Cap 7 Erikson Erik Infancia e Sociedade P 227 253

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CariruLo 7 Oito Idades do Homem 1. OONFIANGA BASICA VERSUS DESCONFIANGA BASICA PRIMERA demonstracéo de confianca social da crianca ziauens Ea facia de sue slimentago, a profundez So Sa sone 6-2 olaracio de seus intestinos. A experiéncia a uma mitua de suas capacidades progressiva- gpente. mais receptivas com as técnicas maternas de dar ali- mento ajuda gradualmente a crianca a compensar o descon- forto causado pela imaturidade da homeostase com que nas- ceu. Em suas horas de‘vigilia, que gradualmente aumentam, descobre que novas e novas aventuras dos sentidos estimulam uma sensagéo de familiaridade, de coincidéncia com um sen- timento de bondade interior. As formas de conforto e as pes- soas a elas associadas se tornam téo familiares como 0 corro- sivé mal-estar intestinal. A primeira realizacaio social da erianga, entéo, 6 sua voluntaria disposigéo em deixar a miie dé Tado sem demasiada ansiedade ou raiva, por ela se ter con- ‘ido em uma certeza interior, assim tomo em uma predi- zibilidade exterior. Essa persisténcia, continuidade e unifor- mitiudé da experiéncia proporcionam um sentimento rudi- mentar de identidade do ego que depende, assim o ereio, do reconhecimento de que hé uma populag&o interna de sensa- gGes e infagens lembradas e antecipadas que estéo firmemente correlacionadas com a populacio exterior das coisas e. pessoas L familiares e prediz{veis. . , onyat que aqui chamamos confianga (“trust”) coincide com 0 que Therese Benedek denominou confianga (“confidence”). Se prefiro aquela palavra é porque vejo nela mais ingenui- dade e mutualidade. Pode-se dizer que uma crianga tem con- fianga (“trust”), enquanto seria ir Jonge demais afirmar que ela tem seguranga (“confidence”). Além disso, o estado ge- 228 O DesENVoLvIMENTO Do Eco val de confianga implica néo #6 que um individuo aprendeu a confiar na uniformidade e continuidade dos provedores ex- ternos, mas também que pode confiar em si mesmo e na eapa- cidade de seus é6rgios para enfrentar os desejos urgentes; e que & capaz de se considerar suficientemente digno de con- ga Para que os provedores nfo precisem ficar em guarda com receio de uma mordida. .A gustagio ea experimentago constante da relac&o entre © interno e o externo tém sua prova crucial durante as raivas da idade de morder, quando os dentes causam dor vinda de dentro e os amigos externos se revelam initeis ou nao per- mitem a fnica ago que poderia proporcionar algum alfvio: morder. Nao se suponha, entretanto, que o ‘ascimento dos dentes, por si 86, cause todas as terriveis conseqiiéncias que as vezes se Ihe atribuem. Como j& foi mencionado, a crianga se vé agora impelida a “tomar” mais, porém tende a achar que as presencas desejadas se esquivam: o mamilo e o seio, @ a atengio e 0 cuidado concentrados da mie. O aparecimento dos dentes parece ter uma significagio prototipica e com ra- “io pode ser o modelo da tendéncia masoquista a assegurar um bem-estar cruel, através do gozo da prépria dor sempre que se sentir incapaz de evitar uma perda significativa. Em psicopatologia, a auséncia da confianga bfsica pode ser melhor estudada na esquizofrenia infantil, enquanto a Permanente fraqueza subjacente dessa confianga 6 evidente nas personalidades adultas em que 6 habitual um retraimento dentro de estados esquiz6ides e depressivos. Foi demonstrado que, em tais casos, o restabelecimento de um estado de con- fianga 6 0 requisito bésico para a terapia, Porque, quaisquer que tenham sido as circunstancias determinantes de um co- Japso psicético, a excentricidade e o grau de retraimento da conduta de muitos individuos gravemente doentes ocultam uma tentative de recuperar a mutualidade, testando as linhas fronteirigas entre os sentidos e a realidade fisica, entre as Palavras e os significados sociais. A psicanflise supde que o processo de diferenciagéo na primeira fase da vida infantil entre o interno e o externo é' a origem da projegéo e_da-introjegio, que permanecem como dois de nossos mais profundos e perigosos mecanismos de ~ defesa. Na introjegio, sentimos e atuamos como se uma bon- dade exterior se tivesse transformado em uma certeza interior. Na projegio, experimentamos um dano interno como externo: atribuimos as pessoas significativas um mal que na realidade’ existe em nés. Supée-se, entéo, que eases dois mecanismos, Orro Ipapes po HomEM 229 & projegio e a introjegiio, esto modelados segundo o que se Passa nas criangas quando elas tém vontade de externalizar @ dor e internalizar o prazer, intento que deve ceder ao teste- munho dos sentidos em maturagio e, finalmente, da raziio. Na idade adulta, esses mecanismos se restabelecem mais ou menos naturalmente nas crises agudas de amor, de confianga e de £6, e podem caracterizar atitudes irracionais para com os adversérios e os inimigos no conjunto dos individuos “ma- duros”. O firme estabelecimento de padroes duraveis para a solu- g&o do conflito nuclear da confianga basica versus a descon- fianga bésica, na simples existéncia, é a primeira tarefa do ego e, portanto, antes de tudo, uma tarefa para o cuidado materno. Mas, basta dizer aqui que a soma de confianga deri- vada das primeiras experiéncias infantis nao parece depender de quantidades absolutas de alimento ou de demonstragées de amor, mas antes da qualidade da relacio materna. As mies eriam em seus filhos um sentimento de confianga por meio daquele tipo. de tratamento que em sua qualidade combina © cuidado sensivel das necessidades individuais da crianga eum firme sentimento de fidedignidade pessoal dentro do arcabougo do estilo de vida de sua cultura, Isso cria na crian- $a @ basépara um sentimento de identidade que mais tarde combinaré um sentimento de ser, “aceitdvel”, de ser ela mes- ma, e de se converter no que os demais confiam que chegaré a ser.- Portanto (dentro de certos limites previamente defi- nidos como os “deve” do cuidado infantil), hé poucas frus- tragdes nesta ou nas etapas seguintes que a erianga em cres- cimento nao possa suportar, contanto que a frustragio con- duza & experiéncia sempre renovada de uma maior uniformi- dade e de uma continuidade mais acentuada do desenvolvi- mento no sentido de uma integragio final do ciclo de vida individual com uma mais ampla pertencividade significativa. Os pais néo se devem limitar a métodos fixos de orientar por meio da proibi¢éo e da permissio; devem também ser eapazes de afirmar & crianga uma conviccaio profunda, quase somftica, de que tudo o que fazem tem um significado. Enfim, as eriangas néo ficam neuréticas por causa das-frustragdes, mas da falta ou da perda de significado social nessas frustragées. Entretanto, mesmo nas mais favoraveis cireunstancias, essa etapa parece introduzir na vida psiquica (e se tornar o pro- tétipo de) um sentimento de divisio interior e nostalgia uni- versal por um paraiso perdido. & em oposicio a essa pode- Tosa combinagio de um sentimento de ter sido despojado, de a 230 © DesENvoLvIMENTO Do Eco ter sido dividido, de ter sida abandonado, que é necess4rio conservar a confianga basica por toda a vida. Cada etapa e crise sucessivas tém uma relagio especial com um dos elementos bisicos da sociedade, e isso pela sim- ples razio de que o ciclo da vida humana e as instituigdes do homem tém evoluido juntos. Neste capitulo, podemos fazer pouco mais que mencionar, depois da deserigéio de cada etapa, que elemento basico da organizacio social com ela se relaciona. Essa relagio 6 dupla: 0 homem traz para essas instituigdes os residuos de sua mentalidade infantil e de seu fervor juvenil, e recebe delas, desde que consigam conservar sua realidade, um reforgo para suas aquisicées infantis. A £6 dos pais que sustenta a confianga que emerge no recém-nascido tem procurado ao longo de toda a histéria sua salvaguarda institucional (e, 8s vezes, encontrou seu maior inimigo) na. religiéo: organizada. A confianga nascida do euidado 6, de fato, a pedra de toque da realidade de uma determinada religiéo. Todas as religides tém em comum uma periédica rendicéo infantil ao provedor ou provedores que dispensam felicidade terrena ‘assim como satide espiritual; alguma demonstragaéo da pequenez do homem através de uma atitude submissa e gestos humildes; a confissio na prece e no céntico de mAs agées, maus pensamentos e més intengées; uma fervorosa siplica de unificagéo interna, mercé da orien- tagdo divina; e, finalmente, a compreensdo de que a confianga individual deve-se tornar uma fé comum, a desconfianga indi- vidual um pecado publicamente formulado, enquanto a rege- neragio do individuo deve ser parte da pratica ritual de muitos e uma manifestacio de fidelidade 4 comunidade.