Victor Giraldo Analise Notas de Aula
Victor Giraldo Analise Notas de Aula
Victor Giraldo Analise Notas de Aula
\
\
\
\
\
\
\
\
\
\
\
UFRJ - Instituto de Matem
atica
Licenciatura em Matem atica
An alise Real
Prof. Victor Giraldo ([email protected])
Notas de Aula
Conte udo
1 N umeros Naturais 1
1.1 Contagem e Sistemas de Numeracao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Construcao Axiomatica do Conjunto dos N umeros Naturais . . . . . . . . . . . . . . . 6
2 Fun coes 11
3 Cardinalidade de Conjuntos Finitos e Innitos 17
3.1 Conjuntos Cardinalmente Equivalentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.2 Cardinalidades Finitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.3 Cardinalidades Innitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.4 Compara cao de Conjuntos Innitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4 N umeros Inteiros e Racionais 32
4.1 Estruturas Algebricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
4.2 N umeros Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4.3 N umeros Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
5 N umeros Reais 42
5.1 Representa cao Posicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
5.2 Cardinalidades dos Conjuntos Numericos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
1 N umeros Naturais
1.1 Contagem e Sistemas de Numeracao
Os primeiros sistemas gracos de numeracao sao provavelmente tao antigos quanto a propria escrita.
Acredita-se que os smbolos para representar n umeros tenham surgido simultaneamente e se desenvol-
vido paralelamente aos smbolos para representar palavras. As primeiras representac oes gracas para
n umeros foram provavelmente atraves de marcacoes na pedra ou na areia em que cada marcacao (ricos
ou pontos) correspondia a uma unidade do que se pretendia contar. Assim, neste sistema primitivo
so existiria um smbolo, correspondendo `a unidade, e cada n umero seria representado pela repeticao
deste unico smbolo. A partir da, diferentes tipos de sistemas numericos gracos se desenvolveram em
diferentes partes do planeta. Chamaremos de algarismos cada smbolo usado em um sistema numerico
graco e de numeral uma combinacao de algarismos que representa um n umero.
Um renamento do sistema numerico primitivo foi a ideia de criar algarismos para representar grupos
de outros algarismos, cujo tamanho era dado, em geral, por uma base xada. Este era o caso, por
exemplo, do sistema de numeracao decimal egpcio, representado na gura abaixo, que remonta a pelo
menos 3400 ac. No sistema egpcio o algarismo bastao representa a unidade; o algarismo ferradura
representa um grupo de 10 bastoes; o algarismo corda representa um grupo de 10 ferraduras, ou um
grupo 10 de grupos de 10 bastoes, ou ainda 10
2
bastoes; e assim por diante. Desta forma, ha um
algarismo para cada potencia da base 10.
1 10 10
2
10
3
10
4
10
5
10
6
bastao ferradura corda or de lotus dedo passaro
homem em
adora cao
Figura 1: Algarismos Egpcios.
O n umero 1969, por exemplo, poderia, a princpio ser representado por 1969 bastoes. Mas isto e
equivalente a 196 ferraduras mais 9 bastoes, ou 19 cordas mais 6 ferraduras mais 9 bastoes, ou ainda
a 1 or de lotus mais 9 cordas mais 6 ferraduras mais 9 bastoes.
Figura 2: 1969.
Os numerais sao assim formados pela justaposicao dos algarismos. Portanto, para ler um n umero
natural a escrito em numerais egpcios, devemos obter a soma total dos valores dos algarismos por
isso, o sistema egpcio e dito um sistema por agrupamento aditivo simples (no caso egpcio, decimal).
Este esquema pode ser representado algebricamente da seguinte forma:
a =
N
j=0
a
j
k=1
j
1
em que
j
representa o algarismo egpcio para 10
j
e a
j
e um n umero natural entre 0 e 9 que representa
o n umero de algarismos
j
no numeral.
Reciprocamente, para escrever um n umero a no sistema de agrupamento aditivo egpcio, utilizamos
um processo de divisoes sucessivas. Isto e, cada agrupamento corresponde a uma divisao pela base 10.
Em primeiro lugar, devemos dividir este n umero pela base 10. O resto desta divisao sera o n umero
de algarismos bastao no numeral correspondente, ou a
0
na formula acima. Em seguida, dividimos o
quociente da primeira divisao por 10. O resto da segunda divisao sera o n umero de algarismos ferradura
no numeral, ou a
1
na formula acima. O processo continua ate que o quociente obtido seja menor que
10, o que corresponde ao ultimo agrupamento. Assim, cada resto a
j
no processo de divisoes sucessivas
sera o n umero de algarismos
j
no numeral.
Observe que este e mesmo esquema utilizado para a construcao dos numerais hindu-arabicos. O
nosso e um sistema de numeracao por agrupamento decimal, assim como o egpcio. No entanto, a
diferenca fundamental esta no fato de que, no sistema hindu-arabico, cada ordem de grandeza e marcada
pela posicao do algarismo, e nao por um algarismo diferente. Desta forma, no sistema arabico, o valor
dos algarismos nao e absoluto, mas depende da posicao que algarismo ocupa em cada numeral. No
sistema egpcio, por outro lado, o valor dos algarismos e absoluto, pois independe da posicao. A
or de lotus sempre sera 1000 no sistema egpcio, mas o algarismos 6 pode ter valor 6, 60, 600
ou qualquer valor 6 10
k
, com k N, no sistema hindu-arabico. Conseq uentemente, no sistema
hindu-arabico 10 algarismos sao sucientes para representar qualquer n umero natural, enquanto que no
sistema egpcio se quisermos representar todos os n umeros naturais, precisaremos de uma quantidade
innita de algarismos. O esquema de numeracao hindu-arabico pode ser representado algebricamente
da seguinte forma:
a =
N
k=0
a
k
10
i
em que a
k
sao os algarismos
1
entre 0 e 9, dados pelos restos obtidos no processo de divisoes sucessivas.
Os sistemas de numeracao baseados neste esquema sao chamados sistemas por agrupamento po-
sicional. Alem do sistema hindu-arabico, que e decimal, outros exemplos de sistemas posicionais na
antiguidade sao o babilonico hexadecimal e o maia (essencialmente) vigesimal.
Consideremos o exemplo do sistema posicional maia. Como este e um sistema vigesimal (isto e, de
base 20) seriam necessarios 20 algarismos para representar os n umeros naturais. Em lugar de criar 20
smbolos diferentes, para representar esses algarismos os maias utilizavam um sistema aditivo de base
5, com smbolos para 1 e 5 (gura 3). Esses algarismos eram entao empregados para representar os
n umeros de 1 a 19, que eram entao usados como algarismos no sistema posicional de base 20 (gura 4).
