Revista Pergunte e Responderemos - ANO II - No. 021 - SETEMBRO DE 1959
Revista Pergunte e Responderemos - ANO II - No. 021 - SETEMBRO DE 1959
Revista Pergunte e Responderemos - ANO II - No. 021 - SETEMBRO DE 1959
PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE
1959
ERGUNTE
e
Responderemos
ANO II
ÍNDICE
pág.
I. FILOSOFÍA E RELIGIAO
II. DOGMÁTICA
5) "Como crer que o 2' livro dos Macabeus faga parte das
Escrituras inspiradas, como afirmam os católicos, se o respec
tivo autor admite possa haver imperfeigóes nesse escrito (cf. 2
Mac 15,39) ?" sn
IV. MORAL
V. HISTORIA DO CRISTIANISMO
Ano II — N? 21 — Setembro.
I. FILOSOFÍA E RELIGIACr _
BIBLIOTECA COTÍ
C. A. R. F. (Rio de Janeiro) : % \
— 355 —
Tendo-se separado da esposa era 1842, veio a conhecer em outubro
de 1844 Clotilde de Vaux, dama que vivía separada do marido, pela
qual Comte se apaixonou, considerando a notável inteligencia; assim
como o animo delicado, sofredor e romántico dessa criatura; todavía
dois anos mais tarde, em abril de 1846, Clotilde falecia, nao sem ter
profundamente marcado a vida de Augusto Comte.
Com efeito, éste pñde falar do «angélico impulso» que lhe dera
Clotilde, acrescentando a seguinte observacáo:
«Desdé 1845 tinha eu plenamente apreciado, sob a sua influencia,
o conjunto de minhá carreira, cuja segunda parte devia transformar
a filosofía em religláo, como havia a primeira transformado a ciencia
em filosofía» (Systéme de philosophie positive IV 1854, 529s).
Comte, que até conhecer Clotilde, fóra um intelectual estritamente
orientado pelas normas do que ele julgava ser ciencia, após o
encontró com essa dama, manifestou urna personalidade muito sensivel
aos afetos humanos, dada mesmo a certa mística (embora se diga
que Clotilde nao correspondeu, no mesmo grau, ao amor de Comte,
nem compartilhou integralmente as idéias do filósofo).
Comte prestou á figura de Clotilde falecida honras quase divinas
e pós-se a conceber aos poucos nova forma de afetividade, ou seja,
a religiáo do Grande Ser ou da Humanidade, cujo Sumo Sacerdote
seria o próprio Comte!
Em 1848 fundou a sua especie de «Igreja», e em 1852 publicou a
obra intitulada «Catéchisme positiviste ou Sommaire Exposition de
la Religión universelle en onze entretiens systématiques entre une
femme et un prétre de l'humanité».
Nem todos os discípulos e amigos de Comte quiseram seguir
o pensador nesta segunda fase — afetiva e religiosa — de sua vida;
abandonado até mesmo pelo principal discípulo (Littré), Comte
observava:
«Muitas personalidades se sentiram chocadas com o advento
direto do sacerdocio positivo, que deve fazer umversalmente preva
lecer na conduta pública, e mesmo particular, regras tanto mais
inflexiveis quanto seráo sempre demonstráveis» (Systéme IV, Appen-
dice general Is).
Na base de sua nova orientagáo, Comte distinguía entre positi
vistas intelectuals e positivistas completos, isto é, religiosos. Viveu
os últimos anos de sua vida mais ou menos isolado, entregue á missáo
de pensador e arauto de nova filosofía religiosa. Consciente de ser
Sumo Sacerdote, proibia discussio e críticas em torno de si; mostra-
va-se inflexivel em seus postulados, afastando quem quisesse deseo-
nhecer o caráter sagrado de que se investirá. Lera bastante em sua
juventude e gozava de estupenda memoria, de modo que quase nao
lia, nem mesmo jomáis, nos anos de sua maturidade e velhice;^
proclamava nao conhecer senáo indiretamente os escritos de Kant,
Hegel, Vico e Herder; embora percebesse inconvenientes nesse método,
justificava-o dizendo que «a leitura prejudica muito a meditacáo, pois
altera a originalidade e homogeneidade» (Cours V, pref. pág. XXXVII).
Utilizava as noticias guardadas na memoria, elaborando mental
mente os seus llvros, com suas divisOes, subdivis3es e pormenores;
depois de haver completado a redacáo mental de alguma obra, Comte
a consignava por escrito, sem, porém, reler o texto; é o que explica
a prolixidade de seu estilo, que emprega frases sobrecarregadas de
repetic6es. O esfdroo de memoria despendido por Comte terá ocasio
nado os íreqüentes esgotamentos intelectuais a que nosso filósofo
estava sujeito.
— 356 —
No testamento dispós que seu apartamento (Rué Monsieur-Le-
-Prince) se tornaría sede da nova religiáo. Finalmente faleceu aos 5
de setembro de 1857. junto á poltrona de Clotilde. A antiga residencia
transformou-se de fato no primeiro templo da Humanidade, em que
passaram a se reunir os ¡mediatos discípulos do filósofo.
A personalidade de Comte é caracterizada por natáveis dotes
de inteligencia, assim como por acentuada tendencia mística, á qual
se associam os traeos de um temperamento nervoso ou, como dizem
os biógrafos do filósofo em geral, psicopático. Alguns historiadores,
inspirando-se em dizeres de Littré, explicam a evolugáo do pensamento
de Comte em fungáo do seu estado neurótico: o mestre terá sofrido
as conseqüéncias do excesso de trabalho intelectual e da sua afetividade
muito sensível para com Clotilde.
«Nos últimos anos de sua vida, Comte tornou-se presa de urna
especie de manía produzida nao só pelo trabalho intelectual, mas
também pelas dolorosas vicissitudes da vida; e em sua mente contur
bada o sistema do positivismo se transformou numa relígiáo, com
seus mártires, seus santos, seu calendario» <G. del Vecchio, Lezioni
di Filosofía del Diritto. 1932, 133).
Os fiéis discípulos de Comte julgam que a tendencia neurótica
do mestre nao era empecilho para que se tornasse porta-voz da
verdade: todo genio, dizem, é anormal. Reconhecem em Comte ■ a
consciéncia de u'a missáo a cumprir, assim como extraordinaria
confianca em si mesmo, confianga que caracteriza e anima todos os
reformadores. — Interpretagáo demasiado benigna, á qual deveráo
abaixo ser íeitas algumas observagSes.
Para se poder avaliar mais exatamente a figura do filósofo,
torna-se mister esbogar as linhas-mestras de seu pensamento.
— 357 —
Por conseguinte, o positivismo só admite como objeto de
ciencia os fenómenos e suas leis. As causas e as substancias
(ou entidades) situadas por detrás dos fenómenos parecem-lhe
pertencer a regiáo inacessivel ao conhecimento. Existem cau
sas que motivem determinado fenómeno ? O positivista nao
se ocupa com isto ; nao afirma nem nega coisa alguma a
respeito.
Neste quadro de idéias, portante, positivo vem a ser sinó
nimo de real e útil, certo e preciso, em oposicáo as especula-
Cóes da filosofía anterior, que admitía a existencia do trans
cendente ou de urna realidade invisivel.
Tal atitude de espirito é, segundo Comte, o produto de
lenta evolugáo por que passou o género humano, lenta evolu-
cáo expressa pela «lei dos tres estados». Com efeito, ensinava
o filósofo, a humanidade atravessou primeiramente o estado
teológico ou ficticio, em que o homem tendia a explicar o
mundo pelo recurso a seres sobrenaturais, principalmente a
Deus, negligenciando a invariabilidade das leis naturais. Suce-
deu-se nos séculos XVII/XVTII d. C. o estado metafísico ou
abstrato, em que nao tanto Deus, mas alguns termos abstra-
tos, como principio vital, alma, éter, entravam na especulacáo
filosófica. Emancipando-se déstes produtos da imaginagáo, a
humanidade teria iniciado em 1842 o estado positivo ou cien
tífico, sob a hégide de Augusto Comte, que só levava em conta
a observagáo empírica.