* Mostramos de que modo as tribos que tratam como um s6 segmento da natureza desenvolvem uma magia coletiva que parece considerar os Provedores Sobrenaturais do alimento @ da prosperidade como se estivessem furiosos e fosse necess4- rio apazigué-los rezando e se submetendo & autotortura. As religides primitivas, a camada mais primitiva de todas as reli- gides e a camada religiosa de cada individuo sublimam esfor- gos de expiacio que tentam compensar vagas ages praticadas contra uma matriz materna e restabelecer a f6 na virtude dos préprios esforcos e na generosidade dos poderes do universo. +" uate 60 aspecto comunal 0 psicossocial da religiéo. Sua relagko muitas vezes paradoxal com a espiritualidade do homem néo 6 um tema gue ee Powe tratar sucinta © superficialmente (ver Young Man Luther). . H. BE) Orro Ipaprs po Home 231 Cada sociedade e cada idade devem encontrar sua forma institucionalizada de veneragéo que deriva vitalidade de sua imagem do mundo, da predestinagio A indeterminagéo. O elinico 86 pode observar que muitos se orgulham de nao ter religiéo mas que seus filhos nfo séo capazes de viver sem ela. Por outro lado, hé muitos que parecem derivar uma £6 vital da ago social ou da atividade cientffica. E, ainda mais, mui- tos h& que professam uma fé, mas na prética insuflam a des- confianga na vida e no homem. 2, AUTONOMIA VERSUS VERGONHA E DOVIDA Ao deserever o crescimento e as crises da pessoa humana como uma série de atitudes bfsicas alternativas, tais como confianga versus desconfianca, recorremos a expressio “sen- timento de”, embora como um “sentimento de safide” ou um “sentimento de estar doente”, tais “sentimentos” penetrem a superficie e a profundidade, a consciéncia e o inconsciente. Sao portanto, ao mesmo tempo, meios de experimentar aces- siveis & introspecco; modos de proceder observaveis por ou- tros; e estados interiores inconscientes, determinéveis por tes- te e anélise. & importante nao esquecer essas trés dimensdes, daqui em diante. A manutengio muscular prepara a fase da experimen- tagdio com duas ordens de modalidades sociais: agarrar e sol- tar. Como acontece com todas essas modalidades, seus confli- tos bésicos podem levar afinal a expectativas e atitudes hos- tis ou favoréveis, Assim, agarrar pode vir a significar uma retengio ou repressio destrutiva e cruel, e pode-se tornar um padrao de cuidado: ter e conservar. Do mesmo modo, soltar poder& consistir em uma libertagio hostil de forgas destruti- vas ou entéo em um moderado “deixar passar” e “deixar acontecer”. Portanto, o controle externo nesta etapa deve ser firme- mente trangiiilizador. A crianga deve chegar a sentir que a £6 bésica na existéncia, que 6 0 tesouro perdurfvel salvo das raivas da etapa oral, nao estaré em perigo causado por sua mudanga de atitude, esse repentino desejo de escolher o que quiser, de se apoderar exigentemente e de eliminar obstina- damente. A firmeza deve protegé-la contra a anarquia poten- cial de seu sentido de discriminacéo-ainda nfo exercitado e sua incapacidade de agarrar e soltar com discrigéo. A me- dida que seu meio ambiente # encoraja a “parar sobre seus Préprios pés”, também deve protegé-la contra as inexpressi- ee! _ _ i 232 O DESENVOLVIMENTO DO Eco vas e arbitrérias experiéncias de envergonhamento e de dt- vida precoce. Este fltimo perigo é o que melhor conhecemos, porque se nfo se permitir a experiéncia gradual e bem orientada da autonomia da livre escolha (ou se a experiéncia se enfraque- cer por uma perda inicial de confianga), a crianga voltard contra si mesma todo seu anseio de discriminar e manipular. Manipular-se-4 a si prépria, desenvolveré uma consciéncia precoce. Em vez de se apoderar das coisas para experimen- té-las de modo intencionalmente repetitivo, deixar-se-A obse- dar por sua prépria repetitividade. Por forga dessa obsessi- vidade, naturalmente, depois aprende a reapossar-se do meio ambiente e a adquirir maior poder mediante um controle te- naz e minucioso, em que n&éo poderia encontrar uma regula- Go méitua em larga escala. Esta falsa vitéria é 0 modelo in- fantil para uma neurose compulsiva. Também é a fonte infan- til de tentativas posteriores na vida adulta para governar ao pé da letra e nao com o espirito. — A vergonha 6 uma emogio insuficientemente estudada, Porque em nossa civilizagio ela 6 muito cedo e facilmente absorvida pela culpa. A vergonha pressupde que o individuo se sente completamente exposto e que esté ciente de que o esto olhando: em uma palavra, é autoconsciente. Sabe-se que 6 visivel mas n&o esté preparado para isso; por essa razio 6 que em nossa fantasia a vergonha é como uma situagio em que nos sentimos fixamente observados, quando ainda nao completamente vestidos ou com as roupas de dormir ou “com as caleas arriadas”. A vergonha se manifesta logo por um impulso de esconder o rosto ou de, no mesmo instante e lugar, afundar no chiéo. Mas creio que isso 6 essencialmente raiva voltada contra si mesmo. Quem se sente envergonhado gos- taria de obrigar o mundo a néo vé-lo, a nao notar sua nudez. Gostaria de destruir os olhos do mundo. Como isso nfo 6 pos- sivel, vé-se forgado a desejar sua prépria invisibilidade. Essa potencialidade 6 abundantemente usada no método educativo do “envergonhamento” que é empregado de modo tao exclu- sivo por alguns povos primitivos. A vergonha visual precede a culpa auditiva, que 6 um sentimento de maldade, experi- mentado solitariamente e quando tudo esté em siléncio —- menos a voz do superego. Esse envergonhamento lora um sentimento erescente de pequenez, que se pode dSenvolver quando a crianca é capaz de se pér de pé e A medida que sua percepcao lhe permita notar as medidas relativas das dimen- sdes e do poder. Orro IpapEs po HomEm 233 Envergonhar demais nfo conduz a uma verdadeira reti- dio, mas a uma secreta determinagaio de fazer tudo que se quer, impunemente, sem ser visto, quando nao dé em resul- tado uma desafiante falta de vergonha. Ha uma impressio- nante balada norte-americana na qual um assassino, na imi- néncia de ser enforcado & vista de toda a comunidade, em vez de se: sentir justamente castigado, acusa violentamente os espectadores concluindo cada expressio de desprezo com as palavras: “Que Deus amaldigoe teus olhos.” Muitas crian- gas pequenas, forgadas a se envergonhar além da capacidade de tolerancia, podem ficar em um estado de dnimo crénico (ainda que nao de posse da coragem ou das palavras) que as leve a expressar desafio em termos semelhantes\ O que que- To dizer com essa sinistra referéncia € que h4 um\limite para a tolerincia de uma crianga ou de um adulto que! ouse desa- fiar as exigéncias de se considerar a si mesmo, seu corpo 6 seus desejos como maus e sujos, e para sua fé6 na infali- bilidade daqueles que impdem esse castigo. Ela pode tender a inverter-as coisas, a considerar um mal s6 0 fato de que tais pessoas éxistam: sua oportunidade chegaré quando elas we forem, ou quando se afastar delas. A davida 6 irm& da vergonha. Enquanto a vergonha 6 dependente do sentimento de ser honesto e desprotegido, a dfivida, segundo a obser'yaciio clinica me faz crer, tem muito que ver com a consciéncia de que se tem frente e costas — e principalmente um “atrés”. Pois esta drea trazeira do corpo, com seu foco agressivo e libidinal nos esfincteres e nas nAde- gas, n&io pode ser vista pela crianca, mas pode ser dominada pela vontade dos outros. O “atraés” & o continente obscuro do pequeno ser, uma 