O documento discute como Bergson e Ricoeur conceitualizam a imagem e sua relação com a memória. A primeira parte analisa como Bergson vê a matéria como um conjunto de "imagens" e como o corpo se relaciona com elas através do movimento. A segunda parte examina como Ricoeur diferencia memória e imaginação. O texto busca entender esses conceitos e sua importância para elaborar o passado por meio de obras de arte.
O documento discute como Bergson e Ricoeur conceitualizam a imagem e sua relação com a memória. A primeira parte analisa como Bergson vê a matéria como um conjunto de "imagens" e como o corpo se relaciona com elas através do movimento. A segunda parte examina como Ricoeur diferencia memória e imaginação. O texto busca entender esses conceitos e sua importância para elaborar o passado por meio de obras de arte.
O documento discute como Bergson e Ricoeur conceitualizam a imagem e sua relação com a memória. A primeira parte analisa como Bergson vê a matéria como um conjunto de "imagens" e como o corpo se relaciona com elas através do movimento. A segunda parte examina como Ricoeur diferencia memória e imaginação. O texto busca entender esses conceitos e sua importância para elaborar o passado por meio de obras de arte.
O documento discute como Bergson e Ricoeur conceitualizam a imagem e sua relação com a memória. A primeira parte analisa como Bergson vê a matéria como um conjunto de "imagens" e como o corpo se relaciona com elas através do movimento. A segunda parte examina como Ricoeur diferencia memória e imaginação. O texto busca entender esses conceitos e sua importância para elaborar o passado por meio de obras de arte.
Baixe no formato PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 15
Imagem e memria - Henri Bergson e Paul Ricoeur
Bruno Oliveira de Andrade
1 (PUC-Rio Rio de Janeiro - RJ - Brasil)
bruno.uIop.andradegmail.com Orientador: ProI. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira Resumo: Este texto pretende mostrar como uma investigao sobre o conceito de imagem em sua rica polissemia pode ser uma chave de leitura importante para se compreender a um so tempo: a relao entre a IilosoIia bergsoniana da memoria e o conIronto entre memoria e imaginao em A memoria, a Historia o Esquecimento de Paul Ricoeur, alem de possibilitar uma Iundamentao teorica para as discusses sobre elaborao do passado por meio de obras de arte. A primeira parte do trabalho e dedicada a uma interpretao dos sentidos atribuidos por Henri Bergson ao termo imagem em Materia e memoria; posteriormente analisamos um momento decisivo da Ienomenologia da memoria empreendida por Paul Ricoeur em A memoria, a historia, o esquecimento. Palavras-chave: Imagem; Memoria; Imaginao. 'Trata-se de recuperar uma lembrana, de evocar um periodo de nossa historia? Temos conscincia de um ato sui generis pelo qual deixamos o presente para nos recolocar primeiramente no passado em geral, e depois numa certa regio do passado: trabalho de tentativa, semelhante a busca do Ioco de uma maquina IotograIica. Henri Bergson 1. Consideraes iniciais A epigraIe desse trabalho, extraida de Materia e Memoria, e to extraordinaria quanto complexa, pois, em um pequeno trecho, Henri Bergson com a maestria que lhe e caracteristica sintetiza grande parte de sua tese sobre o modo pelo qual temos acesso as nossas lembranas. Como se no estilo mimetizasse sua propria metaIora, o IilosoIo estabelece um recorte, incisivo e preciso como uma imagem, do amplo argumento que desenvolveu ao longo do livro. Embora o Ioco deste 'texto-imagem esteja muito bem ajustado, o resultado no e uma imagem transparente dada Iacilmente ao nosso entendimento; essa passagem guarda uma obscuridade, uma diIiculdade que decorre simultaneamente do estilo de escrita de Bergson e do proprio tema tratado pelo autor. O campo deste 'texto-imagem exige, portanto, que lhe restituimos seu Iora-de-campo, ou seja, o espao maior em que esta inserido para que possamos compreend-lo de Iorma adequada. Ao longo de 'Materia e Memoria nos deparamos com uma serie de metaIoras imageticas (muitas delas reIerem-se a pintura ou a IotograIia), sobretudo a partir do terceiro capitulo que trata 1 Graduado em Historia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Mestrando em Historia Social da Cultura PUC-Rio. Esse artigo apresenta resultados de uma pesquisa de iniciao cientiIica orientada pelo ProI. Dr: Mateus Henrique de Faria Pereira e Iinanciada pela FAPEMIG e pelo CNPq. Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 da 'sobrevivncia das imagens. Essas metaIoras, nos parece, possuem um duplo signiIicado, um mais imediato e Iuncional que consiste na sintese de um argumento complexo por meio de uma associao de elementos geralmente desconectados; e outro mais mediado e estrutural, se assim podemos dizer, cuja caracteristica e dobrar a metaIora sobre si mesma para extrair um conteudo IilosoIico que seja capaz de desdobrar o argumento, ou seja, estabelecer relaes no mais entre aqueles elementos do discurso, o 'ato sui generis` de se 'recolocar no passado e as tentativas 'semelhante a busca de um Ioco, mas entre os conceitos que lhe so caros, nesse caso, o de 'lembrana e 'percepo. Se a IilosoIia e essencialmente a inveno de conceitos, Bergson os inventa e os relaciona entre si por meio de metaIoras. A partir desse ponto, podemos dizer que a noo de imagem e seus correlatos no so utilizados de um modo simples por nosso autor, possuem esse duplo aspecto da metaIora que descrevemos. Dai, acreditamos, provem uma das diIiculdades de se compreender a natureza do conceito de imagem em Materia e Memoria ou, mais propriamente, qual sentido, dentre os varios mobilizados ao longo texto, Bergson estabelece para esse conceito em uma passagem ou em outra; e propriamente nos deslizamentos de sentido que poderemos compreender algo do conceito de imagem e, principalmente, que consiste no objetivo maior desse trabalho, investigar a Iuncionalidade desse conceito num mbito historico-cultural. 2. Bergson e a questo da imagem 2.1. A matria, para ns, um conjunto de "imagens" E com essa aIirmao um tanto quanto desconcertante que Bergson insere, ja no preIacio de seu livro, o primeiro ponto de reIlexo sobre o que estamos denominando o 'conceito de imagem. O autor pretende mostrar que no se pode reduzir a materia a representao que temos dela (como quer o idealista), nem tampouco, entender a materia como aquilo que produz em nos representaes (como pretende o realista). Mas o que, propriamente, Bergson denomina imagem nesse ponto? |...| por "imagem" entendemos uma certa existncia que e mais do que aquilo que o idealista chama uma representao, porem menos do que aquilo que o realista chama uma coisa - uma existncia situada a meio caminho entre a "coisa" e a "representao" (BERGSON, 1999, p. 2). A existncia da imagem para alem de qualquer conscincia e reivindicada muito embora sua Iacticidade, como coisa, e limitada. Apesar de mostrar-nos algo do conceito de imagem, essa deIinio ainda e negativa, pois deIine o conceito por aquilo que ele no e, por meio do contraste Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 com outros conceitos, nesse caso, 'representao e 'coisa. O objetivo do autor e mostrar que no ha dualidade entre imagem e coisa, como se a imagem Iosse produto de nossa conscincia, produto este, produzido pelas proprias coisas. Ha somente imagens, que agem e soIrem reaes, se relacionando entre si no universo, e, portanto, Iazem o 'universo girar como na expresso popular, atraves do movimento que elas produzem. Entretanto, no interior dessas imagens que constitui o universo, ha uma privilegiada que Iunciona como um centro de irradiao de movimento, essa imagem, e meu corpo. (Note-se que o corpo, sendo tambem uma imagem, no pode produzir imagens, assim como as coisas). O essencial de retermos nesse ponto e que a relao entre as diversas imagens ocorre atraves do movimento, e que o corpo irradia movimento. Mas de que modo? Diz Bergson: Percebo bem de que maneira as imagens exteriores inIluem sobre a imagem que chamo meu corpo: elas lhe transmitem movimento. E vejo tambem de que maneira este corpo inIlui sobre as imagens exteriores: ele lhes restitui movimento (BERGSON, 1999. p. 14). A partir dessa citao podemos deduzir dois modos distintos pelos quais as imagens geram movimento; ao e contrao so esses modos. As imagens exteriores transmitem o movimento ao corpo sobre a Iorma de aIeco; o corpo restitui movimento as imagens exteriores sobre a Iorma da ao. E por meio de aes e reaes que o movimento opera. Mostramos o modo como nosso corpo se relaciona com as outras imagens: restituindo o movimento. Deveriamos agora nos perguntar, porque, o corpo tem esse privilegio? E que o corpo, nos diz o IilosoIo, e: |...