Assim, podemos dizer que os maias usavam um sistema posicional de base 20, em que esta embutido
um sistema aditivo de base 5. Outra caracterstica importante do sistema maia e a presenca de um
algarismo para o 0 (gura 3). No entanto, e importante notar que o 0 nao tinha estatuto de n umero
em si, isto e, este nao era considerado como a expressao de uma quantidade. O smbolo para o 0 era
usado apenas como algarismo na representacao de outros n umeros. De fato, o 0 como n umero so veio
a surgir alguns seculos mais tarde.
Curiosamente, o primeiro agrupamento no sistema e feito com base em grupos de 20, mas o
agrupamento de segunda ordem e feito em grupos de 18 (por isso, dissemos anteriormente que o
sistema maia era essencialmentevigesimal). A partir da, nos agrupamentos de ordem superior, a
1
Observe que, embora os valores dos restos i
k
sejam os mesmos nos dois sistemas de numeracao, este sao os proprios
algarismos no sistema hindu-arabico, mas nao sao algarismos no egpcio e sim o n umero de vezes que cada algarismo
aparece no numeral.
2
0 1 5
Figura 3: Os algarismos 0, 1 e 5 no sistema posicional maia.
Figura 4: Algarismos Maias.
base volta a operar de forma vigesimal
2
. Assim, o n umero 1969, por exemplo, e representado por
5 18 20 + 8 20 + 9, ou seja da forma mostrada na gura 5.
Figura 5: 1969.
Exerccios
1. Explique porque um sistema aditivo de numeracao nao precisa ter um smbolo para o zero,
enquanto que para que um sistema posicional nao seja ambguo, e necessario que este inclua o
algarismo zero.
2. Determine um algoritmo para efetuar adic oes no sistema de numeracao egpcio.
3. Determine um regra simples para multiplicar por 10 no sistema de numeracao egpcio.
4. Explique os passos do algoritmo para expressar n umeros naturais em algarismos maias.
5. Expresse os n umeros 3960 e 4335 nos sistemas de numeracao egpcio e maia.
E claro que podemos formar um sistema de numeracao posicional empregando como base qualquer
n umero natural 2. Podemos demonstrar formalmente que todo n umero natural tem representacao
unica em relacao a qualquer sistema de numeracao posicional. Assim, o teorema a seguir permite que
o sistema posicional de base que bem denido: a expressao de qualquer n umero natural a existe e
e unica.
2
A provavel explicacao para este fato, que a princpio pode parecer estranho, esta no calendario maia, cujo ano tinha
360 dias. Assim, o n umero de dias do ano sistema maia era representado pelo smbolo elementar (11820+020+0):
3
Teorema 1.1 Seja 2 um n umero natural xado. Dado qualquer a N, existem n umeros naturais
a
0
, . . . a
N
, tais que 0 a
k
< e a
N
= 0, unicamente determinados, tais que:
a =
N
k=0
a
k
k
Demonstracao: Veja [17].
4
Denicao 1.1 Seja 2 um n umero natural xado. Dizemos que o n umero a N esta expresso no
sistema de numeracao posicional de base se a esta escrito na forma:
a =
N
k=0
a
k
k
em que a
0
, . . . a
N
sao os unicos n umeros naturais tais que 0 a
k
< e a
N
= 0, chamados algarismos.
Neste caso, denotamos:
a = (a
N
. . . a
0
)
q
0
a
1
q
1
.
.
.
q
k
a
k+1
q
k+1
.
.
.
q
N2
a
N1
q
N1
a
N
0
a = q
0
+ a
0
q
0
= q
1
+ a
1
a = ( q
1
+ a
1
) + a
0
=
2
q
1
+ a
1
+ a
0
q
1
= q
2
+ a
2
a =
2
( q
2
+ a
2
) + a
1
+ a
0
=
3
q
2
+
2
r
2
+ a
1
+ a
0
.
.
.
q
k
= q
k+1
+ a
k+1
a =
k+1
( q
k+1
+ a
k+1
) +
k
j=0
j
a
j
=
k+2
q
k+1
+
k+1
j=0
j
a
j
.
.
.
q
N2
= q
N1
+ a
N1
a =
N1
( q
N1
+ a
N1
) +
N2
j=0
j
a
j
=
N
q
N1
+
N1
j=0
j
a
j
q
N1
= a
N
a =
N
a
N
+
N1
j=0
j
a
j
Logo:
a =
N
k=0
a
k
k
5
Exerccios
7. O que se pode armar sobre a representacao de um n umero natural a em relacao ao sistema de
numeracao posicional de base nos casos abaixo?
(a) a = (b) a e m ultiplo de (c) a e potencia de
(d) a < (e)
k1
a <
k
, com k N
8. Explique a estrutura dos algoritmos da adicao e da multiplicacao em um sistema de numeracao
posicional e justique sua validade.
9. Efetue as seguintes operac oes, sem converter para a base 10:
(a) (654)
7
+ (546)
7
(b) (654)
7
(546)
7
10. Efetue a adicao e a multiplicacao entre os n umeros abaixo, expressos em algarismos maias, sem
converter para o sistema hindu-arabico.
11. (a) O n umero (37)
9
e par ou mpar? E (47)
9
?
(b) Existe alguma base tal que (47)
seja par?
(c) Se e um n umero par, qual e o criterio para determinar se um numeral na base representa
um n umero par ou mpar?
(d) Se e um n umero mpar, qual e o criterio para determinar se um numeral na base
representa um n umero par ou mpar?
12. (a) O n umero (57)
9
e m ultiplo de 3? E (123)
9
?
(b) Qual e o criterio para determinar se um numeral na base 9 representa um m ultiplo de 3?
13. Considere o sistema de numeracao posicional de base . Considere a = (a
N
. . . a
0
)
um n umero
natural expresso neste sistema.
(a) Seja p N um divisor de . Mostre que p | a p | a
0
.
(b) Seja p N tal que deixa resto 1 na divisao por p. Mostre que p | a p |
N
k=0
a
k
.
