Círculo Hermenêutico

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CRCULO HERMENUTICO http://www.edtl.com.pt/index.php?

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Expresso que aparece frequentemente na discusso hermenutica actual, quer no mbito filosfico quer no mbito teolgico. Refere a lgica interna da comprenso hermenutica, isto , a regra segundo a qual necessrio compreender o todo de um texto a partir das suas partes e estas a partir do todo. De acordo com H.-G.Gadamer, esta uma regra cuja origem remonta antiga retrica e que penetrou na hermenutica moderna atravs da problemtica protestante das condies de legibilidade e inteligibilidade do texto bblico. A esta ideia de crculo hermenutico subjaz, de facto, a apropriao hermenutica moderna da retrica clssica e com ela um pressuposto que devemos caracterizar do seguinte modo: compreender um texto , antes de mais nada, poder ser por ele interpelado, de tal modo que uma antecipao de sentido conduz sempre a nossa comprenso. Interpretar no partir de um grau zero mas, pelo contrrio, de uma pr-comprenso que envolve a nossa prpria relao com o todo do texto, embora apenas se torne compreenso explcita quando, por sua vez, as partes que se definem a partir do todo, definem este mesmo todo. O processo de compreenso distingue-se de outros processos intelectivos, nomeadamente do explicativo, porque parte de um efeito da palavra (narrao), procede segundo um movimento circular, aquele que vai da pr-compreenso do todo compreenso das partes e da compreenso destas at ao sentido do todo. A compreenso hermenutica alcana a sua justeza quando o seu primeiro critrio a concordncia de todos os detalhes com o todo e isto significa que a falta de congruncia acarreta necessariamente o fracasso da compreenso. Devolver ao texto o acento justo sempre foi a misso da hermenutica que nunca pretendeu confundir a sua tarefa com a de uma pura deteco lgico-tcnica do sentido, prescindindo de toda a verdade do dito. Da todo o seu esforo em alargar, segundo o modelo de crculos concntricos, a unidade do sentido comprendido, num vaivm contnuo do todo parte e da parte ao todo, isto , rectificando sempre que necessrio a expectativa com que comea. O crculo hermenutico distingue-se, assim, pela sua origem retrica do crculo vicioso em sentido lgico. Esta ideia de crculo aparece, pela primeira vez, no contexto filosfico da hermenutica com F. Schleiermacher( 1769-1834), que o recebe de F. Ast, e ao qual d uma orientao subjectivista que vai marcar a prpria hermenutica de W. Dilthey. Schleiermacher, pensador romntico e fundador da hermenutica filosfica, introduz algo de novo no mbito da tradio hermenutica - uma ruptura histrica de mbito universal - j que ao contrrio da primeira fase, no filosfica, da hermenutica (cf. hermenutica) no admite a recepo da tradio como base slida de toda a necessidade de interpretao. O fio condutor desta ser doravante um outro: o pensamento singular de quem se exprime atravs de uma lngua comum. Neste novo contexto, marcadamente romntico, o crculo da parte e do todo adquire toda uma dupla vertente: subjectiva e objectiva. Sendo o texto o resultado da apropriao de uma lngua comum e da expresso de um pensamento singular, cada palavra pertence, claro, ao conjunto da frase, cada texto ao conjunto da obra do respectivo escritor e esta, por sua vez, ao conjunto do gnero literrio ou da literatura correspondente.Mas, por outro lado, enquanto manifestao de um momento criativo, o texto pertence ao conjunto da vida anmica do autor. S esta totalidade psquica permite realizar plenamente a compreenso. Neste mesmo sentido, Dilthey falar de estrutura e de convergncia segundo um ponto central no qual a compreenso do todo encontra o seu real fundamento.Institui-se, assim, a ideia da reconstruo da inteno mental como verdadeiro critrio hermenutico. Ser com M.Heidegger que a problemtica hermenutica do crculo da compreenso adquirir todo um novo e importante significado, aquele que ainda hoje lhe damos.