| no conjunto do mundo material, uma imagem que atua como as outras imagens, recebendo e devolvendo movimento, com a unica diIerena, talvez, de que meu corpo parece escolher, em uma certa medida, a maneira de devolver o que recebe (BERGSON, 1999, p. 14). Essa pequena diIerena: 'escolher...a maneira, distingue nosso corpo como um centro de irradiao de movimento, Iundado na liberdade, pois poder escolher e em ultimo caso, ter a liberdade de escolher. Evidentemente no se trata de uma liberdade absoluta, pois, agora podemos entender melhor, a ao escolhida por meu corpo e limitada, e num certo sentido, determinada, pelo conjunto de aIeces que as imagens nele produzem. Trata-se de uma escolha, como qualquer outra, num universo de possibilidades reduzidas. A ao de meu corpo sobre as outras imagens ocorre na medida em que percebo essas imagens, dai que agora, pode-se distinguir mais claramente a Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 diIerena entre as imagens em geral, e essa imagem denominada corpo: 'Chamo de materia o confunto das imagens, e de percepo da materia essas mesmas imagens relacionadas a ao possivel de uma certa imagem determinada, meu corpo (BERGSON, 1999: 17. GriIo nosso). Percepo no e nada alem do que a ao possivel do corpo, ou seja, a percepo e uma Iaculdade que esta diretamente relacionada com a ao. Ate aqui conseguimos distinguir de um modo mais claro o sentido da Irase que a abre esse topico, segundo a qual, a materia seria um conjunto de imagens. A noo de movimento e central no primeiro capitulo de Materia e Memoria poderiamos dizer que o movimento e o operador que estabelece a relao entre as diversas imagens, e mais importante, entre o corpo e o espirito, pois e atraves do movimento das imagens que aquele soIre aIeco, e deste mesmo movimento que este percebe e devolve movimento as coisas. Nesse sentido, os conceitos de imagem e movimento se relacionam de tal modo, que torna diIicil a distino do limite de cada um deles. Essa diIiculdade no decorre certamente de uma impreciso conceitual do argumento bergsoniano, mas, antes, da propria radicalidade desse argumento. De acordo com Gilles Deleuze, no argumento de Bergson: No ha dualidade entre a imagem e o movimento, como se a imagem estivesse na conscincia e o movimento nas coisas. O que ha? Somente imagens-movimento. E em si mesma que a imagem e movimento e em si mesmo que o movimento e imagem. A verdadeira unidade da experincia e a imagem movimento (DELEUZE, 1981, p. 4). De acordo com Deleuze essa seria uma das teses mais importantes de Materia e Memoria, pois, a partir dela, seria possivel pensar as coisas para alem ou aquem da diviso classica entre sujeito e objeto, numa tentativa, de restabelecer um contato imediato com as coisas, em certo sentido, semelhante a proposta da Ienomenologia. De todo modo o ponto essencial que nos interessa aqui, ou seja, entender o que signiIica imagem para Bergson e esclarecido em seguida por Deleuze: Porque essa palavra 'imagem? E muito simples...A imagem e o que aparece. Denomina-se imagem aquilo que aparece. A IilosoIia sempre tem dito 'o que aparece e o Ienmeno. O Ienmeno, a imagem e o que aparece. Bergson nos diz ento, que o que aparece esta em movimento |...| (DELEUZE, 1981, p. 5). Deleuze nota que o diIerencial do argumento de Bergson decorre essencialmente das Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 consequncias IilosoIicas que ele extrai dessa constatao , ou seja, a tese de que a imagem no e um suporte da ao e da reao, mas e em si mesma e em todas suas partes, ao e reao, em outras palavras, movimento. A imagem e, portanto, estremecimento, vibrao. 2.2. A lembrana aparece duplicando a cada instante a percepo... Se voltarmos a epigraIe, podemos nos questionar sobre o que ocorre quando aquele trabalho de tentativas, que se assemelha a busca do Ioco por meio do aparelho IotograIico, obtem sucesso? Sera que teremos uma imagem do passado? Se a resposta Ior aIirmativa, essa imagem pode ser comparada a uma imagem IotograIica? Para responder a essas questes e necessario, primeiramente, entendermos o conceito de memoria segundo Bergson, e posteriormente identiIicar de que modo as lembranas se atualizam no presente, essa discusso nos levara, necessariamente, a relao entre percepo e lembrana, desse modo teremos subsidios para entender um outro sentido da noo de imagem em Materia e Memoria. Uma das 'regras Iundamentais do metodo bergsoniano consiste em colocar e resolver os problemas em Iuno do tempo e no do espao. (DELEUZE, 1999, p.31-2) Nesse sentido, o conceito de durao e o operador chave do IilosoIo, pois atraves dele, ou, atraves da submisso dos problemas as caracteristicas da durao, sera possivel resolv-los temporalmente. O primeiro ponto a ser destacado em relao a durao e que devemos notar que no se trata de uma sucesso de instantes no tempo, durao no so os sucessivos cortes, pelos quais, na maioria das vezes, damos inteligibilidade ao tempo. Nossa durao no e um instante que substitui outro instante: nesse caso, haveria sempre apenas presente, no haveria prolongamento do passado no atual, no haveria evoluo, no haveria durao concreta. A durao e o progresso continuo do passado que roi o porvir e incha a medida que avana (BERGSON, 2006, p. 47).