1.2 Construcao Axiomatica do Conjunto dos N umeros Naturais
Existem diferentes maneiras de se estabelecer a existencia dos conjuntos numericos N, Z e Q, munidos
das respectivas operacoes de soma e produto e relacao de ordem. De forma geral, se isto e feito
diretamente atraves de um sistema axiomatico, a existencia dos conjuntos, suas operacoes, ordem e
as respectivas propriedades basicas sao estabelecidas pelos axiomas. As demais propriedades sao entao
demonstradas como teoremas. Outra abordagem possvel seria por meio de um processo construtivo,
com base em objetos previamente conhecidos (no caso de Z e Q, por meio de classes de equivalencia).
Neste caso, os operacoes e a relacao de ordem sao estabelecidas por denic oes e suas propriedades
demonstradas como teoremas. O quadro abaixo ilustra tres possibilidades para a construcao de N, Z e
Q (cada uma mais economicaque a anterior).
6
I II III
Axiom atica de
Teoria de Conjuntos
Construc ao de N
(Axiomas de Peano)
Construc ao de Z
(Classes de Equival encia)
Construc ao de Q
(Classes de Equival encia)
Axiom atica de N
(Axiomas de Peano)
Construc ao de Z
(Classes de Equival encia)
Construc ao de Q
(Classes de Equival encia)
Axiom atica de Z
Construc ao de Q
(Classes de Equival encia)
Tabela 1: Construc oes dos Conjuntos Numericos.
Na construcao de N com base nos axiomas de teoria de conjuntos (coluna I da tabela 1), partimos
da denicao do elemento 0 como sendo o conjunto vazio. Nao nos aprofundaremos aqui na axiomatica
de teoria de conjuntos (para maiores detalhes, veja [9, 12]), mas destacamos brevemente a seguir alguns
dos axiomas fundamentais para dar incio `a construcao do conjunto dos n umeros naturais.
Axioma 1.1 (Existencia) Existe um conjunto.
Axioma 1.2 (Extensao) Dois conjuntos sao iguais se e somente se tem os mesmos elementos.
Axioma 1.3 (Especicacao) Para todo conjunto A e para toda condicao S(x), corresponde um con-
junto B cujos elementos sao exatamente aqueles elementos de x de A para os quais S(x) e verdadeira.
Axioma 1.4 (Uniao) Para qualquer colecao de conjuntos existe um conjunto que contem todos os
elementos que pertencem a pelo menos um dos conjuntos da colecao dada.
E bom lembrar que, por mais que possa parecer que a axiomatica de teoria de conjuntos seja uma
maneira de fundar toda a matematica que conhecemos partindo do nada, mesmo este desenvolvimento
parte de conceitos primitivos nao denidos como o proprio termo elemento e a relacao pertence. O
Axioma da Existencia garante que nao estaremos teorizando no vacuo. O Axioma da Extensao estabelece
a nocao de igualdade entre conjuntos e o criterio largamente usado para verica-la.
O Axioma da Especicacao tem o importante papel de evitar o celebre Paradoxo de Russel, que
pode ser enunciado da seguinte forma:
Se A = {x | x x} entao A A ou A A?
Este paradoxo seria conseq uencia do emprego, em lugar do Axioma da Especicacao, de um enun-
ciado sutilmente diferente deste, o chamado Axioma da Abstracao:
Para toda condicao S(x), corresponde um conjunto B cujos elementos sao exatamente
aqueles para os quais S(x) e verdadeira.
Embora o Axioma da Abstracao possa parecer, a princpio, bastante intuitivo, o Paradoxo de Russel
mostra que ele nao pode ser assumido se quisermos construir uma teoria de conjuntos consistente.
Tambem decorre do Axioma da Especicacao que nao pode haver um conjunto universo, isto e, um
conjunto de todos os conjuntos. Assim, para denir um conjunto reunindo elementos que satisfazem
a uma dada condicao, nao se pode simplesmente tomar esses elementos abstratamente e preciso
7
que estes sejam escolhidos em outro conjunto previamente conhecido. Isto e, nao e permitido escrever
simplesmente: {x | S(x)}, mas o Axioma da Especicacao nos permite utilizar a notacao:
{x A | S(x)}
Exerccios
14. Explique qual e a contradicao inerente ao enunciado do Paradoxo de Russel e em que sentido o
Axioma da Especicacao a evita.
15. Explique porque nao pode haver um conjunto que contenha todos os conjuntos.
A operacao de uniao de conjuntos e denida com base no Axioma da Uniao e no Axioma da
Especicacao. Note que o Axioma da Uniao nao estabelece diretamente a existencia de um conjunto
cujos elementos sao exatamente aqueles que pertencem a pelo menos um dos conjuntos da colecao
dada, mas sim de um conjunto que contem todos estes elementos. Assim, dados dois conjuntos A e B,
existe um conjunto C ao qual pertencem todos os elementos que pertencem a A ou a B. Precisamos
deste conjunto C para, com base no Axioma da Especicacao, denir o conjunto:
A B = {x C | x A x B}
A operacao de intersecao tambem e denida com base no Axioma da Especicacao. Dados dois
conjuntos A e B, denimos:
A B = {x A | x B}
Para denir o conjunto vazio, tomamos um conjunto A, cuja existencia e garantida pelo Axioma da
Existencia. O Axioma da Especicacao nos permite escrever:
= {x A | x = x}
A unicidade do conjunto vazio
3
e uma conseq uencia direta do Axioma da Extensao. Mostramos que
esta contido em qualquer conjunto A por meio de um argumento de vacuidade. Para que isto nao
fosse verdade, deveria existir x tal que x A. Mas nao existe x , pois tal elemento satisfaria a
condicao x = x. O conjunto vazio e usado para denir o n umero zero. O n umero um e entao denido
como o conjunto cujo unico elemento e o conjunto vazio e assim por diante.
0 =
1 = {} = {0}
2 = 1 {1} = {, {}} = {0, 1}
3 = 2 {2} = {, {}, {, {}}} = {0, 1, 2}
De forma geral, dado um conjunto (A, +, ), denimos (A), o sucessor de A:
(A) = A {A}
A existencia do conjunto N dos n umeros naturais e nalmente estabelecida pelo Axioma da Inni-
tude.
Axioma 1.5 (Innitude) Existe um conjunto indutivo (isto e, um conjunto X tal que 0 X e
x X (x) X).
3
Isto e, nao e correto dizer um conjunto vazio, como muitas vezes se faz, mas sim o conjunto vazio.
8
Uma abordagem axiomatica para o conjunto dos n umeros naturais foi formulada pelo matematico
italiano Giuseppe Peano em 1879. Nesta formulacao, estabelece-se que existe um conjunto N satisfa-
zendo os cinco axiomas a seguir, chamados Axiomas de Peano. Para detalhes desta construcao, veja
[12, 15, 17].
