amigos inseparveis.... At debaixo dgua, e para sempre.

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Atividade 3
Que relaes podemos fazer entre a histria Pedro e Tina e o que estudamos sobre a Teoria Interacionista?

Voc Sabia?
Existem duas correntes tericas no interacionismo: - A Teoria Interacionistaconstrutivista O principal representante o bilogo Jean Piaget (1896-1980). - A Teoria Sciointeracionista ou Sciohistrica ou Sciocultural O principal representante o russo Lev Vygotsky (1896-1934).

A Unidade 2 de Fundamentos da Educao deste mdulo tem como objetivo o estudo mais sistemtico dessas duas correntes. L, nos dedicaremos ao trabalho de Piaget, Vygotsky e outros tericos, bem como compreenso que eles apresentam do desenvolvimento e da construo de conhecimento da criana. Aqui faremos uma abordagem mais geral do estudo desses dois autores. Ressaltaremos alguns aspectos especficos, como o erro construtivo e as noes de equilbrio, assimilao e acomodao elaboradas por Piaget, assim como elementos da teoria scio-histrica de Vygotsky. Tomaremos aqui essas duas correntes separadamente para melhor entendermos suas diferenas e semelhanas. Teoria Interacionistaconstrutivista O estudioso Jean Piaget, tentando entender como a criana aprende, pesquisou como se desenvolve o pensamento humano desde o nascimento da criana at a adolescncia. Com o resultado dessas pesquisas, ele criou a Teoria Interacionistaconstrutivista. Essa teoria explica que o desenvolvimento do pensamento da criana um processo que acontece em estgios. Esclarece que cada estgio importante e necessrio para que a criana alcance o estgio seguinte. Isto quer dizer que a criana no pode pular nenhum estgio: ela precisa viver todos eles para que o aprendizado acontea.

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Importante!
Para Piaget, o desenvolvimento uma construo que se d por etapas, resultando do amadurecimento do sistema nervoso da criana e do contato com o mundo fsico e social. Piaget usou como instrumento para sua pesquisa testes de inteligncia para saber a idade mental de cada indivduo. Olhando mais atentamente para as respostas erradas das crianas, Piaget entendeu que o erro, na realidade, era uma forma de pensar da criana, diferente da forma de pensar do adulto. Ou seja, as respostas infantis seguiam uma lgica prpria. O erro para Piaget algo positivo. Para ele, toda aprendizagem acompanhada de erros e acertos. O erro construtivo conseqncia de uma hiptese levantada para solucionar uma questo. Ao buscar a soluo para um problema, a criana volta, tenta de novo e modifica o que fez at se satisfazer com o resultado. O erro faz parte da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo.

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Importante!
Erro construtivo aquele que mostra que a criana est elaborando uma hiptese, ou seja, que a criana est seguindo suas concepes a respeito da realidade e usando seus prprios procedimentos para testar e experimentar suas hipteses. o resultado do esforo que a criana faz para aprender.

No entanto, importante entender que identificar o erro construtivo no significa que o(a) professor(a) deva ignor-lo, deixando que a criana aprenda sozinha ou tentando impedir que a criana erre. Permitir a identificao do erro construtivo e corrigi-lo, no como uma recriminao, mas de uma forma que a criana possa pensar sobre o erro para suplant-lo. a oportunidade para que, juntos, adultos e crianas discutam as hipteses levantadas em busca da soluo. Quando o(a) professor(a) tenta impedir a todo custo que a criana erre, ele(a) est impedindo que essa criana viva o processo de sucessivas aprendizagens e que construa os instrumentos necessrios ao seu pensar. O importante que o(a) professor(a) passe a olhar o erro de forma diferente, como parte do aprendizado da criana. O erro construtivo demonstra que a criana est usando uma referncia que no a do adulto, isto , ela est usando uma lgica prpria. Para compreender essa lgica, podemos partir da explicao da criana, fazendo perguntas, na tentativa de entender o seu pensamento. Desta forma, juntos podemos refletir sobre o erro e super-lo. Para compreendermos melhor o erro construtivo, vejamos dois exemplos. Exemplo 1 Minha filha, outro dia, definiu a palavra desmatamento, em um texto copiado sobre ecologia, como desmatar, tornar vivo novamente. Sua interpretao apresenta uma certa coerncia, se relacionarmos a palavra desmatar s palavras desarrumar ou despentear, por exemplo, que fazem parte do seu dia-a-dia e apresentam significado de contrrio. A resposta da criana representa um ato inteligente medida em que, desafiada a definir um termo que lhe era desconhecido, buscou o estabelecimento de relaes com outras palavras do seu vocabulrio. O que significa que ela inventou uma definio, criou uma alternativa de soluo de acordo com a lgica de suas vivncias anteriores. HOFFMANN, 1995.

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Como voc pde perceber, este exemplo mostra que a criana, embora tenha errado, cometeu um erro construtivo, porque ela acionou os conhecimentos que j possua para dar a resposta que julgava certa. Exemplo 2 A professora pergunta criana: Voc sabe desenhar uma formiga? A criana responde: Eu sabo.

No dilogo acima, a interpretao feita pela criana tem coerncia se relacionarmos a palavra saber a outras como, por exemplo, comer, beber, dormir quando dizemos eu como, eu bebo, eu durmo. Como no exemplo anterior, a criana usou uma lgica prpria para dar a resposta, ou seja, ela criou uma alternativa para responder de acordo com o que ela j conhecia. Comentrio Quando Piaget, compreendeu o erro como construtivo, ele procurou descobrir quando e como a lgica infantil se transforma em lgica adulta. Assim, ele passou a acreditar que o desenvolvimento um processo contnuo de trocas entre o organismo vivo e o ambiente.

Atividade 4
Voc seria capaz de identificar, em sua prtica, um erro construtivo? Tente descrev-lo e explicar por que voc o considera um erro construtivo. Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo acontece atravs de constantes desequilbrios e equilibraes. A noo de equilbrio/equilibrao a base da teoria de Piaget.

Importante!
Todo ser vivo procura manter um estado de equilbrio, uma harmonia, um estado de repouso na relao com o meio em que vive.

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Qualquer mudana que ocorra no meio provoca no indivduo (no nosso caso, a criana) um desequilbrio, um rompimento do estado de harmonia. A partir da, a criana busca novamente um equilbrio com relao ao meio em que vive. Para se equilibrar novamente, a criana aciona dois mecanismos, os quais Piaget chamou de assimilao e acomodao. A interao entre assimilao e acomodao comum ao longo da vida e est presente em todos os nveis de funcionamento intelectual e comportamental da criana, e, ainda que assimilao e acomodao sejam processos diferentes e opostos, na prtica eles ocorrem ao mesmo tempo. Tomemos um exemplo

Conversa em uma turma de Educao Infantil: Pedro: Eu acho que a minha me mamfera. Marcos: A minha foi, mas no mais. Professora: E por qu? Marcos: Porque agora no tem mais nen em casa. Paula: Ento agora ela desmamfera.
In: Professor da Pr-escola/Fundao Roberto Marinho. Rio de Janeiro: FAE, 1991. v.I. p.20.

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Aps este exemplo, conclumos que: - Assimilao o processo cognitivo de colocar (classificar) novos eventos em esquemas existentes. a incorporao de elementos do meio externo (objeto, acontecimento etc.) a um esquema ou estrutura do sujeito. Na assimilao, o indivduo usa as estruturas que j possui. - Acomodao a modificao de um esquema ou de uma estrutura em funo das particularidades do objeto a ser assimilado. A acomodao pode ser de duas formas, visto que se podem ter duas alternativas: criar um novo esquema no qual se possa encaixar o novo estmulo ou modificar um j existente, de modo que o estmulo possa ser includo nele. Aps ter havido a assimilao, a criana tenta novamente encaixar o estmulo no esquema e a ocorre a acomodao. Por isso, a acomodao no determinada pelo objeto e, sim, pela atividade do sujeito sobre este, para tentar assimil-lo. O balano entre assimilao e acomodao chamado de adaptao. Para Piaget, o sujeito ativo em todas as etapas de sua vida e procura conhecer e compreender o que se passa sua volta. Mas no o faz de forma imediata, pelo simples contato com os objetos. Suas possibilidades, a cada momento, decorrem do que ele denominou esquemas de assimilao, ou seja, esquemas de ao (agitar, sugar, balanar) ou operaes mentais (reunir, separar, classificar, estabelecer relaes), que no deixam de ser aes, mas se realizam no plano mental. Estes esquemas se modificam como resultado do processo de maturao biolgica, experincias, trocas interpessoais e transmisses culturais.

Importante!
O desenvolvimento cognitivo no apenas o resultado de um processo de maturao, nem unicamente um produto das influncias do meio, como defendiam as teorias inatistas e ambientalistas.

A palavra interao significa que a criana tem uma relao ativa com o meio. Biologicamente, a inteligncia adapta-se ao meio pela ao. No entanto, ela aumenta as formas de agir pela construo de novos esquemas mentais.