— 358 —
do Criador, como o ateu, mas também estava longe de a
afirmar ; professava simplesmente o agnosticismo a respeito.
Para a ciencia positivista, seria táo absurdo querer provar
a náo-existéncia de Deus quanto absurdo seria procurar pro
var a sua existencia, pois em ambos os casos o pensador
estaría cedendo á tendencia metafísica, ou seja, de certo modo
dando atengáo ao que transcende a observagáo dos sentidos.
No positivismo, portante, a questáo da existencia de Deus
carece de sentido ; assemelha-se a urna pergunta que os velhos
budistas tinham clássicamente na canta de vá, a saber: será
possível definir se o pelo da tartaruga é longo ou curto? (per
gunta vá, porque erradamente supóe que a tartaruga tenha
pelo). Em conseqüéncia, escrevia Comte :
— 359 —
plinas, o filósofo se vé obrlgado a renunciar ao estudo das origens
do mundo e do homem, pois tem consciéncia de que, se quisesse
entrar em tais assuntos, haveria que recorrer a Deus. Justamente
a fim de nao apelar para Éste, ele tem que fechar os olhos ás
questSes básicas de toda a íilosofia: donde vimos? E para onde
vamos? — Destarte Comte com razSo julga ser mais lógico do
que o ateu, pois éste, embora negué a Deus, insiste em explicar
a origem e o sentido do homem apelando únicamente para os predi
cados da materia.
— 360 —
3. Apreciagao final
— 361 —
O caráter artificial e insustentável da posigáo de Comte
se manifesta bem na restauragáo da Religiáo, que éste pen
sador promoveu, depois de haver rejeitado o culto de Deus;
consolava-se ilusoriamente, julgando ter conseguido urna reli
giáo sem Deus. Cf. «P. R.» 15/1959, qu. 3.
2. A Moral positivista pode-se fazer a seguinte observa-
gáo, a qual, de resto, se aplica a todo tipo de Ética mera
mente leiga.
O Positivismo apregoa deveres e direitos, renuncia ao
egoísmo, vida altruista... O sentido, porém, destas pala-
vras, dentro da ideología positivista, torna-se forgosahiente
mais ou menos vazio. Com efeito, sem Deus, sem um Ser Pes-
soal regulador da conduta humana, poderá haver, sim, neces-
sidades para o individuo: a necessidade biológica de regrar
os instintos, a necessidade social de viver para outrem, a de
coibir os interésses pessoais em vista dos interésses comuns, etc.
Seráo, porém, necessidades físicas, nao obrigac.6es moráis; se
nao existe Deus, Ser Pessoal, Alfa e Omega das criaturas,
quem poderá eficazmente mover o homem a fazer violencia
á natureza e a sacrificar-se em favor do próximo ? Outro
homem terá autoridade para tanto ? A obrigagáo de coibir
os próprios apetites torna-se vá.
Toda Moral sem Deus vem a ser utópica, pois carece de funda
mento estável; as suas pretensas leis ficaráo sempre sujeitas ao
capricho do individuo, que tenderá a aprová-las ou condená-las de
acordó com as conveniencias do momento. Só observa a Moral sem
Deus o cldadáo que inconscientemente conserva reminiscencias de
tradicSes cristas. Por isto J. - P. Sartre, o principe do existencialismo
francés, podía dizer que deduzia as últimas conseqüéncias do agnos
ticismo religioso, quando na sua pega «Le Diable et le Bon Dieu»
apresentava Goetz a agregar-se a um bando de assassinos, com a
seguinte exclamado nos labios:
«Voilá le régne de l'homme qui commence. Beau debut! Allons,
Nasty, je serai bourreau et boucher. — Eis que comeca o reinado
do homem. Belo inicio! Vamos, Nasty; serei carrasco e acougueiro!».
A posicáo de Sartre é mais lógica do que a dos filósofos que
proíessam ignorar a Deus, mas ainda querem impor aos seus ouvintes
um código de Moral. As expressóes fortes do existencialista tém ao
menos a vantagem de chamar a atencao do observador moderno para'
as-conseqüéncias da mentalidade leiga ou positivista que, independen-
temente dos templos e do culto da Humanidade, se implantou em
nosso mundo contemporáneo.
— 362 —
Ubaldi. Pelo que, em nossa resposta distinguiremos duas etapas,
as quais se seguirá uma reflexáo sobre os assuntos abordados.
— 363 —
2. A úntese doutrinária de Ubaldi
— 364 —
posta em evolugáo e tendente a atingir a plena consciéncia de
si ou a perfeigáo em cada um dos seres parciais que a cons-
tituem: assim como existe urna consciéncia individual em
expansáo, diz Ubaldi, assim também existe urna consciéncia
universa], que o filósofo identifica com Deus.
— 365 —
por varios planetas (pois há, sim, muitos mundos habitados,
conforme Ubaldi!). Distinguem-se, por conseguinte, individuos
involuídos e outros evoluídos; uns mais, outros menos evoluí
dos ... Ora o estado dos menos evoluídos constituí o que se
chama «inferno», estado marcado pela dor, isto é, pelas con-
seqüéncias dos erros e da bestialidade de tais homens ; do
seu lado, os mais evoluídos dáo origem ao «paraíso», situagáo
feliz por causa da virtude que nela impera. «Céu» e «inferno»
seriam,- por conseguinte, meros estados dos homens existentes
nesta térra ou nos outros planetas, em demanda de sua plena
purificagáo.
4) A evolucáo do mundo atingirá um de seus grandes
marcos no ano 2000 : os próximos decenios seráo caracteri
zados por lutas apocalípticas, que poráo fim á civilizacáo atual,
tida como materialista, e ocasionaráo o surto de nova ordem
de coisas, de caráter «espiritualista» ; os povos se destruiráo
uns aos outros por meio de guerras ; enquanto o hemisferio
norte fór sendo mais e mais devastado, o Brasil conservar-se-á
em paz, destinado a ser o coragáo do novo mundo no sé-
culo XXI, mundo de paz e felicidade arquitetado sobre o amor
que se irradia do Evangelho ; o terceiro milenio corresponderá,
sim, ao terceiro día após a morte do Senhor, ou seja, ao día
da ressurreicáo e da renovacáo.
Os quatro tópicos ácima referidos condensam o pensa-
mento de Ubaldi de maneira a possibilitar urna apreciacáo
do mesmo.
3. Unía reflexáo
— 366 —
mando que ele possui a sabedoria absoluta, da qual cada urna
das escolas até hoje existentes só hauriu urna parcela peque-
nina. Ubaldi proclama a libertagáo frente a todos os dogmas
religiosos; e isto, nao em nome da impiedade, mas em nome
de urna adesáo mais íntima a Deus e ao Evangelho.
Tal posigáo _é extremamente sedutora para a vaidade
humana r quem adere a Ubaldi nao estará dando provas de
ser um individuo maduro ? E quem rejeita Ubaldi nao mos
trará ser urna crianga grande ? — Além disto, é posigáo muito
cómoda: remove qualquer autoridade religiosa objetiva para
fazer de Deus urna entidade ou urna fórmula que o homem
concebe como lhe apraz, adaptando-a consciente ou inconscien
temente ás suas conveniencias pessoais ; um tal Deus nao
molesta nem coibe o homem.
Na verdade, porém, quem submete a sereno exame da
razáo as teses que Ubaldi propóe em nome de sua sabedoria
superior, verifica que estáo longe de corresponder á filosofía
mais rudimentar ; envolvem contradigóes, como se verá abaixo.
Em particular a respeito da posigáo de Ubaldi frente á
Religiáo, notar-se-á : é a spberba que leva o homem moderno
a crer que ele é a sua própria autoridade religiosa e que ele,
seguindo o seu bom senso subjetivo, pode ditar a si as normas
que o encaminhem para Deus. O homem do séc. XX nao é
menos criatura, menos finito do que o homem do séc. I da
era crista. Mesmo manejando a bomba atómica e penetrando
os espagos cósmicos, a inteligencia humana se vé levada a
afirmar que a única atitude inteligente é a do homem de fé,
pois tudo que é material, é finito e limitado, ao passo que o
homem tem a sede inata do Infinito, daquele Infinito que só
a fé atinge. A grandeza do homem está em servir a Deus,
ao único Deus, que é pessoal e distinto do mundo.
