Bento Xvi e A Missa Romana Tradicional Pe Joao Batista de Almeida Prado Ferraz Costa
Bento Xvi e A Missa Romana Tradicional Pe Joao Batista de Almeida Prado Ferraz Costa
Bento Xvi e A Missa Romana Tradicional Pe Joao Batista de Almeida Prado Ferraz Costa
Reaes muito diversas provocou a resposta do papa Bento XVI a um jornalista em sua recente viagem Frana. Disse o papa que o motu proprio Summorum Pontificum, que liberta a missa romana de sempre do poder discricionrio a que se encontrava injustamente sujeita, representa um gesto de tolerncia para com um pequeno grupo de catlicos apegados forma litrgica antiga. Em primeiro lugar, preciso observar que, evidentemente, tal frase pronunciada pelo papa teve por fim tranqilizar um episcopado recalcitrante em acatar o magistrio pontifcio em assuntos doutrinrios de suma gravidade e no apenas no concernente a rubricas litrgicas de somenos importncia. Contra fatos no h argumentos. Poderamos multiplicar as citaes de incontveis declaraes de autoridades religiosas contestando o magistrio da Igreja no que diz respeito, por exemplo, ordenao de mulheres, tica sexual, moral familiar. Prefiro, entretanto, ater-me ao campo da liturgia. Aqui temos exemplos gritantes da rebeldia diante da autoridade da Santa S. Vence em novembro prximo o prazo dado por Roma para que as conferncias episcopais expliquem aos fiis catlicos a necessidade de corrigir a traduo da frmula da consagrao (pro vobis et pro multis por vs e por muitos e no como se diz hoje: por vs e por todos). Durante todo esse tempo no se verificou um pronunciamento sequer em acatamento do decreto da Congregao para o Culto Divino. Pelo contrrio, consta que se fez saber Santa S que no se quer obedecer e corrigir a traduo falsa e heretizante. Diante de um clima de insubordinao autoridade do Sumo Pontfice, a quem se quer reduzir a uma espcie de rainha Elisabeth II, o papa, como Bom Pastor, tenta salvar o salvvel, quer dizer, evitar o mal maior, segurar as pontas e quase no pode agir positivamente no sentido de fazer cumprir suas ordens. Sabe-se que a reao do episcopado francs contra o motu prprio foi furibunda. Recentemente um cardeal francs disse: Queremos saber aonde Bento XVI quer chegar. Est patente a falta de docilidade. o mnimo que se pode dizer. Esse episcopado e outros do mesmo jaez, que mal toleram a missa tridentina em suas dioceses, claro, aplaudiram a resposta do papa, porque com ela tentam enganar os catlicos incautos negando o valor jurdico do rito romano tradicional. Se os modernistas fingem no saber qual a diretriz romana, um catlico sincero e atento sabe muito bem, baseado em inmeros fatos e provas, que Roma quer simplesmente restaurar a liturgia catlica, devastada pela reforma litrgica e causadora da crise da Igreja aps o Vaticano II. E quem o diz no sou eu, mas o prprio cardeal Ratzinger. Na verdade, Bento XVI tem de contemporizar, porque assim lhe aconselhar agir superior prudncia. Mas diz o brocardo latino intelligenti pauca. Ao inteligente ou a quem quer entender bastam poucas palavras. No caso do papa, diria at que j no so poucas as palavras e gestos sinalizando sua inteno de restaurar a liturgia catlica devastada. Bento XVI contemporiza, mas ao mesmo tempo sinaliza a seta.
Publicando o motu prprio, restabelecendo nas missas pontifcias a comunho de joelhos e na boca (alis, trata-se da forma ordinria do rito da comunho), enaltecendo o canto gregoriano, est evidente que o papa pretende resgatar valores preciosos no s da liturgia catlica mas de toda a cultura ocidental. Como homem inteligente e bom observador das coisas, o papa sabe perfeitamente que na marcha da histria h perdas e conquistas. Sabe que no sculo XX, aps tantas transformaes culturais, a Igreja tinha de reformar-se mantendo-se fiel a si mesma e a Cristo. Mas sabe tambm que nos ltimos anos a Igreja sofreu grandes perdas. Com o abandono de valores clssicos da civilizao, com a secularizao da sociedade, a assimilao do dado da f torna-se muito mais difcil pela falta de condies prvias que propiciem uma cultura aberta ao sagrado. A lngua latina, a verdadeira msica sacra, a autntica arte na construo dos monumentos religiosos, a educao crist transmitida em verdadeiras escolas catlicas, enfim a regenerao de todos os costumes e instituies crists com o sinete da santa tradio, tudo isso o papa sabe que preciso recuperar e luta para isso com coragem e sabedoria. Mais ainda. O papa sabe podemos dize-lo com base em vrios discursos seus que, se no houver um reatamento do vnculo da tradio, se no houver continuidade, impossvel haver cristianismo no futuro, no obstante as promessas de Nosso Senhor. Em uma palavra, o papa sabe que a situao atual da Igreja grave. Pois um cristianismo sem identidade prpria, em constante abertura e dilogo com o mundo, apenas com a preocupao filantrpica de melhorar as condies de vida do homem na terra, s pode reduzir-se a humanismo barato, desprezvel aos olhos dos prprios humanistas ateus e objeto de escrnio da sinagoga de Sat. De maneira que necessrio que a liturgia catlica, rosto da Igreja, no se descaracterize nem perca suas razes, sob o pretexto de ser mais compreensvel ao homem moderno. Ao contrrio, deve ser uma resposta e uma vacina contra a mentalidade racionalista e protestante que invadiu os ambientes catlicos nos ltimos anos, levando muitos a perder o sentido do mistrio, a ver a missa como festa comunitria ou simples palestra animada. A liturgia pode ter um desenvolvimento sempre no sentido da tradio. No se trata de defender uma estagnao ou engessamento dos ritos, mas esse crescimento deve ser orgnico. Sempre defendi que o chamado missal de So Pio V, que tanto veneremos, poderia ter seu lecionrio enriquecido, sem incorrer no biblismo da reforma litrgica. No prprio dos confessores, das virgens e vivas, poderia haver maior diversidade de leituras extradas das missas pro aliquibus locis. Igualmente, o tempo do Advento poderia ter algumas missas para as frias. Diga-se o mesmo quanto aos prefcios. No nego o valor pedaggico da repetio dos textos da Sagrada Escritura, ignorado pela reforma de 1969 e to bem ressaltado por Romano Amerio em sua crtica. De qualquer modo, um enriquecimento possvel para evitar o perigo de parecer enfadonho a alguns. Voltando a Bento XVI, acode-me um pensamento do Padre Antonio Vieira. Diz ele com muita verve que Cristo queria abolir a circunciso e, no entanto, submeteu-se a ela, embora no estivesse obrigado. Mas como um pedagogo agiu assim para ser mais eficaz em seu propsito: Pouco a pouco se fazem as coisas grandes, e no h melhor arbtrio para as concluir com brevidade, que no as querer acabar de repente. (Cf. Sermo dos Bons Anos). Ser que Bento XVI leu Antonio Vieira?! Portanto, aos tradicionalistas exaltados que desconfiam das intenes do papa quanto tradio litrgica e ficaram descontentes com a sua frase, recomendo maior ponderao. E aos progressistas que sabotam a obra do Santo Padre, fingindo desconhecer seu propsito, simplesmente os desengano.