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Para Piaget, um importante fator que indica a natureza biolgica da inteligncia a existncia de estgios em seu desenvolvimento. O conceito de estgio afirma que o pensamento da criana e o do adulto so qualitativamente diferentes e que o processo de desenvolvimento cognitivo feito por etapas que so caracterizadas por mudanas na forma de raciocnio. O conceito de estgios, ou estruturas cognitivas, voc vai estudar de forma mais detalhada na prxima unidade. Agora vamos conhecer a Teoria Sciointeracionista ou Sciohistrica ou, ainda, Sciocultural. A abordagem scio-interacionista tem como principal representante o russo Lev Vygotsky. Para esta corrente, assim como na teoria de Piaget, o desenvolvimento se apia na idia de interao entre organismo e meio e v a aquisio de conhecimento como um processo construdo pelo indivduo durante toda sua vida, no estando, portanto, pronto ao nascer, nem sendo adquirido passivamente graas a presses do meio. Mas, diferentemente de Piaget, na Teoria Sciointeracionista, o desenvolvimento no ocorre por estgios seqenciados. Para Vygotsky, a construo do conhecimento acontece na interao social entre o indivduo (criana) e o contexto scio-histrico (o meio em que vive e a histria de vida) em que ele se insere. A partir da experincia que estabelece com outras pessoas, a criana desenvolve outro tipo de inteligncia, chamada inteligncia verbal. O exemplo a seguir aponta como o pensamento da criana torna-se mais complexo medida que ela interage com seu meio, ampliando seus recursos de linguagem e de coordenao das suas aes com as de seus parceiros. Exemplo Em um dia de sol, uma turma de crianas de 5 anos tinha brincado no ptio, onde havia um pouco de gua. Como conseqncia, muitas crianas se molharam. Ao regressarem para a sala, a educadora falou a uma das crianas, um garoto que estava mais molhado que os demais: se eu fosse voc, eu saa e ficava l fora (para tomar sol e secar a roupa), ao que o garoto respondeulhe: se voc fosse eu, voc no saa porque voc no deixava (ou seja, se voc-professora fosse eu-aluno, voc-aluno no sairia porque voc-professora no deixaria!). OLIVEIRA, 1992.

A criana, a partir de sua interao num determinado contexto cultural, de sua inter-relao com elementos de seu grupo e de sua prpria participao em pr-

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ticas sociais, vai incorporando as formas de pensar e de agir j consolidadas na experincia dos homens. Para entendermos melhor a concepo scio-interacionista, podemos partir da seguinte pergunta: o que pensar? Poderamos dizer que pensar falar com ns mesmos, conversar com nossos botes, isto , ter um dilogo interior. O ato de pensar est ligado a um tipo diferente de fala, a fala interior ou fala interna. Essa fala interna tem o nome pensamento discursivo. Por exemplo, em sua prtica, muitas vezes, quando voc vai falar com uma criana, voc planeja esta ao em seu pensamento. Antes de falar com a criana, voc pensa na melhor forma de se dirigir a ela para que ela possa entender. Essa maneira interna de dialogar, esse pensar, vai sendo construdo pelas diversas oportunidades que voc teve ao longo de sua vida para dialogar com outras pessoas, na tentativa de coordenar idias argumentos e significaes. Sabemos que a criana desde o nascimento possui uma inteligncia que orienta suas aes no mundo. Essa inteligncia tem caractersticas prprias no recmnascido e vai se modificando ao longo da experincia de vida, principalmente nas interaes com adultos ou parceiros mais experientes que interpretam e atribuem significados s suas expresses, posturas, gestos, sons, tornando-as participantes ativas do mundo simblico da cultura.

Importante!
Para o scio-interacionismo, o desenvolvimento humano visto como realizao coletiva e no individual, pois na interao contnua com outros seres de sua espcie que a criana desenvolve todo um repertrio de habilidades consideradas humanas. Ela passa a participar do mundo simblico do adulto, compartilhando da histria.

Ao valorizar a importncia das trocas sociais, ou seja, da interao entre sujeitos num espao histrico e socialmente determinado, o processo de construo deslocado do conhecimento da ao individual para uma ao coletiva conjunta, cujo valor formativo depender da internalizao das normas culturalmente valorizadas que regem tais situaes.

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Importante!
O sujeito se constri e se desenvolve medida que interage socialmente, apropriando-se e recriando a cultura elaborada pelas geraes que o precederam. O que est em jogo a elaborao do conhecimento coletivo, pois a cultura aparece como elemento constitutivo do desenvolvimento do homem. Sua apropriao resultado de um lento processo de reelaborao pelo indivduo, que constri conhecimentos a partir das relaes que explicam o mundo e gradativamente modifica sua forma de pensar, agir e sentir.

O papel do(a) professor(a) no interacionismo no se restringe a modificaes de comportamento. fundamental a conscincia de que, ao ensinar, transmitese, alm de contedos, um modo de ver o mundo, um jeito de ser, valores individuais e os valores que a sociedade determina.

Seo 2 Como se chega a ser o que a gente ? A criana nasce ou se torna inteligente? Objetivo especfico a ser alcanado nesta seo: - Discutir a interao de fatores genticos e culturais no desenvolvimento infantil e debater por que a viso da criana, como ser submetido s presses do meio cultural, est sendo substituda pelo conhecimento de que ela interage com o seu meio e constri cultura.
Como vimos, conforme a abordagem scio-interacionista, o conhecimento e a inteligncia da criana vo se desenvolvendo passo a passo, como um processo de construo. A criana capta informaes dos meios fsico, social e cultural e motivada a participar ativamente.

Importante!
Nessa abordagem, impossvel falar no desenvolvimento e na inteligncia de uma s pessoa separado de seu contexto social, pois o desenvolvimento humano vai acontecer numa rede de relaes da qual todos participam ativamente, construindo-se e constituindo-se nas interaes que estabelecem uns com ou outros.

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Para entendermos melhor a afirmao acima, pensemos na seguinte pergunta: - O que inteligncia? Segundo o Dicionrio Aurlio, inteligncia a faculdade de compreender; percepo, intelecto. Qualidade ou capacidade de adaptar-se facilmente, maneira de entender ou interpretar. Entretanto, com os diversos estudos sobre o tema, esse conceito foi ampliado. Sabe-se hoje que a inteligncia no passa somente pelo cognitivo, est tambm ligada ao afetivo, ao emocional e ao corporal, resultando das interligaes e uma combinao harmoniosa desses aspectos. a capacidade que o ser humano tem de lidar de uma forma adequada com os desafios da vida utilizando-se de seus movimentos/aes, seu pensamento/raciocnio e suas emoes/sentimentos. Uma outra forma que nos ajuda a entender se a criana nasce ou se torna inteligente seria pensarmos: o que caracteriza o vir a ser gente e tornarse pessoa? O ser humano nico dentre as vrias espcies animais por ser capaz de pensar, criar e narrar sua prpria histria. Enquanto ser histrico, capaz de perceber passado, presente e fazer planos para o futuro. A partir do raciocnio/pensamento e da linguagem, como forma de expresso e comunicao, capaz de interagir com o mundo criando instrumentos que lhe permitem transformar a natureza. Quando o beb nasce, ele extremante dependente de outro ser humano. Sua sobrevivncia e seu acesso ao mundo vo depender dos cuidados e da convivncia que ele ter com outro ser humano mais experiente. Este ir medi-lo de acordo com as expectativas e representaes que tem sobre aquela criana, sobre o seu desenvolvimento e sobre o seu prprio papel em relao a ela.

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Eugnio Svio

Importante!
A vivncia da criana com pessoas mais experientes a ajuda a apreender o mundo de uma forma simblica, da maneira como os mais velhos representam, valorizam ou entendem o mundo.

A maneira como nos tornamos gente marcada pelo mergulho constante que temos num mundo simblico, assinalado por um processo social contnuo de dar e criar sentidos para as coisas. Neste processo de troca constante, vo sendo construdos os conhecimentos, a linguagem, identidades e individualidades das diversas pessoas em interao.

Atividade 5
De acordo com as leituras que voc fez at aqui, por que o ser humano visto como um ser nico, e um ser histrico social? A relao entre fatores genticos e culturais difere o homem dos demais seres vivos, pois este possui uma experincia exclusiva, a experincia histrico-cultural. O desenvolvimento mental da criana se inicia em um mundo humanizado. A criana nasce em meio a um mundo criado e condicionado pelo homem, portanto ela j encontra comida, vesturio e instrumentos, bem como os conceitos e as idias refletidas na linguagem. A sua relao com os elementos naturais, de certa forma, j foi regulada pelo homem. Isto no quer dizer que o desenvolvimento da criana se d pela simples adaptao a este mundo. A criana, na realidade, apropria-se dos objetos e fenmenos humanos, criando para eles seus prprios significados. Voc, em sua prtica, j deve ter presenciado, muitas vezes, as crianas usarem expresses que ouviram dos adultos, para significar o que est acontecendo ao seu redor. A associao e utilizao de termos como esses mostram que na interao com outros membros de sua cultura (pai, me, irmo, professores(as) e outros) que a criana cria seus prprios significados.

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Importante!
Mesmo a constituio fsica do ser humano, que determinada pela carga gentica que ele herdou dos pais e avs, sofre interferncia das significaes que seus parceiros lhe atribuem. Tais significaes e vivncias vo interferir nas aes cotidianas do sujeito como a forma de ele se vestir, se alimentar, adotar posturas e atitudes.

A criana, ao nascer, j encontra a linguagem, que um produto objetivo da atividade das relaes humanas anteriores. Ela apropria-se da linguagem no processo de desenvolvimento porque nela se formam capacidades e funes que so especificamente humanas: capacidade de falar, de ouvir e de articular a linguagem falada. Tais capacidades no so inatas. O que faz com que elas surjam na criana a presena da linguagem no seu ambiente.