«Quando nao se pode provar, nao se deve afirmar. Por isso nao
afirmo categóricamente. É questáo de íóro íntimo, pessoal. E é um
problema vasto que nao pode ser resumido numa frase. Mas com
— 367 —
o tempo vou esclarecer éste assunto, e em condigóes de prová-lo»
(declaracao publicada pela revista «A Noite Ilustrada» de 29/9/1953,
pág. 30).
Estas palavras de Ubaldi dispensam de qualquer ulterior demora
sobre a questáo; colocam-nos íora dos setores da filosofía e da ciencia.
— 368 —
de um sujeito se pode reconhecer a esséncia ou a natureza do mesmo.
— Pois bem; a alma humana, mediante sua inteligencia, produz ativi-
dade que transcende a materia; ela é, sim, capaz de conceber objetos
emancipados de notas concretas, materiais (tais como a idéia do
Dever, da Justiga, da Igualdade, da Divergencia, etc.); sem dúvida,
tais concepgóes supoem urna atividade que nao seja material, mas
transcenda a materia. Esta atividade, por sua vez, supóe um principio
de agáo que seja independente da materia no seu modo de existir,
isto é, supSe que'a inteligencia e, por conseguinte, a alma humana
sejam realidades nao materiais, ou realidades espirituais. — Donde
se vé que é válida e necessária a distincáo entre materia e espirito.
— 369 —
dai decorrentes. Enquanto, porém, vive nesta térra, o pecador pode
suavizar o seu tormento interior, usuíruindo de paliativos, que sao
os prazeres transitorios. Todavía, após esta vida já nSo há paliativo
nem ilusáo possível, de modo que o pecador passa a experimentar
na Integra a dor mais intima possivel: de um lado, a sua alma continua
e continuará sem fim a bradar por Deus (... sem fim, porque o
espirito é imortal, já que nao se comp8e de partes quantitativas);
do outro lado, a sua vontade continuará a aderir livre e consciente
mente á criatura, repudiando a Deus de acordó com a última disposi-
cáo que tinha aqui na térra. Esta disposigáo nao se poderá mudar,
porque a alma humana por sua natureza mesma nao pode adquirir
novas nog8es nem conceber novos afetos senáo enquanto unida ao
corpo (todo raciocinio tem origem no conhecimento sensitivo). —
Donde se vé que nao é necessário, pronuncie o Senhor alguma senten-
ga para infligir o inferno a urna criatura; o Senhorapenas reconhece
e respeita a livre opcáo do homem que se lhe apresenta logo após
a morte; nao retoca nem mutila essa livre opcao, porque isto equiva-
leria a derrogar á liberdade do homem, liberdade que o Criador quis
benignamente outorgar á criatura racional. Esta, por tanto, se verá
para todo o sempre alheia a Deus.
Tal é a pena que primariamente constitui o inferno. A isso
sobrevém o que se chama «o fogo do inferno», isto é, a agao de
um elemento fisico, corpóreo, capaz de agir sobre a alma humana.
Éste agente fisico (que nao pode ser identificado com o fogo déste
mundo) representa o universo corpóreo voltado contra o pecador,
porque éste, rebelando-se contra Deus, violentou direta ou indireta-
mente também a natureza corpórea.
Note-se ainda um tópico importante: os reprobos no inferno
sofrem precisamente por reconhecerem, de um lado, que Deus é bom
e santo e, de outro lado, que éles se incompatibilizaram com tal Bem;
o seu estado de alma, por muito penoso que seja para os respectivos
individuos, tem conseqüentemente um signifcado positivo no conjunto
das criaturas; sim, vem a ser um modo de proclamar a gloria de
Deus, fazendo eco ao coro dos justos, que proclamam essa mesma
gloria, familiarizados com ela. Assim o Criador, sem retocar a liberdade
das criaturas no currfculo desta vida, faz que cada qual em seu
estado final concorra, na base mesma da sua livre opcao, para o
Fim único de toda a criagáo, que é louvar e exaltar o Pai do céu.
Eis em que consiste própriamente o inferno. Tal nogao, por trágica
que seja, se apresenta cheia de grandiosidade... Nao fagamos do
homem, más 'de Deus, o centro do universo, e conseqüentemente
saberemos ver, expressa no inferno mesmo, a sabedoria e a santidade
do Criador.
4) As previsOes de Ubaldi referentes ao íim déste século e ao
terceiro milenio deveráo ser julgadas a luz do que se lé na resposta
n« 3 déste fascículo.
5) Ainda urna palavra sobre a atitude da Igreja frente & ideología
de Ubaldi: os varios erros filosófico-religiosos que éste pensador
recolhe em sua mensagem, justificam a condenagáo proferida pela
Santa Sé aos 8 de novembro de 1939 sóhre duas obras do filósofo:
«L'Ascesi mística» e «La Grande Síntesis. O que motivou a intervengáo
do S. Oficio no caso nao foram sámente as doutrinas erróneas como
tais, professadas por Ubaldi, mas também o fato ponderável de que éste
autor em suas teorías envolve valores fundamentalmente cristaos: a
pessoa de Cristo, a autoridade do Evangelho, do Apocalipse, os
conceitos de paraíso, inferno, etc.
— 370 —
Rematando quanto até aqui propusemos, concluiremos que
Pietro Ubaldi é mais urna das figuras profundamente religiosas
ou místicas de nossos tempos ; toda a sua tempera ardente,
porém, é dirigida segundo falsos rumos, falsos rumos inspi
rados pela fantasía e talvez pelo espirito de auto-suficiéncia
que tanto contamina o homem moderno. A docilidade e a
humildade sao iñégáveis garantías de éxito na procura da
Verdade.
II. DOGMÁTICA
I. B. H. (Belo Horizonte) :
1. Os textos bíblicos
— 371 —
«Quanto áquele día e áquela hora, ninguém os conhece: nem
os anjos do céu, nem o Filho, mas apenas o Pai».
O texto ácima suscitou arduas controversias entre os exegetas,
principalmente na antigüidade, pois parece equiparar o Filho de
Deus aos anjos, distanciando-0 de Deus Pai. Passados, porém, as
controversias cristológicas que agitaram os primeiros sáculos, nao
resta dúvida de que as palavras do Salvador háo de ser entendidas
á luz de afirmagoes análogas, em que Jesús afirma dependencia
em relacáo ao Pai (cf. p. ex. Mt 20,22); é como homem que o Senhor
entáo fala, e como homem que executa u'a missáo a Ele confiada
pelo Pai. Com efeito, Jesús, como verdadeiro Deus, sabia perfeita-
mente qual a data da sua segunda vinda; sabia-a também enquanto
homem perfeito, que já aqui na térra gozava da visáo beatífica
(contemplando o Pai face a face, a santíssima humanidade de Cristo
n*Éle via seus designios a respeito do mundo). Nao estava, porém,
no programa da vida terrestre de Cristo revelar aos homens o
grande dia; em conseqüéncia Jesús pode dizer simplesmente que
o ignorava. É o que o Pe. Lagrange explica nos seguintes termos:
«O Filho sabe, mas (como homem e Mestre dos homens) nao
recebeu a incumbencia de manifestar; neste sentido Ele ignora»
(St. Marc 350). Tal é a interpretacáo que desde os tempos de
S. Agostinho (t430) prevaleceu na tradigáo crista (cf. S. Agostinhov
In ps 36 ed. Migne lat. 36.355) — Observe-se aínda que o texto
paralelo do Evangelho de Sao Mateus, evitando todo possivel mal-
-entendido, omite simplesmente a mengao do Filho: «Quanto aquele
dia e áquela hora, ninguém os conhece, nem os anjos do céu, mas
apenas o Pai» (24,36).