Axioma 1.6 (Axiomas de Peano) Existe um conjunto N satisfazendo as propriedades:
P1. 0 N
P2. n N (n) N
P3. 0 = (n) n N
P4. m, n N, (m) = (n) m = n
P5. Princpio da Inducao Finita
Se A N e um conjunto tal que 0 A e n A (n) A entao A = N.
Os axiomas P2, P3 E P4 podem ser re-enunciados da seguinte forma: existe uma funcao : N N
injetiva tal que 0 (N). Os Axiomas de Peano podem ser tomados como o incio da construcao do
conjunto dos n umeros naturais (como ilustra a coluna II da tabela 1) ou como a continuacao da
construcao acima, baseada nos axiomas de teoria de conjuntos. No segundo caso, consideramos sendo
0 e (n) denidos como acima e o axioma (P2) corresponde `a denicao de conjunto indutivo. Os
axiomas (P3) e (P4) podem ser demonstrados como teoremas. A prova de (P3) e trivial e deixada
como exerccio, mas a de (P4) e mais complicada (para a prova completa, veja [12, p.46]). O Princpio
da Inducao Finita, por outro lado, e nao pode ser demonstrado como teorema e deve, portanto, ser
includo como um novo axioma. Assim, se queremos pensar nos Axiomas de Peano como continuacao
da construcao de N baseada em teoria de conjuntos, estes devem ser re-enunciados da forma a seguir.
Axioma 1.7 (Axioma de Peano) Existe um conjunto indutivo N tal que 0 N e para o qual vale
o Princpio da Inducao Finita: se A N e um conjunto tal que 0 A e n A (n) A entao
A = N.
Exerccios
16. Assumindo a construcao de N com base na teoria de conjuntos, demonstre o axioma (P3) de
Peano como teorema.
17. Mostre que n N, n = 0, m N | (m) = n, isto e, que (N) = N
.
Observe que o Axioma da Innitude estabelece a existencia de N em sua extensao, isto e, diz dene
seus elementos. Mas para completar a construcao do conjunto dos n umeros naturais queremos mais
que isso: queremos munir N de uma estrutura interna, que inclui as operacoes de soma e produto e
a relacao de ordem. Para demonstrar as propriedades desta estrutura interna, precisamos introduzir o
Princpio da Inducao Finita como axioma.
Denicao 1.2 (Soma)
(i) Para cada n N, temos n + 0 = n.
(ii) Para cada par m, n N, a soma m+n e o unico elemento de N tal que m+(n) = (m+n).
9
Denicao 1.3 (Produto)
(i) Para cada n N, temos n 0 = 0.
(ii) Para cada par m, n N, o produto m n e o unico elemento de N tal que m (n) = m n+m.
O pr oximo passo da construcao e provar que a soma e o produto estao bem denidos, isto e, que
para cada par m, n N, os n umeros m+n N e m n N de fato existem e sao unicos. Em seguida,
devemos demonstrar as propriedades usuais das duas operac oes. A relacao de ordem e denida com
base na operacao de soma. Nao faremos as demonstracoes das propriedades das operac oes e da ordem
aqui. Para a construcao detalhada, veja [15, 17].
Denicao 1.4 (Ordem) Dados m, n N, dizemos que m n se r N tal que m + r = n.
10
2 Fun coes
Denicao 2.1 Uma funcao e uma relacao : X Y que, para cada elemento x X, faz correspon-
der um e somente um elemento y Y . Alem disso:
(i) Os conjuntos X e Y sao chamados domnio e contradomnio de , respectivamente.
(ii) O elemento generico x X e chamado variavel de .
(iii) Se x X, entao o ( unico) elemento correspondente y = (x) Y e chamado imagem de x
ou valor de em x.
(iv) O conjunto (X) = {y Y | x X, (x) = y} Y e chamado imagem de .
(v) Se A X, entao o subconjunto correspondente (A) = {y Y | x A, (x) = y} Y
e chamado imagem de A.
E importante observar que uma funcao e um terno que se constitui de tres objetos fundamentais:
domnio, contradomnio e lei de associacao (segundo a qual os elementos do domnio estao associados
aos do contradomnio). Para que uma funcao esteja bem denida, e preciso que estes tres objetos
estejam estabelecidos. Observe que o enunciado da denicao de funcao pode ser reescrito da seguinte
forma: para que uma relacao : X Y seja uma funcao, esta deve satisfazer a duas condic oes
fundamentais:
(I) estar denida em todo elemento do domnio (existencia);
(II) nao fazer corresponder mais de um elemento do contradomnio a cada elemento do domnio
(unicidade).
Desejamos agora denir funcao inversa e, em seguida, determinar em condic oes uma funcao e
inversvel. Antes porem e necessario denir composicao de funcao, ja que a denicao de funcao inversa
esta baseada nesse conceito.
Denicao 2.2 Sejam f : X Y e g : U V duas func oes, com Y U. A funcao composta de g
com f e a funcao denotada por g f, com domnio em X e contradomnio em V , que a cada elemento
x X faz corresponder o elemento y = g f(x) = g(f(x)) V . Isto e:
g f : X Y U V
x f(x) g(f(x))
Denicao 2.3 Uma funcao f : X Y e inversvel se existe uma funcao g : Y X tal que
4
:
(i) f g = I
Y
(ii) g f = I
X
Neste caso, a funcao g e dita funcao inversa de f e denotada g = f
1
.
4
Denotaremos por I
A
a funcao identidade do conjunto A: I
A
: A A
x x
.
11
Exerccio
1. Seja f : X Y uma funcao inversvel. Mostre que a funcao inversa de f e unica, isto e, se
existem g
1
: Y X e g
2
: Y X satisfazendo as condic oes da denicao 2.3, entao g
1
= g
2
.
Sugestao: Lembre-se que duas funcoes sao iguais se e so se seus valores sao iguais em todos os elementos
do domnio. Assim, procure mostrar que g
1
(y) = g
2
(y) y Y .
Denicao 2.4 Consideremos uma funcao f : X Y .
(i) f e sobrejetiva se y Y x X tal que f(x) = y;
(ii) f e injetiva se x
1
, x
2
X, x
1
= x
2
f(x
1
) = f(x
2
);
(iii) f e bijetiva se e sobrejetiva e injetiva.