Importante!
O processo de apropriao da cultura tem como conseqncia a reproduo pelo indivduo de capacidades e caractersticas humanas de comportamento. A forma como a criana apropria-se da cultura do seu grupo (pessoas com as quais convive) modifica suas caractersticas psicolgicas. Nas atividades da criana ou do adulto, ao mesmo tempo em que ela ou ele se apropria da cultura, tambm a modifica.

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Isto quer dizer que a interao dentre fatores genticos e culturais no desenvolvimento humano se d pela presena de produtos da atividade humana no ambiente da criana e pelas suas caractersticas biolgicas herdadas, que, por sua vez, possibilitam a formao de suas capacidades.

Atividade 6
De acordo com o que voc leu, voc poderia explicar como a criana se apropria da linguagem e dos fenmenos sociais presentes no seu mundo? Desde o nascimento, a criana traz consigo algumas estruturas mentais. medida que ela cresce, a capacidade de desenvolvimento dessas estruturas tambm se desenvolve. Isto porque fatores genticos e culturais interagem. Um no existe primeiro do que o outro, mas todos atuam juntos. Esses fatores so os responsveis pelo desenvolvimento do pensamento, interferindo na aprendizagem e desenvolvimento da criana. Tambm, a emoo tem um papel fundamental no funcionamento da inteligncia. pelo afeto que surgem o interesse e a motivao para resolvermos os problemas da vida. A afetividade uma qualidade essencial na constituio da inteligncia. De acordo com Maturana e Zller (2004): a emoo que define a ao. a emoo a partir da qual se faz ou se recebe um certo fazer que o transforma numa ou noutra ao, ou que o qualifica como um comportamento dessa ou daquela classe. na relao que estabelece com os adultos e outras crianas que a criana vai aprendendo a diferenciar-se. Assim, a personalidade e inteligncia da criana se formaro num processo de relaes e se constituiro dentro de um contexto que lhe estabelece certos limites e possibilidades. Ser num contexto social de relaes concretas que sua singularidade se constituir.

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Atividade 7
No texto anterior, falamos sobre alguns momentos em que a criana, atravs da interao, est sendo inserida na cultura. Descreva uma atividade realizada com a sua turma e que voc considera que atravs dela a criana est construindo conhecimentos sobre o mundo que a cerca.

Seo 3 O desenvolvimento humano como objeto de estudo sistemtico Objetivo especfico a ser alcanado nesta seo: - Apresentar dados histricos da constituio dos estudos sobre o desenvolvimento humano, apontando a contribuio da Psicologia, Sociologia, Antropologia e Medicina na formulao dos novos conceitos e metodologias de investigao.
O desenvolvimento humano tem sido alvo de diversos estudos em distintas reas do conhecimento, como a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia e a Medicina. Vamos, agora, entender como essas quatro reas contriburam para a formulao de novos conceitos e metodologias de investigao. A criana um ser criativo, indivduo social que produz cultura e tem histria

Os estudos originados da Psicologia contriburam para o conhecimento das diferentes reas do desenvolvimento infantil, como voc pde ver nas sees anteriores. Essa contribuio foi mais precisamente nas reas scio-afetiva,

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scio-motora, simblica e cognitiva. As pesquisas da Psicologia produziram conceitos que foram incorporados s diferentes prticas pedaggicas, orientando o(a) professor(a) sobre como a criana aprende e se apropria das formas de pensar e dos conhecimentos existentes na sociedade. Vamos ver como? Do ponto de vista scio-afetivo - Viver e conviver num mundo social construtivamente, descobrindo sua identidade de forma positiva, interagindo, valorizando suas possibilidades de ao, aceitando e entendendo as diferenas sociais e tnicas.

Voc pode identificar esses aspectos em sua prtica quando, entre outras coisas: 1. Prope trabalhos em grupo para que as crianas possam conviver com as diferenas existentes. 2. Valoriza as produes das crianas, criando nelas uma auto-imagem positiva. 3. Realiza atividades com as crianas, incorporando dados e relaes, propondo desafios e perguntas. Do ponto de vista scio-motor - Expanso dos movimentos exploratrios do espao e do corpo, os quais contribuem para o desenvolvimento de noes espaciais e temporais, dentre outras, bem como para a criana conhecer as possibilidades de seu prprio corpo.

Tambm esses aspectos podem ser identificados em sua prtica quando, dentre outras coisas, voc: 1. Prope atividades grfico plsticas e rotineiras com objetivos determinados, como desenhar uma histria, fazer um jogo, construir um boneco, brincar com areia e gua. 2. Realiza com as crianas atividades cotidianas de locomoo, higiene e alimentao de uma forma ldica e no mecnica.

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Do ponto de vista simblico e cognitivo - A linguagem como forma fundamental e bsica no processo socializante. - pela ao que a criana observa e relaciona os objetos do mundo fsico, conhece e constri as noes e os conceitos e desenvolve o pensamento.

Na sua prtica, esses aspectos poderiam ser identificados quando voc, dentre outras coisas: 1. Valoriza as conversas infantis, conta e permite que as crianas contem histrias e se expressem atravs da msica, dana, desenhos, faz-de-conta etc. 2. Amplia sua capacidade de representao, proporcionando-lhe uma base slida para o seu processo de construo da linguagem escrita, com o uso de diferentes textos, como livros, jornais, revistas, lbuns etc., e lhes possibilita o uso das diversas linguagens como corporal e artstica (desenho, pintura, construo de objetos e brinquedos).

Importante!
O social atua sobre todos ns, mas o organismo faz a sua parte com uma dinmica prpria, ajudando na interao ativa com esse mundo externo. Isso significa dizer que a criana um sujeito ativo que usa esquemas mentais apropriados a cada etapa evolutiva. Os seres humanos so sociais e socializados A Sociologia tambm contribuiu de forma significativa, principalmente, no que diz respeito ao reconhecimento da criana como ser social, indivduo que vive em sociedade, a criana cidad. Como vimos nas sees anteriores, nascemos dependentes de outras pessoas, somos socializados por elas, e por meio desta socializao que aprendemos os costumes da sociedade e nos tornamos seus membros. Quando nos relacionamos com os outros, eles se tornam influncias importantes sobre o que fazemos. Assim, somos atores sociais em todas as situaes.

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Importante!
A interao (ao social mtua) socializa-nos e influencia nossas aes e idias e, ao longo do tempo, influencia o desenvolvimento de padres sociais que formam a base da organizao social.

Toda organizao social possui cultura. A cultura tambm um padro social. So as idias, os valores, as crenas, os objetivos e as normas que as pessoas compartilham quando interagem. Assim, nossas aes, como vimos, so influenciadas pela cultura que a nossa sociedade nos ensina, e, muitas vezes, o que aparece como livre escolha, pode revelar-se como produto da cultura em que vivemos. Vamos pensar em como isso ocorre na prtica? Quando interagimos com as crianas, interferimos em seus conflitos, orientando, por exemplo, quando duas crianas querem o mesmo brinquedo. Alm de disciplinar as relaes entre elas, tambm estamos transmitindo uma forma de ver o mundo, uma forma de se relacionar na qual acreditamos. Crianas e professores(as) so diferentes e tm especificidades Os estudos da Antropologia tambm contriburam para o reconhecimento de que as crianas e os(as) professores(as) so diferentes. Na medida em que reconhece a cultura e a diversidade social no que se refere histria de vida, regio geogrfica, classe social, etnia e gnero, a Antropologia muda o pensamento sobre a educao e as metodologias de investigao.

Importante!
Os estudos antropolgicos levam em conta as classes sociais de onde vm as crianas, seus momentos de desenvolvimento psicolgico, hbitos, costumes e valores de suas famlias e tambm os hbitos, costumes e valores daqueles que cuidam da escola (cada instituio de Educao Infantil, em especial). Isso significa saber reconhecer as diferentes culturas e classes sociais da comunidade escolar como um todo.

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Sade movimento As contribuies da Medicina sobre desenvolvimento infantil dizem respeito busca do equilbrio fsico, mental e social, bem como relao do indivduo com seu meio ambiente. O sculo passado comeou com avanos decisivos sobre o conhecimento da mente humana. Foi durante o sculo XX que os mdicos passaram a receber noes de Medicina Social e, desta maneira, passaram a ter informaes sobre a importncia da preveno das doenas. Passou-se a observar o comportamento social das pessoas, o que serviu de base para a criao de polticas de sade pblica baseadas na trade: sade, doena e comportamento social. Os cuidados com a higiene influenciaram a diminuio das infeces e conseqentemente a mortalidade infantil, que, por centenas de anos, era altssima. A morte das crianas era considerada uma coisa natural. Somente h 200 anos surgiu a Pediatria e, com ela, a preocupao com a sade infantil. O controle das doenas infecciosas e contagiosas contribuiu muito para a diminuio da mortalidade infantil.

Importante!
Os estudos da Medicina contriburam para a promoo de aes de higiene, preveno de doenas e de acidentes e a realizao de atividades que buscam o crescimento e o desenvolvimento da criana em sua totalidade.

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Comentrio As contribuies do estudo da Psicologia, Sociologia, Antropologia e Medicina tm possibilitado a compreenso do desenvolvimento infantil e influenciado de forma significativa as aes e prticas de professores(as) que atuam com a criana pequena. O avano dessas diversas reas do conhecimento tem contribudo para muitas transformaes no modo de se compreender a infncia, a criana e o desenvolvimento. No entanto, deve-se levar em conta que as teorias cientficas so produzidas e difundidas a partir de certas condies polticas, econmicas e culturais e que, portanto, so passveis de transformaes.