— 372 — *
toda a extensáo do horizonte (Mt 24,27), e assim como o
salteador surpreende o pai de familia em casa durante a noite
(Mt 24,43s), assim também o Filho do homem inesperada
mente descera dos céus em sua majestade. A estas imagens
acrescenta o Senhor uma exortacáo a que os homens vivam
sempre conscientes do significado e do valor de cada um de
seus instantes (cada qual déstes pode ser o derradeiro).
Sao Paulo desenvolve em colorido muito vivo a imagem
do ladráo :
— 373 —
do Anticristo ou para o dia do julzo. Com eíeito, a Verdade diz:
'Nao toca a vos ter conheclmento dos tempos e momentos que o
Pai íixou por sua própria autoridade'. Consta que os que até hoje
ousaram afirmar tais coisas, mentiram e, por causa déles, nao
pouco sofreu a autoridade daqueles que pregam com retidáo. Ninguém
ouse predizer o futuro apelando para a Sagrada Escritura, nem
afirmar o que quer que seja, como se o tivesse recebido do Espirito
Santo ou de revelagáo particular, nem ouse apoiar-se sobre conje
turas vas ou despropositadas. Cada qual deve, segundo o preceito
divino, pregar o Evangelho a toda criatura, aprender a detestar
o vicio, recomendar e ensinar a prática das virtudes, a paz e a
caridade mutua, táo recomendadas par nosso Redentor».
— 374 —
hora da manifestacáo do Divino Mestre ao mundo, porque ele
possui consciéncia viva de uma verdade muito mais importante.
Ele sabe, sim, que o reino de Deus está primariamente no
íntimo das almas; nao é algo de meramente futuro, mas já
se acha presente, sob forma (poder-se-ia dizer) de embriáo,
em cada cristáo que possua a graca santificante ; esta comu
nica de maneira inicial e ainda velada a vida eterna, aquela
mesma vida que, plenamente desabrochada, faz a felicidade
dos justos nos céus. Quem tem consciéncia disto, nao dá
grande importancia a «navidades» ou a profecias e rumores
sensacionais, sobre o fim do mundo. Venha o que vier, o
cristáo sabe que a fonte primacial de sua uniáo com Deus e
de sua bem-aventuranga nao está fora déle, mas já se encontra
no íntimo de sua alma; caso seja fiel á graga interior, ele vai
mais e mais gozando aqui na térra daquilo que «ólho jamáis
viu, ouvido jamáis ouviu, coragáo jamáis percebeu» (1 Cor 2,9).
— 375 —
sas fontes anunciam para os próximos decenios catástrofe e
restauragáo sobre bases mais puras.
Pergunta-se agora: seria possível de algum modo son
dar as causas de tal anelo ?
Analisando as narrativas folclóricas dos antigos concer-
nentes á ruina e á restauragáo do universo, julgam os histo
riadores que nelas há freqüentes alusóes á Lúa. Donde con-
cluem que provávelmente a observagáo das fases da Lúa
tenha concorrido para se formar o conceito do «eterno re
torno» na mente dos povos primitivos : de fato, a Lúa em
suas quatro fases (nova, crescente, cheia e minguante) apa
rece e desaparece sem jamáis se aniquilar; o fenómeno lunar
teria sido tomado como padráo ou tipo do que se dá com o
universo e com o género humano...
Em nossos dias, dois fatores parecem contribuir para
excitar com particular intensidade a fantasía e as expecta
tivas do público:
a) as calamidades por que tem passado o género humano
em conseqüéncia de duas guerras mundiais sucessivas ; dir-
-se-ia que os homens se acham cansados do estado atual de
coisas e ardentemente esperam renovagáo, renovagáo da ordem
social, económica, política, etc., coisa que só lhes parece pos
sível mediante previa destruigáo de tudo que hoje existe;
b) a proximidade do ano 2000, que representa um pe
ríodo arredondado ou «perfeito», sugere fácilmente as idéias
de encerramento e novo inicio.
— 376 —
se verificaría, póis entáo inicio e íim da vida terrestre do Senhor
Jesús se sobreporiam. Ora tal coincidencia se deu no ano de 992
(Páscoa caiu entáo no dia 27 de marco); por essa ocasiao os cálculos
dos «videntes» predisseram o fim do mundo para os tres anos sub-
seqüentes... Aconteceu, porém, que o monge Abon de Fleury (Gália)
se encarregou de dissipar os temores, lembrando aos fiéis que a táo
famigerada coincidencia ocorre forgosamente duas ou tres vézes
em cada século- (Apologeticum, ed. Migne lat. 139, 472).
O mesmo Abon narra ter ouvido pregar em uma igreja de Paris
sobre o fim do mundo: o orador previa que, tao logo se tivesse
completado o ano 1000, o Anticristo aparecería e, pouco depois, se
daria o juizo final; a essa opinláo opós-se Abon, como ele mesmo
relata, argumentando em nome dos SS. Evangelhos, do Apocalipse
e do livro de Daniel (ibd. 471). As inundacoes, a fome e outros
flagelos públicos do séc. X concorriam para excitar ñas populagSes
a expectativa de iminente ruina total do mundo.
Após verificar estes fatos, o observador contemporáneo nao se
admirará de que nosso século, calamitoso como é, se tenha tornado
ambiente fecundo para profecías concernentes ao ano 2000. Tais
vaticinios nao merecem mais crédito do que os que, em circunstancias
análogas, foram propalados no séc. X.
3. Conclusáo
— 377 —
(Como havemos de viver?). Dusseldorf 1954. Nesse trabalho o
autor se propde dissipar a «Angst vor der Zukunít», isto é, as
apreensoes e angustias do homem moderno que volta sua atencáo para
os lempos vindouros: recorrendo a cifras e .dados concretos, o autor
mostra, entre outras coisas, como a Térra poderia períeitamente
alimentar urna populacáo de 4.947.000.000 de habitantes prevista
para o ano 2000 ou de 11 bilhSes prevista para o ano de 2500. Entre
as últimas frases désse impressionante estudo, lé-se o seguinte:
«As ciencias naturais devem sua origem á Religiao, em parte
mesmo ao que há de mais profundo na Religiao, isto é, á Mística.
Os homens foram estimulados a pesquisar o mundo criado, a fim
de poder formular urna prova da presenca viva do Criador.
.. .Na época -do Huminismo (séc. XVIII) deu-se a ruptura entre
as concepgóes dos cientistas a respeito do mundo e as proposicóes
da fé... Dizia-se que o pesquisador da natureza devia tentar trabalhar
abstraindo da hipótese de um Criador .. .Em cérea de 1900 os principáis
cientistas fundaram o «Monistenbund» (Alianga dos Monistas ou
Ateus), que negava a distincáo entre corpo e alma e na natureza
nao via senáo mecanismos. Alguns decenios mais tarde, serios estu
diosos professam de novo fé e reverencia, ao mesmo tempo que
se entregam as suas pesquisas. Ainda mais recentemente, os grandes
físicos e biólogos dáo um passo adiante, declarando que os resultados
das ciencias naturais se conciliam com as concepgóes da fé...
As novas perspectivas sóhre o setor da vida e a entrada do
homem nos espacos intersiderais só íizeram corroborar a reverencia
dos auténticos cientistas perante a vida e a criacáo» (pág. 316s).
Mais explícito ainda é o depoimento de Paul-Jacques Quermont,
autor do artigo «L'An 2000» na revista (que é reconhecidamente
sólida e seria) «Science et Vie» (t. XCV n» 500, mal 1959), onde o
autor prevé, na base de dados científicos criteriosamente utilizados,
o horario de um homem de trabalho e de sua familia em París
do ano 2000; depois de falar das maravilhosas invencOes e realiza-
cées da técnica da época, observa que as conquistas da ciencia humana
acarretaráo entre as suas conseqüéncias «um notável renascimento
do senso religioso (ninguém, por exemplo, estranha no ano 2000
que os dois satélites artificiáis Alfa e Beta tenham cápela e, entre
os membros da sua tripulagao, capelües do espaoo). — .. .d'abord une
considerable renaissance du sentimen t religieux (personne, par
exemple, ne s'est étonné de ce que les deux, satellites Alpha et Beta
comprennent des chapelles et, parmi leurs équipages, des 'aumóniers
de l'espace')» (pág. 45).