Durao, portanto, no e corte, mas continuidade, assim como ha continuidade entre passado e presente, a despeito da diIerena de natureza entre os dois termos. O passado dura, sobrevive ao presente que ele Ioi, e por isso roi o porvir, debruando-se sobre ele. Mas como? A percepo do presente, que segundo o autor, obedece a 'ateno a vida, ou seja, a utilidade da vida pratica, no pode existir sem a lembrana; e essa Iormulao que garante a continuidade entre passado e presente. Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 |...| na verdade o passado se conserva por si mesmo, automaticamente. Inteiro, sem duvida, ele nos segue a todo instante: o que sentimos, pensamos, quisemos desde nossa primeira inIncia esta ai, debruado sobre o presente que a ele ira se juntar, Iorando a porta da conscincia que gostaria de deixa-lo de Iora (BERGSON, 2006, 47). Para Iormular algo dessa natureza, Bergson precisou supor a existncia de um passado ontologico, que garante a existncia dos diversos passados concretos, bem como da percepo do presente. Se recordarmos a epigraIe, ela dizia que 'primeiro nos recolocamos no passado em geral, esse passado em geral e justamente o passado ontologico que possibilita a conservao do passado em si mesmo, inteiro 2 . A ideia de se recolocar no passado em geral e interpretada por Deleuze como um 'salto ontologico 3 , no estariamos ainda numa dimenso psicologica, justamente porque esse salto ontologico signiIica antes de tudo despersonalizao, saida do mundo da utilidade e da 'ateno a vida 4 . A partir desse ponto temos maiores condies de situar de um modo mais adequado a epigraIe de nosso trabalho devolvendo-a ao Iora-de-campo que a compreende. Logo apos o trecho da epigraIe Bergson nos diz: Mas nossa lembrana continua em estado virtual; dispomo-nos assim apenas a receb-la adotando a atitude apropriada. Pouco a pouco aparece como que uma nebulosidade que se condensasse; de virtual ela (lembrana) passa ao estado atual; e, a medida que seus contornos se desenham e sua superIicie se colore, ela tende a imitar a percepo (BERGSON, 1999, p. 156). Essa imagem-lembrana (podemos dizer agora com maior clareza) que se adensa se Iorma e se colore tende a imitar a percepo e conIundir com ela, embora tenham naturezas distintas; antes de mostrarmos essa diIerena, devemos notar o novo sentido que a noo de imagem alcana nesse ponto do texto de Bergson. Ao sentido inicial que haviamos exposto acima segundo o qual a materia e composta por imagens que agem e reagem, sintetizada na expresso Imagem-movimento, soma-se a noo de imagem-lembrana conIorme mostramos, que apos o 'salto ontologico pelo qual nos colocamos no passado, passa do estado virtual ao atual, em outras palavras, da ontologia a psicologia. Para os objetivos de nosso trabalho, devemos notar que nos aproximamos com essa 2 Deleuze nota uma inspirao platnica de Bergson na tese da existncia ontologica do passado; na teoria da reminiscncia do IilosoIo grego ha tambem a suposio de um passado puro CI: Deleuze, Gilles. Bergsonismo, 46-7. 3 Um salto, ou seja, uma descontinuidade, mas que se produz na continuidade da durao, por isso Bergson diz que nos recolocamos no passado em geral. Recolocamo-nos porque ja estamos nele, ou melhor, ele ja esta com nos, mesmo quando no temos conscincia disso. 4 Uma experincia extrema de despersonalizao seria segundo Bergson o sonho. CI: Materia e Memoria, pg: 120-1. Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 passagem, ao mbito do visivel 5 propriamente. A noo de imagem-lembrana aproIunda aquela deIinio da imagem-movimento, enquanto esta se reIere de um modo mais imediato a maneira pela qual nos relacionamos com as coisas do mundo, aquela se reIere as condies psicologicas dessa relao, dando especial relevo ao papel desempenhado pela memoria. O ultimo ponto que devemos demonstrar e como esse passado em geral se torna uma imagem-lembrana, capaz inclusive de se conIundir com a percepo. Trata-se primeiramente do reconhecimento de um passado especiIico, no interior desse passado em geral, reconhecimento que se diz uma 'imagem desse passado. Por isso no texto de Bergson proliIeram as metaIoras visuais, pois em geral, damos a esse reconhecimento o nome de imagem. O trabalho de reconhecimento, ou de evocao de imagens, no pode ser conIundido com a invocao as lembranas 6 ,
denominado por Deleuze como um salto ontologico. O momento decisivo de atualizao da imagem-lembrana ocorre quando estamos situados no passado em geral, a partir dai ocorre o trabalho de evocao das imagens, resumido por Deleuze do seguinte modo: Trata-se, em tudo isso, da adaptao do passado ao presente, da utilizao do passado em Iuno do presente - daquilo que Bergson chama de "ateno a vida". O primeiro momento assegura um ponto de encontro do passado com o presente: literalmente, o passado dirige-se ao presente para encontrar um ponto de contato (ou de contrao) com ele. O segundo momento assegura uma transposio, uma traduo, uma expanso do passado no presente: as imagens- lembranas restituem no presente as distines do passado, pelo menos as que so uteis. O terceiro momento, a atitude dinmica do corpo, assegura a harmonia dos dois momentos precedentes, corrigindo um pelo outro e levando-os ao seu termo (DELEUZE, 1999, p. 56). A imagem do passado se atualiza, ou se Iixa, portanto, no exato momento em que e escolhida para servir ao presente, ou seja, quando se Iorma a percepo do presente. O esquema mental que garante a possibilidade desse trabalho de evocao das imagens e segundo Bergson: |...| em estado aberto, o que a imagem e em estado Iechado. Apresenta 5 Denominamos visivel o universo das condies de possibilidade da viso; queremos com esse termo, enIatizar a diIerena da noo de imagem-lembrana em relao aquela de imagem-movimento, que embora garanta a existncia da imagem-lembrana ainda no se constituiu como algo visivel; alem disso visivel no pode ser conIundido com visual, este ultimo termo se reIere de modo mais imediato as imagens visuais, que sustentam-se por meio de um suporte material como a IotograIia, a pintura, entre outras. Para uma deIinio minuciosa desses termos, CI: Aumont, Jaques. A imagem. Campinas, SP. Papirus,1993. 6 CI: Deleuze, Bergsonismo. Pg: 44-5 Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 em termos de devir, dinamicamente, o que as imagens nos do como ja Ieito, em estado estatico. Presente e atuante no trabalho de evocao das imagens, ele se dissipa e desaparece por tras das imagens depois que estas Ioram evocadas, tendo cumprido seu papel. A imagem de contorno Iixos desenha o que Ioi (BERGSON, 1999, p. 146). Essa citao nos parece essencial para se compreender o argumento de Bergson, pois alem de sintetizar o processo de atualizao da lembrana em imagem, que poderiamos dizer que se trata de um 'passado reencontrado a maneira de Proust, explicita o motivo pelo qual temos diIiculdade de entender esse mecanismo de evocao; essa diIiculdade decorre do Iato de que, quando reencontramos a 'imagem do passado sua potncia de servir ao presente, alem de conIundi-la com a percepo desse presente, como que recalca o trabalho pelo qual se chegou a essa imagem, assim como a Iruio de uma bela pintura, esconde muitas vezes, o trabalho do pintor. A 'ateno a vida, portanto, que muitas vezes se conIunde com nossa vida utilitaria e que possibilita que recalquemos o trabalho de evocao de imagens, atraves de uma imagem-lembrana Iixa, utilizavel. Como nos mostra Deleuze: O inconsciente psicologico representa o movimento da lembrana em vias de atualizar-se: ento, assim como os possiveis leibnizianos, as lembranas tendem a se encarnar, Iazem presso para serem recebidas - de modo que e preciso todo um recalque saido do presente e da "ateno a vida" para rechaar aquelas que so inuteis ou perigosas (DELEUZE, 1999, p. 56).
