Jornal de Teatro Edição Nr.7
Jornal de Teatro Edição Nr.7
Jornal de Teatro Edição Nr.7
Conheça a
mágica dos
caracterizadores
de personagens
Uma publicação da Aver Editora - 16 a 31 de Julho de 2009 - Ano I Nº 7 R$ 5,00 O visual do elenco de “Hairspray” Pág. 15
FORMAÇÃO
PRÊMIOS
Fábio Toledo
UFBA: um templo da
história da arte baiana
Pág. 19
histórias
RIO DE JANEIRO
de Betti
Aos 56 anos, o ator Paulo Betti
Parabéns com muita fala, em entrevista exclusiva ao
música e dança para o Jornal do Teatro, sobre sua
Theatro Municipal vida, sobre sua carreira e sobre a
Pág. 16 coragem de sempre dar a cara a
Sérgio Brito (de óculos): o melhor ator
tapa, seja nos palcos, nas telas ou,
VIDA E OBRA até mesmo, na política. Eclético,
A arte na visão do garante não ter medo de nada. APTR premia
‘pernambucano’ Nem de se reinventar e voltar às em 12 categorias
origens, como fez durante a Flip
Ariano Suassuna (Festa Literária Internacional Os melhores do teatro, em 2008,
de Paraty), quando andou pelas foram premiados pela APTR
Nascido na Cidade da Parahyba
ruas da cidade vestido de árvore, (Associação dos Produtores de
- hoje João Pessoa (PB) - Ariano
em encenação para a peça Teatro do Rio de Janeiro), dia 6 de
Suassuna é considerado o paraibano
“Sonho de uma Noite de São julho. Destaque para “Inveja dos
mais pernambucano que se conhece
João”, para alegria de seu filho, Anjos” (espetáculo e iluminador) e
e um decifrador de brasilidades, que
João Betti. Sérgio Brito (melhor ator).
faz da arte nordestina um ideal.
Pág. 21 Política também faz a cabeça de BeĴi Págs. 10 e 11 Págs. 6 e 7
2 16 a 31 de Julho de 2009 Jornal de Teatro
Jornal de Teatro 16 a 31 de Julho de 2009
3
Editorial
Arquivo
Briga de Meninas
No início de julho, uma polêmica envolvendo “Essas Meninas”
e seus direitos autorais invadiu as páginas dos cadernos de cultura
dos principais jornais do País. Ao estrear o espetáculo “Essas Me-
Rio de Janeiro ninas”, no Teatro Laura Alvim, no Rio de Janeiro, a autora da peça,
In
Inaugurado
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julho
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dee 1909,
Maitê Proença atiçou a fúria, ou melhor, a insatisfação da autora
o Theatro Municipal comemorou seus
original do texto, a escritora Lygia Fagundes Telles, membro da
100 anos com pompa e circunstância
Academia Brasileira de Letras.
Pág.: 16
O título das obras é idêntico, mas o texto em si e o processo
que os levou ao público é bastante distinto. A escritora confessou
que pensou em levar a decisão para os tribunais quando soube da
notícia – até por já estar em produção a representação do seu já
Índice reconhecido texto para o teatro, com adaptação de Maria Adelaide
Amaral. Aliás, já havia até uma data para a estreia, outubro – como
foi divulgado durante a leitura do texto por Barbara Paz em São
PRÊMIOS...........................................................6 e 7 Paulo.
APTR Do outro lado da polêmica, há um espetáculo em cartaz com
histórias confessionais escritas pela atriz, que se comprometeu a
Associação do Rio de Janeiro celebrou, em 12 categorias, os melhores do
mudar o nome. Segundo revelou para jornalistas, Maitê trocou e-
teatro em 2008 e homenageou Tônia Carrero pelos 60 anos de carreira
mails com Lygia provando que não conseguiu trocar o nome a tem-
po, por questões que envolviam patrocínio. Ou seja, a cortesia en-
ENTREVISTA.............................................................10 cerra quando Maitê diz que não perderia o patrocínio, pois “Essas
Paulo Betti Meninas” trata-se de um nome muito genérico.
Se assim fosse em todas as artes, o número de distorções em
O ator, símbolo de versatilidade nas artes cênicas, fala sobre relação à “nomes simples” seria absurdo. Na hora de nomear uma
política, engajamento, ideologias e convicções no meio artístico obra, os autores seriam prevenidos: “Evitem as formas simples, di-
retas, objetivas e que se façam entender”. Surgiriam “O Grito” em
REPORTAGEM.............................................12 a 14 pop-art mostrando um Carnaval, ou “Chega de Saudade” contando
a história da Jamaica em um belo tango.
A loucura em forma de arte Lygia abriu mão do processo, mas confessou que teve vontade
Montagens abordam a insanidade em suas mais distintas formas e de ir à estreia, subir no palco e chamar a atriz de ladra. Sem a ação
questionam o conceito de loucura nos dias de hoje judicial, nada vai acontecer em favor dos direitos do verdadeiro au-
tor. Prova da necessidade de reorganização em um tempo no qual
a ética e a propriedade na arte perdem espaço para as relações de
FESTIVAIS...................................................17 e 18 mídia e patrocínio.
Festlip, FIL e Porto Alegre em Cena
Programação dos eventos promove o intercâmbio cultural e de
linguagens através das artes cênicas
Bastidores
Renato Hatsushi
MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA RECEBE CENTRO TÉCNICO DO TCA REALIZA CURSOS
ENCONTRO NACIONAL DE DANÇA DE CENOTÉCNICA E COSTURA
O XXVIII Encontro Na- também no Memorial), quan- CÊNICA EM SALVADOR
cional de Dança (Enda 2009) do será entregue os prêmios O Centro Técnico do
Divulgação
acontece nos dias 31 de ju- em dinheiro, e bolsa de estu- Teatro Castro Alves (TCA),
lho, 1º e 2 de agosto, sexta dos no Brasil e Exterior para em Salvador (BA), referên-
(às 20 horas), sábado e do- aqueles que obtiverem as cia em engenharia de es-
mingo (às 16 horas e 20h30), maiores notas do júri. Pode petáculo teatral, promove
no Auditório Simon Bolívar ainda haver o Prêmio Reve- curso técnico de Cenotec-
do Memorial da América lação, mas este dependerá de nia, ministrado por Adriano
Latina, em São Paulo. O excepcional qualidade técni- Passos e Israel “Gão” Luz, e
tradicional evento, rea- ca e artística dos concorrentes. de Modelagem para Costura
lizado pelo Sindicato dos Neste ano, as personalida- Cênica, ministrado por Lina Inscrições de 13 a 24 de julho
Prossionais de Dança do des do mundo da dança que Lemos. Os interessados po- nica, enquanto o curso de
Estado de São Paulo (Sin- compõem a banca julga- dem realizar suas inscrições Modelagem para Costura
dDança), apresenta um atual dora são: a coreógrafa durante os dias 13 e 24 de Cênica tem como público
panorama da dança para o Sara Debenedetti (Milão, julho, das 14 às 18h, no Nú- alvo gurinistas e costu-
público paulistano. Itália), Silvio Lemgruber cleo de Produção do TCA, reiras, com o objetivo de
Esta edição do Encon- (coreógrafo da Rede mediante apresentação do aperfeiçoar a modelagem e
tro vai reunir 110 apresen- Globo), Fernando Calvozo currículo e fotocópias da o corte, visando o conforto
tações, distribuídas em cin- (Diretor de Atividades Culturais carteira de identidade e e a segurança para os intér-
co espetáculos. Os grupos do Memorial da América Latina) CPF, e pagamento da taxa pretes. As aulas acontecem
- oriundos de diversas cida- e Norma Masella (ex-primeira de inscrição no valor de R$ entre os dias 27 de julho
des paulistas - mostram co- porâneo, dança folclórica e de bailarina e ex-diretora do The- 10. O número de vagas é de e 21 de agosto, sempre às
reograas de até 6 minutos salão, sapateado, jazz e hip hop. atro Municipal de São Paulo). apenas 15 por ocina. segundas, quartas e sextas,
de duração (cerca de 20 por O Enda conta com um corpo O Encontro funciona como O curso de Cenotecnia das 9h às 13h nas instala-
sessão, com as mais variadas de jurados que avalia o desem- uma eliminatória para o Gran- é voltado para iniciantes ções do próprio Centro
formações). A mostra se ca- penho dos grupos e escolhe de Gala Enda, a festa de em tecnologia da arte cê- Técnico.
racteriza pelo dinamismo aqueles que mais se destacam. apoteose, que acontece no
nas apresentações e pela va- No encerramento do evento mesmo ano, quando os ven-
Fabian
riedade nos estilos de dança, serão conhecidos Os Melhores cedores são homenageados
que promete agradar a to- dos Melhores de 2009: premia- e apresentam as coreograas
dos os gostos. O público vai ção que inclui participação ga- campeãs em um grande espe-
apreciar espetáculos de balé rantida no Grande Gala Enda táculo. Mais informações em
clássico, moderno e contem- 2009 (dias 3 e 4 de outubro, www.memorial.sp.gov.br.