4rea do corpo que pode ser magicamente dominada e efetivamente invadida por aqueles que possam atacar o proprio poder de autonomia e considerar maus aque- Jes produtos que a crianga sentiu que sio bons ao expulsé-los. ‘Mate sentimento basico de diavida a respeito do que ficou atrés eria um substrato de formas ulteriores e mais verbais de divi- da compulsiva; esta tem sua expressio adulta em temores parandéicos concernentes a perseguidores ocultos e persegui- qBes secretas que ameacam de trés (ou de dentro do detras). Esta etapa, portanto, passa a ser decisiva para a propor- @&o de amor e 6dio, cooperagio e voluntariedade, liberdade deiauté-expressio e sua supressio. De um sentimento de auto- ‘controle sem perda da auto-estima resulta um sentimento cons- tante de boa vontade.e orgulho; de um sentimento de perda 234 O DESENVOLVIMENTO DO Eao do autocontrole e de supercontrule exterior resulta uma pro- pensio duradoura para a dtvida e a vergonha. Se a algum leitor parecer exagerado, em seus diversos aspectos, 0 que disse a respeito de nossas potencialidades “negativas”, 6 necessfrio lembrar-Ihe que tudo isso nio & fruto apenas de uma preocupacéo com os dados clinicos. Os adultos, inclusive os aparentemente maduros e néo-neuréticos, mostram-se muito sensiveis 4 possibilidade de um vergonhoso “deserédito” e a um temor de ser atacadés “pelas costas”, o que no s6 é altamente irracional e esté em contradigio com © conhecimento que thes é acessivel, mas também pode ser de decisiva importancia se os citados sentimentos tém influén- cia, por exemplo, sobre as politicas inter-racial e interna- cional. Temos relacionado a confianga basica com a instituigao da religiio. A necessidade constante do individuo de ver sua vontade reafirmada e delineada dentro de uma ‘ordem de coisas adulta, que ao mesmo tempo reafirme e delineie a von- tade dos outros, tem uma salvaguarda institucional no prin- cipio da lei e da ordem. Na vida didria, assim como nas altas cortes de justiga, nacionais e internacionais, esse princfpio atribui a cada um seus privilégios e limitagdes, suas obriga- goes e direitos. Um sentido de dignidade legitima e de inde- pendéncia legal da parte dos adultos que a rodeiam propicia @ crianga de boa vontade uma confiante expectativa de que © tipo de autonomia cultivado na infancia nao conduziré a uma ditvida ou vergonha excessiva na vida ulterior. Assim, o sentimento de autonomia promovido na infancia € modificado & medida que a vida progride favoreea a preservagio na vida econémica ¢ politica de um sentimento de justica, e 6 favorecido por ele, 3. INICIATIVA VERSUS CULPA “a Ha em toda crianga, em cada etapa, um novo milagre de desabrochamento vigoroso que constitui uma nova espe- yanga e uma nova responsabilidade para todos. Esse 6 0 sen- } tido e a qualidade intrinseca da iniciativa. Os critérios para. todos esses sentidos e qualidades sio os mesmos: uma crise mais ou menos povoada por hesitacdes e temores se desfaz Porque a crianga parece subitamente “se fundir”, pessoa e corpo. Mostra-se “mais ela mesma”, mais terna, desimpedida, e mais arguta em seu raciocinio, mais estimulada e estimu- lante, Esté em plena posse de um excedente de energia que Orro.Ipapzs po Homes 235 Ihe permite esquecer rapidamente os fracassos e se avizinhar do que parece desejével (ainda que’ também pareca incerto e até perigoso) com um enderego invaridvel e mais preciso. A iniciativa soma & autonomia a capacidade de empreender,, de planejar e de “atacar” uma tarefa pelo gosto de ser ativo e de estar em movimento, enquanto anteriormente a obstina- go muito freqiientemente inspirava atos de rebeldia ou pelo menos de independéncia declarada. Sei que para muitos a palavra “iniciativa” tem uma cono- tac&o norte-americanla e industrial. Todavia, a iniciativa 6 uma componente necesséria de todo ato e o homem precisa de espfrito de iniciativa para tudo o que aprende e faz, desde colher frutas até Grganizar uma empresa, A etapa ambulatéria e a da genitalidade infantil adicio- nam ao inventdrio das modalidades sociais basicas a de “con- quistar”, primeiro no sentido de “estar no jogo”. Nao ha palavra mais simples, mais expressiva, para isso; ela sugere Prazer no ataque e na conquista. No menino, a énfase per- manece nos modos félico-intrusivos; na menina, recai nos mo- dos de “armar o lago”, nas formas mais agressivas de arreba- tar ou na mais moderada de se fazer atrativa e cativante. O perigo dessa etapa 6 um sentimento de culpa relacio- nado com os objetivos visados e os atos iniciados no préprio gvzo exuberante do novo poder locomotor e mental: atos de manipulagio e coacéo agressivas qué logo ultrapassam a capa- cidade executiva do organismo e da mente e, portanto, obri- gam & uma contengio enérgica da iniciativa planejada. En- quanto a (autonomia \se concentra em manter A distincia os Tivais potenciais e, portanto, pode conduzir a uma raiva cheia de inveja geralmente dirigida contra a intromissio dos irmios mais mogos, a. iniciativa’ comporta uma rivalidade antecipada com os que chegaram primeiro, e que podem, por isso, com seu melhor equipamento, ocupar a 4rea para a qual a prépria iniciativa esté dirigida. A inveja e a rivalidade infantis, aquelas tentativas amarguradas e nfo obstante essencialmenta fiteis de demarcar uma esfera de privilégio incontroverso, agora a um climax, em uma competigéo final por uma Rosicio privilegiada com relagéo & mie; o fracasso habitual leva & resignac&o, ao sentimento de culpa e A ansiedade. A erianga se entrega a fantasias de ser um gigante e um tigre, mas seus sonhos foge apavorada para salvar a prépria vida. Esta 6, entdo, a etapa do “eomplexo de castrago”, 0 temor intensificado de perceber os genitais, agora fortemente 236 O DEsENVoLVIMENTO Do Eao erotizados, danificados como castigo pelas fantasias associa- das com sua excitagio. A sexualidade infantil e o tabu do incesto, o eomplexo de castragio e 0 superego, unem-se aqui para causar aquela crise especificamente humana durante a qual a crianca deve renunciar a uma ligagio exclusiva, pré-genital, com seus pais, para iniciar o lento processo de se. tornar um genitor, um Portador da tradic&o. Ocorre neste momento a mais sinistra cisio e transformagio na central energética emocional, uma cisio entre a gléria humana potencial e a destruig&o total do Potencial, pois aqui a crianca se divide para sempre interior- mente. Os fragmentos instintivos que antes haviam acele- rado o desenvolvimento de seu corpo e de sua mente infantis agora se dividem em uma série infantil, que perpetua a exu- beraneia dos potenciais do desenvolvimento, e uma série pa- terna e materna, que sustenta e incrementa a auto-observa- ¢&o, a auto-orientacio e a autopuni 1, mais uma vez, o problema da regulacgao mitua. Quan- do a erianga, téo disposta agora a se supermanipular, pode desenvolver gradualmente um senso de responsabilidade mo- ral, quando pode adquirir certa compreensio das institui- g6es, fungées e papéis que permitem sua participacio respon- sdvel, encontraré uma realizagdo prazerosa no manejo de fer- Tamentas e armas, na manipulagéo de brinquedos significa- tivos — e em cuidar das criancas menores. Naturalmente, a série relativa aos pais 6 a prinefpio de natureza infantil: o fato de que a consciéncia humana perma- nega parcialmente infantil durante toda a vida 6 a esséncia da tragédia humana, pois o superego da erianga pode ser Primitivo, cruel e inflexivel, como observado nos casos em que as criangas se supercontrolam e se superconstringem até © limite da auto-obliteracio, nos casos em que manifestam uma superobediéncia mais literal que a que o genitor havia pretendido exigir, ou nos em que desenvolvem profundas regressdes e duradouros ressentimentos porque os préprios pais nfo se parecem identificar com uma nova consciéncia. Um dos mais graves conflitos da vida 6 0 6dio a um genitor™ que serviu como modelo e executor do superego, mas que de alguma forma foi descoberto tentando cometer as mesmas tranagressdes que a crianca jé nao pode tolerar em si mesma. A suspicécia e a ambigiiidade que