Ha ainda formas equivalentes de enunciar as denicoes acima. Podemos dizer que:
f e sobrejetiva se e somente se f(X) = Y .
f e injetiva se e somente se x
1
, x
2
X, f(x
1
) = f(x
2
) x
1
= x
2
.
f e injetiva se e somente se y f(X) ! x X tal que f(x) = y.
f e bijetiva se e somente se y Y ! x X tal que f(x) = y.
Exerccios
2. Considere as func oes: p : R [0, +[
x x
2
q : [0, +[ R
x
x
(a) A funcao p e bijetiva?
(b) Dena a funcao composta p q (indicando os tres elementos fundamentais: domnio, con-
tradomnio e lei de formacao). Esta e a funcao identidade do conjunto [0, +[ ?
(c) Dena a composta q p. Esta e a funcao identidade do conjunto R?
(d) Podemos armar que q e a funcao inversa de p?
(e) A funcao p e inversvel?
Podemos denir a relacao inversa de uma funcao qualquer, seja esta bijetiva ou nao. No entanto,
para que esta relacao inversa seja uma funcao, deve satisfazer as duas condicoes da denicao de funcao
(denicao 2.1).
A relacao inversa da funcao p do exerccio 2 e a relacao p
1
: [0, +[ R que, a cada n umero real
nao negativo x, faz corresponder suas duas razes quadradas (a positiva e a negativa). A funcao q seria
um dos dois ramos desta relacao. Observe que a relacao p
1
satisfaz a condicao fundamental (I) da
denicao de funcao, mas nao a condicao (II) portanto esta nao e uma funcao. Isto decorre do fato de
p ser sobrejetiva mas nao injetiva. De fato, como p e sobrejetiva, esta cobre todo o seu contradomnio
(que vira a ser o domnio da relacao inversa p
1
), logo p
1
satisfaz a condicao (I). Mas como p nao e
injetiva, os elementos de sua imagem estao associados a mais de um elemento no domnio. Assim, os
elementos do domnio de p
1
estarao associados a mais de uma imagem, logo p
1
nao satisfaz (II).
12
Por outro lado, a relacao inversa da funcao q do exerccio 2 e a relacao q
1
: R [0, +[ que, a
cada n umero real nao negativo x, faz corresponder seu quadrado. A relacao q
1
satisfaz a condicao (II)
da denicao de funcao, mas nao a (I). Isto se deve ao fato de q ser injetiva mas nao sobrejetiva. Como
q nao e sobrejetiva, nao cobre todo o seu contradomnio, em conseq uencia, q
1
nao cobrira todo o seu
domnio. De fato, q
1
atua somente nos elementos x 0, embora seu domnio seja todo o conjunto
R, logo nao satisfaz a condicao (I). Como q e injetiva, cada elemento de sua imagem esta associado a
um unico elemento do domnio. Portanto, cada elemento do domnio de q
1
nao pode estar associado
a mais que um unico elemento. Assim q
1
satisfaz a condicao (I).
De forma geral, sabemos que bijetividade e uma condicao necessaria e suciente para que a relacao
inversa de uma funcao seja ela propria tambem uma funcao, como demonstrado no teorema a seguir.
Teorema 2.1 Uma funcao f : X Y e inversvel se o somente se e bijetiva.
Demonstracao:
() Por hipotese, existe g : Y X tal que:
(i) f g = I
Y
(ii) g f = I
X
Tomemos y Y qualquer. Seja x = g(y). Da condicao (i) acima, segue que f(x) = f(g(y)) =
f g(y) = I
Y
(y) = y. Entao, f e sobrejetiva.
Tomemos x
1
, x
2
X tais que f(x
1
) = f(x
2
). Logo, g f(x
1
) = g f(x
2
). Da condicao (ii), segue
que I
X
(x
1
) = I
X
(x
2
), logo, x
1
= x
2
. Entao, f e injetiva.
() Por hipotese, f e bijetiva. Desejamos construir uma funcao g : Y X satisfazendo as condic oes
(i) e (ii) da denicao de funcao inversvel. Dado y Y qualquer, como f e sobrejetiva, existe x X
tal que f(x) = y e, como f e injetiva o elemento x com esta propriedade e unico. Assim, denimos
g(y) como o unico x X tal que f(x) = y. As duas condicoes desejadas decorrem imediatamente da
construcao de g.
Observando a demonstracao do Teorema 2.1, vemos que, mais precisamente, podemos enunciar os
teoremas a seguir.
Teorema 2.2 Seja f : X Y uma funcao. As seguintes condicoes sao equivalentes
(i) f e sobrejetiva;
(ii) existe g : Y X tal que f g = I
Y
(neste caso, g e dita uma funcao inversa `a direita de f);
(iii) a relacao inversa f
1
: Y X faz corresponder, a todo elemento de Y , um elemento de X
(isto e, satisfaz a condicao (I) da denicao de funcao).
Teorema 2.3 Seja f : X Y uma funcao. As seguintes condicoes sao equivalentes
(i) f e injetiva;
(ii) existe g : Y X tal que g f = I
X
(neste caso, g e dita uma funcao inversa `a esquerda de
f);
(iii) a relacao inversa f
1
: Y X nao faz corresponder, a nenhum elemento de Y , mais de um
elemento de X (isto e, satisfaz a condicao (II) da denicao de funcao).
13
Exerccios
3. Escreva as demonstracoes dos Teoremas 2.2 e 2.3 (basta rearrumara demonstracao do Teorema
1, completando alguns detalhes).
4. Mostre, com contra-exemplos, que se uma funcao f : X Y e sobrejetiva ou injetiva, mas
nao bijetiva, as func oes inversas `a esquerda ou `a direita nao sao unicamente denidas. Isto e,
construa exemplos da seguinte forma:
(a) f : X Y sobrejetiva, mas nao bijetiva, com g
1
: Y X e g
2
: Y X distintas tais que
f g
1
= I
Y
e f g
2
= I
Y
.
(b) f : X Y injetiva, mas nao bijetiva, com g
1
: Y X e g
2
: Y X distintas tais que
g
1
f = I
X
e g
2
f = I
X
.
5. Seja f : X Y uma funcao. Mostre que se existem g
1
: Y X e g
2
: Y X tais que
f g
1
= I
Y
e g
2
f = I
X
, entao g
1
= g
2
(portanto, f sera neste caso inversvel).
Em que o resultado deste exerccio difere do exerccio 1?
Voltemos ao exemplo das func oes p e q do exercido 2. Ja observamos que como, p e sobrejetiva e
nao injetiva, esta admite uma relacao inversa, mas nao uma funcao inversa. A funcao q e uma inversa
`a direita de p. De forma analoga, q e injetiva e nao sobrejetiva, portanto nao e inversvel e p e inversa
`a esquerda de q.