— 378 —
próximos decenios e o ano 2000 seráo tempos de notável bem-
-estar. Na'verdade, Deus (que nao se identifica com as fórcas
da natureza, mas é o Criador providente das mesmas) permite
que o homem, optando livremente pelo bem o\i pelo mal, se
torne o autor de sua própria felicidade ou infelicidade. Donde
se vé que as preocupagóes de nossos contemporáneos se devem
dirigir nao para as múltiplas e vas «profecías» que estáo nos
ares, mas para a grande tarefa de morigerar a sociedade mo
derna e restaurar o aprego dos valores moráis, a fim de que
o homem possa dominar a técnica, e nao ser dominado ou
esmagado por esta.
— 379 —
Revel&gáo, no sentido religioso, importa que Deus, por via sobre
natural, manifesté verdades desconhecidas ao homem. É o dom de
que gozavam, por exemplo, os profetas do Antigo Testamento, quando,
em nome do Senhor. prediziam aos seus contemporáneos os aconteci-
mentos futuros.
Quando, porém, Deus inspirava um autor sagrado (Moisés, Davi,
S. Paulo ou S. Lucas...), nao lhe comunicava necessáriamente novas
nogoes de ciencia, de historia ou de teología; nao retocava em absoluto
o grau de cultura em que se encontrava ésse escritor. Em outros
termos: nao aprimorava necessáriamente os conhecimentos adquiridos
por tal autor na escola de seu povo e de sua época. Nao raro os
escritores bíblicos afirmam ter examinado documentos e ouvido
testemunhos, dos quais receberam as concepc.6es que éles nos trans-
mitiram (cf. Le 1, 1-4; 2 Mac 2,24-32).
2) De outro lado, inspiracáo bíblica nao é mera assisféncia
extrínseca, mediante a qual o Senhor Deus preservaría de erro o
autor sagrado. Esta simples assisténcia extrínseca é privilegio reser
vado ao Sumo Pontífice ou a um concilio universal, quando definem
proposites de fé ou de costumes para a Igreja inteira.
Passando agora a termos positivos, diremos que, no caso da
inspLracao bíblica, Deus supóe o cabedal de nogóes religiosas e
profanas que tal individuo (seja um oriental, seja um grego, seja
do séc. XIII a. C, seja do séc. I d. C.) tenha adquirido por seus
estudos ou sua educagáo. Ilumina, porém, a mente désse homem
para que veja com a clareza e a certeza do próprio Deus que tais
e tais nogoes (já existentes em sua mente) sao aptas a exprimir
determinada mensagem religiosa que no momento o Senhor quer
comunicar aos homens, ao passo que tais outras nogoes e expressdes
(também existentes em sua mente) seriam infiéis ao pensamento
de Deus ou á doutrina sagrada.
Posto entáo sob a acáo dessa luz divina, o autor distingue com
todo o acertó e a lucidez de Deus mesmo o que deve e o que nao
deve escrever. A seguir, ainda sob a influencia do Senhor (influencia
que nao extingue a liberdade de arbitrio), escreve com toda a fide-
Iidade aquilo que em sua mente viu ser a expressao auténtica da
doutrina religiosa que Deus quer transmitir aos homens.
Dentro do que acaba de ser exposto, é importante frisar os
dois seguintes pontos:
1) A agáo de Deus descrita ácima de modo nenhum modifica
as concepcoes, o expressionismo e o estilo que o autor antigo possa
ter; ela apenas garante que tal aparato de cultura oriental, devida-
mente selecionado á luz de Deus, é genuino veiculo de um ensinamento
nao científico nem profano, mas estritamente religioso e, como tal,
válido para todos os tempos. — Os autores bíblicos aludiam, sim,
ás noc5es de ciencias naturais segundo o modo de falar popular
da sua época, sem pretender definir nem sugerir alguma sentenca
de astronomía, geología ou biología;, ésse modo de falar popular era
suficiente para comunicar verdades de índole nao profana, mas reli
giosa; por isto é que o^Espírito Santo nao retocava tal expressionismo.
— Donde se vé que, para entender a mensagem bíblica, é absoluta
mente necessário considerar o aspecto humano do livro sagrado e
reconstituir a mentalidade do respectivo escritor, pois sómente através
desta e dentro da roupagem que esta oferece é que se vai encontrar
o ensinamento válido e perene da Escritura Sagrada.
2) A mencionada agao de Deus nao dispensa a agáo do homem,
ou seja, o trabalho que um escritor humano costuma prestar para
redigir um livro, desde a concepeáo e concatenagáo das idéias até
— 380 — .
a confeccáo da última linha escrita. Antes, a acáo de Deus, na inspiragáo
bíblica, suscita e acompanha o labor do redator humano, para que
éste seja fiel a verdade religiosa intencionada pelo Espirito Santo.
Assim se explica que os escritores bíblicos mencionem nao sómente
as fontes de que se serviram, mas também a fadiga, as dificuldades
que a elaboragáo de determinada obra lhes possa ter causado (cf.
Le 1,1-4; 2 Mac 2,24-32; 11, 16-38). Nem é necessário admitir tenham
tido sempre consciéncia de que o Espirito Santo garantía, por um
dom próprio. o bom éxito ou a veracidade de seu trabalho; éste lhes
parecia em tudo semelhante ao trabalho de qualquer outro escritor
humano.
Apliquemos agora o que acaba de ser dito ao texto de 2 Mac.
— 381 —
do escritor quanto ao estilo e as regras de composicáo do livro,
mostram-se infundados : o hagiógrafo fez obra digna de en
comio, até mesmo do ponto de vista literario.
IV. MORAL,
— 382 —
do futuro; é, alias, isto o que geralmente se procura ñas con
sultas a quiromanías.
Distingue-se da quiromancia a «quirología» ou «quirog-
nomia», estudo da máo que tem a finalidade de descrever nao
própriamente o currículo de vida da pessoa, mas o seu tem
peramento ou caráter, seus tragos psicológicos e até fisiológi
cos, excluida toda especie de adivinhaqáo, oráculos do alto, etc.
A quirología formula seus diagnósticos interpretando cada
urna das características da máo como sinal de determinado
traco da personalidade do sujeito. — A quirología pode ser
classificada como ciencia, predicado éste que nao convém á
quiromancia (ao menos no sentido antigo e clássico), pois
esta entra muito nos setores da arte e da Religiáo.
Na antigüidade já o sabio grego Aristóteles (t 322 a. C.)
correlacionava as linhas da máo com a duragáo da vida do
individuo. Contudo o grande mentor da quirología foi, no
século passado, o capitáo D'Arpentigny mediante suas obras
«Chirognomie». París 1856, e «La science de la main» 1855.
Para apreciar devidamente o estudo das máos, conside
raremos abaixo o seu histórico e os seus principios doutri-
nários. •■•■/
— 383 —
na corte regia ou ñas cidades que nao consultasse, ou mesmo prote-
gesse contra adversarios, o seu respectivo «adivinho da máo». Os
escritores da época esforgavam-se por provar que o destino de cada
individuo está determinado desde o seu nascimento...; nao concorda-
vam entre si. porém, na maneira de interpretar as linhas e notas
características da máo, o que redundava em desabono de sua tese.
• No séc. XIX é-que tiveram inicio na Europa os estudos realmente
sistemáticos de quiromancia, estudos encabecados por D'Arpentigny
e Desbarolles, e conduzidos pela razáo mais do que pela mística. Até
o inicio do séc. XX, porém, nao gozavam de grande prestigio, pois
os eruditos, assaz imbuidos de «cientificismo» e positivismo, tendiam
a desprezar a quiromancia como se íósse mera funcáo de estados
neuróticos, histéricos ou de artificios fraudulentos.