desse modo se associa com © cardter tudo-ou-nada do superego, esse 6rgio da tradigéo moral, faz do homem moral (no sentido de moralista) um Orro Ipapes po HoMEM 237 grande perigo potencial para seu préprio ego, e para o de seus semelhantes. Na patologia do adulto, o conflito residual relativo a ini- ciativa se expreasa na abstinéncia histérica, que induz & re- preasio do desejo e a ab-rogacio de seu érgio executor pela paralisia, a inibigio ou a impoténcia; ou entio na exibigio supercompensatéria em que o individuo intimidado, tao an- sioeo por “afundar”, ao contrario “espicha a cabega para fora”. Além disso, também 6 comum atualmente um mergu- Tho em uma enfermidade psicossomética. & como se a cultura tivesse levado um homem a se superapregoar e a se identi- fiear com sua autopropaganda a tal ponto que 86 a enfer- midade ihe pode oferecer uma saida. Mas também neste caso nio devemos pensar exclusiva- mente na psicopatologia individual, mas ainda na central interna da raiva que deve estar inundada nesta ‘etapa, quando algumas das mais otimistas esperangas e das mais arrebatadas fantasias estdo recalcadas e inibidas. A re- rol conviegio da propria virtude — geralmente a maior recompensa da bondade — pode depois se voltar mais into- lerantemente contra os demais, sob a forma de uma tenaz vigilancia moralista, de modo que o empenho dominante che- ga & ser a proibicéo e néo a orientacéo da iniciativa. Por outro lado, mesmo a iniciativa do homem virtuoso tende a romper os limites da auto-restricéo, permitindo-lhe fazer aos outros, no seu ou em outros terrenos, o que nao faria nem toleraria em seu préprio lar. Considerando os perigosos potenciais da longa infancia do homem, convém rever o plano das etapas e as possibilidades de orientar os jovens, enquanto o séo. E ent&o se percebe que de acordo com a sabedoria do plano bésico a crianga em nenhum tempo esté mais disposta a aprender rapida e avida- mente, a se tornar maior no sentido de compartilhar da obri- gacdo e da‘ execuciio, que durante esse perfodo de seu desen- ° volvimento, Est& ansiosa e apta para fazer coisas em coope- Tago, para juntar-se a outras criangas com o propésito de construir e planejar, e pressurosa por obter o maior proveito das lig6es de seus mestres e seguir o exemplo dos protétipos ideais. Naturalmente, permanece identificada com o genitor do mesmo sexo, mas por enquanto nao deixa de procurar oportunidades em que a identificagio no trabalho pareca au- gurar um campo de iniciativas sem demasiado conflito infan- til ou culpa edfpica, e um reconhecimento mais realista ba- seado em um espfrito de igualdade experimentado-no traba- 238 O DESENVoLvIMENTO Do Eco Iho produtivo cooperative. De qualquer modo, da etapa “edipica” nao resulta sdmente a fixagéo opressiva de um sen- so moral que restringe o horizonte do permissivel; cla tam- bém determina a diregéo para o possivel e 0 tangivel que permite relacionar os sonhos das primeiras fases da infancia com as metas da vida adulta. As instituigdes sociais, portan- to, oferecem as criangas desta idade um “ethos” econémico, na forma de adultos ideais reconheciveis por seus uniformes e fungdes e suficientemente fascinantes para substituir os heréis do livro de gravuras e dos contos de fadas. — 4. INDUSTRIA VERSUS INFERIORIDADE Assim, 0 cendrio interior parece estar preparado para “a entrada na vida”, independentemente de que a vida deve comegar na escola, seja a escola campo, selva ou sala de aula. A crianga deve esquecer as esperangas e desejos do passado, ao mesmo tempo que sua exuberante imaginagio se disciplina ¢ subordina as leis das coisas impessoais — inclusive dos trés R.* Por isso, antes que a crianca, que ja 6 psicologicamente um genitor rudimentar, se possa transformar em um genitor biolégico, deve comecar por ser um trabalhador e um prove- dor potencial. Ao se aproximar o perfodo de laténcia, a crian- ¢a normalmente desenvolvida esquece, ou melhor, sublima a necessidade de “fazer” gente por ataque direto ou de se tor- nar as pressas papai e mamée; aprende agora a conquistar consideracéo produzindo coisas. Dominou a drea ambulatéria € 03 modos orginicos. Ensaiou um jufzo de finalidade sobre a realidade de que nao hé um futuro vidvel no seio da fami- lia, e assim se prepara para dedicar-se a habilidades e tare- fas, que exeedem de muito os limites da mera expressio pra- zerosa de seus modos orginicos ou o prazer que The causa o funcionamento de seus membros. Desenvolve um sentido de indistria, isto 6, ajusta-se as leis inorginicas do mundo das ferramentas. Pode-se tornar uma unidade viva e*integrada de uma situagdo produtiva. Chegar a completar uma situagao produtiva constitui um objetivo que gradualmente suplanta as fantasias e as aspiragdes inerentes ao jogo. Os limites de seu ego incluem suas ferramentas e habilidades. O prinefpio de trabalho (Ives Hendrick) Ihe ensina o prazer da comple- tagéio do trabalho com atencio fixa e empenho perseverante. Nessa etapa, as criancas de todas as culturas recebem alguma instrugdo sistemdtica, ainda que, como vimos no capitulo so- bre os indios norte-americanos, no se trata de modo algum +” Reading, writing e aritmetic. (N. do T.) Orro Ipapes no Home 239 da instrugio escolar por professores especialmente prepara- dos para ensinar as primeiras letras. Nos povos pré-alfabeti- zados e nas atividades que n&o visam & alfabetizagéo, muito ha que aprender com os adultos que se fazem professores por dotes e inclinagdes naturais e nio por decreto, e talvez a maior parte com as criangas maiores. Assim, os fundamentos da tecnologia se desenvolvem 4 medida que a crianga se capa- cita para manejar os utensilios, as ferramentas e as armas dos adultos. Os individuos instruidos, que tém profissoes mais especializadas, devem preparar a crianga ensinando-lhe primeiro os instrumentos tundamentais da leitura e da escrita, @ educagio basica mais ampla possivel e necessdria para o maior niimero de earreiras permissiveis. Quanto mais com- plexa se torna a especializacio, contudo, mais indistintas sio as metas eventuais da iniciativa, e quanto mais complicada é a realidade social, mais vagos serdo, nela, os papéis do pai e da mie, A escola parece ser, por si s6, toda uma cultura, com seus préprios objetivos e limites, seus progressos e insu- cessos. O perigo para a crianga nessa etapa reside em um senti- mento de inadequagio e inferioridade. Se ela desespera de suas ferramentas e habilidades ou de seu status no grupo de que participa, pode desencorajar sua identificagdo com os integrantes do grupo e com um setor do mundo das ferra- mentas. Perder a esperanca dessa associacio “industrial” pode fazé-la regredir 4 rivalidade familiar mais segregada, menos consciente do instrumental, da etapa edfpica. A erianga de- sespera de seu equipamento no mundo das ferramentas e na anatomia e se considera eondenada & mediocridade e A ina- dequagao. E nesse momento que a sociedade maior se torna significativa em suas formas de fazer a crianca participar de uma compreensio das fungées importantes de sua tecno- logia e economia. O desenvolvimento de muitas eriancas se desagrega quando a vida familiar nao tenha conseguido pre- paré-las para a vida escolar ou quando a vida escolar deixa de cumprir as promessas das etapas anteriores. Ao considerar o periodo em que um sentido de indistria se desenvolve, fiz referéncia as obstrugdes internas e externas no uso de novas capacidades, mas nfo As exacerbacdes de no- vos impulsos humanos nem 4s raivas submersas resultantes de sua frustragio. Essa etapa difere das anteriores porque no 6 uma oscilagio de uma convulsio interior para um novo dominio. Freud a denomina etapa de laténcia porque os im- pulsos violentos cstio normalmente adormecidos. Mas é sé 240 O DrEsENVOLVIMENTO DO Eco um momento de bonanga antes da tormenta da puberdade, quando todos os impulsos anteriores reemergem em uma nova combinagio, para ser submetidos & dominagio da genitali- dade. Por outro lado, essa etapa é socialmente a mais decisiva: visto que a indistria implica fazer coisas ao lado de outros e com