Atividade 8
Em que aspectos a Psicologia, Sociologia, Antropologia e Medicina, contriburam para que as crianas fossem reconhecidas como seres sociais produtores de cultura?

PARA RELEMBRAR
Teorias do desenvolvimento Prezado(a) professor(a), traremos aqui alguns tpicos importantes para relembrarmos: - Inatismo: valoriza somente os fatores genticos e hereditrios. - Ambientalismo: valoriza somente o ambiente e no leva em conta o raciocnio, os desejos e a imaginao. - Interacionismo: diferente do inatismo e do ambientalismo, valoriza a interao do homem com o meio ambiente. - Erro construtivo: o reconhecimento por parte do(a) professor(a) de que a lgica da criana diferente da lgica do adulto. - Assimilao: o processo de incorporao dos desafios e informaes do meio aos esquemas mentais existentes.

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- Acomodao: o processo de criao ou mudana de esquemas mentais em conseqncia da necessidade de assimilar os desafios ou informaes do meio. - Inteligncia: pode ser definida como a capacidade que o ser humano tem de lidar de uma forma adequada com os desafios da vida, sendo o resultado de uma combinao harmoniosa de aspectos como o afetivo, o emocional e o corporal. Qualidade ou capacidade de adaptar-se facilmente; maneira de entender ou interpretar. - A criana um ser social: porque, ao nascer, j se encontra inserida numa classe social, num grupo cultural, numa comunidade lingstica, e isto ser determinante no seu processo de desenvolvimento e na constituio de suas peculiaridades psquicas e de comportamento. ABRINDO NOSSOS HORIZONTES Diferenas e semelhanas entre o pensamento de Piaget e de Vygotsky Para Piaget, entre os fatores externos e internos, o que mais importa a maturao biolgica, porque ele acredita que o desenvolvimento segue uma seqncia fixa universal invariante. Vygotsky rejeita essa viso universal de desenvolvimento, defendendo que o desenvolvimento pode variar de acordo com o ambiente social em que a criana vive. Para Piaget, a criana percebe o real de forma espontnea (do individual para o social). Partindo de sua viso particular, vai, ao longo dos estgios de desenvolvimento, progressivamente, tornado-se socializada (do individual para o social). Diferentemente de Piaget, Vygotsky v a criana como um ser que j nasce num mundo social e ao longo de seu desenvolvimento vai percebendo o real a partir da interao com adultos e crianas mais experientes (ou seja, do social para o individual). Para Piaget, o desenvolvimento mais importante do que a aprendizagem, portanto ele valoriza menos o papel da interao social. J Vygotsky, acredita que aprendizagem e desenvolvimento andam juntos e se influenciam de forma mtua.

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A relao entre pensamento e linguagem tambm vista de forma diferente entre Piaget e Vygotsky. Para Piaget, a linguagem vem para expressar o pensamento, que segundo ele, se forma antes da linguagem. O pensamento, para Piaget, no depende da linguagem, mas da coordenao dos esquemas sensrio-motores. J para Vygotsky esta relao acontece de forma interdependente, ou seja, a linguagem depende do pensamento e vice-versa, desde o comeo da vida da criana. A linguagem organiza o pensamento da criana, dando-lhe possibilidade de imaginar, planejar sua ao e usar a memria. Ainda segundo Vygotsky, a criana, com a colaborao de adultos e de crianas mais experientes, num espao de interao e de interlocuo, pode, ao participar das atividades partilhadas, apresentar comportamentos e habilidades que no seria capaz de manifestar sozinha, sem o auxlio do outro. Os mecanismos biolgicos operam durante um curto espao de tempo. Porm, eles so substitudos rapidamente atravs de influncias sociais. importante ter em mente, durante a sua prtica, que cada criana um ser nico, com a sua prpria histria, vivncias e experincias. Algum que tem uma histria de vida que ser a base para o seu aprendizado. Assim, a Educao Infantil deve priorizar um ambiente que valorize a cultura, a arte e o ldico. Vamos todos brincar!

Orientaes para a prtica pedaggica

Por isso, importante em nossa prtica estarmos atentos(as) quanto a:

Atividades propor criana observar os fatos cuidadosamente, em especial quando estes so contrrios aos previstos por ela. Perguntar, interpretar e registrar atravs de outras linguagens, como o desenho e o movimento, por exemplo. Ambiente propiciar atividades espontneas, compostas por materiais diversos, que propiciem contato com diferentes texturas, como areia, barro, gua, farinhas etc. Curiosidade estimular a pesquisa com os materiais, fazer perguntas, desencadear problemas ou ajudar a criana a encontrar solues. Estimular a fantasia, a imaginao, atravs da literatura infantil, dramatizaes,

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msica, dana, fantasias, filmes e poesias com versos e rimas que explorem a sonoridade das palavras. Tudo isso com muito prazer e alegria.

Grupos proporcionar s crianas atividades com seus pares, coordenadas ou no pelo(a) professor(a), de preferncia sem a interferncia direta dele(a), de modo que possam, entre si, brincar, falar, discutir e resolver problemas prticos. Para que elas possam reconstruir suas aes no plano da representao, descentrarem-se de seu prprio ponto de vista ou de sua ao, enfrentar o julgamento e aceitar a cooperao do grupo. Comunicao permitir que a criana no somente realize as aes, mas tambm que fale delas, que as narre e descreva em palavras e outras formas de expresso, como mmicas, desenhos e pinturas, para outras crianas e adultos.

GLOSSRIO
Cognitivo: conhecimento, percepo, raciocnio. Estgios: cada uma das sucessivas etapas nas quais se realiza determinado trabalho. Maturao: amadurecimento. Inato: que nasce com o indivduo. Singularidade: tudo que nico, particular e individual de cada pessoa. Sujeito: o indivduo real, que portador de determinaes e que capaz de propor objetivos e praticar aes. Todas as pessoas.

SUGESTES PARA LEITURA


Referenciais curriculares para a Educao Infantil. Ministrio da Educao e do Desporto, Secretaria de Educao Fundamental Braslia: MEC/SEF, 1998. DE LA TALLE, Yves; OLIVEIRA, Marta K. de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon Teorias Psicogenticas em discusso. So Paulo: Summus, 1992. ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde et al. Os Fazeres na educao infantil. So Paulo: Cortez, 2000.

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Referncias bibliogrficas
BEE, Hllen. A criana em desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Mdicas,1996. CHARON, Joel M. Sociologia. So Paulo: Saraiva, 2002. GALEANO, Eduardo. O livro dos abraos. Porto Alegre: L&PM, 2003. HOFFMANN, Jussara. Avaliao - Mito & Desafio: uma perspectiva construtivista. 17. ed. Porto Alegre, RS: Educao e Realidade, 1995. KING, Stephen Michael. Pedro e Tina (uma amizade muito especial). So Paulo: Brinque-Book, 1999. KRAIDY, Carmem; KARCHER, Gldis. Educao infantil pra que te quero? Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. LURIA, LEONTIEV, VYGOTSKY et al. Bases psicolgicas da aprendizagem e do desenvolvimento. So Paulo: Moraes, 1991. MATURANA, Humberto; ZLLER, Gerda V. Amar e Brincar: fundamentos esquecidos do humano. So Paulo: Palas Athena, 2004. OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo scio-histrico. So Paulo: Scipione, 1993. p. 20-72. OLIVEIRA, Zilma de Moraes et al. Creches: criana faz de conta & cia. PetrpolisRJ: Vozes, 1992. PEREIRA, Mary S. C. A descoberta da criana: introduo educao infantil. Rio de Janeiro: WAK, 2002. ROSSETTE-FERREIRA, Maria Clotilde et al. Os Fazeres na educao infantil. So Paulo: Cortez, 2000. VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. So Paulo: cone, 2001.

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ORGANIZAO DO TRABALHO PEDAGGICO


como estudar a criana e suas interaoes sociais
A criana feita de cem. A criana tem cem mos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar para compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criana tem cem linguagens (e depois cem cem cem...).
Loris Malaguzzi1

1 MALAGUZZI, Loris. In: EDWARDS, Carolyn. GANDINI, Lella. FORMAN, George. As cem linguagens da criana: a abordagem de Reggio Emilia na educao da primeira infncia. Porto Alegre: ArtMed, 1999. p.1.

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ABRINDO NOSSO DILOGO Caro(a) professor(a), Nas duas primeiras unidades de Fundamentos da Educao deste mdulo, nos dedicamos ao estudo de algumas teorias. Na Unidade 1, foram apresentadas as correntes inatista, ambientalista e interacionista sobre o desenvolvimento da criana. Na Unidade 2, sero abordados os trabalhos de Piaget, Vygotsk, Wallon, Varela e Maturana, principais representantes do interacionismo. Diante do que vimos na Unidade 1, que implicaes essas teorias apresentam para a prtica? Como elas podem contribuir para a construo de um espao rico em aprendizagens na Educao Infantil? Todas as teorias abordadas apontam para o valor das interaes sociais na construo do conhecimento. Para os diferentes autores, a criana, para se desenvolver, precisa necessariamente de parceiros sociais. Esse ser o ponto central de nossa discusso aqui em OTP. Ao longo da unidade, veremos como essas vrias interaes so consideradas pelo senso comum e como tm sido tratadas por diferentes reas da Psicologia. Ainda, sero planejadas atividades de observao e registro de comportamentos infantis, no sentido de se estudar a criana e suas interaes. O objetivo ajudar voc a aprimorar suas observaes sobre as crianas e propiciar um ambiente de crescimento e aperfeioamento mtuo, j que no s a criana, mas ns mesmos, professores(as), somos modificados pelas relaes estabelecidas. DEFININDO NOSSO PONTO DE CHEGADA Nesta unidade, propomos a voc os seguintes objetivos: 1. Conhecer diferentes concepes do senso comum e do meio cientfico sobre desenvolvimento humano e interaes das crianas. 2. Observar e registrar comportamentos infantis em processos interativos. 3. Analisar processos interativos adulto-criana e criana-criana. CONSTRUINDO NOSSA APRENDIZAGEM Para trabalharmos as questes relacionadas s crianas e suas interaes, no sentido de promover diversificadas interaes e brincadeiras infantis no cotidiano da Educao Infantil, organizamos essa unidade em trs sees:

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Seo 1

O conhecimento do senso comum e o conhecimento cientfico sobre o homem e seu desenvolvimento. A observao e o registro de comportamentos infantis. Anlise de interaes adulto-criana e criana-criana.