A titulo de ilustracáo, vai aqui citada a conclusáo do artigo
«Chiromancie» do «Grand Dictionnaire universel du XIX siécle» de
Pierre Larousse (t. IV, pág. 146) :
«Gracas a ésses dois reveladores (D'Arpentigny e Desbarolles), a
quiromancia adquiriu nova voga. Dois homens que nao eram desti
tuidos de espirito, podem pois gabar-se de ter de novo lancado grande
parte de seus contemporáneos ñas práticas dos sáculos da barbarie.
Seja transitoria a sua gloria! Quanto a nos, nao quiséramos ter a
minima parte nessa regressao táo deplorável quanto imprevista, e
declaramos que só demos desenvolvimento á pretensa ciencia dos
quiromantes para mostrar aos nossos leitores tudo que ela tem
de ridiculo, e afastá-los, tanto quanto possivel, dessa ciencia estúpida
professada por homens que chamaríamos charlatáes se nao estivés-
semos persuadidos de que quiseram fazer urna brincadeira de mau
gósto antes que vergonhosa exploracáo».
Nos últimos anos as opinioes tém mudado: há autores que, consi
derando nogSes recém-adquiridas no setor da parapsicologia, da
telepatía e da percepgáo extra-sensorial, julgam que os fenómenos
de quiromancia tém fundamento objetivo, podendo, ao menos em
parte, ser considerados como maniíestacóes do conhecimento para-
normal (isto é, conhecimento ao lado do normal, nao, porém, contrario
a éste ou anormal).
Após considerar as grandes idéias que nortearam e norteiam o
estudo das máos, procuraremos tomar posicáo diante da antiga e
da nova formulacáo do problema.
— 384 —
individuo e da sociedade humana ; baseando-se nisto, o as
trólogo deduz as vicissitudes da existencia de uma pessoa,
observando os movimentos e as posigóes dos astros relacio
nados com tal pessoa (cf. «P. R.» 16/1959, qu. 2).
No homem, considerado como centro do universo, as
máos toca importancia especial, pois sao o instrumento admi-
rável da atívidade humana. Elas constituem como que a sín-
tese de toda a operosidade e, por conseguinte, de toda a vida
do homem, já que yiver é agir cu desempenhar urna atívidade.
Em conseqüéncia, julga-se que na máo de cada individuo, por
tadora como é de suas linhas, saliéncias e cavidades caracte
rísticas, deve estar desenhado um compendio de toda a vida
dessa pessoa. É éste pressuposto de que a máo está correla
cionada com a vida do homem e, ulteriormente, com os astros,
que explica tenham sido dados aos sinais mais notorios das
máos (principalmente ás suas protuberancias) nomes deri
vados da Astrologia: fala-se, com efeito, de «monte de
Júpiter, monte de Saturno, monte de Apolo, monte de Mer
curio», etc. ; conseqüentemente, a predigáo do futuro pelas
linhas da máo toma por vézes o nome de «quiromancia as
trológica».
Partindo destas premissas, os antigos, desejosos de sondar
o currículo da vida de um individuo, estabeleceram como que
um código (o qual se tornou clássico e até hoje vigente) do
simbolismo dos diversos sinais ocorrentes ñas máos. Distin-
guiram, portante,
-385-
Além disso, observam-se e classif icam-se grandes linhas na palma
da mao, a saber,
a linha da vida, que contorna a base do polegar, designando a
vitalidade da pessoa;
a linha da sorte ou da fortuna, que une o punho com o dedo
indicador, podendo faltar em algumas pessoas;
a linha do coracao, que percorre a base dos quatro dedos supe
riores; reflete a afetividade;
a linha da cabeca, que corre abaixo da linha do coracao; denuncia
a maior ou menor capacidade de raciocinar e refletir.
Os autores costumam enunciar ainda outras linhas da pahua,
dotadas de importancia secundaria, como a da intuicáo ou de Mercurio,
a da notoriedade ou do Sol, o anel de Venus, etc. Os quiromantes
levam em conta outrossim sinais acidentais que por vézes aparecem
sobre as linhas e as protuberancias, classificados como «ranhuras,
grades, ilhas, cadeias, ramos, forquilhas, tacas, cordas, sois...».
Interessam-se também pela forma dos dedos, admitindo, por exemplo,
que polegar rígido denote pessoa teimosa, obstinada; polegar encurva-
do para dentro, espirito covarde, excesso de precaucao, reserva
pessoal; encurvado para fora, caráter débil, renuncia á personalidade;
polegar forte e largo, teimosia, tendencia a crueldade; curto e prosso,
irritabilidade, egoísmo; polegar multo pequeño, caráter incerto e
tímido; polegar estreito, firme e reto, autodominio e vontade forte
(tal tabela interessa muito também a quirología).
— 386 —
os observadores em geral costumam dizer que nao basta urna
só inspegáo de máos para se diagnosticar o caráter ou o cur-
rículo de vida de urna pessoa, mas requerem-se exames suces-
sivos e sistemáticos, documentados por chapas fotográficas,
a acompanhar o consulente ñas diversas fases de sua existencia.
- 387 —
as predicóes dos quiromantes, reivindicando para elas autori-
dade indiscutida.
Ora, na medida em que envolvía o conceito monista ou
panteísta de Deus (Deus identificado com o universo) ou
crenca num pretenso poder sobrenatural dos astros ou dos
elementos cósmicos sobre a vida humana, induzindo fatalismo,
a quiromancia era contraria nao só á fé crista, mas tambéni
á sá filosofía. Com efeito, é inconsistente a tese de que os as
tros determinam a vida humana, deixando o vestigio de sua
agáo sobre as palmas das máos ; concede-se sem dificuldade
certa influencia dos corpos celestes e dos elementos da atmos
fera sobre a historia do género humano e seus grandes acon-
tecimentos; pode-se também admitir que um ou outro indi
viduo seja especialmente sensível as fases da lúa ou as con-
dicóes atmosféricas ; nao há, porém, provas de que tais ele
mentos irracionais caracterizem a personalidade e as ativi-
dades de determinada pessoa, marcando o seu currículo de
vida, a ponto de lhe tirar a liberdade de arbitrio (veja-se o
que está dito sobre a Astrologia em «P. R.» 16/1959, qu. 2).
— 388 —
do sobrenatural ou da intervengáo de um espirito superior,
sao fenómenos meramente naturais, isto é, contidos dentro do
potencia] da alma humana : tais seriam os fenómenos de tele
patía, clarividencia e de percepcáo dita «extra-sensorial», fe
nómenos ou casos em que a pessoa conhece objetos ausentes,
isto é, separados do sujeito por urna distancia mais ou menos
considerável deespaco e de tempo.
Na base das experiencias parapsicológicas até hoje feitas,
bons autores (1) julgam possivel que um acontecimento futuro
(efeito de certas causas já agora existentes) concernente a
urna pessoa seja por esta pessoa inconscientemente percebido
á distancia ; isto faria que a constituigáo física désse mesmo
individuo (em particular, as máos, órgáo táo expressivo do
homem) ficasse marcada por tal percepgáo. Um observador
entáo (no caso, o quiromante) estaría habilitado a apreender
essa marca de máos e conseqüentemente a predizer o futuro,
atribuindo determinada interpretagáo aos sinais averiguados.
— 389 — . .
quais ele propSe a hipótese que atrás referimos (cf. Le langage de
la main 85s).
— 390 —
de mulheres dadas á quiromancia do que o de varSes. — Francois
de la Noé explica isto, lembrando que o varáo é mais dado ao
raciocinio discursivo e sistemático, ao passo que a mulher é mais
intuitiva e dotada de sensibilidade mais vibrátil. Ora o conhecimento
quiromántico depende muito mais de intuicáo do que de raciocinio
dialético; ele se prende muito mais ao setor do conhecimento sub
consciente e extra-sensorial, para o qual as mulheres tém especial
propensáo, do que ao da argumentagáo racional (ob. cit. 117-120).
— 391 —
escrita ou a caligrafía : da configuragáo que alguém dá ao
tragado de suas letras, nao parece haver dúvida de que se
podem deduzir notas típicas do temperamento dessa pessoa.