eles, nesta época se desenvolve um primeiro juizo a respeito da divisio do trabalho e da oportunidade diferencial, isto 6, do “ethos” tecnoldgico de uma cultura. Apontamos na Ultima segio o perigo que ameaga o individuo e a sociedade quando o escolar comeca a sentir que a cor de sua pele, os antecedentes de seus pais, a qualidade de suas roupas deci- diréo, mais que seu desejo e sua vontade de aprender, de seu valor como aprendiz e, assim, de seu sentimento de iden- tidade, ao qual agora devemos voltar. Mas ha outro perigo, mais fundamental, que é a auto-restrigio do homem e a cons- trigio de seus horizontes, para que sé abranjam seu trabalho, a que, como diz a Biblia, havia sido sentenciado depois de sua expulsio do paraiso. Se aceita o trabalho como sua tnica obrigacio, e “o produtivo” como seu tmico critério de valor, pode-se tornar um escravo conformista e inconsiderado de sua tecnologia e daqueles que estdo na situaco de exploré-la. 5. IDENTIDADE VERSUS CONFUSAO DE PAPEL Com o estabelecimento de uma boa relagio inicial com 0 mundo das habilidades e das ferramentas e com o advento da puberdade, a infancia propriamente dita acaba. A juven- tude ecomega, Mas na puberdade e na adolescéncia todas as uniformidades e continuidades em que se confiava anterior- mente vullaim a ser até certo ponto discutiveis, por causa de uma rapidez do erescimento do corpo compardvel a da pri- meira fase da infincia e da nova adi¢éo de maturidade geni- tal. Crescendo e desenvolvendo-se, os jovens arrostam essa yevolugio fisiolégica interior c, com as coneretas tarefas adul- tas A sua frente, preocupam-se agora principalmente com o que aparentam uos olhos dos outros comparado com o que sentem que sao, ¢ com a quest&éo de como associar os papéis e as habilidades anteriormente cultivadas com os protétipos ocupacionais do momento. Em sua busea por um novo sen- tido de continuidade e coeréncia, os adolescentes tém que voltar a travar muitas das batalhas dos anos anteriores, mes- mo que para isso devam designar artificialmente pessoas intei- ramente bem intencionadas para representar os papéis de adversarios; ¢ estio sempre dispostos a instituir fdolos e ideais Unradouros como guardifies de uma identidade final. Orro Ipapes po Home 241 A integragio que agora tem lugar sob a forma de iden-+ tidade do ego 6, como foi assinalado, mais que a soma das* identifieagdes da infancia. & a experiéncia acumulada da+ eapacidade do ego para integrar todas as identificagdes coma as vicissitudes da libido, com as aptiddes fundadas nos dotes~ naturais e com as oportunidades oferecidas nas funcdes s0-* ciais. O sentimento de identidade do ego, entio, é a segu-> ranga acumulada de que a coeréneia e a continuidade inte- riores elaboradas no passado equivalem a coeréncia e & conti- nuidade do préprio significado para os demais, tal como se evidencia na promessa tangivel de uma “carreira”. O perigo dessa etapa é a confusio de papel.* Quando esta se baseia em uma pronunciada divida anterior com relagao 4 propria identidade sexual, os episédios delingiientes e fran- camente psicéticos no sio raros. Se diagnosticados e tra- tados corretamente, tais incidentes néo tém a mesma signi- ficagéo fatal que implicam outras idades. Na maioria dos casos, entretanto, o que perturba individualmente os jovens é a incapacidade de fixar-se em uma identidade ocupacional. Para se manter juntos, superidentificam-se temporariamente até o ponto de uma aparente perda da identidade com os he- réis dos grupinhos e das multiddes. Isso inicia a etapa da “paixio”, que nfo 6, de modo algum, total ou sequer funda- mentalmente um problema sexual, a nio ser que os costumes © exijam. Em grande parte, 0 amor no adolescente é uma tentativa de chegar a uma definicdo de sua identidade pro- jetando a prépria imagem difusa do ego em outra pessoa para, im, vé-la refletida e gradualmente definida. & por essa, razio que em tdo grande extensio o amor de um ado- lescente se limita 4 conversagio. Os jovens também podem apegar-se demasiado ao espi- rito de cl e ser cruéis na exclusio de todos que sejam “dife- rentes”, na cor da pele, nos antecedentes culturais, nos gos- tos e dotes e, muitas vezes, em aspectos insignificantes das vestimentas e das manciras que tenham sido temporariamente selecionados como os sinais caracteristicos de estar no grupo ou fora do grupo. £ importante compreender (0 que nio sig- nifica justificar nem compartilhar) essa intolerancia como uma defesa contra a confusio do sentimento de identidade: os adolescentes néio s6 se ajudam temporariamente uns aos outros a vencer muitas dificuldades, formando grupinhos e fazendo-se estereétipos e a seus ideais e seus inimigos, mas * ‘Ver “The Problem. of Ego-Identity”, J. Amer. Psa, Assoc., 4:56-121, 242 O DESENVOLVIMENTO Do Eqo também péem 4 prova perversamente a mitua capacidade de hipotecar lealdade. A facilidade com que aceitam tais pro- vas explica, além disso, a atragio que as simples e cruéis dou- trinas totalitérias exercem subre a mente dos jovens daque- les paises ¢ classes que perderam ou estio perdendo suas iden- tidades grupais (feudal, agréria, tribal, nacional) e¢ se de- frontam com a industrializagéo, a emancipagdo e a mais am- pla comunicacéo universais, A mente do adolescente é essencialmente uma mente do moratorium, que é uma etapa psicossocial entre a infancia e a idade adulta, entre a moral aprendida pela crianga e a ética a ser desenvolvida no adulto. & uma mente ideolégica e, de fato, é a visio ideolégica de uma sociedade a que afeta mais claramente o adoleseente ansioso por se afirmar perante seus iguais e que esté preparado para se ver confirmado pelos rituais, credos e programas que definem ao mesmo tempo o que € mau, fantastico e hostil. Portanto, ao examinar os va- lores sociais que orientam a identidade, ele se defronta com os problemas da ideologia e da aristocracia, ambos em seu sentido mais amplo possivel, indicativo de como, dentro de uma imagem definida do mundo e um curso predestinado da historia, os melhores individuos chegaram ao poder e o poder melhor se desenvolve no povo. Para que néo os dominem o cinismo e a apatia, os jovens devem necessariamente ser capa- zes de se convencer de que os que triunfam em seu antecipado mundo adulto assumem assim a obrigagio de ser os melhores. Examinaremos depois os perigos que decorrem da subordi- nagdo dos ideais humanos ao dominio das superm4quinas, se- jam estas guiadas por ideologias nacionalistas ou internacio- nais, comunistas ou capitalistas. Na iltima parte deste livro, consideraremos a forma pela qual as revolugées de nosso tem- po tentam explicar e também explorar a profunda necessi- dade da juventude de definir sua identidade em um mundo industrializado. 6. INTIMIDADE VERSUS ISOLAMENTO A seguranga adquirida em qualquer etapa se pée A pro- va diante da necessidade de transcendé-la de tal modo que o individuo possa aventurar na etapa seguinte o que era mais vulneravelmente precioso na anterior. Assim, 0 adulto jovem, que emerge da busca e persisténcia em uma identidade, an- seia e se dispde a fundir sua identidade com a de outros. Esté preparado para a intimidade, isto 6, a capacidade de se con- fiar a filiagdes e associagées concretas e de desenvolver a forga ética necesséria para ser fiel a essas ligagdes, mesmo Orro Ipapes po Home 243 que elas imponham sacrificios e compromissos significativos. Agora o corpo e o ego devem ser os governantes dos modos’ organicos e dos conflitos nucleares, para que possam enfren- tar o temor da perda do ego em situagdes que exigem auto- abandono: na solidariedade das filiagdes intimas, nos orgas- mos e unides sexuais, na amizade intima e no combate fisico, nas experiéncias de inspiracio motivada pelos professures e de intuigio que vem dos recessos do eu. A evitacéo de tais experiéncias devida ao temor da perda do ego pode conduzir a uma profunda sensagio de isolamento e a uma conseqiiente auto-absorgiio. O reverso da intimidade é o distanciamento: a tendéncia a isolar e, se necessdrio, a destruir aquelas forcas e pessoas cuja esséneia