Seo 2 Seo 3

Cada uma dessas sees recuperar conceitos apresentados em Fundamentos da Educao e buscar trabalhar com situaes que entendemos fazerem parte do cotidiano do seu trabalho enquanto professor(a). Atravs de situaes do seu dia-a-dia, buscaremos refletir sobre as noes a respeito das crianas e suas interaes, e veremos como observar e registrar os comportamentos infantis e como interpretar os processos interativos e a construo das relaes. Esperamos oferecer alguns dos elementos necessrios para pensar sobre suas aes e posturas com relao a essas questes.

Seo 1 O conhecimento do senso comum e o conhecimento cientfico sobre o homem e seu desenvolvimento Objetivo especfico a ser alcanado nesta seo: - Refletir e discutir sobre concepes de desenvolvimento e interao de crianas, as quais acabam por ter fortes repercusses na prtica pedaggica.

Atividade 1
Para iniciar nosso mergulho na questo da interao de crianas, vamos retomar uma atividade iniciada na primeira seo da Unidade 1 de FE. Nossa proposta que voc pense e escreva falas que possam ser tiradas do seu cotidiano, de saberes populares, ditados e orientaes cientficas/pedaggicas sobre: a) O que ser criana? b) Como a criana se desenvolve? c) Do que ela precisa para o desenvolvimento? Agora, escolha uma ou duas frases e comente em seu caderno as concepes que cada uma delas carrega e quais caminhos estas concepes apontam ao()

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professor(a) na sua prtica educativa. Feito isso, rena-se em um grupo de duas/trs pessoas de seu trabalho, apresente suas idias, oua as idias dos(as) colegas e discuta com eles(as) as vrias questes encontradas. Leve para seu encontro quinzenal um resumo das idias que surgiram. De forma semelhante ao exerccio anterior, escolha trs das seis frases abaixo e comente: - Beb s come e dorme! - Criana, hoje em dia, nasce mais inteligente! - A criana como uma semente que os adultos devem fazer brotar e crescer! - A criana se desenvolve atravs de etapas sucessivas, cabendo ao adulto o papel de organizar o ambiente e verificar quando a criana est pronta para dar os prximos passos. - A criana como uma massa de modelar que pais e educadores moldam. - Para aprender, a criana tem que ser ativa, fazer escolhas, brincar e aprender a ser autnoma.

O que voc pode verificar que em nossa sociedade circulam muitos conceitos sobre desenvolvimento, vindos tanto da experincia popular como de noes religiosas, da Filosofia e da Psicologia. A construo de diferentes conceitos sobre o mesmo tema j foi foco de nosso estudo no PROINFANTIL.

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Na Unidade 1 do Mdulo I, nossa questo era os diferentes conceitos e significados da Educao Infantil para a criana, a famlia, a comunidade, o pas. Voc se lembra? Assim como o conceito de Educao Infantil, o conceito de desenvolvimento humano est relacionado a diferentes e at mesmo contraditrias formas de compreender, lidar e se relacionar com a criana. Uma forma de se entender essas diferentes concepes pens-las como funcionando enquanto lentes como diferentes tipos de lentes ou espelhos que modificam a forma do modelo que est diante dele (e que engordam, emagrecem ou distorcem sua forma). Cada uma dessas lentes propicia um modo de olhar especfico a um mesmo tema, sendo que essas lentes, de certa forma, marcam nossa prtica enquanto educadores(as). Mais do que isso, importante perceber que, imersos na sociedade, cada um de ns carrega diferentes lentes, com variadas vises e valores ligados s crianas, infncia e ao desenvolvimento. Essa diversidade que ns mesmos carregamos impe muitas vezes contradies e tenso na nossa prpria prtica pedaggica. Da, o que fazer? Como lidar com essa diversidade, se ela nos coloca em situaes de divergncia na nossa prpria atuao junto s crianas? Como voc ver tambm nas outras unidades deste mdulo, de modo geral, os pesquisadores tm trabalhado mais com um enfoque do desenvolvimento biolgico ou cultural, inatista ou ambientalista. Aqueles que construram suas teorias considerando mais o aspecto biolgico geralmente apontam para o desenvolvimento atravs de fases determinadas, que seguem os mesmos estgios subseqentes e graduais, com a emergncia de novas estruturas e funes durante o curso do desenvolvimento. Outros pesquisadores consideram como central o papel do ambiente. No entanto, vale mencionar que, apesar do foco em um dos plos (biolgico ou cultural), cada um considera de alguma maneira o outro plo (cultural ou biolgico) como participante do processo. Independentemente das idias, cada uma das concepes aponta para uma maior ou menor importncia das interaes com a criana e das crianas entre si. Ainda, essas interaes indicam, de forma diferenciada, qual o parceiro a ser privilegiado, o tipo de atuao etc. Cada vez mais, no entanto, o desenvolvimento tem sido pensado a partir da noo de que o ser humano biologicamente cultural, em que pessoa e ambiente so mutuamente determinados. Buscar uma prtica que considere o

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ser humano nesse sentido requer uma reflexo constante e um planejamento que vise contribuir para promoo de interaes entre as crianas; alm da compreenso de que desde os primeiros meses de vida as crianas so participantes nos processos de construo das relaes, do desenvolvimento e do meio, devendo-se valoriz-las e reconhec-las como parceiros ativos. Vejamos a situao observada em uma creche: Brincando no ptio Dois meninos de dois anos brincavam no ptio da creche em um brinquedo grande de plstico em forma de castelo. No brinquedo havia uma escada que dava acesso a um plat onde havia um escorregador. Um dos meninos se encontrava no plat e o outro estava apoiado na escada, tentando subir. O menino que estava no alto chamou: Vem, sobe. Ao que o outro respondeu: Eu no sei. O menino insistiu: Sobe.

O menino que estava embaixo pediu ajuda para a professora. Ela se aproximou e estimulou a criana, atravs da fala, a superar o obstculo da subida. Com a ajuda da professora e o estmulo do amigo, ele consegue subir. Aps o encontro dentro do castelo, os dois meninos escorregam e voltam imediatamente para a escada para subir novamente. A cena se repete: Vem, sobe. Eu no sei. Mas voc j subiu, voc sabe sim! O menino vai ento refazendo o caminho anterior, pondo a mo, equilibrando e apoiando o corpo at chegar a um ponto onde alcana a outra criana, que lhe estende a mo e o ajuda.

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Atividade 2
Considerando o que estudamos na Unidade 1 de FE sobre as Teorias Inatista, Ambientalista e Interacionista, o que podemos pensar sobre essa cena? A criana adquiriu conhecimento? Como? Qual foi o papel da professora? E da criana mais experiente? Escolha um dos autores e faa uma relao entre a cena e a teoria apresentada. No s as interaes que realizamos na escola so responsveis por nossa formao. Desde que nascemos, estamos envolvidos com diferentes grupos sociais. A famlia o primeiro grupo ao qual somos submetidos, os vnculos estabelecidos com essas pessoas so extremamente importantes na construo da identidade da criana. Sobre as famlias, devemos considerar que no existe um modelo nico ou at mesmo ideal de organizao familiar. O que importa o cuidado, o carinho e a ateno que so destinados s crianas. Nesse sentido, todas as escolhas e organizaes realizadas entre as pessoas devem ser respeitadas.

O papel do grupo nas aprendizagens individuais ser nosso tema na Unidade 4 do Mdulo II de FE, com o ttulo As crianas e seus parceiros descobrem o mundo. L teremos uma seo em que discutiremos o conceito de desenvolvimento humano como tarefa conjunta e recproca e sobre a importncia da construo de vnculos no desenvolvimento infantil. Aqui, nosso foco as interaes no interior das turmas de Educao Infantil.