V. HISTORIA DO CRISTIANISMO
1. Surto e desenvolvimiento
— 392 —
fríamente pela razáo e a lógica; criou, por conseguinte, um tipo
de religiSo rígida, em que os sentimentos da alma sao inteiramente
subordinados á exaltará o da gloría e da onipoténcia de Deus; com
seriedade trágica, Calvino, desejoso de salvar as almas, considerava
sempre as exigencias ímpreteríveis de sua vocacáo e a imperiosidade
do dever. Com estes predicados exerceu extraordinario poder de
atracSo sobre os homens seus contemporáneos, os quais de longe
acorriam a Genebra para ver e ouvlr o «Reformador».
Trago muito característico da figura severa de Calvino e da
mentalidade que ela até hoje exala, é o seguinte: conforme disposicáo
testamentarla do Reformador, seu cadáver envolvido em paño grosso
foi por notável multidáo de crentes levado ao csmitério de Plainpalais,
sem discursos nem cantos; sobre o seu túmulo nao se ergueu nem
urna cruz nem urna pedra sequer, de tal sorte que hoje nao se pode
indicar com seguranca onde jazem os despojos moríais de Calvino;
em 1830 um calvinista holandés colocou no mencionado cemitério
urna lapide, até hoje existente, com as iniciáis J. C. (Jo&o Calvino);
o lugar conjeturado, porém, está sujeito a dúvidas.
A austera atitude religiosa que Calvino inaugurou, é hoje a
heranca de cérea de 60 milhoes de cristáos, dos quais 40 milhSes tém
o titulo de Reformados (seriam os imediatos discípulos de Calvino
na Suiga e na Franca; nao há quem se denomine simplesmente
calvinista); 15 milhSes sao chamados Presbiterianos (calvinistas
doutrinados por John Knox, na Escocia); os restantes 5/6 milhoes
tém o nome de Congreg&cionalistas (oriundos na Inglaterra por obra
de Robert Browne, 11624, contra certo desvirtuamento do Fresbi-
terianismo).
Voltemo-nos agora diretamente para o tema da nossa questáo.
— 393 —
ou «presbíteros» de que fala a S. Escritura (cf. At 20,17).
Note-se, por conseguinte, que a palavra «Presbiterianismo»
significa nao o regime em que o sacerdote (presbítero, no sen
tido católico) ou pastor (ministro da palavra e do culto, no
sentido luterano) é chefe, com exclusáo de bispos, mas designa
o sistema em que cada comunidade de fiéis é goyernada por
urna comissáo de anciáos eleitos pelos mesmos fiéis (na orga-
nizagáo hodierna, os presbiterios calvinistas estáo, por sua
vez, subordinados a sínodos e a concilios).
A denominagáo «Presbiterianismo» assim entendida, em-
bora se possa aplicar a qualquer fundagáo calvinista, é reser
vada para designar as igrejas calvinistas de lingua inglesa (na
Escocia, na Inglaterra, na Irlanda, nos EE.UU. da América,
ñas colonias inglesas e ñas demais nacóes para onde núcleos
de lingua inglesa emigraram). O Presbiterianismo nesses mes
mos países opóe-se ao Episcopalismo (sistema que, embora
seja protestante quanto a doutrina, conserva a hierarquia dos
bispos) e ao Congregacionalismo ou Independentismo (sistema
que atribuí a cada comunidade ou congregagáo de «santos»
absoluta autonomía em relagáo as demais e ao Estado, fi-
cando supressa toda hierarquia de poderes).
— 394 —
«Scotica Confessio» ou proíissáo de fé devida a Knox e pelo «First
Book oí Discipline», no qual o mesmo autor dava organizacáo calvinista
ou presbiteriana a Cristandade de sua nagáo. Os católicos, tidos por
Knox como «adoradores de Moloque ou idólatras», sofreram entáo
violenta perseguicáo; o «Reformador» reivindica va para os pregadores
do seu credo calvinista os privilegios dos Apostólos, isto é, autoridade
incontestada; tais homens utilizaram o método dos «filhos do trováo»,
pois Knox julgava encontrar na Escritura o preceito de exterminar os
católicos, que ele equiparava aos pagaos; reconhecia á comunidade
dos erentes e, erri nome desta, até aos individuos particulares o direito
de recorrer ao punhal contra a legítima autoridade civil.
O Presbiterianismo teve que lutar contra as tentativas dos reis
da Inglaterra Jaime I (1603-25), Carlos I (1625-49), Carlos II (1660-85)
e Jaime II (1685-88), os quais procuravam introduzir na Escocia o
Episcopalismo inglés. Os presbiterianos, porém, conseguiram nao
sómente resistir aos episcopais, mas até mesmo implantar as suas
idéias na Inglaterra; com eíeito, a famosa assembléia do Parlamento
inglés em Westminster, no ano de 1643, instituiu, ao menos proviso
riamente, o regime presbiteriano na Inglaterra; éste contudo nao
conseguiu prevalecer sobre o Episcopalismo, que em breve foi oficial
mente restaurado no reino inglés.
Na Escocia o Presbiterianismo triunfou definitivamente sob o
reinado de Guilherme III de Orange (1689-1702). Aconteceu, porém,
que a uniao da Escocia com a Inglaterra (vigente desde 1707) atenuou
o sistema presbiteriano, pois o govérno foi mais e mais arrogando a
si o direito de nomear os ministros do culto. Isto provocou a formacáo
de comunidades dissidentes, que em 1847 se uniram sob o nome de
«United Presbyterian Church». Pouco antes, em 1833, o Parlamento
recusara ás familias presbiterianas o direito de anular a nomeagáo
de um ministro do culto feita pelo «patrono» ou senhor tutelar de
determinada igreja; esta medida provocou em 1843 novo cisma, dando
origem á «Free Church» ou «Igreja Livre». Finalmente em 1874 o
Parlamento concedeu a cada paróquia o direito de nomear o seu
pastor, conforme a constituicáo presbiteriana. Os dissidentes da
«United Presbyterian Church» e da «Free Church» resolveram em 1900
fundir-se em um só bloco designado como «United Free Church», ao
lado do qual subsiste hoje em dia a Igreja do Estado («Established
Church of Scotland»); existem outrossim os dais pequeños grupos
independentes, ditos «Reformed Presbyterian Church» e «United
Original Seceders».
Nos EE. UU. da América, o Presbiterianismo foi introduzido
desde o séc. XVI por ¡migrantes ingleses, franceses, holandeses e
alemáes, o que provocou agrupamentos divergentes entre si no
tocante a certos pontos de doutrina ou de disciplina (relacoes da
Igreja com o Estado, permissao de órgáo e cantos populares no culto,
etc.); o bloco mais numeroso é a «Presbyterian Church in the United
States of América»; contam-se outrossim a «United Presbyterian
Church in the United States», a «Reformed Presbyterian Church of
América», a «Associate Reformed Church of (he South», a «Reformed
Presbyterian Church of Pittsburg and Ontario» e a «Colowred Church
oí the United States and Canadá» (destinada aos fiéis de raca negra).
— 396 —
alguma capacidade de colaborar na sua salvagáo ou reconhecer
ao cristáo algum mérito (ainda que subordinado ao Reden
tor) seria «obscurecer a gloria de Deus e erguer-se contra
Ele» (Calvino). Insistindo em exaltar o poder do Altíssimo, o
Reformador quase se comprazia em espezinhar a natureza
humana; Deus é tudo, o homem nada é; éste principio no
Calvinismo e, por conseguinte, no Presbiterianismo, devia ser
professado até as últimas conseqüéncias...
A Igreja, neste contexto, é considerada como sociedade
invisível, conhecida por Deus só e constituida apenas pelos
predestinados. A única regra de fé vem a ser a Sagrada Es
critura, cuja autoridade é tida como superior á da Igreja. Só
se reconhecem dois sacramentos: o batismo e a santa ceia;
esta nao confere o corpo e o sangue do Senhor presentes
como tais sob os sinais sacramentáis, mas apenas urna par
ticipado espiritual no corpo e no sangue de Cristo.