Vitor Damiani
O Centro Cultural São Paulo será a casa dos bonecos entre os dias 8 e 30 de agosto
TRIXMIX
Abrem-se as cortinas de
um cabaré contemporâneo
www.jornaldeteatro.com.br
O palco do Teatro Easy, em São Paulo, apre-
senta durante a primeira quinta-feira de todos os
meses o “Trixmix- Cabaret Contemporâneo”, uma
releitura dos espetáculos do nal do século XIX.
Revezam-se no palco artistas de várias verten-
tes, em apresentações autorais de aproximadamente
10 minutos cada. Na edição de 6 de agosto já estão
conrmadas as atrações: William Amaral e Fábio
Espósito - atores cômicos; Álvaro- músico e ator
do Jogando no Quintal; Mariana Duarte – tecido
burlesco; show de Geórgia Branco e a Banda Trix-
mix; Canal 3- esquetes cômicas; e a participação da
drag-queen Stefany di Bourbon.
Mais informações: Tel (11) 3611-3121
FIQUE ATENTO!
O premiado espetáculo “Inveja dos Anjos” terá temporada em São Paulo no início de
agosto. O local ainda não foi conrmado, mas tudo indica que o palco será o do Sesc
Consolação, na região central da cidade. “Inveja dos Anjos” venceu a edição carioca
do Prêmio Shell de Teatro 2008, nas categorias de Melhor Atriz (Patrícia Selonk) e
Melhor Autor (Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes); e o Prêmio APTR
2008, nas categorias de Melhor Espetáculo e Melhor Iluminação (Maneco Quinderé).
Prêmios
Douglas de Barros
PREMIADOS NO 3º PRÊMIO APTR DE TEATRO
AUTOR
João Falcão – “Clandestinos”
DIRETOR
Ary Koslov – “Traição”
CENÓGRAFO
Marcos Flaksman – “Traição”
FIGURINISTA
Ney Madeira – “O Santo e a Porca” e “Entropia”
ILUMINADOR
Maneco Quinderé – “Inveja dos anjos”
ATOR PROTAGONISTA
Sérgio Britto – “Ato sem palavras” e “A última gravação de Krapp”
ATRIZ PROTAGONISTA
Bibi Ferreira – “Às favas com os escrúpulos”
ATOR COADJUVANTE
Fernando Eiras – “A noviça rebelde”
ATRIZ COADJUVANTE
Ana Paula Bouzas – “Dona Flor e seus dois maridos”
CATEGORIA ESPECIAL
20 anos da Cia dos Atores
ESPETÁCULO
“Inveja dos Anjos”
PRODUÇÃO (categoria votada pelos associados da APTR)
“Ensina-me a viver”
Realização: Primeira Página Produções Culturais
Produtores associados: Arlindo Lopes, Glória Menezes e Maria Siman
Lúcio Mauro se emocionou ao entregar o prêmio de Categoria Especial pelos 20 anos de CIA dos atores
8 16 a 31 de Julho de 2009 Jornal de Teatro
Sindicais Dança
Cooperativa Brasiliense de Teatro
Divulgação
Entrevista
Fabiana Veloso
Paulo Betti – ator
Sem
medo de
inovar
e de dar
opinião Segundo Paulo BeĴi, ser ator é “acreditar que tudo pode mudar, tudo pode ser de outra maneira”
Por Felipe Sil JT – Como analisa, hoje, Celso Nunes, que nos acompa-
sua experiência no grupo nhou e nos deu de presente a
O
experimental Pessoal do montagem nal de curso, que
ator Paulo Betti, 56 anos, já fez de tudo em sua área. Televisão, Victor, que você ajudou a foi “Victor e as Crianças no
fundar em 1975? Poder” de Roger Vitrac, que
cinema, teatro... Poucos artistas da dramaturgia brasileira podem PB – Foi uma espécie de deu nome ao nosso grupo.
universidade de teatro pra
dizer que possuem a versatilidade deste profissional. Com o nome mim. O grupo estudava, pes- JT – Você sempre teve
quisava, fazia montagens sobre uma posição política mui-
e o currículo que tem, poderia viver calmamente, na base de megaes- temas interessantes como a to forte. Tem o costume de
cultura caipira, o surrealismo, levar essas ideias para sua
petáculos e trabalhos esporádicos destinados ao grande público. Paulo a obra de Kafka... Tudo com atuação?
Betti, porém, continua inovador e mantém as raízes do início da carreira, a continuidade do trabalho de PB – Não gosto de levar
Fábio Toledo
quando foi um dos fundadores do grupo experimental Pessoal do Victor
e aluno da EAD/USP (Escola de Arte Dramática da Universidade de São
Paulo). Na última edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty),
surpreendeu o público presente ao andar pela cidade vestido de árvore,
em encenação para a peça “Sonho de uma Noite de São João”. O ator
também não tem medo de falar sobre política e é conhecido como um
dos mais envolvidos no assunto dentro do meio teatral. Nesta entrevista
para o Jornal de Teatro, entretanto, garante que todas as suas ideologias
e convicções ficam fora de sua arte, apesar de admitir que ela é sempre,
no final das contas, um posicionamento político.
Jornal de Teatro – O que sorte de participar de muitas Candida Teixeira, Maria José
você ainda carrega de ensina- montagens do segundo e do de Carvalho, Renata Palotti-
mentos e lições da EAD/USP, terceiro ano, quando ainda es- ni, Mylene Pacheco, Yolanda
onde começou a carreira? tava no primeiro. Amadei, Clovis Garcia, Pau-
Paulo Betti – A gente lo Mendonça, Lucio Galvão,
aprendia a levar o teatro a sério JT – E como foi tal expe- Leda Cury, tantos excelentes
com disciplina, responsabilida- riência? mestres... Mas aprendi muito
de e ética. O exame de admis- PB – Pude ver Eugenio com Carlos Alberto Sofredini,
são era muito seletivo. Para se Kusnet trabalhando “Os Pe- Elvira Gentil, Laerte Morrone
ter uma ideia, concorriam 700 quenos Burgueses”, de Gorki. e Armando Azzari. Lembro a
aspirantes, eram aprovados 20 Trabalhei com Emilio di Bia- voz do Sofredini, pausada, rou-
e depois de um mês de exames si, Fernando Peixoto, Sylnei ca, dizendo “não se poupe”,
práticos, teóricos, subjetivos... Siqueira, Antonio Mercado “não se poupe”, uma espécie
Aí vinham os três anos de au- Netto, Sylvio Zilber, Miryan de bordão teatral ecaz, abso-
las. Na minha turma zemos Muniz, Fausto Fuser, Luiz lutamente essência de nossa
quatro montagens com dire- Nagib Amary, Jonas Bloch, atividade onde poupar-se, dar
tores importantes e eu tive a Celso Nunes, Alberto Guzik, menos, é proibido. “ Nunca vi lugar que se aplaude mais em pé do que o Brasil”
Jornal de Teatro 16 a 31 de Julho de 2009
11
Entrevista
Paulo Betti esbanja versatilidade nos
palcos, na telinha e até nas ruas
parte do jogo político, mas é um grandes papeis na TV. diferenças entre os dois quan- ro. O sublime e o mesquinho.
preço alto que se paga. Como foi parar nesse meio e to à atuação e à produção?
qual produção e personagem PB – O teatro tem uma JT – Que conselho dá
JT – Como você faz a ligação te marcou mais? produção mais artesanal, re- para os jovens atores? Ain-
entre política e arte? PB – A televisão entrou na quer mais tempo de elabora- da é importante fazer arte
PB – A política está em minha vida entre 1977 e 1978, ção, nos prepara e nos corri- de vanguarda e buscar expe-
toda a parte. A arte expressa o quando z a novela “Como Sal- ge. Já a televisão exige mais rimentações em suas obras?
momento histórico, emocional var meu Casamento”, na Tupi. rapidez. Gosto dos dois. O PB – O importante é ler gran-
e político de sua época. Toda De lá para cá, nunca mais dei- bom é quando podemos reve- des romances, cuidar do cor-
obra de arte é um posiciona- xei de trabalhar no meio. Gos- zar, um no teatro e um na TV. po, ver grandes lmes, peças...
mento político. to muito de atuar na TV. Acho De vez em quando no cinema Viver intensamente e não “se
um privilégio poder fazer no- também. poupar”.