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Atividade 3
Vamos fazer um exerccio? Quando voc se lembra da sua primeira escola, qual a imagem que vem sua cabea? Voc consegue se lembrar de alguma criana desse tempo? O que faziam juntas? Ao longo desse mdulo, temos como proposta a construo de um livro de memria. Inicie o livro com essas recordaes, voc poder ilustr-lo com desenhos, pinturas, fotografias, recortes de jornais e revistas ou outros elementos que lhe ajudem a compor a sua memria da infncia. Caso voc goste de seu resultado, poder inclu-lo no seu portiflio, elegendo esse trabalho como um dos instrumentos de sua avaliao. A escola tem um importante papel na socializao das crianas. Por ser um espao institucional, possui uma organizao que requer a freqncia das crianas. Na escola, a criana ter que conviver com outras crianas e adultos por um perodo de tempo predeterminado, ter que exercitar a tolerncia, a espera, o respeito, bem como dever aprender a negociar seus desejos. A escola um espao de socializao por excelncia. Nela, a criana far parte de um grupo. Para muitos, esse o nico local de encontro com outras crianas. Para melhor explicitarmos o valor das interaes no cotidiano escolar, vamos retomar alguns conceitos apresentados na Unidade 1 e que sero aprofundados na Unidade 2 de FE. Em sua teoria, Piaget afirma que o processo de conhecimento tem incio com o desequilbrio entre o sujeito e a sua realidade. So apresentados problemas ou desafios para o sujeito, gerando um desequilbrio. Este desequilbrio leva o sujeito a agir com o propsito de restabelecer o equilbrio. na mudana de estruturas, que ocorre quando a criana busca esse equilbrio, que reside a construo do conhecimento. O desequilbrio pode ser gerado por um objeto ou pela interao com outras pessoas. Os(as) professores(as) fazem isso de forma mais intencional, quando propem problemas para as crianas solucionarem, como, por exemplo, perguntar turma que estratgias podem ser utilizadas para pegar um brinquedo que est fora do alcance do grupo. Ou como realizar divises de modo que todos tenham a mesma quantidade de objetos. Mas as crianas em interao tambm proporcionam esse desequilbrio, como vimos em Brincando no ptio. Na teoria do desenvolvimento humano proposta por Vygotsky muito importante o papel do outro, seja esse outro uma criana ou um adulto. De acordo com o autor, quando buscamos avaliar o desenvolvimento de uma criana pelo que ela j capaz de resolver sozinha, acabamos por ter uma idia distorcida de suas reais capacidades, pois, certamente, ela poder fazer muito

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mais coisas se tiver o auxlio de um adulto ou de companheiros mais capazes, da o conceito de zona de desenvolvimento proximal, proposto pelo autor. Estudaremos melhor esse tema na Unidade 2. Por ora, vale a pena dizer que, de acordo com Vygotsky, a imitao tem um papel crucial no desenvolvimento. A criana s consegue imitar aquilo que est no que o autor chama zona de desenvolvimento proximal. Isto quer dizer que o que ela imita hoje, amanh ir tornar-se algo prprio dela. A imitao que funciona como impulso para o desenvolvimento particular diferente da cpia mecnica que os adultos algumas vezes solicitam que as crianas faam. Neste caso, geralmente no se observa o que est na zona de desenvolvimento proximal da criana, o que ela mesma busca imitar e copiar como parte de seu processo de construo de significados. Mas h informaes que os adultos julgam ser importantes e que so submetidas s crianas em forma de cpia mecnica, sem sentido para a criana (cpia das letras, do modelo do desenho adulto etc.)

Vejamos esses dois desenhos que foram elaborados por crianas de uma turma de Educao Infantil com idades entre 3 anos e 1 ms a 4 anos e 8 meses. A proposta, embora fosse de desenho livre, foi realizada pela criana como uma cpia. Ao observar o efeito causado pelos traos do companheiro, a criana modificou sua ao na busca por aproximar-se do resultado obtido pelo outro.

O ser humano social. Cada sujeito humano se torna o que , constitui sua identidade e seu conhecimento, nos relacionamentos sociais. Somos sujeito a partir do outro, pela mediao do outro, ou seja, a partir da linguagem. Para ilustrarmos essa teoria, trouxemos uma situao observada em uma turma de crianas de 5 anos.

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Corda A atividade se iniciou com a professora propondo diferentes brincadeiras com cordas. Seu objetivo era que as crianas exercitassem o corpo, se relacionassem em grupo e desenvolvessem relaes espao-temporal. Inicialmente, foram realizadas as brincadeiras: cabo-de-guerra, cobrinha, aumenta-aumenta e zerinho. Depois, veio o desafio: pular corda no ritmo de ladainhas. A ladainha apresentada foi: Um homem bateu em minha porta e eu abri. Senhoras e senhores, ponham a mo no cho. Senhoras e senhores, pulem num p s. Senhoras e senhores, dem uma rodadinha e v para o olho da rua. Algumas crianas conseguiram com mais facilidade e comearam a buscar alternativas para ajudar os amigos. A primeira estratgia utilizada foi tentarem pular a corda juntos. No deu muito resultado. Ento, uma das crianas, que j possua a habilidade, se ofereceu para ficar fora do jogo, pulando, sem corda, ao lado de uma criana que no havia conseguido, at que essa conseguisse pegar o pulso e o ritmo da brincadeira. Com a continuidade desse exerccio, todas as crianas superaram o obstculo. Professor(a), todos os autores do um papel de destaque para as interaes como forma de produ o de conhecimento, construo da identidade e participao na cultura. Para Piaget, o outro pode ser o responsvel por um desequilbrio que transforma o sujeito. Segundo Vygotsky, ao realizar tarefas conjuntas, acionamos recursos para depois realiz-las sozinhos. Wallon prope que construmos nossa identidade no social, alertando para o valor da afetividade nesse processo. As teorias falam sobre o papel do outro nas aprendizagens individuais, mas um ponto que merece ateno a qualidade das interaes. As crianas no aprendem somente na escola. Em casa, na pracinha e nos diferentes grupos sociais, as crianas esto aprendendo, assim como os adultos. Qual , ento, a diferena entre as aprendizagens realizadas fora da escola e as que ocorrem em seu interior?

Pulando corda, Cenas Infantis. Sandra Guinle

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Para responder a essa questo, vamos voltar situao da corda? No caso apresentado, as crianas foram as principais mediadoras da aprendizagem dos colegas, mas existia uma professora na cena. Essa professora, como descrito, tinha seus objetivos, tinha a inteno de proporcionar encontros e aprendizagens entre as crianas. Havia um planejamento, e os materiais e o espao foram preparados para execut-lo. Embora as crianas estivessem no centro da cena, existia um adulto ao lado, favorecendo e mediando a situao. A intencionalidade educativa na instituio de Educao Infantil deve assumir um carter de premeditao planejamento prvio, acompanhamento e avaliao que vai muito alm daqueles encontrados na famlia ou em outras instncias educativas. O sucesso da interao que vai medir a eficincia da instituio, visto ter sido criada com a finalidade de formalizar o processo educativo. MACHADO, Maria Lucia. In: Oliveira, Zilma de. Educao Infantil: muitos olhares. So Paulo: Cortez, 2001. p. 39.

Vamos agora cena Brincando no ptio. Nesse caso, a atuao da professora parece ainda mais visvel. A criana, inicialmente, se dirige a ela, pedindo ajuda. A professora a orienta com palavras e, em vez de levant-la ou coloc-la em cima para escorregar, estimula a interao entre as crianas. A intencionalidade educativa presente nas interaes adulto/criana, parceiros mais/menos experientes, explica-se, sobretudo, quando o adulto responsvel assume o compromisso de levar ao xito os propsitos aos quais a interao se destina, especialmente quando se trata de interaes pedaggicas, ou seja, daquelas que justificam a existncia de espaos institucionais. MACHADO, Maria Lucia. In: Oliveira, Zilma de. Educao infantil: muitos olhares. So Paulo: Cortez, 2001. p. 39.

Seo 2 A observao e o registro de comportamentos infantis Objetivo a ser alcanado nesta seo: - Planejar e desenvolver a observao de processos interativos de crianas em ambientes de Educao Infantil.

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Professor(a), na seo anterior, vimos que a diferena das interaes que as crianas estabelecem na escola est no carter educacional dessas instituies. Vimos tambm a importncia do planejamento prvio, do acompanhamento e da avaliao para alcanarmos os objetivos aos quais essas interaes se propem. Um de nossos objetivos no PROINFANTIL que voc tenha suportes para pensar a sua prtica e que, com o estudo, encontre caminhos que lhe auxiliem a fazer da sua sala de aula um espao rico em trocas, interaes e aprendizagem para as crianas e para voc. Por isso, temos trazido aspectos da teoria, exemplos da prtica e elementos da cultura. possvel que voc se reconhea em algumas das cenas descritas, afinal, estamos falando de educao e, mesmo o que no vivemos com as crianas, podemos ter vivido ao longo da nossa trajetria de alunos. Foi nesse sentido que elaboramos as duas ltimas sees dessa unidade. Nossa proposta que possamos analisar a nossa prtica, com base na teoria que estudamos at aqui. Muitas vezes essa tarefa no fcil. O espao que nos envolve dinmico e somos tomados por questes que no dizem respeito somente ao trabalho direto com as crianas. Por isso, trazemos esse exerccio. Nessa seo, iremos construir um caminho para observarmos uma sala de aula e as interaes que l acontecem.