— 397 —
e impecável, independencia de caráter e tenacidade inílexivel ñas
discussóes teológicas. A vista disso, o historiador protestante A. de
Mestral observava que os presbiterianos amam a sua Igreja, nao
como se ama u'a máe, mas como se ama urna íilha, isto é, nao
por causa do que recebem da Igreja, mas por causa daquilo que
lhe dáo.
O culto presbiteriano, ao menos durante os seus primeiros sáculos,
reíletia tonalidades sombrías: indiferente as expressóes da arte e da
mística, era todo dominado pela pregacao (militas vézes um sermáo
lido por um pastor), sendo a ceia raramente celebrada. Nao há
forma obrigatória para as oraches em comum; em geral é o pastor,
revestido de traje préto, quem as profere segundo seu criterio
pessoal, enquanto os fiéis escutam, uns em pé, outros sentados, outros
ajoelhados. Rigorosa é a observancia do domingo, também chamado
«sábado do Senhor», a ponto de se ter dito exageradamente que o
único pecado, para os presbiterianos, é a violacáo do sábado.
No Brasil a denominacáo presbiteriana comemora em 1959 o 1*
centenario de sua entrada em nossa térra. Constituí, após o Lutera-
nismo, o bloco mais importante pelo número de membros entre nos
(cérea de 200.000). Conta hoje em día tres subdivis8es jurídicamente
independentes urna da outra: a Igreja Presbiteriana do Brasil, a
Igreja Presbiteriana Conservadora, a Igreja Presbiteriana Indepen-
dente. Esta última se deve ao famoso gramático Eduardo Carlos
Pereira, o qual em 1903 resolveu reagir contra urna corrente de seus
correligionarios, que julgavam ser a Maconaria compatível com o
Evangelho; criou entao a Igreja Presbiteriana Independente.
CORRESPONDENCIA MIÜDA
A. LEME (S. Paulo), L. F1LIPPE (Campiñas), M. FEIJÓ (S.
André) : Os amigos perguntam porque a Sta. Igreja nao distribuí aos
fiéis a Comunháo sob as duas especies.
A esta questáo já respondemos em "P.R." 9/1958 qu. 6; oxalá pos-
sam verificar ésse fascículo ! — Trata-se de razáo meramente histórica:
a fim de evitar o derramamento do preciosíssimo sangue do Senhor, que
parece ter ocorrido freqüentemente na Idade Media, as autoridades da
Igreja, a partir do séc. XII, foram deixando de distribuir o cálice aos
fiéis. Fazendo isto, usavam simplesmente do poder que Cristo lhes con-
fiou, de prover á disciplina no povo de Deus (cf. Mt 16,19 ; 18,18) ;
nao derrogaram em absoluto a algum mandamento do Senhor, pois
1) o cálice continua a ser consagrado, assim como o pao, em toda
celebragáo eucarística ; nao há Missa sem pao e vinho ;
2) nao apenas o corpo de Jesús está presente sob as aparéncias do
pao, nem apenas o sangue sob as aparéncias do vinho consagrado, mas
Corpo, Sangue, Alma e Divindade estáo inseparávelmente presentes tanto
na hostia como no vinho consagrados. Jesús se encontra na Eucaristía
como Ele se encontra no céu atualmente ; se o seu corpo na Eucaristía
— 398 —
estivesse realmente separado do sangue, Cristo estaría de novo a padecer
e agonizar — o que é impossível, conforme Rom G,9s. Por conseguinte
quem apenas ingere a hostia consagrada, recebe verdaderamente o corpo
e o sangue do Senhor, como ordena Cristo em Jo 6,54. — Note-se, alias,
que nesta táo citada passagem Jesús nao manda "distribuir o cálice",
mas manda "tomar o seu sangue" — coisa esta que se pode realizar sem
aquela, segundo acabamos de expor.
3) Na S. Missa celebrada em rito maronita, bizantino, armenio, etc.
em populacóes orientáis unidas á Sta. Igreja, distribui-se a comunháo
sob as duas especies (no Oriente os motivos de disciplina nunca provo-
caram a supressáo do cálice). Aos fiéis latinos é perfeitamente lícito
comungar nesses ritos orientáis celebrados por comunidades filiadas ao
Vigário de Cristo ; a S. Missa e a S. Comunháo sao a mesma realidade,
independentemente do idioma e do quadro de cerimónias em que sejam
oficiadas.
D. ALEIXO (Rio de Janeiro): Sim ; o movimento seria lícito. A
Sta. Igreja é Máe ; somos seus filhos ; ora é lícito aos filhos apresentar
á sua Máe as suas aspiragóes ; fagam-no, porém, com espirito verdadei
ramente filial, isto é, submisso. — O trámite normal seria dirigir-se ao
Exmo. Sr. Bispo diocesano, a quem compete encaminhar as sugestóes
dos fiéis á J^anta Sé.
M. F. (Campiñas): Pelágia, jovem de 15 anos, foi surpreendida em
casa por soldados, que a queriam prender, durante a perseguigáo de
Diocleciano aos cristáos no inicio do séc. IV. Receando entáo ser violada
em sra virgindade, atirou-se pela janela e pereceu ¡mediatamente. Nao
obstante, é tida como santa e mártir. — Como se explica que urna sui
cida (a quanto parece) possa ser honrada com tais títulos ?
— A ninguém é lícito cometer um ato que por si e diretamente
ponha termo á sua própria vida, pois Deus é o único Senhor da vida
humana ; esta nos foi confiada como depósito, que devemos conservar
zelosamente, mesmo que tal encargo seja penoso. Nem a título de pre
servar a virtude ou a castidade é permitido a urna jovem recorrer ao
suicidio, pois, de um lado, a integridade do corpo é um bem inferior á
própria vida do corpo ; de outro lado, no tocante á "integridade da
alma", a virgem deve contar com a graga de Deus necessária para supe
rar o perigo de consentir no pecado contra a castidade ; em vez de se
suicidar a fim de nao pecar, confie no auxilio do Senhor, que nunca
póe seus fiéis em inevitável obrigagáo de cometer o mal. A virgem que
resista á violagáo, nao traz a culpa do pecado que contra ela seja
cometido.
Só seria lícito a alguém, ñas circunstancias indicadas, atirar-se pela
janela, caso houvesse esperanga de nao morrer em conseqüéncia de tal
gesto. É o que se deve ter dado na historia de Sta. Pelágia : morreu,
embora nao tenha tido a intengáo de por termo á vida; visava únicamente
evitar um grande mal, numa situagáo precipitada, em que nao lhe res-
tava muito tempo para deliberar sobre o recurso mais adequado. Cf. S.
Tomaz, Suma Teológica II/II qu. 64, a. 5, ad 3.
LEAL, MAS ALERTA (Rio de Janeiro) :
1) Que pensar de urna instituigáo ou de um individuo que se diga
"cristáo espiritualista" ?
— Em resposta, observe-se o seguinte :
a) O predicado "espiritualista" em si pode designar a pessoa ou
a entidade que professe a existencia de um ser real nao material ou nao
dimensional, chamado "espirito". "Espiritualista" opor-se-ia a "materia
lista"; neste caso todo cristáo é realmente espiritualista; dir-se-á mesmo
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que a nogáo de "espiritualista" já está incluida na de "cristáo", de sorte
que a expressáo "cristáo espiritualista", entendida no sentido ácima, é
pleonástica e redundante.
b) Na verdade, hoje em dia os que se dizem "cristáos espiritualis
tas" nao professam mero pleonasmo, mas professam .(talvez sem o saber
ou de boa fé) algo que nao é cristáo. A expressáo "espiritualista", na li
teratura religiosa de nossos tempos, tem geralmente sabor teosófico,
rosa^cruciano, kardecista ou ocultista, envolvendo doutrinas frontal-
mente alheias ao Evangelho, como sejam a da reencarnacáo (cf. "P.R."
3/1957, qu. 8,), a do panteísmo ou monismo (cf. "P.R." 7/1957, qu. 1).
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