Em um mundo em grande parte subsumido no utilitarismo, essas imagens inuteis so imagens perigosas, pois podem ter uma dimenso desestabilizadora ou negativa; a discusso sobre a memoria estabelecida por Bergson Iornece condies de se pensar uma politica das imagens- lembranas para o nosso tempo, politica essa que certamente no se conIunde com um dever de memoria conservador, mas algo como uma evocao de imagens-testemunhos, testemunhos no so do presente que elas Ioram, mas de outros presentes que elas ainda podem ser; essas imagens, se assim podemos dizer, seriam antes desestabilizadoras do que Iixas, prolongariam o trabalho de evocao, sobrevivendo a imagem Iixada. Os contornos dessa possivel politica o proprio Bergson nos anuncia: |.| e de Iato em Iuno de imagens reais ou possiveis que se deIine o esquema mental, tal como o concebemos em todo este estudo. Consiste numa expectativa de imagens, numa atitude intelectual destinada ora a preparar a chegada de uma certa imagem precisa, Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 como no caso da memoria, ora organi:ar um fogo mais ou menos prolongado entre as imagens capa:es de vir a nela se inserir, como no caso da imaginao-criadora (BERGSON, 1999, griIo do original). 3 . Paul Ricoeur e a imaginao. O objetivo do livro de Paul Ricoeur intitulado A Memoria, a historia o esquecimento poderia ser resumido da seguinte maneira: trata-se de aIirmar o carater epistmico-veritativo da memoria, contra aqueles que lhe opem, no minimo, uma desconIiana. Para tanto, o IilosoIo Irancs esboa uma Ienomenologia da memoria pautada por uma tradio IilosoIica que extrapola em muito a Ienomenologia. A obra de Bergson, sobretudo Materia e Memoria e mobilizada por Ricoeur nos momentos chaves de seu argumento. Poderiamos dizer que os proprios questionamentos enIrentados por Bergson (e o caso da relao entre lembrana e imagem que estamos tratando) so retomados por Ricoeur no sentido de Iundamentar suas teses. O primeiro capitulo de sua Ienomenologia da memoria e intitulado 'memoria e imaginao; o ponto decisivo desse capitulo e a ultima parte 'lembrana e imagem Para os nossos objetivos concentraremos a analise do livro sobre essa parte e a partir dessa analise saltaremos para o terceiro capitulo da parte dedicada a historiograIia, intitulada A representao Historiadora, no qual Ricoeur retoma a questo da imagem, mas tendo como reIerncia a historiograIia. A partir dessa analise poderemos considerar de um modo critico o tratamento de Ienmenos historicos 'limites (sobretudo a Shoa) pelas imagens artisticas. 3.1. Com o titulo A lembrana e a imagem`, atingimos o ponto crtico de toda a fenomenologia da memria As palavras acima que iniciam o capitulo Memoria e Imaginao do o tom da importncia atribuida por Paul Ricoeur ao problema da relao entre lembrana e imagem, alem de sugerir a diIiculdade que o IilosoIo deve enIrentar a partir desse ponto. De Iato essa relao oIerece uma diIiculdade imediata que reside na quase impossibilidade de delimitar alguns termos imprescindiveis como os proprios conceitos de imagem, lembrana, alem dos correlatos como memoria, imaginao, Iantasia, entre outros; Ricoeur inicia a discusso pontuando o que ha em comum e diverso entre a imaginao e a memoria: Certamente, dissemos e repetimos que a imaginao e a memoria tinham como trao comum a presena do ausente, e como trao diIerencial, de um lado, a suspenso de toda posio de realidade e a viso de um irreal, do outro a posio de um real anterior (RICOEUR, Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 2007, p. 61). A aIirmao do carater veritativo da memoria esta diretamente relacionada com essa 'posio de um real anterior sobre o qual a memoria se reIere quando presentiIicada; como Paul Ricoeur insiste ao longo de todo livro a memoria e do passado, ou seja, a reIerencialidade ao passado garante a uma determinada lembrana sua Iidelidade. Embora a questo do 'real anterior como trao diIerencial da memoria seja retomada de Aristoteles 7 nos parece ser em Materia e Memoria que Paul Ricoeur encontrara a Iormulao mais decisiva para comprovar aquele argumento, isso porque, alem de Bergson Iormular a ideia segundo a qual nos situariamos primeiramente no passado em geral para acessar uma lembrana (nessa