JT – Você acabou de encenar, velas, estabelecer um vínculo
ao ar livre, em Paraty, o espe- forte com nosso povo, entrar JT – O que é ser ator para JT – Em declaração, na últi-
táculo “Sonho de uma Noi- em suas casas e contar histórias. você? ma edição do Jornal de Teatro,
te de São João”, baseado em Acho a televisão o espaço mais PB – É colocar nosso cor- você armou que todo ator,
Shakespeare. Em outras oca- importante da cultura brasileira. po, voz e sentimentos para re- por uma deformação pros-
siões você também já se apre- Quase todas as informações cul- presentar um personagem le- sional decorrente do ofício, é
sentou nas ruas do Rio. Como turais que o o nosso povo recebe vando distração, divertimento vaidoso. Como não deixar a
é essa experiência? Por que é é através dela. e conhecimento para o máxi- vaidade inuenciar o trabalho?
importante e quais as diferen- mo de pessoas. É acreditar que PB – Temos que equilibrar a
ças de não atuar para um pú- JT – Em que meio pre- tudo pode mudar. Tudo pode vaidade e a nossa insegurança.
blico mais selecionado? fere trabalhar? Teatro ou ser de outra maneira. É fazer Não deixar que nenhuma so-
PB – A rua é o espaço mais TV? Quais são as principais conviver o vaidoso e o insegu- bressaia.
livre e mais difícil de se traba-
lhar. A pessoa assiste em pé. Fábio Toledo
Reportagem
Na Casa
Fernando Pires
dos
Lou
c
Prédio histórico do Hospital
os
Psiquiátrico São Pedro serve
de base para grupos de
teatro em Porto Alegre
Pavilhões abandonados de unidade servem para ensaios, ocinas e atividades como montagem de cenários. Eles proporcionam reexões sobre os aspectos da loucura e da normalidade
Por Felipe Prestes primeiro se levou teatro para o vel. Todos os grupos que estão O tipo de utilização do Hos- paços da Usina do Gasômetro,
Hospital Psiquiátrico São Pe- aqui são de pesquisa, têm um pital São Pedro se tornou refe- dando a possibilidade que gru-
As artes, muitas vezes, dro. “Sempre tivemos o perl trabalho continuado”, explica rência para o projeto Usina das pos de atuação continuada pos-
manifestam-se como o limiar de buscar espaços na cidade Vera Parenza, atriz e produtora Artes, que foi celebrado como sam gerir salas do prédio histó-
entre loucura e razão. Talvez, para apresentação de nossos que faz parte do Oigalê. lei municipal em 2009 e cede es- rico, também em Porto Alegre.
pelo detrimento da racionali- trabalhos”, conta Alexandre
dade em favor da sensibilidade. Vargas, um dos fundadores do
Em Porto Alegre, a busca pela Falos e Stercus. GRUPOS PODEM PERDER O ESPAÇO
ocupação de espaços ociosos O grupo que montou o “In
levou parte da cena teatral a Surto” falou diretamente com Para Alexandre Vargas, a atu- nossa presença estava bastante co- Alexandre. “Era um rompimento
um contato inusitado com a a direção do São Pedro, que ação das companhias não tem nectada a isso. Agora parece que as da formalidade. Se o interno tinha
loucura. Desde 1999, grupos atendeu o pedido dos artistas. sido vista com bons olhos pelas coisas estão voltando atrás, no sen- vontade de se expressar no meio
têm utilizado pavilhões que “Coincidiu com um forte de- novas administrações estaduais, tido de manter os internos afastados da peça, ele o fazia”, exemplifica
estavam abandonados no Hos- bate da luta anti-manicomial. desde 2003, quando a Secreta- do convívio com outras pessoas”. Alexandre, acrescentando que a
Então foi um momento pro- ria Estadual de Cultura passou a Por ora, o que tem garantido a possibilidade de haver maior in-
pital Psiquiátrico São Pedro,
pício para a entrada do teatro interferir no local. “Primeiro, uma permanência dos artistas tem sido as terface com os “loucos” não é tão
pertencente ao Estado, para antiga diretora do Lacen (Insti- atas das reuniões que são realizadas simples, pois é necessária uma
ensaios, ocinas e atividades no espaço”, explica Alexandre.
tuto Estadual de Artes Cênicas) periodicamente com a Secretaria da qualificação especial.
como montagem de cenários. No mesmo período, 144 inter- fez auto-propaganda utilizando o Cultura, nas quais este órgão se com- “Não basta ser ator para
O local, além de ser o es- nos foram transferidos para espaço, no qual não fez mais que promete a ceder o espaço. O que os saber lidar com essas pessoas.
paço que tanto as companhias moradias, deixando espaços reformar um banheiro. Depois co- grupos querem, porém, é poder gerir Existe uma série de cuidados es-
precisam para se manter, pro- abandonados. meçaram a surgir boatos de que a área em comodato (contrato gra- peciais, medicamentos que pre-
porciona reexão sobre ques- A temporada do “In Sur- o prédio seria destinado para uma tuito, que cede temporariamente o cisam tomar, objetos que não po-
tões sociais que envolvem a to” teve boa repercussão, mas empresa ligada à fabricação de lugar), o que dificilmente deverá ocor- dem estar por perto”. O escritor
oposição entre loucura e nor- foi montada do lado de fora computadores”, conta. rer. Vera Parenza também lamenta o também explica como a loucura
malidade. A parte do hospital do prédio. Os pavilhões cinco Hoje, há o permanente te- fim das apresentações e ressalta que influencia o teatro. “Não vejo
utilizada pelas companhias tem e seis do hospital se encontra- mor de que os grupos tenham se deve a uma mudança no tratamen- relação entre loucura e teatro,
ainda o apelo estético que pou- vam cheios de entulhos, como de ser realocados. “Existem to dos pacientes. mas há uma certa ‘desrazão’ que
cos lugares podem oferecer. camas e documentos. boatos de que o governo pre- “Era super saudável, havia uma precisamos ter ao pensar a arte”.
O então Hospício São Pe- As apresentações geraram tende instalar uma empresa troca muito boa. Muitas vezes na en- Alexandre relata que tipo de re-
dro foi inaugurado em 1884, interesse da Bienal do Merco- que fabrica computadores aqui, trada do hospital não se sabia quem flexão o trabalho no São Pedro
ainda durante o Segundo Rei- sul. A organização deste even- utilizando a Uergs (Universidade era espectador da peça e quem era proporciona. “Há uma visão sim-
nado. Era o primeiro espaço to conseguiu limpar a área para Estadual do Rio Grande do Sul) paciente aguardando atendimento”, plista sobre a loucura. Tem muito
destinado aos “alienados” em uma de suas instalações e isso como ponte”, diz o ator. diz Vera, que conta, também, que mais de abandono e exclusão do
Porto Alegre e em toda a Pro- impulsionou o pedido do Falos Juliana Erpen, diretora-geral a diretoria que acolheu os artistas que propriamente uma doença
víncia de São Pedro do Rio e Stercus para utilizar aquele da Secretaria de Cultura do Esta- incentivava as apresentações, por que obrigue alguém a ficar deste
Grande do Sul. O enorme so- espaço, novamente atendido do, afirma que a direção do hospi- considerar importante este contato lado dos muros”.
pela direção do hospital. Ao tal tem planos para a área, sobre entre os doentes e as pessoas ditas Muros que têm significados
brado de dois andares remete
os quais não conhece detalhes. normais, e até ajudava na impressão opostos para “loucos” e artistas.
ao século XIX. Os portões en- longo dos dez anos outros gru-
Vera Parenza considera que a vi- do material de divulgação das peças. Para os primeiros, a liberdade
ferrujados e as janelas em arco pos foram ocupando espaços são que o atual governo tem para As que eram apresentadas para pode estar do lado de fora. Já os
dão um charme todo especial dos pavilhões. com a saúde mental condiz com a os internos foram uma grande per- grupos de teatro conseguiram
para quem faz arte no local. Entre estes, está o Oigalê retirada dos grupos. da, em termos da experiência que certa autonomia do lado de den-
Não poderia haver lugar – Cooperativa de Artistas Tea- “Quando entramos aqui, havia proporcionavam. “Eles tinham por tro. Mas os interesses governa-
mais apropriado para que o trais, que em 2002 fez um pedi- uma diretoria no hospital que con- nós um grande respeito. Via neles mentais muitas vezes preferem
grupo Falos e Stercus montas- do junto à direção do hospital siderava que o paciente precisava uma ingenuidade muito grande, e ver ambos no sentido contrário
se a peça “In Surto”, que abor- para também utilizar as depen- interagir com o mundo, que esta- havia forte desconstrução sobre o daquele que pode lhes trazer
dava a temática da loucura. Foi dências. “Sem um local como va ligada à luta anti-manicomial. A comportamento da plateia”, relata mais felicidade. Uma loucura!