parece perigosa para a prépria, e cujo “territé- rio” parece invadir o ambito das préprias relagées intimas. Os preconceitos assim desenvolvidos (e utilizados e explora- dos na politica e na guerra) constituem um fruto mais ma- duro dos reptidios mais cegos que, durante a luta pela iden- tidade, diferenciam nitida e cruelmente o familiar do estranho. O perigo dessad etapa esté em que as relacdes intimas, compe- tivas e combativas experimentam-se com e contra as mesmas pessoas. Mas, & medida que se delineiam as dreas do dever adulto e se diferenciam o encontro competitivo e a uniao se- xual, eventualmente se submetem ao senso ético, que 6 a marca do adulto. Em termos estritos, s6 agora é que se pode desenvolver plenamente a verdadeira genitalidade, pois grande parte da vida sexual que precede estes compromissos é do mesmo gé- nero do correspondente & busca de identidade, ou 6 domi- nada pelas competigdes falicas ou vaginais que fazem da vida sexual uma espécie de combate genital. Por outro lado, 6 muito comum descrever a genitalidade como um estado per- manente de miitua beatitude sexual. Mste, entdo, pode ser o momento oportuno para completar nosso exame de genitalidade. Para ter uma orientacdo basica na questdo, direi o que significon para mim a mais breve afirmagdo de Freud. Cos- tuma-se afirmar (e os maus hdbitos da conversagdo parece que © confirmam) que a psicanélise como terapéutica tenta con- veneer o paciente de que, perante Deus e a humanidade, s6 deve ter uma obrigagdo: ter bons orgasmos, com um “objeto” adequado, e regularmente. Esté claro que nio é exato. Uma vez perguntaram a Freud o que pensava sobre 0 que uma pessoa normal seria capaz de fazer satisfatoriamente. Prova- velmente quem fez a pergunta esperava uma resposta com- 244 O DesrnvoLvimENTO Do Eco plicada. Mas, Freud, na forma lacdnica de seus velhos tem- pos, diz-se que respondeu: “Lieben und arbeiten” (amar e trabalhar). Vale a pena meditar sobre esta f6rmula simples; quanto mais se pensa sobre ela, mais profunda parece. Quan- do Freud disse “amar”, referia-se ao amor genital ¢ a0 amor genital; quando disse amar e trabalhar, quis significar uma geral produtividade de trabalho que nfo preocuparia o indi- viduo até o ponto de vir a perder seu direito ou sua capa- cidade de ser genital e poder amar. Assim, podemos pensar sobre cla, mas nao aperfeigoar a férmula do “professor”. A genitalidade, entio, consiste na capacidade desimpe- dida de desenvolver uma poténcia orgastica tao livre de inter- feréneias pré-genilais que a libido genital (nao exatamente os produtos sexuais segregados através das “safdas” de Kin- sey) se expresse na mutualidade heterosexual, com sensibili- dade plena tanto do pénis como da vagina, e com uma des- carga do tipo convulsivo da tensfio de todo o corpo. Af esté o modo um tanto concreto de dizer alguma coisa sobre um processo que na realidade néo compreendemos. Em termos mais situacionais: o fato total de encontrar, através do tu- multo climético do orgasmo, uma experiéncia suprema da regulagio mitua de dois seres, de alguma forma tira a aresta das hostilidades e das raivas potenciais causadas pela oposi- tividade entre macho e fémea, realidade e fantasia, amor ¢ édio. Assim, as relagdes sexuais satisfatérias fazem 0 sexo menos obsessivo, a supercompensacio menos necesséria, os controles sidicos supérfluos. Preocupada como estava com os aspectos terapéuticos, a psicandlise de um modo geral deixon de formular o pro- blema da genitalidade de uma forma significativa para os processos da sociedade em todas as classes, nagdes e niveis de cultura. O tipo de mutualidade no orgasmo que a psicandlise considera, aparentemente, é realizado com facilidade em clas- ses e culturas que podem fazer dele uma instituigio desapres- sada. Nas sociedades mais complexas, interferem nessa mu- tualidade tantos fatores relativos 4 saiide, 4 tradigao, & opor- tunidade e ao temperamento, que a formulagéo adequada da satide sexual seria mais precisamente esta: um ser humano deveria ser potencialmente capaz de realizar a mutualidade do orgasmo genital, mas também deveria ser constituide de tal modo que pudesse suportar uma certa dose de frustragio sem uma demasiada regressio, téda vez que a preferéncia emocional ou as consideragées relativas ao dever ¢ & lealdade o exijam. Orro Ipapzs po HoMEM 245 Embora a psicandlise tenha ido 4s vezes demasiado lon- ge na importincia que atribui 4 genitalidade como uma cura universal para a sociedade, e tenha proporcionado assim um novo hébito e um novo elemento de consumo a muitos que desejavam interpretar dessa forma seus ensinamentos, nem sempre indicou todas as metas que a genitalidade pode e deve realmente implicar. Para ter uma significacio social dura- doura, a utopia da genitalidade deveria incluir; mutualidade do orgasmo com um participe amado do outro sexo om quem se possa e queira compartilhar uma confianga métua © com quem se possa e queira regular os ciclos de a) trabalho b) procriagio c) recreagio . 6. a fim de assegurar também a descendéncia todas as etapas de um desenvolvimento satisfatério. opere & evidente que essa realizagio utépica em larga escala nao pode ser uma tarefa individual ou, em verdade, terapéutica. Nem 6 de modo algum um problema puramente sexual. parte integrante do estilo de sclegéio, cooperagio e competigio sexuais de uma cultura. O perigo dessa etapa é 0 isolamento, isto 6, a evitagio de eontatos que obrigam 4 intimidade. Em _psicopatologia, esse distirbio pode conduzir a graves “problemas de carater”. Por outro lado, hé pares que equivalem a um isolamento @ deuz, que protege ambos os participes da necessidade de en- frentar o préximo desenvolvimento critico, 0 da generativi- dade. 7. GENERATIVIDADE VERSUS ESTAGNACGAO Este livro enfatiza as etapas da infancia; se assim nao fosse, a segio sobre a generatividade necessariamente seria central, porque esse termo abrange o desenvolvimento evolu- eiondério que fez do homem o animal que ensina, que institui, assim como o que aprende. A insisténcia, atualmente em moda, em dramatizar a dependéncia das criangas em relagio aos adultos, geralmente néo nos deixa ver a dependéncia da ge- ragio mais velha relativamente 4 mais jovem. O homem ma- duro precisa sentir-se necessitado, e. a maturidade necessita da orientagio como do estimulo daquilo que tem sido produ- zido e de que deve cuidar. 246 © DesenyouyryENro po Eco A generatividade, entaéo, é fundamentalmente a preo- cupagao relativa a firmar e guiar a nova geragéo, embora haja individuos que, por falta de sorte ou porque tenham aptidées especiais e genuinas em outras diregdes, nao apli- cam essa orientagio a seus proprios filhos. E, na realidade, 0 conceito de generatividade abrange sinénimos mais popula- res como produtividade e criatividade, que, entretanto, nio podem substitui-lo. A psicandlise levou algum tempo para compreender que a capacidade do individuo de se deixar absorver durante a jungéo de corpos e mentes conduz a uma expansio gradual dos interesses do ego e a um investimento libidinal naquele que esté sendo gerado. Assim, a generalidade é uma etapa essencial do detalhamento psicossexual como do psicossocial. Quando esse enriquecimento falha completamente, ocorre uma regressio a uma necessidade obsessiva de pseudo-intimidade, muitas vezes acompanhada por uma sensagio penetrante de estagnagao e de infecundidade pessoal. Os individuos, entao, geralmente comecam a entregar-se a si mesmos como se fos- sem deles préprios, ou um do outro, um sé e dnico filho; e quando as condigdes o favorecem, uma invalidez prematura, fisica e psicolégica converte-se em veiculo de autopreocupa- cdo. O simples fato de ter ou mesmo de querer ter filhos, contudo, nao “realiza” a generatividade. De fato, parece que alguns pais jovens sofrem por causa do atraso na manifes- tagéo da capacidade de desenvolver essa etapa. As razdes devem estar geralmente nas impressées da primeira fase da infineia, em um excessivo amor préprio baseado numa per- sonalidade que tenazmente se fez por si mesma, e finalmente (e aqui voltamos as origens) na falta de qualquer f@, de algu- ma “crenga na espécie”, que fizesse uma crianca vir A luz para ser uma benvinda esperanca da comunidade. Quanto as instituigdes que protegem e reforcam a gene- ratividade, s6 se pode dizer que todas as instituicdes cod’ cam a ética da sucessiio generativa. Mesmo quando a tradi- cAo filoséfica e espiritual sugere a rentincia ao direito de procriar ou produzir, esta volta muito cedo As “relagdes_pri- miarias”, sempre que fundada em movimentos monisticos, esforga-se por determinar ao mesmo tempo o problema de sua relagio com o cuidado das criaturas deste mundo e com a caridade que se sente transcendé-lo. Se este livro fosse sobre a idade adulta, seria indispen- sivel e proveitoso comparar agora as teorias econdmicas ¢ psicolégicas (comecando com as estranhas convergéncias e 1cewlibUS — ESC Ora, TAPE 3B, Bp HAY 247 ivereénbies. -2rOwT divergénties-de-Mani-oBuudhno procedaxa uma anilise da relagéo do homem com sua produgéo assim como com sua progénie. 