Atividade 4
Observando as crianas no ambiente da creche ou pr-escola Para esse trabalho, vamos precisar, antes de mais nada, de material para fazer a observao. O jeito mais fcil de se estudar as interaes atravs da observao direta. Para isso, voc vai precisar de papel e caneta e olhos/ouvidos muito atentos. Vamos ao exerccio, que dever ser realizado em trs dias diferentes: 1. Em um primeiro dia, para aguar o olhar sobre os processos interativos que acontecem dentro do ambiente, importante conhecer o espao em que as interaes se do. Assim, escolha um local onde voc e as crianas permanecem em atividade (sala de atividades, parque, refeitrio ou outro). Depois, descreva o local em que a observao acontecer. Feito isso, faa um desenho do espao descrito. Lembre-se de colocar nesse registro o mximo de detalhes que voc conseguir (mveis e objetos e sua distribuio, portas, janelas etc.). como uma planta do local a ser observado. O trecho de uma descrio, apresentado a seguir, poder ajud-lo(a) nessa sua tarefa. Primeiro, apresentamos a descrio de um espao que foi organizado para

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o atendimento de crianas de 0-18 meses de vida, de uma creche universitria. A seguir, h o desenho da planta desse ambiente. De acordo com esta descrio: - Entra-se no espao a partir da porta P0, ligada ao ptio interno da creche. O primeiro cmodo, o refeitrio, uma pequena sala de 5,8 x 3 m, que se encontra ligada a um lactrio. No refeitrio, encontram-se seis cadeires e duas mesinhas, onde as crianas fazem as refeies. Ao lado da P0, h a P1, um pequeno porto vazado de um metro de altura, que d passagem sala de atividades. Pela sua estrutura vazada, esse porto permite contato da criana com as pessoas que se encontram no refeitrio. - A sala de atividades ampla, medindo 7,7 x 6 m. Ela foi organizada de modo a conter diferentes ambientes. Descrevendo essa sala, em sentido horrio, temos um grande colcho plstico no cho, encostado parede, sendo que nele esto dispostas vrias almofadas, onde as crianas costumam descansar, mamar ou brincar. Junto a ele, preso parede, h um espelho com cerca de 0,6 x 1 m. Em seguida, encontramos duas caixas de madeira. A primeira serve de banqueta para as mes e educadoras, quando elas amamentam as crianas ao colo. A segunda mais alta e serve como anteparo para a colocao de mamadeiras (suco, leite etc.). - Em seguida, h duas outras caixas, abertas em um dos lados, cujas dimenses possibilitam a entrada das crianas em seu interior. Em uma delas, h um grande espelho preso sua parede posterior. - Entre essas duas ltimas caixas, h uma segunda porta (denominada P2) que leva ao dormitrio (6 x 5,8 m) (e assim por diante). A planta desse espao encontra-se abaixo:

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Agora, descreva o espao que voc ir observar e desenhe sua planta. Tendo desenvolvido esse conhecimento do ambiente, de sua estrutura, seus cantos e organizaes, vamos planejar as observaes das interaes que acontecem com as crianas. Como geralmente h muitas crianas, preciso escolher uma para ser observada. Assim, escolha ou sorteie uma delas. Lembre-se de que, apesar de estarmos selecionando uma criana, essa seleo no tem como funo enfocar o seu olhar s nela. Essa criana somente o piv para observar as mltiplas interaes que ela estabelece com outras crianas e com os(as) professores(as). Se, por algum acaso, no dia da observao essa criana no estiver presente na creche, no perca a organizao de sua atividade: selecione ou sorteie uma outra criana. 2. Num segundo dia, encontre um local nesse espao para voc fazer a observao das interaes a partir da criana selecionada. Esse deve ser um lugar onde voc consiga ver e acompanhar as atividades das crianas sem, no entanto, chamar demais a ateno delas ou atrapalhar as atividades das mesmas. Posicione-se no canto escolhido e registre no papel o que a criana selecionada faz. Um tempo razovel para o desenvolvimento dessa atividade de meia hora. Para essa tarefa de observao, vo a alguns passos importantes: a) Faa uma descrio da criana selecionada: idade, tamanho, habilidades, presena ou ausncia de deficincias etc. Ainda, escreva h quanto tempo ela est na creche ou pr-escola. Verifique se ela est doente ou tendo problemas em casa, pois essas ou outras coisas podem fazer com que a criana estabelea menos ou mais interaes ou, at mesmo, privilegie particularmente um(a) ou outro(a) colega. b) Ainda nesse segundo dia, observe como essa criana costuma se relacionar e se comunicar com os outros, sejam esses outros os adultos ou as crianas. Nesse sentido, observe e anote mais abaixo alguns aspectos que voc entende que sejam mais caractersticos dessa criana: Ela fala? Se no fala, como ela faz para chamar a ateno do outro? Chora? Balbucia? Grita? Outro modo? Qual? Se fala, suas frases so curtas, formadas por uma ou duas palavras? Ou, ela j faz frases inteiras, articuladas? Ela consegue se diferenciar

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dos outros, referindo-se a si prpria como eu ou refere-se a si prpria como ele(a)? Ela usa a fala para pedir algo mais objetivo, concreto, relativo a alguma necessidade? Ou, atravs da fala, j cria mundos do faz-de-conta? Uma coisa importante a no se esquecer que as pessoas (particularmente as crianas) no falam somente atravs da palavra. Muita coisa dita atravs do corpo, do olhar, da expresso do rosto, da postura. Assim, para entender como se do as relaes dessa criana com os outros, verifique como ela pede, diz e expressa desejos e intenes aos seus parceiros. Assim, observe e anote: - os olhares da criana e a expressividade facial com relao s outras crianas e aos adultos; - suas posturas corporais e os movimentos da mo; - outras formas de comunicao: oferece ou retira um objeto, bate, aconchega-se ao lado ou bem perto do outro etc.; - veja se h a presena de imitao da criana na relao com as outras ou com o adulto; - diga, ainda, de que forma as habilidades motoras da criana esto ajudando ou atrapalhando suas interaes. Tambm, se h limitaes motoras que acabam facilitando ou dificultando seus propsitos de interagir com outras crianas ou com o meio. 3. Finalmente, no terceiro dia, observe diferentes interaes da criana. Porm, para entender muitos dos comportamentos delas, preciso verificar como as atividades foram programadas. Isto , veja como as orientaes dos(as) professores(as) com relao s crianas foram dadas: se os(as) professores(as) se colocam como principal referncia ou se destacam as outras crianas como parceiros, ou, ainda, nenhum dos dois; quais as atividades promovidas e como essas atividades contribuem ou dificultam as interaes das crianas entre si ou com os(as) professores(as). Essas orientaes representam importantes mediadores do comportamento da criana. Aps a observao, descreva em seu caderno como a atividade foi organizada e como foram dadas as orientaes.

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Feito isso, observe atentamente o comportamento da criana e anote, descrevendo detalhadamente, o que acontece. Para essa descrio, contemple os aspectos que foram trabalhados acima e nos outros dois dias, descrevendo: - A criana brinca com objetos? Quais? Como? Relate quais os(as) colegas, a seqncia das atividades, o tema eleito etc. - Privilegia o adulto? Brinca com outras crianas? Tem um(a) colega preferencial? Se sim, veja como estabelecem as interaes. - Estabelecem algum jogo? Quais os recursos comunicativos? Veja tambm quais os recursos que ela usa quando no deseja mais manter uma interao, ou, ao contrrio, quando deseja ardentemente continuar brincando com o outro. - Se a criana estiver sozinha, tente ver se o comportamento dela no est sendo regulado pelas aes de outra criana que esteja localizada mais distante. - Acompanhe o movimento das crianas no ambiente, verificando se o comportamento dela faz parte do movimento do conjunto ou se mais individualizado. Para isso, voc precisa olhar como se se afastasse de sua criana focal para ver o conjunto, o movimento geral das crianas. - Cada criana tem habilidades que nem sempre so semelhantes, havendo uma ou outra capacidade mais ou menos desenvolvida. Se a criana observada tem alguma particularidade, veja como ela faz para ser parte desse mundo e interagir nele. Quais so os recursos dos quais ela se utiliza? Ainda alguns lembretes importantes: 1. Se voc parte da idia de que o comportamento constitudo nas relaes com o outro dentro do ambiente, no deixe de observar e registrar qual a ao/reao dos outros ao comportamento da criana observada. 2. Passeie regularmente seus olhos pelo ambiente, pois nem tudo que regula o comportamento da criana est situado no espao imediato a ela. s vezes, por exemplo, ela pode tomar o comportamento de outra criana ou mesmo do(a) professor(a) como base ou modelo, mesmo que eles se encontrem fisicamente bem distantes dela. 3. No d sua tarefa por encerrada no momento em que a criana se afasta

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daquele com quem interagia. Muitas vezes, passado um perodo, h a retomada da interao com o mesmo objeto ou a mesma criana/adulto. Assim, deixe-se ficar por mais algum tempo. Se esse tipo de situao ocorrer, descreva como evoluram as relaes da criana com os outros e os desdobramentos da situao, aps a interrupo e a sua retomada. Se ocorreu a retomada, descreva a situao observada: - possvel relacionar algum aspecto da sua observao com as teorias apresentadas na unidade? - O que voc sentiu ao observar uma outra turma, um outro grupo, a atuao de um(a) outro(a) professor(a)? - Essa observao te chamou ateno para algum fator que envolva a sua sala de aula? - Leve o registro de sua observao e suas anotaes para o encontro quinzenal e discuta com o seu tutor essa experincia.