nesse projeto que, há dez anos, este, nosso trabalho ca inviá-
Jornal de Teatro 16 a 31 de Julho de 2009
13
Reportagem
Adalberto Lima
exemplos de montagens onde
A loucura, segundo explica a insanidade levou o público e
a psicologia, é uma disfunção a crítica à loucura (esta, no sen-
nas mentes humanas que a faz tido mais ameno da palavra).
ter pensamentos não aceitos e Um dos maiores nomes
entendidos normalmente pelos quando se pensa em loucura é
instrumentos de entendimen- “Hysteria”, do Grupo XIX de
to e cognição da sociedade em Teatro. A montagem é focada
que vive o paciente. Pode ser na mulher brasileira que viveu
causada por uma doença ou no País na transição entre o
ser a própria doença tomando rural para o industrial. O texto
conta do corpo do paciente. surgiu da descrição das condi-
A interpretação, segundo ções em que viviam as mulhe-
acreditam alguns atores, é em- res internadas em asilos psiqui-
prestar o seu corpo à uma per- átricos da época. Atualmente
sonagem, que vai gritar, chorar, está em cartaz pelo Sesc Santa
sentir e existir através do seu Catarina, em Florianópolis,
corpo. Essa interpretação é com o projeto Palco Giratório.
uma forma de fugir da sua re- “Gotas ao Dia” aborda o
alidade e adotar para si, outra. tema de outra forma: Lyssa
Na esquizofrenia, bipolaridade, acorda em um hospital psiqui-
psicose e em todas as formas átrico, sob observação. Tenta,
de insanidade mental, você em- ao decorrer do texto, enten-
presta o seu corpo para a doen- der o porquê de estar naque-
ça, que possui e domina a sua le ambiente, em que período
mente. A sua realidade passa a da história ela vive, que dia e Cena de “ Hysteria”, que retrata a vida de mulheres internadas em asilos psiquiátricos
ser a doença. que horas serão. Foi apresen-
O interessante acontece tada no Teatro Augusta, em senta seis personagens com da Loucura”, da Cia. Fuzarca aparecer no público, eventu-
quando há a fusão desses dois São Paulo e foi a montagem TOC – Transtorno Obsessivo de Teatro é inspirada na obra almente: onde reside a loucu-
casos – o ator empresta o cor- de estréia do grupo Teatro de Compulsivo. As personagens “Elogio da Loucura”, do escri- ra? Está mesmo embutida em
po à uma personagem que vai Risco. Assim como “Hysteria”, que se mostram incomodadas tor, lósofo e teólogo Erasmo nós como diz o “Elogio da
sublocar o seu corpo à uma a montagem foi fruto de pes- e, de certa forma, até com ver- de Rotterdam. O espetáculo Loucura”? Uma mera carac-
doença ou insanidade. Além quisa baseada em casos reais gonha de seus transtornos pas- traz personagens acorrenta- terística humana, como suge-
de exigir esforços adicionais do de doenças mentais. sam a dialogar sobre o assunto dos por uma cadeia de acon- re “Hysteria”? Fruto da pós-
ator, um papel como esse exige Outro espetáculo que cuida do e a sala de espera do consul- tecimentos onde a fé, o amor, modernidade gerada na vida
uma pesquisa e uma sensibili- tema da loucura é “Toc Toc”, tório se torna uma espécie de a vingança, o ódio e a paixão urbana, como em “Toc Toc”?
dade ímpar, entre berros, mur- escrita pelo francês Laurent autoterapia entre os pacientes. formam a colcha de retalhos Todas essas montagens dão
ros e qualquer outra forma em Bafe. Em cartaz até 2 de Indo nas origens mais profun- do texto ímpar de Erasmo. vazão à questionamentos peri-
que a loucura possa se manifes- agosto no Teatro do Leblon, das da literatura clássica lo- Essas montagens levan- gosos que, por sua vez, podem
tar. Certamente não é um tra- no Rio de Janeiro, a peça apre- sóca, a encenação “Filosoa tam uma questão que pode despertar a loucura em você.
ças teatrais, romances, crônicas, negativo tem a obsessão que Nel- Estudos da Editora Perspectiva), Esse preâmbulo da história de
memórias e folhetins, entre ou- son Rodrigues utiliza para conce- faz a dramaturgia rodrigueana nosso teatro serve tão-somente
tros – quanto a vida do escritor ber a psique de suas personagens: parecer datada e de maior inteli- para notarmos a agudeza arque-
Nelson Rodrigues (1912-1980), Moema, protagonista de uma de gibilidade a alguns nichos sociais típica no tratamento de suas per-
considerado, com justeza, o dra- suas Tragédias Míticas, “Senhora do Rio de Janeiro, o diretor Antu- sonagens e como Antunes Filho
maturgo brasileiro mais ousado, dos Afogados”; e Zulmira, perso- nes Filho mergulha num universo trata com cuidadoso bisturi suas
criativo e inovador de todos os nagem principal de “A Falecida”, “mítico e arquetípico” em suas dissecações das mesmas em mon-
tempos, o remetem ao obsessi- tragédia carioca do autor. Tanto incursões ao universo drama- tagens memoráveis. Assim o fez,
vo tema da morte. Mesmo que uma quanto a outra personagem túrgico do autor. David George ano passado, com a controversa
o adultério, as complexidades se- personicam na morte sua ob- aponta a montagem “Nelson 2 encenação de “Senhora dos Afo-
xuais, taras e incestos sejam, tam- sessão. Se, por um lado, Moema Rodrigues” (1984), que conden- gados”, elevando a tragédia da
bém, temas recorrentes, a Morte vislumbra nas mortes que causa o sava as peças “Álbum de Família” família Drummond ao posto da
protagoniza, de uma forma ou único meio para atingir seu m, e “Toda Nudez Será Castiga- falta de paradigmas que a Institui-
de outra, cada uma de suas obras. por outro, Zulmira acredita que da” – na realidade a redução do ção Família, e Moema (na monta-
Mesmo sabendo que a obsessão é sua morte lhe trará a redenção de espetáculo Nelson Rodrigues – gem vivida pela atriz Angélica di
apenas um desvio comportamen- seus pecados e planeja seu velório “O Eterno Retorno” (1981) que Paula) ao arquétipo do sombrio Angélica em “Senhora dos Afogados
tal, que de tal mania possa sur- com requintes de quem deseja, a trazia mais duas peças do autor: e vazio vindos com essa ausência
gir um desconforto mental para qualquer custo, recuperar a digni- “Os Sete Gatinhos” e “O Beijo de modelos. Esse ano, Antunes sidade em saber como ele tratará
quem a sente ou para aquele que dade que sua situação social nun- no Asfalto” – tão fundamen- retorna a Nelson com “A Faleci- a obsessão de Zulmira e de cada
é o alvo do obsedado, concorde- ca lhe permitiu exercer. tal ao teatro brasileiro quanto a da Vapt-vupt”, sua terceira incur- um dos personagens da obra.
mos que tal mania exacerbada é Em encenações que pretendem montagem de “Vestido de Noi- são a peça “A Falecida” (encena-
potencial condutora da loucura, deixar a vaga localidade carioca va” (1943), por Ziembinski. Para da por ele, em 1965, com alunos Michel Fernandes é jor-
ou, no mínimo, de atos insanos. e as referências ao cotidiano que, David, o “teatro moderno brasi- da Escola de Artes Dramáticas, nalista cultural, crítico e pes-
Basta seguirmos a trajetória como observou o estudioso Da- leiro poderia ser situado” entre e no espetáculo “Paraíso Zona quisador de teatro. Editor do
de duas personagens rodrigue- vid George em “Grupo Macunaí- “essas memoráveis montagens Norte”, em 1989) e ca já a curio- www.aplausobrasil.com.br
14 16 a 31 de Julho de 2009 Jornal de Teatro
Reportagem
Drama Real
Histórias de superação através do psicodrama
Por Paloma Jacobina interpretar a própria vida, você leva toda exemplo
a carga de emoção que viveu para aquele é traba-
Juliana (nome ctício) não pôde estar momento e isso vai te ajudar a trabalhar lhar com
presente ao enterro do seu irmão mais questões que estão dentro de você, te ma- objetos
velho e nunca se perdoou por isso. Por chucando”, explica. interme-
mais de 10 anos, um sentimento de culpa De acordo com a prossional, o psi- diários.