Em Ser e Tempo, o autor retoma a temtica do crculo hermenutico reconhecendo expressamente nela no s a lei fundamental da comprenso hermenutica como a estrutura bsica de toda a possibilidade humana de inteleco. Quer isto dizer que, enquanto a teoria hermenutica do sc. XIX detectava no crculo a estrutura da compreenso histrica e literria, concebendo-a sempre no quadro da relao formal entre a parte e o todo do texto e o seu reflexo subjectivo (a antecipao intuitiva do todo a que se segue a explicitao do detalhe), para Heidegger a estrutura circular da compreenso hermenutica no pode, de maneira nenhuma, desembocar num acto puramente psicolgico ou adivinhatrio, que permita um acesso directo ao autor e a partir do qual se atinja uma plena compreenso dos textos. Pelo contrrio, o que agora acontece o seguinte: toda a compreenso humana est determinada, de um modo permanente, pelo movimento de antecipao prprio do ser marcado por uma pr-compreenso.O crculo hermenutico corresponde estrutura existencial do existir humano no mundo,que um ser simultaneamente encarnado, finito e inteligente, isto , sempre j marcado por uma relao ao sentido. Para Heidegger, e aqui reside a sua novidade, o crculo no descreve apenas a estrutura metodolgica da compreenso hermenutica, mas, pelo contrrio, a prpria natureza da inteligibilidade humana, isto , o que sempre acontece quando o homem - j no sujeito omnipotente mas ser finito e histrico - compreende. E o que que isto significa? Significa o seguinte: porque a existncia humana inteligente, uma compreenso originria acompanha-a sempre em toda e qualquer compreenso particular que realize. esta a sua condio fctica inultrapassvel. E isto implica que uma tal compreenso - a estrutura ontolgica bsica do acto humano de ser - precede a prpria dualidade metodolgica clssica da compreenso dos textos e da explicao da natureza, sendo a prpria condio de possibilidade de toda a interpretao. Neste contexto, claramente no metodolgico, aquele que quer compreender um texto antecipa sempre um esboo do conjunto, logo que lhe aparece um primeiro sentido no texto.A sua compreenso consiste no prprio aperfeioamento deste projecto prvio, sempre falvel - porque finito - e sujeito a reviso por um ulterior aprofundamento do sentido.Interpretar , assim, partir sempre de conceitos prvios que vo sendo substitudos por outros mais adequados. Heidegger sabe que, devido sua finitude,quem tenta compreender expe-se sempre ao erro das opinies prvias que no se confirmam nas coisas. Logo, que a comprenso apenas se realiza verdadeiramente quando percebe que a sua primeira grande tarefa proteger-se da arbitrariedade das opinies particulares e dos hbitos de pensamento que passam despercebidos, em ordem a poder dirigir o olhar para as coisas mesmas. Uma conscincia hermeneuticamente formada no pode entregar-se, de facto, desde o incio, ao acaso das suas prprias opinies prvias sobre o assunto.Deve, pelo contrrio, estar disposta a que o texto lhe diga algo de novo. Mas esta alteridade s pode surgir quando ela prpria pe em causa os pressupostos do intrprete, fazendo-os entrar em jogo. So, de facto, os pressupostos no percebidos aqueles que nos tornam surdos novidade do texto. Desenvolvendo esta nova caracterizao ontolgica do sentido do crculo hermenutico, H.-G. Gadamer, discpulo de Heidegger e autor da conhecida obraVerdade e Mtodo, vai ainda mais longe e caracteriza a pressuposio de sentido que acompanha toda a compreenso como antecipao da perfeio. que, segundo o autor, o homem s compreende o que constitui uma unidade acabada de sentido. Partimos deste pressuposto da perfeio sempre que lemos um texto .De outro modo nem sequer o lamos. E s quando este pressuposto acaba por no se sustentar no decurso da leitura, quando o texto no compreensvel, que o criticamos, duvidando da sua transmisso e procurando refazer o sentido do texto. Para o autor, isto significa fundamentalmente que o processo de compreenso no se reduz a uma misteriosa comunho de almas mas, pelo contrrio, participao num sentido comunitrio (o que hoje ainda me interpela ), que o prprio presente ajuda a reconfigurar de um modo novo, segundo um processo histrico de contnua formao. A antecipao da perfeio, que guia a nossa compreenso, no tambm neste caso apenas uma expectativa formal - que pressuponha ser inerente ao texto uma unidade de sentido, que orienta a compreenso do leitor - mas est fundamentalmente determinada por expectativas de contudo. Pressupe-se, antes de mais o seguinte: o texto fala

verdade, pode dizer-nos algo de vlido, entende mais do assunto que nos levou leitura,do que ns prrios. O que significa, em ltima anlise, que s quem tem uma pr- compreenso do assunto tratado no texto efectua,de facto, a sua leitura. S quem confia no valor dos textos, porque tem expectativas marcadas pela abertura alteridade (e no apenas pela imanncia estreita da sua perspectiva singular), pode ser interpelado pela palavra e interpretar.A pr-compreenso, que deriva do ter que ver com o assunto abordado pelo texto, assim a primeira de todas as condies hermenuticas.

Bibliografia
H.-G. GADAMER, Gesammelte Werke I. Hermeneutik I . Wahrheit und Methode_I. Grundzuege einer philosophischen Hermeneutik.Tuebingen, Mohr,1986; H-G..GADAMER, Gesammelte Werke 2. Hermeneutik II. Wahrheit und Methode- 2. Ergaenzungen. Register. Tuebingen,Mohr, 1986; M. HEIDEGGER, Sein und Zeit, Tuebingen, Max Niemeyer Verlag, 1979.

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