concepo ja esta marcada a noo de que a lembrana e do passado), o autor de Materia e Memoria desenvolve um argumento para distinguir a lembrana da imaginao. A centralidade de Bergson para o argumento de Ricoeur Iica explicita nesse capitulo quando o autor retomando algumas distines conceituais empreendida por Hursserl em relao aos termos imagem, Iantasia, lembrana, alcana um verdadeiro 'imbrolio, que tentara ser desenredado a partir da tese de Bergson da passagem da memoria pura a imagem-lembrana; no voltaremos a esse ponto ja tratado na primeira parte do trabalho devemos, porem, situar de Iorma mais precisa a diIerena entre memoria e imaginao; Bergson diz: |...| uma lembrana, a medida que se atualiza, sem duvida tende a viver numa imagem; mas a reciproca no e verdadeira, e a imagem pura e simples no me remetera ao passado menos que tenha sido de Iato no passado que eu tenha ido buscar, seguindo assim o progresso continuo que a levou da obscuridade para a luz. (BERGSON, 1999, p. 158) E justamente nessa questo que se baseia o argumento de Ricoeur; segundo o autor: Ao inverso da Iuno irreali:ante que culmina na Iico exilada no que esta Iora do texto da realidade inteira, e a Iuno visuali:ante, sua maneira de dar a ver, que e exaltada aqui. (RICOEUR, 2007, p. 68) Poderiamos dizer que ha nesse caso uma dupla Iorma de apresentao da imagem, que tende ora para uma Iuno visuali:ante (com o perdo da tautologia) uma vez que da a ver uma lembrana pura, quando esta se atualiza; ora para uma Iuno irreali:ante quando a imagem se 'exila do real, seja ele passado, presente ou Iuturo, e produz um livre jogo da Iaculdade 7 CI: Ricoeur. Opcit 34-5; Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 imaginativa. E essa ultima Iuno da imagem, sobretudo quando ocorre de modo exacerbado, que 'assombra o carater veritativo da memoria, pois em muitos casos no e possivel distinguir de Iorma clara os contornos das duas Iunes. Nesse sentido, Paul RICOEUR estabelece em paralelo ao movimento bergsoniano da passagem da lembrana pura a imagem-lembrana, um outro movimento que consiste na passagem da Iico a alucinao; enquanto o primeiro movimento e determinado pela Iuno visualizante o segundo e determinado pela Iuno irrealizante ou imagiIicante. Para entender essa distino sera preciso compreender a natureza da 'cilada do imaginario, que produziria uma 'memoria alucinada. A noo de cilada do imaginario e discutida a partir da grande obra de juventude de Sartre O Imaginario, notemos de passagem que esse livro tem claramente ecos bergsonianos que justiIicam, num certo sentido, sua retomada por Paul Ricoeur. De acordo com Sartre: |...| a tese da conscincia imagiIicante e radicalmente diIerente da tese de uma conscincia realizante. Vale dizer que o tempo de existncia do objeto em imagem, enquanto esta em imagem, diIere em natureza, do tipo de existncia do objeto apreendido como real... Esse nada essencial do objeto em imagem basta para diIerencia-lo dos objetos da percepo. (SARTRE,1996, p. 235) O nada essencial do objeto apreendido como imagem e a ausncia do objeto ao qual ele se reIere. A distino estabelecida por Sartre, portanto, e primeiramente ontologica, mas a essa distino ontologica soma-se uma explicao psicologica que sera propriamente aquela 'cilada do imaginario a que Paul Ricoeur se reIeria. A cilada do imaginario seria uma seduo alucinatoria do imaginario, ou seja, o argumento de Sartre desloca-se para mbito do desejo. O ato de imaginao - diz Sartre - e um ato magico. E um encantamento destinado a Iazer aparecer o objeto em que estamos pensando, a coisa que desejamos, de modo a podermos tomar posse delas (SARTRE, 1996, p. 236). Teria como Iuno, portanto, anular a ausncia e a distncia, alem disso, e, sobretudo, encenar a satisIao pela 'posse. O que interessa a Ricoeur e mostrar, atraves de Sartre, como a seduo do imaginario pode transIormar-se em patologia da imaginao: |...| Esta e centrada na alucinao e em sua marca distintiva, a obsesso, ou seja, aquela especie de vertigem suscitada em particular pela Iuga diante de uma proibio`. Todo esIoro para no pensar mais naquilo` transIorma-se espontaneamente em pensamento Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 obsessivo` (RICOEUR. 2007, p. 69).