e solidão a corroeu por dentro, levando codrama possibilita ao paciente a entrega Trabalhar a
para longe a tranquilidade de uma mente já total a emoções reprimidas. Durante as dramatização, consi-
inquieta. Só mais de uma década depois, a sessões, divididas em aquecimento, dra- derando que a gente
paciente esquizofrênica da terapeuta de fa- matização e comentários, a assustadora não vai esperar que
mília e casal, Isabel Rosana Barbosa, pôde realidade é enfrentada com o apoio de o portador de doença
chorar sua perda e, nalmente, enterrar o prossionais. “A sala é chamada de pal- mental aja como um
irmão perdido. Foi no palco dramático, co dramático. Nela, surge o protagonis- indivíduo neurótico
cercado por entes queridos interpretados ta. Por exemplo, na terapia de grupo ou ou normal sem graves
por colegas de terapia e se despedindo no grupo de várias pessoas, alguém leva problemas psicóticos”,
de um caixão ilusório que Juliana se sen- um tema de alguma situação que esteja explicou.
tiu livre para colocar sua dor para fora. vivendo e esse tema é levado para ser re- O uso do psicodrama
A loucura sempre foi tema de l- presentado no palco dramático”, revela. no tratamento de pacientes
mes, livros e personagens históricos. Diferente do teatro, que leva ao palco a com distúrbios psicológicos é
Grandes artistas sempre estiveram no vida dos outros, o texto feito por um autor hoje tão bem aceito no meio
limiar entre os devaneios e a realidade no psicodrama se leva aos palcos a própria prossional, que o aumento
do mundo que os cercam, em especial vida. Segundo Isabel, o psicodrama não é pela procura e oferta de cursos
quando mergulham em personagens só dramatização, mas a base para outras que preparem os prossionais
com carga dramártica pesada. Foi o que técnicas que se chamam técnicas de ação. tem aumentado signicativamen-
aconteceu com o ator baiano Ângelo “Quando eu falo ‘ir ao palco dramatizar’, te. Atualmente, eles podem ser en-
Flávio na pele do ‘aprendiz de margi- não necessariamente seja uma utilização de contrados em vários lugares do Brasil,
nal’, Tonho, vivido no longametragem uma historinha, mas podemos utilizar ou- reunidos em torno da Federação Brasileira
de Paulo Alcântara, “Estranhos”. “O tros recursos para que o protagonista possa de Psicodrama e das associações estaduais.
cheiro de pólvora impregnou minha trazer a sua história e possa ser tratada”, re- A maioria dos cursos está nas universidades
mão por muito mais tempo do que vela Isabel Rosana. federais, e São Paulo é o local que tem mais
qualquer um imaginaria”, relembra. Segundo a prossional, ao dramatizar a escola de psicodrama.
Ao contrário do que se esperava, própria vida, o paciente leva para o palco Pode ser usada para diversas interven-
o apagar das luzes não suprimiu a dor algo que já fez. “Por exemplo, você tem ções. “No caso da utilização para psicóticos
do malandro Tonho, nem a arrancou uma relação difícil com sua mãe, então o eu considero um excelente recurso, inclusi-
do peito do ator. “Construí no Tonho terapeuta pede para que você entre em cena ve, além da psicanálise. Muito psicanalista
um típico malandro brasileiro, mas e dramatize isso. Ao interpretar situações e não atende pacientes psicóticos, porque
também dei a ele hombridade e assas- sensações do cotidiano, você se dá conta acredita que não possui ferramentas para
sinar a garotinha acabou com ele e co- do seu próprio personagem naquele con- isto. Um paciente com transtorno men-
migo também. Ficamos os dois muito texto”, detalha. tal pode ter no psicodrama uma
mal por muito tempo”, revela. É quando o paciente, nalmente, se excelente ferramenta para o
Segundo Ângelo Flávio, é impossível dá conta das próprias ações, das for- cuidado terapêutico”,
construir um personagem denso sem ter mas como age e como responde. E isso naliza.
a aura imaculada pela realidade interpre- acontece não só na dramatização. Ao
tada. “É muito difícil viver sem aprender contar a própria história, mas a partir
com os personagens. Isso, porque, para dos recursos que o diretor do psicodra-
construir personagens completos, abri- ma utiliza, o paciente vai se dando conta
mos mão dos nossos princípios morais do que acontece. É quando ele percebe
e culturais, e não há como fazer isso e que atitude tem em relação à mãe.
sairmos ilesos. Nesse processo, nós so- Mas existem restrições no uso do psico-
fremos, aprendemos e nos humaniza- drama em pacientes. Alguns prossionais,
mos”, concluiu. inclusive, desaprovam o uso da técnica em
E nesse jogo de vida e arte, persona- psicóticos, apesar da doutora Isabel Rosa-
gens ilusórios se misturam àqueles reais na armar que elas podem apenas variar,
no intuito de emocionar, construir e de- de acordo com a necessidade de cada um.
formar a nossa realidade. Foi assim que “Algumas técnicas não são recomendadas,
Ângelo Flávio trabalhou durante muitos mas não existem proibições. Na escola,
anos no Hospital Psiquiátrico Juliano você tem uma disciplina que é psicodrama
Moreira, acompanhando o grupo de para psicóticos. Infelizmente, a sociedade
apoio psicossocial Gira Mundo e viven- em geral ainda tem pouco conhecimento.
do um pouco da loucura de cada um dos Mas isso acontece até nas pessoas da área
internos como forma de se aproximar psíquica. O pior é que associamos essa fal-
deles. É assim que a professora e mem- ta de conhecimento ao preconceito que as
bro do Conselho Baiano de Psicodrama, pessoas têm. O meu desejo que as pessoas
Isabel Rosana, trabalha até hoje as pesso- se abrissem mais e pudessem entender, ler
as que têm na realidade do dia-a-dia seu e estudar o psicodrama para tirar a visão
maior medo de viver. preconceituosa e preconcebida que existe”,
Defensora da técnica desenvolvida desabafa a especialista.
pelo médico romeno Jacobo Levy Mo- “Não vou usar qualquer recurso com o
reno para o tratamento de pacientes com psicótico, mas o psicodrama tem uma in-
os mais variados tipos de problemas nidade de coisas que podem ser usadas. O
psicossociais, Isabel Rosana explica que psicodrama é mais uma alternativa dentre
oferece uma proposta terapêutica, de tra- as outras que podem ser utilizadas para tra-
tamento. “Você não interpreta uma mo- tamento de pacientes ou é mais ecaz ou
dalidade teatral, e sim, a sua vida. E isso mais especíco. Como se encaixa no uni-
faz toda diferença. Digo isso, porque, ao verso da psicanálise e psicoterapia. Um bom
Jornal de Teatro 16 a 31 de Julho de 2009
15
Técnica
Formando personagens através da maquiagem
Caracterizadores usam seus inúmeros recursos para dar vida às histórias que vemos nos palcos e traduzir a fiel imagem das personagens
Por Ive Andrade qual será a personalidade des- Mas, como é comum no trabalham com cinema, teatro,
Fotos: Divulgação
sa personagem”, explica Bue- meio teatral, não basta, ape- televisão, moda, publicidade e
Com quase 20 anos de no, que, atualmente, trabalha nas, talento. “Antes de mais convivem com as diferenças
prossão, o caracterizador no musical “Hairspray”. Sua nada, é preciso que exista res- que essas áreas exigem. No
Anderson Bueno tem em seu equipe, composta por seis pes- peito pela prossão. Acontece teatro, a exatidão é fundamen-
currículo grandes espetáculos soas, transforma o ator Edson muito de o artista querer car tal, pois o caracterizador não
como “O Fantasma da Ópe- Celulari em uma dona de casa lindo, independentemente se a pode entrar no meio da cena
ra”, “Godspell” e “Victor ou acima do peso em todas as personagem é alcoólatra, um para retocar ou corrigir algum
Victória”. Os dois últimos apresentações. “No caso do monstro ou um louco. Mas erro. Mas é inevitável que algo
marcaram por serem traba- Edson, por exemplo, optamos ele deve ouvir as ideias do ca- aconteça em quase duas dé-
lhos desaadores, verdadei- por uma peruca toda desgre- racterizador e vice-versa para cadas de carreira, como con-
ros divisores de águas em sua nhada, pois é assim que ele executar um bom trabalho”, ta Bueno. “No ‘Fantasma’
carreira. “No ‘Fantasma’ não está montando a personagem, arma Bueno. tinham próteses e na minha
houve trabalho de criação é uma mulher que não passa Além disso, no Brasil, a primeira semana sozinho, sem
propriamente dito. Eles trou- um pente no cabelo sequer, oferta de produtos de maquia- os americanos auxiliando, a
xeram o material e tínhamos totalmente desleixada”. gem é escassa e os materiais prótese começou a descolar
que seguir à risca. Em termos Apesar de sempre atrás das existentes geralmente são ca- do rosto do ator Saulo Vas-
de execução foi ótimo, pois, coxias, o caracterizador tem ros, o que diculta o trabalho concelos, o que estragaria o
no Brasil, não temos esse tipo um trabalho desaador: cabe a dos caracterizadores. Cursos espetáculo para o público.
de espetáculo. Ainda estamos ele propor uma etapa essencial sobre a área ajudam os atores Ainda bem que o Saulo é um
caminhando para ter um busi- do físico do personagem, o que a desenvolver o trabalho básico prossional que soube lidar
ness de entretenimento como o inclui embelezar, envelhecer ou de caracterização. “Nossa in- com a situação e a gente re-
americano”, explica. até mudar o sexo do ator, mas tenção com o curso é mostrar mediou rapidamente durante
Como um dos efeitos que sem deixar que resultado nal para os prossionais da área uma de suas trocas de roupa”.
colocam o ator em contato com que óbvio. “Hoje em dia, o o básico, que é possível fazer Para Bueno, o teatro tam-
sua personagem, a caracteri- público não quer ser iludido no com muito pouco. O ator deve bém possibilita que o carac-
zação teatral é fundamental na teatro. Deseja que o ator mos- saber pelo menos disfarçar al- terizador trabalhe muito mais
construção de qualquer história. tre atitude e não que escon- guma marca, passar base e lá- criativamente e artisticamente.