8. INTEGRIDADE DO EGO VERSUS DESESPERANCA $6 naquele que de alguma forma tem cuidado de coisas @ pessoas e tem-se adaptado aos triunfos e desilusdes ineren- tes 4 sua condigéo de criador de outros seres humanos e gera- dor de produtos e idéias, somente nele pode amadurecer o fruto dessas sete etapas. Néo conheco melhor termo para isso que integridade do ego. Na falta de uma definigao cla- ra, indicarei alguns dos elementos constitutivos desse estado da mente. & a seguranga acumulada do ego relativa & sua predisposigio para a ordem e para a expresso. & um amor pés-narcisista do ego humano — néo do eu — como uma expe- riéncia que transmite uma certa ordem e sentido espiritual do mundo, no importa o que isso tenha custado. £& a acei- tagdo do proprio e tinico ciclo de vida como alguma coisa que tinha que ser e que, necessariamente, nio admitia substitui- Ges: significa assim um novo, um diferente amor com relagio aos préprios pais. & uma lealdade com as formas ordenado- ras de épocas remotas e objetivos deficientes, como se tra- duzem nos produtos e ditos simples daqueles tempos e ativi- dades. Embora ciente da relatividade dos diversos estilos de vida que deram significagéo ao esforgo humano, o possuidor de integridade esté preparado para defender a dignidade de seu proprio estilo de vida contra todas as ameacas fisicas e econémicas; pois sabe que uma vida individual é uma coin- cidéneia acidental de um s6 ciclo de vida com um inico seg-, mento da histéria; e que para ele toda integridade humana perdura ou perece com o tinico estilo de integridade de que O estilo de integridade desenvolvido por sua cultu- izagdo se torna assim o “patriménio de sua alma”, 0 selo de sua paternidade de si mesmo (“.. .pero el honor/Es patrimonio del alma”: Calderén). Nessa consolidacdo final, a morte perde seu cardter pungente. A falta ou a perda dessa integragio acumulada do ego é simbolizada no temor da morte: o uno e tinico ciclo de vida niio é aceito como o limite extremo da vida. ' A desesperanca exprime o sentimento de que o tempo ja 6 curto, demasiado curto para a tentativa de comegar outra vida e para experi- mentar rotas alternativas para a integridade. O desconten- tamento de si mesmo oculta a desesperanga, ainda que quase 248 O DESENVOLVIMENTO DO Eco sempre na forma de “mil pequenos desgostos” que nao valem um pequeno remorso: “mille petits dégéuts de soi, dont le total ne fait pas wn remords, mais un géne obscure” (Ros- tand). Para se tornar um adulto maduro, cada individuo deve desenvolver em grau suficiente todos os mencionados atribu- tos do ego, de modo que um {ndio sabio, um verdadeiro cava- Theiro e um camponés experiente compartilhem e reconhegam uns nos outros a etapa final da integridade. Mas, cada enti- dade cultural, para desenvolver o estilo particular de integri- dade sugerido por sua posigéo histérica, utiliza uma combi- nag&o particular desses conflitos, simultaneamente com pro- vocagdes e proibigdes especificas da sexualidade infantil. Os conflitos infantis se tornam criativos sé se estimulados pelo amparo firme das instituigdes culturais e das liderancas que as representam. Para se avizinhar ou experimentar a inte- gridade, o individuo precisa saber como seguir o exemplo dos portadores de imagem na religiao e na polftica, na ordem eco- némica e na tecnologia, na vida aristrocrdtica e nas artes e eiéncias. Portanto, a integridade do ego implica uma inte- grac&o emocional que permite a participacao consentida assim como a aceitagao da responsabilidade da lideranga. O Dicionario de Webster generosamente nos ajuda a com. pletar este esboco em uma forma cireular. Confianga (0 pri. meiro de nossos valores do ego) 6 af definida como ‘a certeza da integridade de outro”, o ultimo de nossos valores. Suponho que Webster se referia mais a negécios que a criancas, a cré- dito que a £6. Mas, a formulacdo é valida. E parece possivel parafrasear ainda mais a relacao entre a integridade adulta ¢ a confianga infantil dizendo que as crianeas sadias no teme- rao a vida se seus antepassados tiveram integridade bastante para nao temer a morte. 9. UM DIAGRAMA EPIGENETICO Este livro enfatiza as etapas da infancia. Contudo, a eon- eepcio acima exposta de ciclo de vida requer um tratamento sistemftico. Para prepard-lo, coneluirei este capitulo com um diagrama. Neste, como no diagrama das z0nas e modos pré-ge- nitais, a diagonal representa a seqiiéncia normativa das aqui- sigdes psicdssociais efetuadas 4 medida que em cada etapa um novo conflito nuclear soma uma nova qualidade do ego, um novo eritério de fortaleza humana acumulada. Abaixo da dia- gonal, ha um espaco para os precursores de cada uma dessas soluedes, todas as quais comecam pelo comeco; acima da diago- Orro Ipapzs vo Home 249 nal, hé um espago para a designagao dos derivados dessas aqui- sigdes e suas transformagées na personalidade em maturagao ¢ na personalidade madura. Os pressupostos basicos desse diagrama sio: 1)/que a per- sonalidade humana se desenvolve em principio de acordo com etapas predeterminadas na disposigéo do individuo em cresci- mento para se deixar dirigir no sentido de um raio social cada vez mais amplo, para se tornar ciente dele e para interatuar com cle/®) que a sociedade, em princfpio, tende a se eonstituir de tal modo que satisfaca e provoque esta sucessao de poten- cialidades para a integracéo e de tentativas para salvaguardar e ativar a proporgio adequada e a seqiiéncia apropriada de sua abrangéncia. Nisso consiste a “manutencéo do mundo hu- mano”. Mas um diagrama é apenas um instrumento que ajuda a pensar e nao pode pretender ser uma prescrigéio a que se deva submfieter-se, seja na pratica da psicoterapia infantil ou na me- todologia do estudo da erianga. Na apresentagéo das etapas psicossociais sob a forma de um diagrama epigenético, andlogo ao empregado no capitulo 2 para uma anflise das ctapas psi- cossociais de Freud, levamos em conta passos metodolégicos de- finidos ¢ delimitados. Um dos propésitos deste trabalho é fa- cilitar a comparagéo das etapas, que Freud foi o primeiro a caracterizar como sexuais, com os outros aspectos do desenvol- vimento (ffsico, cognitivo). Mus nenhum diagrama delimita apenas um itinerdrio, e nao se deve atribuir a nosso esboco de plano psicossocial a inteng&o de implicar obscuras generalida- des relativas a outros aspectos do desenvolvimento, ou, na Tea- lidade, da existéncia. Se o diagrama, por exemplo, registra uma série de conflitos ou crises, nao consideramos que todo desen- volvimento é uma série de crises: afirmamos somente que o de- senvolvimento psicossocial € uma sucessiio de fases criticas, en- tendendo-se por “critico” uma caracteristica de momentos de- cisivos, de momentos de opedo entre o progresso e a regressio, a integrac&o e a sujeicio. Parece conveniente, nesta oportunidade, esclarecer as im- plicagdes metodolégicas de uma matriz epigenética, Os quadra- dos de tragos mais grossos na diagonal significam tanto uma seqiiéncia de etapas como um desenvolvimento gradual das par- tes componentes: em outras palavras, o diagrama