Exerccios
6. De outros exemplos de func oes injetivas e de func oes sobrejetivas que nao sejam inversveis. Para
cada uma delas, dena a relacao inversa e a funcao inversa `a direita ou `a esquerda, conforme o
caso.
7. Em cada um dos tens abaixo, dena uma funcao com a lei de formacao dada (indicando domnio
e contradomnio) e verique se a funcao denida e injetiva, sobrejetiva ou bijetiva.
(a) que a cada dois n umeros naturais associa seu mdc.
(b) que a cada vetor do plano associa seu modulo.
(c) que a cada matriz 2 2 associa sua matriz transposta.
(d) que a cada matriz 2 2 associa seu determinante.
(e) que a cada polinomio (nao nulo) com coecientes reais associa seu grau.
(f) que a cada gura plana fechada e limitada no plano associa a sua area.
(g) que a cada subconjunto de R associa seu complementar.
(h) que a cada subconjunto de A = {k N | k 10} associa seu n umero de elementos.
(i) que a cada subconjunto nito de N associa seu n umero de elementos.
(j) que a cada subconjunto nao vazio de N associa seu menor elemento.
(k) que a cada funcao f : R R associa seu valor no ponto x
0
= 0.
(l) que a cada funcao integravel f : [0, 1] R associa o valor de sua integral.
14
8. f : X Y e g : U V duas func oes, com Y U. Considere a composta g f : X V .
(a) Mostre que, se f e g sao injetivas, entao g f tambem e.
(b) Mostre que, se f e g sao sobrejetivas e Y = U, entao g f tambem e sobrejetiva. Este
resultado permanece valido se retirarmos a hipotese Y = U?
(c) Sob que condicoes podemos armar que a composta de duas bijec oes e uma bijecao?
9. Seja f : X Y uma funcao e sejam A e B subconjuntos de X. Mostre que f(A B) =
f(A) f(B).
10. Seja f : X Y uma funcao e sejam A e B subconjuntos de X.
(a) Mostre que f(A B) f(A) f(B).
(b)
E possvel armar que f(A B) = f(A) f(B) A, B X? Justique.
(c) Determine uma condicao sobre f que garanta que a armacao feita no item (b) seja verda-
deira.
Denicao 2.5 Seja f : X Y uma funcao.
Se y Y , entao o subconjunto f
1
(y) = {x X | f(x) = y} X e chamado contra-imagem ou
imagem inversa de x.
Se A Y , entao o subconjunto f
1
(A) = {x X | f(x) A} X e chamado contra-imagem
ou imagem inversa de A.
Assim a imagem inversa de um elemento y Y e o subconjunto de X formado pelos elementos
cujas imagens sao iguais a y; enquanto a imagem inversa de um subconjunto A Y e o subconjunto
de X formado pelos elementos cujas imagens pertencem a A.
Observe que, embora a mesma notacao f
1
seja usada para funcoes inversas e imagens inversas,
tratam-se de conceitos formalmente distintos portanto e importante nao confundi-los. De fato, se
f
1
esta representando a funcao inversa de f, entao f
1
(y) e um elemento do domnio de f. Por outro
lado, se f
1
esta representando uma imagem inversa, entao f
1
(y) e um subconjunto do domnio. A
imagem inversa existe e esta bem denida para qualquer elemento ou subconjunto do contradomnio
de f, mesmo que a funcao nao seja inversvel.
Exerccios
11. Seja f : X Y uma funcao.
(a) Se f e injetiva e y e um elemento qualquer de Y , o que se pode armar sobre a imagem
inversa f
1
(y)?
(b) Se f e sobrejetiva e y e um elemento qualquer de Y , o que se pode armar sobre a imagem
inversa f
1
(y)?
(c) Se f e bijetiva e y e um elemento qualquer de Y , o que se pode armar sobre a imagem
inversa f
1
(y)?
12. Seja f : X Y uma funcao. Se A e B sao subconjuntos de Y , demonstre as seguintes
propriedades das imagens inversas:
(a) f
1
(A B) = f
1
(A) f
1
(B)
(b) f
1
(A B) = f
1
(A) f
1
(B)
15
13. Seja f : X Y uma funcao. Mostre que:
(a) f(f
1
(B)) B B Y
(b) f(f
1
(B)) = B B Y se e somente se f e sobrejetiva.
14. Seja f : X Y uma funcao. Mostre que:
(a) f
1
(f(A)) A A X
(b) f
1
(f(A)) = A A X se e somente se f e injetiva.
16
3 Cardinalidade de Conjuntos Finitos e Innitos
3.1 Conjuntos Cardinalmente Equivalentes
Em 1883, o matematico Georg Cantor (1845-1918) conceituou o n umero cardinal de um conjunto da
seguinte forma:
Se abstramos a natureza dos elementos e a ordem na qual eles sao dados, obtemos o
n umero cardinal do conjunto.
O n umero cardinal ou cardinalidade (ou, em termos menos formais, quantidade de elementos) de um
conjunto e a propriedade essencial que sobra deste quando desconsideramos todas as suas caractersticas
intrnsecas e as relac oes entre seus elementos. Uma nocao bastante intuitiva e a de que dois conjuntos
possuem o mesmo n umero de elementos quando podemos construir uma correspondencia um a um
entre eles. A partir desta ideia, constroi-se o conceito matematico formal de cardinalidade.
Denicao 3.1 Dizemos que dois conjuntos X e Y sao cardinalmente equivalentes se existe uma funcao
bijetiva f : X Y . Neste caso, denotamos X Y .
Note que a denicao acima estabelece em que condicoes dois conjuntos sao cardinalmente equi-
valentes, porem ainda nao estabelece o conceito de cardinalidade em si. De maneira informal, isto
equivaleria a dizer que a denicao diz o que signica possuir a mesma quantidade de elementos, sem
dizer entretanto o que e quantidade de elementos. A princpio podemos pensar em cardinalidade de
um conjunto X como sendo a classe
5
de todos os conjuntos cardinalmente equivalentes a X, porem
esta nocao tem interpreta coes bastante diferentes no caso de conjuntos nitos e de conjuntos innitos
como de fato seria de se esperar.