Seja sutil, em uma maquiagem dido atrás de uma máscara”, pis de olho. Até porque o ca- “No teatro, você faz parte do
básica, ou agressiva, em um arma o coordenador do curso racterizador, muitas vezes, não processo de criação, do uni-
processo de envelhecimento, o de maquiagem, caracterização permanece durante todas as verso daquela produção. Já na
papel do caracterizador é tirar a e improviso do Tuca, Pablo apresentações, isso só acontece moda poderia ser qualquer ou-
personagem do papel e trazê-la Moreira. “Existe uma busca nos grandes espetáculos e mu- tro fazendo seu trabalho”, ex-
para a realidade. Para executar pela sutileza. Hoje são poucos sicais”, ressalta Moreira, que plica o visagista, que também
tal tarefa, o visagista não é a úni- os teatros com mais de mil lu- também explica que a caracte- dá aulas na área corporativa,
ca peça fundamental. gares em que a maquiagem tem rização pode ser simples, mas sobre como se maquiar no seu
“[Em primeiro lugar] ouço que ser mais pesada, pois o pú- que sempre deve existir, tanto dia a dia, trabalho que não exi-
Bueno (de preto) e o ator Edson
a intenção do diretor, falo com blico não ca mais tão distante. em atrizes quanto nos atores. ge tanta criatividade, mas que Celulari, à carater, antes de
o gurinista para podermos E os produtos existentes ago- “São artifícios que pode não exemplica a importância da subir ao palco em “Hairspray”:
seguir a mesma linha e conver- ra possibilitam essa sutileza”, parecer, mas são essenciais”. caracterização, ainda que seja peruca desgrenhada para uma
so com o ator para decidirmos completa Bueno. Muitos caracterizadores para atuar apenas na vida real. dona de casa acima do peso
Marketing Cultural
Cultura Inglesa apoia espetáculos de dramaturgos britânicos
Por Pablo Ribera às últimas conseqüências e, na ção dos projetos selecionados.
Bia Ferrer
Rio de Janeiro
Theatro Municipal
C O M E M O R A C E N T E N Á R I O C O M G R A N D E F E S TA
nicipal de Portas Abertas, que
Aniversário de palco acontece todos os anos na data
Fotos: Divulgação
ESPETÁCULOS ENCENADOS
Se por um lado a aplicação De Angola: Espetáculo “Psycho” - texto de
do Novo Acordo Ortográco - Grupo Elinga Teatro Valódia Monteiro e direção de
da Língua Portuguesa trouxe a Espetáculo “Kimpa Vita: A Profe- Herlandson Lima Duarte
equiparação da escrita entre os tiza Ardente” - texto e direção de
países colonizados por Portugal, José Mena Abrantes De Guiné Bissau:
a segunda edição da Festlip (Fes- - Grupo Horizonte Nzinga Bandi - Grupo Teatro do Oprimido –
tival de Teatro da Língua Portu- Espetáculo “Sobreviver no Tarra- Bissau GTO
guesa), ocorrida de entre os dias fal” - texto de Antônio Jacinto e Espetáculo “Nó Mama – Frutos da
2 e 12 de julho, no Rio de Janei- direção de Adelino Caracol Mesma Árvore”
ro, celebrou as diferenças cultu-
rais entre Angola, Brasil, Cabo Do Brasil: De Moçambique:
Verde, Guiné-Bissau, Moçam- - Cia. Luna Lunera (Belo Horizon- - Grupo M’BEU
bique e Portugal. Além de 11 te-MG) Espetáculo “O Homem Ideal” -
espetáculos teatrais, abertos ao Espetáculo “Cortiços” - concep- texto e direção de Evaristo Abreu
público, encenados por grupos ção da Cia. Luna Lunera e Tuca Pi- - Grupo Tijac
nheiro e direção de Tuca Pinheiro Espetáculo “Mar Me Quer” -
destes países no Espaço Sesc,
- Cia. de Teatro Antroexposto (São texto de Mia Couto e direção de
no Sesc Tijuca e no Teatro Sesc Mia Couto é o homenageado e ganhador do Troféu Festilip-2009 Paulo-SP) Mickael Fontaine
Ginástico, eventos temáticos fo- Espetáculo “Complexo Sistema de
ram promovidos pela cidade em atores de língua portuguesa e, no tival e pode ser conferida até o Enfraquecimento as Sensibilidade” De Portugal:
busca de maior intercâmbio de futuro, dar origem a uma coope- dia 31 de julho, durante a Mostra - texto e direção de Ruy Filho - Companhia Teatral Primeiros Sintomas
informações entre os represen- rativa de prossionais de teatro”, Gourmet – O Sabor da Língua Espetáculo “Lindos Dias” - texto
tantes da língua lusófona. projeta Tânia Pires, idealizadora e Portuguesa, no Restaurante 00 De Cabo Verde: de Miguel Castro Caldas e direção
“Um dos objetivos do festival produtora do Festlip. Cozinha Contemporânea, na - Grupo de Teatro do Centro Cultu- de Bruno Bravo
é justamente tornar possível este O movimento artístico do Gávea (anexo ao Planetário). ral Português de Mindelo - Companhia Teatral Artistas Unidos
diálogo entre as linguagens de festival, no entanto, não cou “Ainda existe, no Brasil, o não Espetáculo “No Inferno” - texto e Espetáculo “Uma Solidão Dema-
trabalho em diferentes culturas, restrito apenas aos palcos tea- despertar para o conhecimento e direção de João Branco siado Ruidosa” - texto de Bohimil
de tornar viável um encontro de trais. No dia 4 de julho, o Estrela consumo das culturas dos nossos - Companhia de Teatro Solaris Hrabal e direção de Antônio Simão
irmãos de língua para uma comu- da Lapa recebeu o Festlipshow, irmãos de língua. Enquanto isso,
nicação sem fronteiras. Se a uni- uma série de apresentações mu- a cultura brasileira adentra sem é a referência mais forte de um miado escritor e dramaturgo
cação do idioma é uma questão sicais com artistas lusófonos grandes diculdades e permeada povo. Essa distância só tem um moçambicano Mia Couto, prota-
complexa, a unicação pelo te- como Fidjus e Mario Lucio, de de aplausos em todos os países caminho a ser quebrada, através gonista de expressiva contribui-
atro também é, mas tem se tor- Cabo Verde; Abel Duerê, de An- da língua lusófona. Na primeira do intercâmbio cultural entre es- ção e aprimoramento do teatro
nado realidade. Através das artes gola; DJ Falcão e Bongar – Coco edição do Festlip, cou claro que ses países”, justica Tânia. em seu país. O prêmio revelação
cênicas, pode-se reetir sobre da Xambá, do Brasil. A gastro- a unicação da língua falada é Nesta edição do festival, o cou com o grupo português
esta questão. A ideia é, inclusive, nomia dos países também se fez algo intangível. A peculiaridade homenageado e ganhador do Artistas Unidos pela peça “Uma
criar um banco de dados com os presente desde a abertura do fes- das expressões e vocabulários Troféu Festlip – 2009 foi o pre- Solidão Demasiado Ruidosa”.