Nesse sentido, quando a possibilidade de encenar a satisIao (anular a ausncia) e barrada seja por represso exterior ou recalque interior (obrigao de esquecer) pode haver como consequncia um imaginario obsessivo, que se sobreporia a uma 'memoria saudavel. E nisso que consiste a cilada do imaginario no nosso entendimento, ou seja, um enrijecimento da imaginao em detrimento da memoria. Acreditamos que essa cilada 'assombra a memoria nas palavras de Paul Ricoeur por que a imaginao, essa Iaculdade de produzir imagens, possui uma potncia irreIutavel, comprovada seja pelos sonhos, ou pelas obras de arte; ja a memoria, segundo a distino bergsoniana, no produz necessariamente imagens, mas se apoia nelas, se realiza no presente atraves delas, entretanto, isso no ocorre a todo instante, pois o reconhecimento, bem como a atualizao da lembrana em imagem, no possui qualquer garantia, enquanto que o imaginario garante, pois e da sua natureza, a produo de imagens. Essa discusso e Iundamental para o desenvolvimento de seu livro que tem como horizonte o conceito de perdo, considerado a luz dos eventos traumaticos do seculo XX, sobretudo, a Shoah, que impem diIiculdades a necessaria elaborao do passado. Segundo Ricoeur: a obsesso e para a memoria coletiva aquilo que a alucinao e para a memoria privada uma modalidade patologica da incrustao do passado no seio do presente, cujo par e a inocente memoria habito que, ela tambem, habita o presente, mas para anima-lo diz Bergson, no para obseda-lo, ou seja, atormenta-lo (RICOEUR, 2007, p. 70). No discutiremos ainda a tareIa de elaborao do passado; tentaremos mostrar agora, uma outra Iace, da noo de imagem utilizada por Ricoeur; esta Iace, voltada agora para a historiograIia, deixara ainda mais evidente o motivo pelo qual a imagem e, num certo sentido, um 'assombro para a memoria e a historia, segundo o argumento do IilosoIo.
3.2. A narrativa d a entender e a ver A diIiculdade que o imaginario oIerece a memoria retorna as preocupaes de Ricoeur na segunda parte do livro, cujo conteudo principal e a historiograIia. Nesse caso, o IilosoIo quer demonstrar a dialetica entre legibilidade e visibilidade que subjaz as narrativas historiograIicas. A alternncia entre narrar e descrever, nos textos historiograIicos, opera justamente por meio da dialetica entre legibilidade e visualidade. Com eIeito, a visualidade desses textos e alcanada por meio de uma tecnica discursiva, por meio de uma retorica, cujas Iiguras, como Aristoteles mostrava, Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 possuiam a virtude de 'colocar sobre os olhos. Segundo Ricoeur: Esse poder da Iigura de colocar sob os olhos deve ser ligado a um poder mais Iundamental que deIine o projeto retorico considerado em toda a sua abrangncia, a saber, a Iaculdade de descobrir especulativamente o que, em cada caso, pode ser proprio para persuadir`(RICOEUR, 2007, p. 277). Haveria, portanto, uma relao intrinseca entre imagem e persuaso. E por meio dessa constatao que Ricoeur desenvolve seu argumento em torno dos prestigios da imagem, para isso, o autor toma como Ionte de analise o projet de l`histoire de Louis XIV escrito pelo historiador de corte Pellisson-Fontanier no seculo XVII. Segundo essa especie de tratado sobre como escrever a historia do rei, o escritor deveria 'pintar mais do que contar, ou seja, colocar sobre os olhos do leitor a gloria do Rei. Nesse sentido, a tecnica 8 consiste em persuadir o leitor a elogiar o Rei, e no o contrario, ou seja, Iazer o leitor perceber o elogio do escritor. Como diz Ricoeur: No cabe ao escritor dizer a grandeza e a gloria: cabe ao leitor, sob a habil conduo da narrativa. Devem tambem ser contados entre os recursos narrativos assim mobilizados em vista do eIeito de louvor o enquadramento do campo de Ioras, a abreviao da narrativa das Iaanhas, a brevitas, cara a Tacito, Iazendo as vezes de litotes, a pintura dos atores e das cenas, e todos os simulacros de presena suscetiveis de suscitar o prazer de leitura (RICOEUR, 2007, p. 280) Outra maniIestao dessa dialetica entre ler e ver, com vistas ao louvor, pode ser encontrada no retrato do Rei em medalhas, entretanto, a dialetica e invertida, pois deve-se, a partir das medalhas, poder ler o visivel, enquanto que nas historias deve-se poder ver o legivel. Cria-se assim uma relao em que um modo de representao encontra 'seu modo mais especiIico, mais peculiar, no campo do outro. Segundo Ricoeur a medalha seria a Iorma mais notavel de representao icnica do Rei pois: DiIerentemente da iluminura que ilustra um texto, ou ate da tapearia que quase sempre representa apenas um instante de historia, a medalha e um retrato que, como a hipotipose, oIerece um resumo em Iorma de quadro (RICOEUR, 2007, p. 281). Alem disso: 8 A Iigura de linguagem mais Iuncional nesse sentido e a hipotipose, que consiste em descrever de modo vivo e intenso um objeto ou cena. Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 A medalha, assim como a moeda, pode ser mostrada, tocada, trocada. Mas, sobretudo, graas a dureza e a durabilidade do metal, Iundamenta uma permanncia de memoria, ao transIormar o brilho passageiro da Iaanha em gloria perpetua (RICOEUR, 2007, p. 281). Com esses exemplos Iica clara a relao entre imagem e persuaso, ou mais precisamente, entre imaginao (enquanto Iaculdade de produzir imagens) e poder. O imaginario do poder consiste em produzir imagens que justiIiquem a sua legitimidade. A essas imagens Paul Ricoeur atribui o adjetivo de 'prestigiosas uma vez que instituem em sua inscrio material mesma, e atraves de sua circulao, o prestigio do Rei, por Iora de sua capacidade de dar a ver esse prestigio; a viso, portanto, opera como o instrumento mais Iidedigno de comprovao. No argumento do IilosoIo a imaginao oIerece problemas tanto a memoria como a historia, pois, como vimos anteriormente, ela pode enIraquecer o carater veritativo da memoria quando opera sobre um modo 'patologico, ou seja, quando transIorma-se em alucinao; de modo analogo, as 'imagens prestigiosas que Iuncionam como louvao e justiIicao do poder, podem corroer o carater veritativo da historiograIia, uma vez que a iseno, como proIisso de Ie do historiador diante dos Iatos, pode ser subsumida no elogio, ou no seu oposto simetrico, a reprovao total. Com eIeito, o imaginario do poder ao longo dos regimes totalitarios do seculo XX no cessou de produzir uma inIinidade de imagens de autojustiIicao que poderiamos denominar alucinadas, caso no pertencessem a uma engenharia do sensivel hiper-racionalizada posta em pratica por uma serie de artistas to talentosos quanto cinicos 9 . De todo modo, tanto o elogio instituido pela visualidade das imagens, quanto a reprovao irreIletida, instituido pela proibio de ver, ou seja, de imaginar, contribui para envolver o poder e as tiranias numa aura mistica, religiosa mesmo, no servem, portanto, ha um posicionamento critico desmistiIicador em relao a eles. A questo da imagem e do imaginario e nesse sentido crucial para discutirmos a diIicil tareIa de elaborao do passado. A arte, portanto, no pode deixar de ser seriamente levada em considerao nesse assunto, uma vez que essa maquina de produzir imagens pode atuar de diversas Iormas, nem sempre positivas, mas, do mesmo modo nem sempre negativas. As imagens so poderia ser atribuida a ingrata tareIa de produzir odes ao poder? No haveria imagens capazes de serem criticas, de produzirem cesuras no imaginario do poder, que no cessa de sobreviver, mesmo sobre Iormas recalcadas como na reprovao total que reivindica o indizivel e o invisivel, sob supostos 9 A reIerncia incontornavel e Leni RieIenstahl. Para uma analise da estetica Iascista CI: Sontag, Susan. Fascinante Fascismo. In: Sob o signo de Saturno. Porto Alegre: LePM Editores, 1986. Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150 argumentos humanistas? No haveria ainda imagens que, ao estabelecimento do territorio do poder por meio do elogio, opusessem uma constante desterritorializao? Deixaremos essas respostas em aberto; para respond-las teriamos que realizar outro trabalho. Todavia acreditamos ser possivel discutir todos esses problemas a partir dos conceitos discutidos ao longo desse texto. Uma compreenso mais proIunda de termos como imagem- movimento, imagem-lembrana, imaginao e memoria, pode ser o Iundamento para se pensar criticamente a tareIa de elaborao do passado, sobretudo quando essa elaborao tem como ponto de apoio as imagens da arte. Como vivemos numa expectativa de imagens, sejam elas da memoria ou da imaginao, como disse Bergson, conhecer seus mecanismos e tareIa imprescindivel. Referncias: BERGSON, Henri. Materia e Memoria. Ensaio sobre a relao do corpo com o espirito. Traduo: Paulo Neves - So Paulo: Martins Fontes, 1999. . Memoria e vida; textos escolhidos por Gilles Deleuze; Traduo: Carla Berliner - So Paulo: Martins Fontes, 2006. DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Traduo: Luiz B. L. Orlandi. So Paulo: Ed 34, 1999. . Les cours de Gilles Deleu:e. Disponivel em www.webdeleuze.com . Acessado em 10.02.20012 RICOEUR, Paul. A memoria, a historia, o esquecimento. Traduo: Alain Franois. Campinas, Sp: Editora da Unicamp, 2007. SONTAG, Susan. 'Fascinante Fascismo in Sob o signo de Saturno. Porto Alegre: LePM Editores, 1986. Image and Memory - Henri Bergson and Paul Ricoeur Abstract: This text presents an investigation about the concept oI image in your multiplicity oI meanings, be can a reading ey that is essential to understand at the same time: the relation between bergson philosophie oI memory and the approach about the memory and imagination in the text Memorv, Historv, Forgotting by Paul Ricoeur. And enables a theorical Iundamentation Ior the approachs about your elaboration oI past into the wors oI art. The Iirst part oI the text is devoted to an interpretation oI the senses perIormed by Henry Bergson about the image concept in your essay Matter and Memorv. AIter we analyse an moment decisive in the phenomenology about the memory understaen Ior Paul Ricouer. Keywords: Image; Memory; Imagination. Data de registro: 30/06/2012 Data de aceite: 05/09/2012 Revista Estudos Filosoficos n 9/2012 verso eletrnica ISSN 2177-2967 http://www.uIsj.edu.br/revistaestudosIilosoIicos DFIME UFSJ - So Joo del-Rei-MG Pag. 136 - 150