O documentário "Ao Redor do Brasil" (1932) registra expedições pelo interior do Brasil lideradas pelo Marechal Rondon para mapear as fronteiras do país. O filme captura encontros com diversos povos indígenas e mostra diferenças culturais, mas também momentos de tensão devido à perspectiva de um olhar estrangeiro. Ao final, questiona-se até que ponto a constituição de uma nação unificada valoriza a diversidade interna e o impacto desses encontros para os povos originais.
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Ao Redor Do Brasil
O documentário "Ao Redor do Brasil" (1932) registra expedições pelo interior do Brasil lideradas pelo Marechal Rondon para mapear as fronteiras do país. O filme captura encontros com diversos povos indígenas e mostra diferenças culturais, mas também momentos de tensão devido à perspectiva de um olhar estrangeiro. Ao final, questiona-se até que ponto a constituição de uma nação unificada valoriza a diversidade interna e o impacto desses encontros para os povos originais.
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Disciplina: Cultura Brasileiro
Professor: Pablo Assumpo
Aluno: Samuel Brasileiro
Ao Redor do Brasil (1932), de Thomaz Reis
O filme se inicia com um plano de um homem com uma cmera. O homem Luiz Thomaz Reis, ou, como creditado, Major Thomaz Reis. Engenheiro militar foi responsvel por registrar cinematograficamente as expedies pelo interior do Brasil. As viagens realizadas a mando de Marechal Rondon eram para a sistematizao das fronteiras do pas. Thomaz Reis filmou os encontros e relatou nas cartelas uma espcie de dirio tanto de informaes didticas quanto como construo narrativa. Ao Redor do Brasil um filme que surge da busca e tambm do encontro com o outro. O filme um documentrio sobre o reconhecimento das fronteiras brasileiras. Nesse percurso o grupo encontra diversas pessoas. Os costumes distintos so visto com um olhar estrangeiro mesmo que morando no mesmo pas. Exaltasse os ndios que dormem de rede e que espalham as suas hortas pela floresta. A disparidade entre quem filme e quem filmado muito clara no s na maneira em como olha fixamente para os rostos indgenas identificao de pequenos traos ou um olhar extico? mas principalmente na maneira de existir no mundo. Seja com roupas, como se portam em barcos ou como caam. H uma sequncia onde a diferena de gestos fica muito clara. Os exploradores esto famintos e para acelerar a caa jogam uma dinamite dentro do rio. A imagem um tanto pattica, pois ao jogar a bomba, eles precisam sair rapidamente de l. Para a felicidade de todos, conseguem um peixe de trinta quilos. O que de fato significa essa imagem? A possibilidade de filmar uma viagem to longa mostra que o progresso adentrava o pas, pois no era barato filmar e ainda no o . Esse progresso, que est na nossa bandeira, resulta nessa bomba jogada no rio. o choque cultural dentro de uma imagem. Duas maneiras distintas de se habitar um mesmo mundo, ou melhor, um mesmo territrio. A questo territorial de grande importncia, pois uma imagem que permeia todo o filme o mapa brasileiro. Assim, o major Reis vai tentar dar conta da construo visual de uma nao cuja organizao enquanto estado republicano era ainda extremamente recente, com o peso advindo de sua condio de ex-colnia, ex-reino desterrado e ex-imprio, com baixo desenvolvimento econmico e baixssima urbanizao, pois nessa poca 80% da populao brasileira vivia ainda no campo. Nessa direo, seu problema era transformar essa realidade social e econmica em algo que pudesse ser visto como Estado moderno, como uma unidade indissolvel da comunidade enquanto nao e da sociedade enquanto Estado, levando prtica os dizeres positivistas de nosso pendo unificador: ordem e progresso. (MENEZES, Paulo)
Nas imagens acima, v-se um dos exploradores vestindo uma roupa em um ndio como uma forma de pag-lo pelo trabalho feito. O pagamento improvisado pouco se diferencia dos nossos descobridores. O gesto continua, a viso de mundo continua. Em seguida, eles tambm vestiro as mulheres com essas mesmas roupas. No momento que eu vejo esse filme, eu me identifico mais com os ndios nas redes do que com os exploradores sentados. Isso me faz ndio? Como diz, Eduardo Viveiro de Castro, s ndio quem se garante. Essa imagem tambm me faz pensar se ao botar uma blusa a pessoa deixa de ser ndio. Alguma vez deixamos de ser ndio ou alguma vez j fomos ndios? Esse projeto, associado como estava ao processo de ocupao induzida (invaso definitiva seria talvez uma expresso mais correta) da Amaznia, consistia na criao de um instrument jurdico para discriminar quem era ndio de quem no era ndio. O propsito era emancipar, isto , retirar da responsabilidade tutelar do Estado os ndios que se teriam tornado no-ndios, os ndios que no eram mais ndios, isto , aqueles indivduos indgenas que j no apresentassem mais os estigmas de indianidade estimados necessrios para o reconhecimento de seu regime especial de cidadania (o respeito a esse regime, bem entendido, era e outra coisa). (DE CASTRO, Eduardo Viveiro) As questes que Thomaz Reis traz para o seu filme no se limitam a um institucional do governo. ...quando os nativos so medidos pelos expedicionrios, uma ndia demonstra resistncia, indispondo-se com o papel de cobaia. H nessas imagens uma energia emanada daquele que, se no reage com violncia, ao menos boicota o apaziguamento e faz cara feia por ter de lidar com os invasores. (EDUARDO, Cleber) H momentos de tenso no filme como esse citado e h tambm momentos de afetao - seja nos rostos filmados com cautela ou nos rituais com homens de palha. Thomaz Reis pode ser Major, mas no de ao. O seu chefe, Marechal Rondon, era filho de indgena. Somos todos ndios, no?
Para finalizar meu confuso pensamento, lembro-me uma fala do cineasta paulista Andre Tonacci, que realizou o longa-metragem Serra da Desordem. Na ocasio, ele nos mostrou imagens que nunca havia montado. Nela se via muita mata e aos poucos corpos iam se revelando. Era um tribo indgena que nunca tinha tido contato com a civilizao e esse status gerou uma srie de situaes curiosos desde ameaas at os escambos. Tonacci comentou se arrependeu de ter feitos essas imagens, pois algum tempo depois descobriu que vrios daqueles indgenas haviam morrido aps o encontro com a equipe filmagem devidos a doenas. Quando eu vejo Ao Redor do Brasil, eu me pergunto at que ponto necessrio essa constituio geogrfica de nao? Como possvel se aproximar do outro? Um filme que tenta exprimir uma certeza de uma nao de que somos um. A diferena clara e no entre ndio e explorador somente, mas tambm entre ndios e ndios, rios e rios.
Textos: Thomaz Reis: major ou cineasta? Cleber Eduardo http://www.revistacinetica.com.br/thomasreis.htm
Major Reis e a constituio visual do Brasil enquanto nao Paulo Menezes http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832008000100010&script=sci_arttext
CASTRO, EduardoViveiros. Coleo Encontros: Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Azougue, 2008.