Festivais
S U C E S S O S M U N D I A I S N O S PA L C O S D E
Opinião
Pensamentos insignicantes sobre os tais laboratórios
Por Gerson Esteves da mediocridade, do lugar- completar o que o outro come-
Fotos: Divulgação
comum, do esculacho que é a çou. O “ser mestre” é a gente
Outro dia eu vi uma entre- memória cultural de todo can- começar a perceber que nossa
vista no Jô com aquela atriz to, em qualquer lugar. vivência é mais épica do que
que foi modelo. (Como é o Entre nós, é inevitável lem- psicológica. O ator é um privi-
nome dela? Não tem impor- brar-se de nomes como o de legiado. A vontade de ser ator
tância.) É uma que faz sempre Maria Alice, que cou conhe- é o desejo de se desprender.
e só novelas do mesmo autor, cida pelo grande público como Quem estiver numa boa escola
dirigidas pelo mesmo diretor. a velhinha que andou dando ou grupo de teatro não precisa
Essas novelas que têm homem uns tapas na Pantera! A Maria fazer terapia.”
sem camisa o tempo todo. formou artistas, participou da É a mesma loucura que
O negócio é que ela estava montagem histórica do “Rei movia a Myriam Muniz. Um
lá ridicularizando os cursos de da Vela” no Ocina, fundou dia eu a vi, numa sala de aula,
teatro que zera nos anos 70 os dois núcleos do Teatro do protagonizar uma das cenas
nos States. E sacaneou com o Ornitorrinco, se apresentou mais fortes e delicadas que já
Living Theatre! Logo o avô do por todo o mundo, fez cine- presenciei no ensino do teatro.
teatro alternativo, o pai do off- ma e até deu o ar da sua graça Ela colocou um jovem ator
broadway, uma das grandes in- na TV. E ca reduzida a uma em pé e disse pra ele com a
venções do teatro norte-ame- bizarra velinha maconheira!? sua voz italianadamente rouca,
ricano no século XX (houve Uma grande brincadeira, cla- de quem fumava e bebia uma
teatro americano antes do séc. ro. Que ela só topou graças à boa cervejinha... Ela disse: “eu
XX?). Ficou um tempão fa- sua conança na juventude e vou fazer uma coisa em você e
Gerson Steves tem 25 anos de atividades teatrais
zendo piada dos exercícios, da nas novas ideias. À sua mara- você reage”. na cidade de São Paulo, tendo atuado como diretor,
pesquisa, das ferramentas de vilhosa loucura sã! Daí ela pôs as mãos no pei- dramaturgo, ator, produtor e professor. Portanto, fez
descoberta de uma nova cena, Em sua autobiograa não- to do jovem e deu um empur-
de um novo tipo de ator, mais autorizada, Maria diz: “Os ar- rão. A reação dele foi apenas de muita pesquisa na vida.
corporal, por vezes mais visce- tistas tendem a intuir o futuro, afastamento. Ela deu um passo
ral e talvez até menos técnico. deixam o inconsciente livre, em direção a ele e deu outro com a mesma voz, só que ter- a pasteurização dos enlatados.
Um ator criativo e, sobretudo, permitem o vir-a-ser. Isso me empurrão. Novo afastamento. namente: “você só sabe fugir, É por essas e mais aquelas
senhor da sua criação. torna aventureira, sabendo que Isso se repetiu algumas vezes né? Não precisa ter medo... isso que prero não usar a palavra
Então me lembrei da Judith ninguém é dono de uma úni- até que ela começou a bater o aqui é só teatro... é tudo de brin- que arrepia – laboratório. Nun-
Malina e do Julian Beck, fun- ca verdade, e eu deixo uir a pé e o jovem começou a car cadeirinha, bobo!” ca usei. Sempre optei pelos
dadores do Living Theatre. A minha intuição, gozo com ela acuado. Num dado momento, Judith Malina, Maria Alice termos pesquisa, investigação,
Judith Malina é a memorável principalmente quando en- ele começou a correr em cír- e Myriam Muniz... todas fun- experimentação. Um velho
vovó da “Família Adams I”. E contro um outro que também culos e ela correndo atrás dele. dadoras, atrizes e diretoras de professor dizia mais ou menos
o Julian todo mundo conhece embarca nessa... Percebo nis- Até que ela parou, virou-se e um teatro vivo, investigativo, assim: “nos anos 60 a gente fa-
como aquela gura assustado- so um caráter espontâneo de apenas esperou que ele viesse instigante. Um teatro sem ver- zia tanto laboratório... mistura-
ramente magra no “Poltergeist solidariedade. Tudo já foi dito correndo até o seu encontro, dades absolutas, sem certezas. va os ingredientes, não anotava
2”. Pois é... Eles revoluciona- de outras maneiras. A gente, completando o círculo. Nesse De onde brotam as dúvidas, de a fórmula nem as condições de
ram o teatro e caram lem- no máximo, pode reorganizar instante, diante do susto do onde saem as respostas, de onde experimentação... feito cientis-
brados por esses dois lmes aquilo que já foi expresso. Des- aluno ao dar de cara com a nascem as verdadeiras obras de ta maluco que, um dia, acaba
de segunda! São os mistérios sa forma poderemos sempre mestra, ela o amparou e disse arte e os grandes atores – e não mandando tudo pros ares!”
Ariano Suassuna:
SIMPLESMENTE IMPERDÍVEL
Conhecido como um decifrador de brasilidades, o paraibano mais pernambucano do Brasil faz da arte um dom e encanta a todos
Chico Lima
50 anos de carreira), com inter-
“Arte, para mim, não é pro- pretação dos atores Guilherme
duto de mercado. Podem me Piva, Bianca Byington, Ernani
chamar de romântico. Arte, para Moraes, Daniela Fontan e gran-
mim, é missão, vocação e festa”. de elenco, a peça narra a história
Assim pensa Ariano Suassuna, de Joaquim Simão (Guilherme
82 anos, escritor, dramaturgo, Piva), poeta de cordel, pobre e
músico, artista plástico, advoga- “preguiçoso”, que só pensa em
do, professor, pensador e tantas dormir (estará em cartaz a partir
outras denições que possam do dia 7 de agosto, no Teatro das
explicar a personalidade e o ta- Artes, no Shopping Eldorado
lento deste que é considerado em São Paulo).
um decifrador de brasilidades. Joaquim é casado com Ne-
Nascido na Cidade da Parahyba vinha (Daniela Fontan), mulher
– hoje João Pessoa (PB) –, em 16 religiosa e dedicada ao marido e
de junho de 1927, Suassuna, des- aos lhos. O casal mais rico da
de a adolescência, dedica-se, de cidade, Aderaldo Catacão (Erna-
corpo e alma, à missão de fazer ni Moraes) e Clarabela (Bianca
arte e levá-la a um povo faminto Byington), possui um relaciona-
não só por comida, mas por co- mento aberto. Aderaldo é apai-
nhecimento. Defensor militan- xonado por Nevinha e Clarabela
te da cultura do Nordeste, Su- quer conquistar Joaquim Simão.
assuna, através de sua vocação Três demônios fazem de tudo
para essa arte, extraiu o que há para que o pobre casal se ren-
de melhor dela e, com estilo da a tentação e caia no pecado,
próprio, fez – e ainda faz – a enquanto dois santos tentam
festa de seus admiradores. De- intervir. Jesus observa e avalia
talhe: que se espalham não só tudo. A partir daí, situações
pelo Nordeste brasileiro, mas inusitadas e muito divertidas
por todo o País, pelo mundo. fazem deste texto uma das pe-
O Movimento Armorial, ças mais divertidas do teatro
criado por Ariano Suassuna, é Ariano Suassuna inspira, há decadas, jovens artistas, como os que encenam “Farsa da Boa Preguiça” em São Paulo brasileiro. “Ao encenar esse
um exemplo da complexidade texto queremos reverenciar o
e da genialidade de seu autor. O 1953, sob inuência direta de 32 da Academia Brasileira de de, mas viu seu destino ser alte- mestre Ariano Suassuna e sua
paraibano mais pernambucano Hermilo Borba Filho, começou Letras (ABL). rado em razão deste fato. Viúva, obra. Queremos celebrar, com
do Brasil (Suassuna foi morar no a escrever peças e a construir Por falar em palavras, Ariano, a mãe de Ariano, Rita de Cássia carinho e alegria, aquilo que
Recife aos 15 anos e, lá, desen- uma obra modelar, referência embora aclamado como um dos Vilar, mudou-se com a família do somos: artistas do povo brasi-
volveu seus estudos – formou- obrigatória para todos os que maiores dramaturgos e roman- Sítio Acauã, no sertão paraibano, leiro”, resume João das Neves.