Consideremos, por exemplo, um conjunto nito: {a, b}. Segundo a denicao 3.1, todos os conjuntos
com os quais {a, b} admite uma correspondencia biunvoca sao cardinalmente equivalentes a ele. Neste
caso, a cardinalidade de {a, b} seria a classe formada por todos os conjuntos que podem ser postos em
correspondencia biunvoca com este. Podemos identicar essa classe por meio do rotulo 2. O n umero
cardinal 2 e portanto a propriedade matematica que tem em comum todos os conjuntos que estao em
correspondencia um a um com {a, b}. Percebemos assim, de forma intuitiva, que as cardinalidades dos
conjuntos nitos se identicam com os elementos do conjunto N, dos n umeros naturais
6
.
A nocao de cardinalidade nao esta restrita a conjuntos nitos. No caso de conjuntos innitos, no
entanto, esta questao se torna bem mais complicada. A teoria moderna de cardinalidades de conjuntos
innitos tambem e devida a Cantor, que a desenvolveu em uma notavel serie de artigos publicados
a partir de 1872 em jornais cientcos alemaes
7
: era fundado assim um novo campo da matematica.
Em seu trabalho, Cantor mostrou que, contrariamente ao que se acreditava ate entao, os conjuntos
innitos nao sao todos cardinalmente equivalentes uns aos outros. Mais do que isso, da mesma forma
que existem innitas cardinalidades distintas para os conjuntos nitos (identicadas pelos n umeros
naturais), tambem existem innitas cardinalidades distintas para os conjuntos innitos isto e, existem
5
Utilizamos aqui a palavra classe em lugar de conjunto por que a admissao da existencia do conjunto de todos
os elementos que satisfazem um dada propriedade acarretaria numa situacao paradoxal o celebre Paradoxo de Russell.
Para maiores detalhes, ver [12].
6
Nao entraremos aqui em maiores detalhes formais deste aspecto. Para uma abordagem mais aprofundada, ver [12].
7
Uma traducao comentada para o ingles de dois artigos originais de Cantor foi editada por E. Jourdain, ver [13].
17
innitos mais innitos que outros. Ate entao, concebia-se um so innito, representado pelo bem
conhecido smbolo , que foi introduzido por John Wallis (1616-1703) [7, p.318]. Cantor caracterizou
as cardinalidades dos conjuntos innitos (ou seja, as innitas classes de innito) e as chamou de
n umeros transnitos, representados pela letra (aleph), do alfabeto hebraico (ver, p.ex. [4, 7, 14, 22]).
A nocao de innito sempre foi uma das mais controversas da historia da Matematica, desde seus
prim ordios (ver, p.ex. [4, 7, 14]). O matematico e losofo grego Aristoteles (384-322 a.c.) considerava
quantidades innitas, entretanto nao admitia o innito como uma entidade matematica, e sim como
uma potencialidade, isto e, uma tendencia inatingvel das grandezas que podem crescer indenidamente.
A ideia de Aristoteles foi compartilhada por matematicos em tempos muito mais recentes. Carl Friedrich
Gauss (1777-1855), por exemplo, em uma carta escrita em 1831, arma veementemente [14, p.993]:
Eu protesto contra o uso de uma quantidade innita como uma entidade matematica
verdadeira; isto nunca e permitido em matematica. O innito e apenas uma maneira de se
falar, na qual se fala adequadamente de limites dos quais certas razoes podem chegar tao
perto quanto desejado, enquanto a outras e permitido crescer sem limites.
Em uma crtica direta ao trabalho de Cantor, Henri Pincare (1854-1912) comenta em sua obra
Science et Methode [20, p.212]:
Nao ha innito atual. Os cantorianos esqueceram disso e caram em contradicao.
E verdade
que o cantorismo nos prestou servicos, mas isto era quando o aplicavamos a um verdadeiro
problema, cujos termos eram claramente denidos. Entao podamos caminhar sem medo.
De fato, as descobertas de Cantor foram tao revolucionarias em relacao aos conceitos estabelecidos
na epoca, que ate mesmo ele, o proprio autor, expressou certa resistencia em aceita-las. Em 1877,
escreveu ao amigo Richard Dedekind (1831-1916), pedindo que vericasse as provas de seus resultados,
pois estes pareciam tao paradoxais que ele pr oprio armava: Eu vejo isso, mas nao acredito [4,
p.415]. O trabalho de Cantor seria mais tarde descrito por David Hilbert (1862-1943) com o celebre
comentario:
Ninguem nos expulsara do paraso que Cantor criou para nos.
Cantor contribuiu de forma marcante em muitos aspectos da teoria moderna de conjuntos, alem da
caracterizacao dos n umeros transnitos. Sua extraordinaria descoberta nao so estabeleceu denitiva-
mente o innito como uma entidade matematica verdadeira, mas inaugurou uma teoria absolutamente
nova, segundo a qual os diferentes innitos poderiam ser manipulados e operados como objetos ma-
tematicos concretos. Hoje, distinguem-se as noc oes de innito potencial entendido como tendencia
ou limite e de innito atual entendido como cardinalidade de conjuntos.
Antes de estudar as cardinalidades nitas e innitas entretanto, e preciso estabelecer formalmente
os proprios conceitos de conjunto nito e conjunto innito. Existe mais de um caminho para construir
matematicamente estes conceitos. Um deles toma como base uma das propriedades mais importantes
e tambem mais contrarias `a intuicao humana que distingue em conjuntos nitos e innitos: todo
conjunto innito pode ser posto em correspondencia biunvoca com uma parte propria sua (isto e, um
subconjunto estritamente contido no primeiro). Em outras palavras, poderamos dizer que um conjunto
innito possui o mesmo tamanho que um pedaco de si pr oprio fato que parece inconcebvel se nos
mantemos nossa intuicao atrelada `a experiencia concreta com conjuntos nitos.
A denicao de conjunto innito com base nesta propriedade (denicao 3.2 a seguir) foi primeiro
formulada por Dedekind em 1872 (mesmo ano em que Cantor comecou a publicar a teoria de n umeros
transnitos), embora a propriedade em si ja fosse familiar a matematicos e losofos desde a matematica
18
grega. Galileo Galilei (1563-1643), em seu obra Discorsi e Dimostrazioni Matematiche Intorno `a Due
Nuove Scienze
8
, editada em 1638, cita alguns assim chamados paradoxos do innito. Em um deles,
constata que existe uma correspondencia um a um entre o conjunto dos n umeros naturais e o dos
pares, dada pela funcao n 2n. Neste sentido portanto, podemos pensar que existem tantos n umeros
naturais quanto pares embora os pares estejam estritamente contidos nos naturais. Em outro paradoxo,
observa que se pode construir uma correspondencia um a um entre dois segmentos de reta AB e A
,
de comprimentos distintos, meio de uma construcao geometrica simples, como ilustra a gura abaixo.