Seo 3 Anlise de interaes adulto-criana e criana-criana Objetivo a ser alcanado nesta seo: - Refletir sobre os mltiplos significados das interaes das crianas em ambientes coletivos e reconhecer como o(a) professor(a) compreende e promove tais interaes na sua prtica pedaggica.
importante lembrar que o papel do(a) professor(a) de crianas de 0-6 anos na instituio de Educao Infantil relativamente novo. E que ainda existe um pensamento de que deveria ser a me a estar ali com a criana (especialmente das bem pequenas), interagindo com ela e promovendo interaes. Porm, contemporaneamente, com diferentes condies socioeconmicas e culturais, com a mulher mais freqentemente participando do mercado de trabalho e precisando compartilhar com algum ou alguma instituio os cuidados de seus filhos (alm da divulgao de pesquisas em diferentes campos das cincias sociais, trazendo contribuies ao estudo da criana pequena e das interaes e relaes que essa trava), algumas modificaes nas formas de compreender os processos de desenvolvimento da criana em seus primeiros anos de vida tm ocorrido, apontando diferentes parceiros de interao como relevantes ao seu desenvolvimento. De qualquer forma, em funo das teorias j construdas, muitas vezes, pelo lugar de destaque atribudo me na nossa sociedade, a professora pode tentar assumir um papel de me substituta. Esse papel no cabe professo-

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ra, pois no conseguiremos nunca assumir o lugar de me da criana. E, se tentarmos, deixaremos de assumir um outro papel aquele condizente com o contexto da Educao Infantil. Nesse sentido, tem sido visto, estudado e discutido que outras pessoas podem vir a ser referncias importantes para a criana, particularmente as pequenas. Assim, um cuidado de qualidade realizado com a criana por outra pessoa, que no a me, pode ser tambm bastante benfico ao seu desenvolvimento. Por essa valorizao do papel do adulto no dia-a-dia da Educao Infantil, muitos destacam a professora como a parceira central da criana. Mas, como dito antes, as interaes das crianas entre si (mesmo entre bebs) no s so possveis, como representam uma forma muito importante de desenvolvimento das crianas. Criana no s disputa, mas tambm compartilha objetos e significados que vo sendo (re)construdos nas suas relaes. Vejamos um registro elaborado por Madalena Freire publicado no livro A paixo de conhecer o mundo: Eu sou menino, voc menina No fim do primeiro semestre, exatamente no ltimo dia de aula, surgiu de modo embrionrio a formao de dois subgrupos, meninos e meninas. Numa atividade de barro, os meninos se agruparam para a construo de uma pista e as meninas para a construo de um castelo. Observei que daquele momento em diante algo iria mudar na dinmica do grupo. Na verdade, aquele estava sendo o primeiro momento em que meninos e meninas se agrupavam na construo e elaborao de algo em comum.

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Atividade 5
Nossa proposta que, assim como Madalena Freire, voc faa um registro de sua prtica. Para isso, voc pode recuperar alguns passos realizados na atividade anterior. Esse exerccio poder lhe ajudar a pensar sobre como voc interage com as crianas e, ainda, se e como promove as interaes das crianas entre si. Nosso objetivo que, a partir de uma observao sistemtica registrada, voc tenha maiores oportunidades para refletir sobre a sua prtica. Para isso, selecione um dia da semana para voc prestar ateno no modo como conduz as interaes. Preste ateno em seu comportamento. Preste ateno tambm em seu comportamento em relao ao comportamento das crianas e dos(as) outros(as) professores(as) dentro da instituio em que voc trabalha. Ao fim do seu perodo de trabalho, faa uma anotao de como as interaes ocorrem, suas dificuldades e seus pontos fortes e fracos, dentre outros aspectos, e leve para o seu encontro quinzenal. Essa poder ser uma rica experincia de troca entre todos do grupo. Quem sabe possvel lanar esse desafio para outros(as) professores(as) da sua prpria escola e debater em pequenos grupos o que cada um observou? Reconhecendo os muitos desafios que envolvem a nossa atuao e a diversidade da dinmica social que nos circula, nosso desejo que, atravs do conhecimento das teorias que envolvem a criana e seu desenvolvimento e interao, voc, professor(a), tenha subsdios para pensar sobre a sua prtica, decidir sobre caminhos e eleger estratgias.

PARA RELEMBRAR
As interaes sociais so fundamentais ao desenvolvimento do ser humano. O modo como as interaes tm sido entendidas varia na nossa sociedade (e mesmo nos meios cientficos). Cada um de ns muitas vezes carrega mltiplas noes, que podem ser contraditrias e resultar em prticas conflitantes. Para se compreender e se ter uma atuao coerente na Educao Infantil, preciso que aprendamos a observar a criana, reconhecendo suas particularidades, sempre associando essa observao ao contexto em que ocorrem e s respostas das pessoas desse contexto ao comportamento das crianas.

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preciso ainda que tenhamos claras nossas prprias idias e concepes que utilizamos na nossa prtica com as crianas, j que somos importantes mediadores de seu desenvolvimento. Se assumirmos a noo de que desenvolvimento um processo biologicamente cultural, entenderemos e atuaremos respeitando tanto a ns como s crianas, como ativos agentes e parceiros nos processos interativos e desenvolvimentais. ABRINDO NOSSOS HORIZONTES

Orientaes para a prtica pedaggica


Pense no trabalho de observao e de realizao das anotaes. Em uma folha parte, coloque comentrios ou reflexes sobre esse processo de observao. Reflita sobre as dificuldades que encontrou na observao, para depois conversar com o seu tutor. Discuta suas observaes e idias com os(as) colegas de turma. Discuta, ainda, com os(as) colegas, se h diferenas tanto para o registro como para a observao das interaes em si, quando se considera: - as diversas idades das crianas; - os tipos de ambientes (sala de atividade, refeitrio, parque, banheiro etc.); - as atividades realizadas (livre, dirigida etc.). No se esquea de acompanhar as interaes superando a tendncia da nossa cultura de priorizao da fala e de nos mantermos, ns adultos, como centro das atenes da criana. Temos que nos afastar de propostas que tomam o adulto (oral, verbal) como o padro de medida da criana. Entre adultos e crianas no existem apenas semelhanas, mas tambm diferenas, as quais traduzem a peculiaridade da condio de ser criana. As crianas, especialmente as pequenas, falam e interagem atravs de vrias outras formas de linguagem. Ao observar uma criana, tente se colocar no lugar dela e imaginar o que que ela estaria procurando saber ou fazer naquele momento, ambiente e interao. Busque, assim, tentar apreender a perspectiva da criana. Mais do que isso, quando observar uma determinada interao, procure

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ver a partir da perspectiva de cada um dos vrios participantes da interao que inclui a sua prpria perspectiva. Veja se consegue entender a posio de cada uma das crianas e/ou do(a) adulto/professor(a) com quem a criana interage. Da, veja pontos de encontros e desencontros, concordncias e discordncias, e busque identificar caminhos possveis de conciliao das diferentes perspectivas.

GLOSSRIO
Mediao: a funo de estabelecer a relao entre dois termos ou situaes. Para a Psicologia Scio-histrica, da qual Vygotsky um dos autores mais conhecidos, a relao entre os seres humanos e o mundo mediada pelos outros seres humanos com os quais convivemos e pela cultura onde estamos inseridos. A linguagem exerce um papel fundamental neste processo de mediao.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
FREIRE, Madalena. A paixo de conhecer o mundo. So Paulo: Paz e Terra, 1983. MACHADO, Maria Lucia. Educao infantil e scio-interacionismo. In: OLIVEIRA, Zilma de. Educao infantil: muitos olhares. So Paulo: Cortez, 2001. MALAGUZZI, Loris. In: EDWARDS, Carolyn. GANDINI, Lella. FORMAN, George. As cem linguagens da criana: a abordagem de Reggio Emilia na educao da primeira infncia. Porto Alegre: ArtMed, 1999. MEIRELES, Ceclia. Uma palmada bem dada. In: MEIRELES, Ceclia. Ou isso ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. ROCHA, Ruth. Teresinha e Gabriela. In: ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histrias. So Paulo: Salamandra, 1999.

SUGESTES PARA LEITURA


MACHADO, Maria Lucia. Educao infantil e scio-interacionismo In: OLIVEIRA, Zilma de. Educao infantil: muitos olhares. So Paulo: Cortez, 2001. OLIVEIRA, Zilma de. A criana e seu desenvolvimento. So Paulo: Cortez, 2000.

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C - AtividadeS integradoraS

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Na Unidade 1 de FE, estudamos as principais concepes sobre o desenvolvimento da criana (correntes Inatista, Ambientalista e Interacionista) e suas implicaes para a prtica dos educadores. Foram tratados tambm aspectos relacionados inteligncia e ao desenvolvimento humano. Na ocasio, duas correntes do interacionismo foram apresentadas. Os trabalhos de Piaget e Vygotsky tiveram destaque. Na unidade de OTP, as sees se dedicaram ao conhecimento do senso comum e o conhecimento cientfico sobre o homem e seu desenvolvimento, a observao e o registro de comportamentos infantis, a anlise de interaes adulto-criana e criana-criana.

Atividade integradora
Nossa proposta para o encontro quinzenal que compartilhemos as observaes realizadas na Atividade 5 de OTP, Observando as crianas no ambiente da creche ou pr-escola. Para melhor aproveitarmos o encontro, sugerimos que: 1. Antes do encontro quinzenal: - Estude os textos selecionados para o encontro. - Faa uma relao com dvidas, dificuldades e comentrios para serem compartilhadas no encontro quinzenal. - Siga os passos propostos para a realizao das observaes. - Registre seus sentimentos da observao de um grupo de crianas que no seja a sua turma e da anlise da sua prtica. 2. No encontro quinzenal: O tutor poder dividir o grupo em trs sub grupos e retomar os passos propostos em OTP. Comecem descrevendo, para o pequeno grupo, o espao observado. Apresentem o desenho da planta baixa e falem sobre alguns aspectos gerais da realidade observada. Quem foi a criana observada? Como essa criana costuma se relacionar e se comunicar com os outros? Faam comentrios sobre a observao e sobre os sentimentos envolvidos na experincia.

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