Alegações Finais - Desacato - Não Recepção e Convencionalidade
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(arts.331 e 329 do CP). ALEGAES FINAIS DEFENSIVAS Meritssimo Juiz, O pedido acusatrio improcedente.
1. DA NO RECEPO DO CRIME DE DESACATO O crime de desacato autoridade remonta ao Estado Novo e no foi recepcionado pela atual ordem constitucional. Embora formalmente vigente, a tipificao da conduta fere o direito fundamental liberdade de expresso (art.5, IV da Constituio Federal de 1988). Abusos eventuais no exerccio da liberdade de expresso no justificam a interveno penal. Deveras, tais desvios podem ser corrigidos por outras searas jurdicas, consagrando-se os princpios penais da interveno mnima, da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal, todos de ndole constitucional. A proibio da norma penal, portanto, no se justifica mais.
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Os valores democrticos consagrados pela ordem constitucional atual priorizam a liberdade de expresso. Admitindo tais aspectos, a atual Comisso de Reforma do Cdigo Penal, instituda no Senado, sinaliza a descriminalizao do desacato autoridade. Nesse sentido, as palavras de Tcio Lins e Silva, membro da Comisso de Juristas: A comisso aprovou a descriminalizao do crime de desacato autoridade, que tem aquele rano insuportvel da ditadura, que tem aquele rano insuportvel do Estado Novo, que inspirou o Cdigo Penal vigente l nos idos de 1930/1940, copiado do Cdigo Penal italiano, o Rocco, que era uma lei facista. No anteprojeto no existe mais esse tipo penal que alguns servidores arrogantes, que alguns juzes, que algumas autoridades estampam nas portas dos seus gabinetes, como uma ameaa ao cidado, uma ameaa ao exerccio da cidadania. Ningum pe cartazes dizendo que proibido matar ou que proibido estuprar, no ? A descriminalizao do desacato autoridade [...]uma complementao importante da defesa da cidadania.(in Jornal do advogado. Ano XXXVII, mai/2012, nmero 372, p.15). Ao lado do fenmeno da no recepo constitucional, cabe ainda o dever de observar a vigncia do Pacto de San Jos da Costa Rica no Brasil, que tem status de supralegalidade. A jurisprudncia da Corte Interamericana de Direitos Humanos e os pareceres e relatrios da Comisso Interamericana de Direitos Humanos apontam e recomendam a supresso do crime de desacato pelos Estados signatrios.
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2. DO JUZO DE CONVENCIONALIDADE O Estado Brasileiro signatrio da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San Jos da Costa Rica, incorporado legislao interna pelo Decreto 678/1992. O artigo 13 da Conveno prev a liberdade de pensamento e expresso, traando seus contornos fundamentais. No bojo do Sistema Interamericano de Proteo dos Direitos Humanos, a Comisso Interamericana de Direitos Humanos em seu 108 perodo ordinrio de sesses, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000, emitiu a Declarao de princpios sobre Liberdade de Expresso (doc. anexo), enunciando que: 11. Os funcionrios pblicos esto sujeitos a maior escrutnio da sociedade. As leis que punem a expresso ofensiva contra funcionrios pblicos, geralmente conhecidas como leis de desacato, atentam contra a liberdade de expresso e o direito informao. Outrossim, a Relatoria para a Liberdade de Expresso da Comisso Interamericana de Direitos Humanos firmou entendimento de que as normas de direito interno que tipificam o crime de desacato so incompatveis com o artigo 13 da Conveno Americana de Direitos Humanos (doc. anexo). Segundo a Relatoria:
B. As leis de desacato so incompatveis com o artculo 13 da Conveno 5. A afirmao que intitula esta seo de longa data: tal como a Relatoria expressou em informes anteriores, a Comisso
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Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) efetuou uma anlise da compatibilidade das leis de desacato com a Conveno Americana sobre Direitos Humanos em um relatrio realizado em 1995[2]. A CIDH concluiu que tais leis no so compatveis com a Conveno porque se prestavam ao abuso como um meio para silenciar idias e opinies impopulares, reprimindo, desse modo, o debate que crtico para o efetivo funcionamento das instituies democrticas [3]. A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior nvel de proteo aos funcionrios pblicos do que aos cidados privados, em direta contraveno com o princpio fundamental de um sistema democrtico, que sujeita o governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus poderes coercitivos[4]. Em conseqncia, os cidados tm o direito de criticar e examinar as aes e atitudes dos funcionrios pblicos no que se refere funo pblica[5]. Ademais, as leis de desacato dissuadem as crticas, pelo temor das pessoas s aes judiciais ou sanes fiducirias. Inclusive aquelas leis que contemplam o direito de provar a veracidade das declaraes efetuadas, restringem indevidamente a livre expresso porque no contemplam o fato de que muitas crticas se baseiam em opinies, e, portanto, no podem ser provadas. As leis sobre desacato no podem ser justificadas dizendo que seu propsito defender a ordem pblica (um propsito permissvel para a regulamentao da expresso em virtude do artigo 13), j que isso contraria o princpio de que uma democracia, que funciona adequadamente, constitui a maior garantia da ordem pblica[6]. Existem outros meios menos restritivos, alm das leis de desacato, mediante os quais o governo pode defender sua reputao frente a ataques infundados, como a rplica atravs dos meios de comunicao ou impetrando aes cveis por difamao ou injria. Por todas estas razes, a CIDH concluiu que as leis de desacato so incompatveis com a Conveno, e instou os Estados que as derrogassem.
Portanto, considerando que o Supremo Tribunal Federal j firmou entendimento de que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos tm status de supralegalidade (RE 466.343 e HC 87.585), impe-se reconhecer que o artigo 331 do Cdigo Penal inaplicvel no Brasil, tendo sido derrogado pela ratificao da Conveno Americana de Direitos Humanos no Brasil.
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1. a Absolvio do ru com fundamento no artigo 386, III, do Cdigo de Processo Penal; 2. A realizao de juzo de no recepo; 3. A realizao de juzo de convencionalidade, declarando expressamente a incompatibilidade do artigo 331 do Cdigo Penal com o artigo 13 da Conveno Americana de Direitos Humanos, em pleno vigor no Brasil, inclusive a fim de formalizar o prequestionamento do tema para eventual apresentao do caso Comisso Interamericana de Direitos Humanos.
Termos em que, Pede deferimento. So Carlos, 05 de setembro de 2012. Lucas Corra Abrantes Pinheiro Defensor Pblico
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