formaliza uma progressiio através do tempo de uma diferenciagio das partes. Isso indica: 1) que cada item eritico da seguranca psi- cossocial aqui considerado € sistematicamente relacionado com todos os outros, e que todos dependem do desenvolvimento ade- 250 O DEsENVOLVIMENTO DO Eco quado na seqiiéncia adequada de cada item; 2) que cada item existe em alguma forma antes que chegue normalmente seu mo- mento critico. Se digo, por exemplo, que uma proporgao favoravel da eonfianga basica em relagéo & desconfianga basica é 0 primei- TO passo na adaptagiio psicossocial, e uma proporeéo favoravel da vontade auténoma relativamente A vergonha e A divida o segundo, a correspondente proposigio diagram4tica expressa um nimero de relagées fundamentais que existem entre os dois passos, assim como alguns fatos fundamentais para ambas, Ca- da um atinge seu auge, enfrenta sua crise, e cncontra sua s0- Jugéo perdurdvel durante a etapa indicada. Mas, todos eles devem existir desde o comego sob alguma forma, pois cada um dos atos exige a integragéo de todos. Além disso, uma crianca pode manifestar algo semelhante 4 “autonomia” desde o come- ¢0, no jeito particular com que, bem apertada nos bragos, con- ant Gea ‘AUTONOMIA yp Muscutar: VERSUS ANAL veacont ouvIDA CONTTANGA I een VERSUS SENSORIAL —DeSCONFIANcA| 1 2 3 Figura 11 segue, retorcendo-se toda, escapulir. No entanto, em condigdes normais, s6 a partir do segundo ano comega a experimentar toda a oposicéo critica de ser wma criatura auténoma e ao mes- mo tempo dependente; e 86 ent&o esté preparada para um en- contro decisivo com seu meio ambiente, um ambiente que, por sua vez, se sente chamado a transmitir suas idéias e conceitos particulares de autonomia e coergio em formas que contribuem decisivamente para o carater e a satide de sua personalidade em sua cultura. & este encontro, junto com a crise resultante, © que temos descrito tentativamente para cada etapa. Quanto & progressio de uma etapa & seguinte, a diagonal indica a se- qiiéncia a ser obedecida. Contudo, também deixa lugar para variagdes no ritmo e na intensidade. Um individuo ou uma eul- tura pode-se demorar excessivamente na confianga e passar de T 1, pulando I 2, para IT 2, ou, em uma acelerada progressio, Orro Ipapes po Homes 251 pode-se desfocar de I 1, pulando II 1, para II 2. Entretanto, supde-se que cada uma dessas aceleracdes ou retardamentos (relativos) tenha uma influéncia modificadora sobre todas as etapas posteriores. Assim, um diagrama epigenético inclui um sistema de eta pas dependentes reciprocamente; e mesmo que as etapas indi- viduais possam ter sido exploradas de modo mais ou menos completo ou denominadas de modo mais ou menos adequado, 0 diagrama sugere que seu estudo prossiga, sempre consideran- do a configuragio total das etapas. O diagrama convida, entio, a uma interpretagiio de todos os quadrados vazios: se temos anotado Confianca Basica em I 1 e Integridade em VIII 8, dei- xamos em aberto a questiio sobre o que teria chegado a ser a confianga em uma etapa dominada pela necessidade de inte- gridade, ao mesmo tempo em que deixamos em aberto a ques- tao relativa e com que ela se possa parecer e, mesmo, a que no- mes deve receber na etapa dominada por um esforgo no senti- do da autonomia (II 1): S6 queremos acentuar que a-confian- ga deve ter-se desenvolvido por direito préprio, antes que ve- nha a ser alguma coisa mais no encontro eritico em que a au- tonomia se desenvolve, e assim por diante, subindo a vertical. Se, na filtima etapa (VIII 1), devéssemos esperar que a con- fianga se tivesse transformado na fé mais amadurecida que uma pessoa que envelhece possa concentrar em seu ambiente cultural e seu perfodo histérico, 0 diagrama permite a conside- ragéo nao sé do que possa ser a velhice mas também do que devem ter sido suas etapas preparatérias. Tudo isso deixaria claro que um diagrama da epigénese sugere uma forma global de pensar e repensar que deixa os detalhes da metodologia ¢ da terminologia para um estudo posterior. * C * Para deixar esta questfio realmente aberta, seria necessério evi- tar certos usos erréneos de toda a concepgio. Entre eles esté a suposigéo de que o sentimento de confianga (e todos os outros sentimentos “posi. tivos” postulados) 6 uma conguista, definitivamente aleangada em um estado determinado. De fato, alguns autores se preocupam tanto em or- ganizar uma escola de realizado a partir dessas etapas, que omitem com satisfagio todos os sentimentos “negativos” (desconfianga bésicn ete.), que so ¢ continuam a ser durante toda a vida a antitese din&mi: ca dos “positivos”. A suposicéo de que em cada etapa se conquista uma bondade que 6 impermedvel a novos conflitos internos e as condigées va- riéveis 6, segundo creio, uma projegio no desenvolvimento infantil da- quela ideologia do éxito que pode impregnar tio perigosamente nossas fantasias privadas e publicas e pode-nos tomar ineptos na tremenda luta por uma existéncia significativa em uma nova era industrial da hist6ria, A personalidade trava combate continuamente com os perigos da existéncia, mesmo quando o metabolismo do corpo luta com a dete- O DESENVOLVIMENTO DO Eco Zo vnc g L 9 ¢ v € & c VONVIa -NO3830, sa YaIsya. wanosias uo VoIAnO 3 YHNOSHIA aww oy swvin3sn awuinsa -voiowoao1 LT von AT "hava 30 oysndnoo SA _|zavaisna0 | OINAMYIOS iongoszi0ay aovouaand A "SA [xevaiMiANi vmnoy A OvSvNOVISa SA 30vGIn 2MnN39, wie mA aovownivn ITA Oiro Ipapes po HomEm 253 rioragao. Quando chegamos a dinguosticar um estado de fortaleza relati va e 08 sintomas de um estado enfraquecido, s6 nos defrontamos mais claramente com os paradoxos e as trégicas potencialidades da vida hu mana. Despojar as etapas de tudo menos de suas “conquistas’ tem seu reverso nas tentativas de descrevé-las ou analist-las como “tragos” ou “aspirag6es”, sem primeiro construir uma ponte sistemAtica entre a con- eopgéio proposta neste livro e os conceitos favoritos de outros investiga- dores, Se 0 que acabo de dizer pode parecer uma queixa, seu intuito n&o 6 disfarcar o fato de que, ao dar a essas fortalezas as reais designagées com as quais adquiriram no passado imdmeras conotagées de bondade superficial, delicadeza frigida e virtude excessivamente forgada, terei provocado mal-entendidos ¢ abusos. Creio, porém, que hi uma relagio intrinseca entre o ego e a linguagem e que, nfo obstante as vieissitudes passageiras, certas palavras bésieas conseryam significados essenciais. Desde ent&o, tentei formular para o Humanist Frame de Julian Huxley (Allen and Unwin, 1961; Harper and Brothers, 1962) um dia- grama de fortalezas essenciais que a evolugo construiu tanto no plano Désico das etapas da vida como no das instituigées do homem. Embora néo possa examinar aqui os problemas metodoldgicos envolvidos (e agra- vados pelo uso que faco das palavras “virtudes basics”), deveria anexar a relago dessas fortalezas, porque constituem na realidade o resultado duradouro das “proporeses favoréveis” mencionadas a cada passo no ca- Pitulo sobre as etapas psicossociais. Aqui estdo: eonfianga bisica versus desconfianga basica: impulso e esperanga autonomia versus vergonha e divida: autocontrole e forga de von- tade iniciativa versus culpa: diregio e propésito inddstria versus inferioridade: método e capacidade identidade versus confusio de papel: devocio e fidelidade intimidade versus isolamento: filiagio e amor generatividade versus estagnago: produgio e cuidado integridade do ego versus desesperanga: rendncin e sabedoria. As palayras em itdlico sio denominadas virtudes bdsicas porque, sem elas e sua reemergéncia de geracio a geragéo, todos os outros mais inconstantes sistemas de valores humanos perdem seu cspirito ¢ sua per. tinéneia. Desta relacéo, até agora pude dar uma explieagio mais deta- Ihada 86 da fidelidade (ver Youth, Change and Challenge, E, H. Erik- son, org., Basic Books, 1963). Mas também aqui a relagio representa uma concepgao total dentro da qual ha grande oportunidade para um exame da terminologia e da metodologia. (E. H. E.)

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