se em Direito, em 1950 e em desejam conhecer a dramatur- cistas de língua portuguesa, é, para a cidade de Taperoá, na re- Para Ariano Suassuna, a
Filosoa, em 1964) é o respon- gia nacional – fundaria, ainda, também, um poeta de mão cheia. gião do Cariri do estado. Devido “Farsa da Boa Preguiça” tem
sável pela criação de uma arte em 1960, o Teatro Popular do Sua produção poética acompa- à morte de João Urbano, porém, outros focos mais importan-
erudita a partir de elementos da Nordeste (TPN). O romanceiro nhou, durante muitos anos, a Ariano e toda a família, para fugir tes do que retratar, apenas, a
cultura popular do nordestino – popular nordestino e a tradição produção teatral. O estudo apro- das represálias dos grupos oposi- preguiça. “Não defendo indis-
que é, antes de tudo, um forte, mediterrânea são as característi- fundado da poesia popular foi tores ao seu falecido pai, foram criminadamente a preguiça —
como dizia Euclides da Cunha. cas principais do teatro de Suas- – e ainda é – uma constante na obrigados a fazer uma verdadeira coisa que, aliás, não poderia
Foi através dos valores da re- suna, que fundamentaram toda vida deste homem, até porque é peregrinação por inúmeras cida- fazer, pois ela é um dos ‘sete
gião, com seu vasto arcabouço a concepção moderna de uma partindo principalmente dos fo- des antes de se xar no Recife, vícios capitais’ do Catecismo”,
erudito e teórico, que Suassu- dramaturgia nordestina erudita. lhetos do romanceiro popular onde Suassuna daria início à car- brinca Suassuna, feliz com o
na, com sua escrita, reuniu, ao nordestino que Suassuna encon- reira artística, embora, em Tape- resultado obtido pela nova en-
mesmo tempo, elementos do SALVE O “AUTO DA trou o caminho para criar toda a roá, tenha vivido sua primeira ex- cenação de sua peça, indicada
simbolismo, do barroco e da li- COMPADECIDA” sua obra teatral (seus primeiros periência com o teatro, ao assistir para todas as idades, inclusive
teratura de cordel, fazendo do Entre as suas inúmeras pe- poemas datam de 1946, 1947 e a uma peça de mamulengos e a jovens e adolescentes.
Sertão o palco ideal de ques- ças conhecidas (e premiadas), 1948 como “A Morte do Touro um desao de viola – cujo cará- “Farsa da Boa Preguiça” pro-
tões humanas que se repetem destaque para “O Auto da Mão de Pau”, “Beira-mar”, “Os ter de improvisação marcaria a move, também, o lançamento
em qualquer lugar do mundo. Compadecida”, de 1955, que Guabirabas”, “Encontro” e “A obre teatral de Ariano. ocial do catálogo e do “Museu
A “nordestinidade” está no projetou Suassuna em todo o Barca do Céu”, entre outros). Hoje secretário de Cultura Digital Ariano Suassuna” (www.
sangue deste homem de forma- País e fez o crítico teatral Sába- de Pernambuco, Ariano Suassu- arianosuassuna.com.br), que apre-
ção calvinista e posteriormente to Magaldi denir a obra como TRAGÉDIA NA INFÂNCIA na possui como meta apresentar senta todo o acervo do artista,
agnóstico, que converteu-se ao “o texto mais popular do mo- A genialidade de Ariano Suas- e estimular a produção de uma distribuído em coleções e sub-
catolicismo (gesto que marca- derno teatro brasileiro”. Esta suna é conhecida (e reconhecida) arte de qualidade, com bases nas coleções, como bibliograa,
ria denitivamente a sua obra) peça, aliás, abriu as portas da te- mundialmente, mas sua vida nem raízes do povo brasileiro. Arte exposições, manuscritos, entre-
e começou a mostrar seus dons levisão e do cinema para o seu sempre foi feita, apenas, de ale- de qualidade que é traduzida vistas, correspondências, obras
literários aos 18 anos de idade, autor devido às adaptações para gria. Uma tragédia familiar marca nas diversas peças do autor que, de arte, fotograas etc. Esse
quando escreveu o poema “No- os dois meios. Outro exemplo sua trajetória: a morte de seu pai, ainda hoje, são encenadas pelos acervo, uma vez convertido em
turno”, publicado em destaque do talento de Suassuna é o ro- João Urbano Pessoa de Vascon- mais variados grupos teatrais. A imagens digitais, amplia enor-
no Jornal do Commercio, do Re- mance “A Pedra do Reino”, cellos Suassuna, em 1930, no Rio mais recente é a comédia “Farsa memente seu potencial de frui-
cife, em outubro de 1945. Não também adaptada para a televi- de Janeiro. João Suassuna era de- da Boa Preguiça”, de 1960, uma ção, numa proporção impossí-
demoraria para o teatro entrar são e que revelou outra faceta putado federal quando, por ques- das mais importantes para o te- vel de ser atingida pelas visitas
em sua vida. Criador do Teatro de Ariano: seu talento com as tões políticas ligadas à Revolução atro brasileiro contemporâneo. locais ao acervo físico. Um
do Estudante de Pernambuco palavras. Talento que o levou a de 1930, foi assassinado. Ariano Dirigida por João das Neves (um presente para os admiradores
(TEP), Suassuna, entre 1946 e ocupar, desde 1990, a cadeira tinha, na época, três anos de ida- dos fundadores do Grupo Opi- desse grande mestre e homem.
22 16 a 31 de Julho de 2009 Jornal de Teatro
Internacional
Gripe A fecha as portas dos teatros na Argentina
Medida inédita é tentativa desesperada do Governo para deter avanço da Influenza
Arquivo/JT
Por Felipe Sil Para a Argentina, o fecha- bém estão suspensas. Os ci-
mento de teatros é considera- nemas continuam abertos. Há
Algo inédito no meio tea- do um desastre no setor eco- a recomendação, porém, de
tral. Devido ao avanço da gri- nômico cultural. Anal, julho que os espectadores deixem
pe A (H1N1) na Argentina, é um dos melhores meses da uma cadeira vazia entre eles,
os teatros daquele país se en- atividade, por causa das férias o que é facilitado pela queda
contram fechados desde o dia de inverno, mas as projeções de público.
6 de julho. A ordem partiu do dos empresários são de queda Em boa parte do país, as
Governo Federal, em conjunto de 70% nas vendas de ingres- autoridades locais chegaram a
com a associação local de em- sos, comparadas com julho de adiantar as férias escolares de
presários teatrais. A decisão foi 2008. A associação também di- inverno para conter as trans-
tomada após semanas de salas vulga que o surto da gripe no missões nas salas de aula.
vazias e de muito debate e po- país diminuiu em 80% o núme- Aproximadamente dez mi-
lêmica na imprensa argentina ro de espectadores nas salas. lhões de estudantes tiveram o
sobre as medidas ociais toma- Especialistas em produção seu descanso estendido para
das até então (que não seriam teatral armam que o período ajudar a evitar que a doen-
unicadas). A Inuenza já cau- com as portas fechadas deve ça se espalhe. O governo da
sou a morte de 137 pessoas na causar grandes prejuízos ao presidente Cristina Kirchner
Argentina (até o fechamento setor, na Argentina, que se ainda estuda outras medidas
desta edição do JT). reetirão por muitos meses. para evitar a propagação da
“Os teatros privados sus- Para se ter ideia da gravidade gripe A (H1N1). No comér-
O Colón sofre com a nova gripe: 80% dos espectadores fora dos teatros
penderam todas as peças do assunto, quando procurado cio varejista, há fortes receios
teatrais do país, mas não sa- pelo Jornal de Teatro para fa- suspensão de outras ativida- atros e museus. Praticamente de que a situação na Argenti-
bemos o que ocorrerá nos lar sobre o caso, o presidente des culturais, educacionais e estão interrompidas todas as na chegue a um ponto extre-
teatros estatais”, anunciou, da Associação de Produtores esportivas, mesmo onde não atividades infantis, inclusive mo, que levará ao fechamento
em entrevista coletiva, Carlos de Teatro do Rio (APTR), houve proibições do governo. as relacionadas às férias de in- de todos os lugares públicos.
Rottemberg, presidente da Eduardo Barata, limitou-se a Ao menos 20 distritos da pro- verno. Outras programações Fato é que vários municípios
Associação de Empresários dizer: “Sobre isso, prero nem víncia de Buenos Aires cance- tradicionais neste período no no interior já cancelaram to-
Teatrais, que reúne alguns comentar. Deus me livre um laram suas atividades públicas país, como o “Café Cultura das as atividades culturais,
dos maiores nomes do setor problema desses no Rio”. e ordenaram o fechamento de Nación”, apresentações da sociais e esportivas, além de
teatral. O dinheiro pago ante- O avanço da inuenza na bares, danceterias, piscinas, Orquestra Nacional Argenti- terem fechado os estabeleci-
riormente deve ser devolvido. Argentina também levou à ginásios, bingos, cinemas, te- na, balés, coral e bandas tam- mentos comerciais.
Jornal de Teatro 16 a 31 de Julho de 2009
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Internacional
Direto de Londres, Adriano Fanti apresenta aos leitores do Jornal de Teatro detalhes da
estreia do musical sobre Dorian Gray – clássico de Oscar Wilde. Já Luciana Chama
aposta na modernidade. De Los Angeles ela divide algumas soluções encontradas por
lá para difundir e promover o teatro na cidade.
Aproveite as
férias e conheça
o Brasil.