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
aa
@
@
@
@
@
@
A
A B
X
O
Outro exemplo famoso foi apresentado por Hilbert em uma conferencia proferida em 1925. Neste
exemplo, que cou conhecido como O Hotel de Hilbert, considera-se hotel hipotetico com innitos
quartos. Um novo hospede chega ao hotel, mas este se encontra lotado. Em uma solucao engenhosa
para o nao deixar o novo hospede sem pouso, o gerente move o cliente hospedado do quarto 1 para
o quarto 2. Como o quarto 2 tambem esta ocupado, e preciso mover tambem o hospede deste para
o quarto 3, e assim sucessivamente. Como o hotel possui innitos quartos este processo pode ser
continuado indenidamente, movendo cada cliente do quarto n para o quarto n + 1, sem que nenhum
que desalojado. Isto e, um hotel com innitos quartos nunca esta lotado.
Denicao 3.2 Um conjunto X e dito innito se existe uma bijecao entre X e uma parte propria de
X. Caso contrario, X dito e nito.
Podemos pensar em um n umero natural muito grande. Por exemplo, o n umero batizado como
googol 10
100
(ou 1 seguido de 100 zeros) e maior que o n umero estimado de atomos no universo
conhecido:
10.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.
000.000.000.000.000.000.000.000.000.000
O maior n umero que ate hoje ganhou um nome e provavelmente o chamado googolplex 10
10
100
(ou
1 seguido de googol zeros)! Para ser escrito na forma decimal o googolplex demandaria uma quantidade
de folhas de papel da ordem de 2, 5 10
96
. Se empilhadas, essas folhas de papel formariam uma pilha
com altura de aproximadamente 2, 5 10
89
km, ou 2, 6 10
77
anos-luz da ordem de 10
66
vezes o
tamanho do universo conhecido. Para maiores detalhes sobre os n umeros googol e googolplex, veja [5]
ou [19].
Por maior que seja o n umero googolplex, se tivermos um conjunto com googolplex elementos e
destes retirarmos um, o conjunto resultante tera googolplex1 elementos: efetivamente menos que o
original. Entretanto, se retirarmos um elemento de um conjunto innito, sua cardinalidade permanece
inalterada (como ilustra o exemplo do Hotel de Hilbert). De forma mais geral, e possvel mostrar que
se X e innito e Y X e nito, entao, por maior que seja Y , temos X \ Y X. Em outras
palavras, as cardinalidades innitas se distinguem das nitas por serem insensveis `a exclusao de partes
nitas de qualquer tamanho. Esta propriedade pode parecer bizarra se comparada a fatos familiares de
conjuntos nitos mas e, justamente por isso, uma caracteriza cao importante dos conjuntos innitos.
8
Para uma nova edicao comentada, ver [11].
19
Em particular, vemos que e falsa a concepcao do senso comum de innito como um n umero muito
grande ou um n umero maior que qualquer. De fato, innito nao e um n umero no sentido aritmetico-
algebrico em que compreendemos os n umeros, pois nao respeita as mesmas leis.
Pode-se mostrar ainda que, de qualquer conjunto innito, podemos retirar uma parte propria sem
que a cardinalidade do conjunto original seja alterada (como ilustra o exemplo dos n umeros pares de
Galileo). Estas e outras propriedades serao abordadas nos exerccios a seguir. Demonstrac oes e maiores
detalhes podem ser vistos em [2] ou [16].
Exerccios
1. Sejam X e Y dois conjuntos cardinalmente equivalentes.
(a) Mostre que, se X e innito, Y e innito.
(b) Mostre que, se X e nito, Y e nito.
2. Sejam X e Y dois conjuntos tais que X Y .
(a) Mostre que, se X e innito, entao Y e innito.
(b) Mostre que, se Y e nito, entao X e nito.
O exerccio a seguir estabelece uma importante relacao entre func oes injetivas e sobrejetivas, seus
domnios e contradomnios: uma funcao injetiva leva sempre conjuntos menores em conjuntos mai-
ores, enquanto uma funcao sobrejetiva leva conjuntos maiores em menores.
E razoavelmente
intuitivo imaginar que, se existe uma injecao f : X Y , signica que uma copia do conjunto X
pode ser injetada dentro de Y (como o pr oprio nome esta dizendo). Por outro lado, se existe uma
sobrejecao f : X Y , entao o conjunto X e sucientemente grande para cobrir Y (eventualmente
com sobra). Estas nocoes intuitivos fornecem as ideias para as demonstracoes formais.
Exerccios
3. Mostre que:
(a) Se existe uma sobrejecao f : X Y , entao X
X tal Y X
.
(b) Se existe uma injecao f : X Y , entao Y
Y tal X Y
.
(c) Existe uma injecao f : X Y se e somente se existe uma sobreje cao g : Y X.
4. Suponha que exista uma sobrejecao f : X Y . Mostre que:
(a) Se X e um nito, entao Y e nito.
(b) Se Y e innito, entao X e innito.
5. Suponha que exista uma injecao f : X Y . Mostre que:
(a) Se Y e nito, entao X e nito.
(b) Se X e innito, entao Y e innito.
20
3.2 Cardinalidades Finitas
Feita a conceituacao de conjunto nito, na forma da denicao 3.2, podemos passar a caracterizar as
cardinalidades desses conjuntos, a partir da ideia de contagem de seus elementos. Esta caracterizacao
sera estabelecida pela denicao 3.4, cuja consistencia sera garantida pelos teoremas 3.1 e 3.2. Antes
disso, e necessario denir formalmente a nocao de contagem.
Denicao 3.3 Um conjunto na forma I
n
= {k N | k n} em que n e um n umero natural xado,
e chamado um segmento inicial dos naturais. Uma bijecao f : I
n
X e chamada uma contagem do
conjunto X.
Os segmentos iniciais dos naturais serao usados como referencia para as cardinalidades de todos
os conjuntos nitos, atraves da contagem de seus elementos. Antes porem, e preciso provar que estes
conjuntos sao, eles pr oprios, nitos. Embora este fato pareca obvio, deve ser demonstrado de acordo
com o conceito matematico de conjunto nito estabelecido pela denicao 3.2. A demonstracao do lema
3.1 e um pouco delicada, mas e necessaria para tornar menos arduo o trabalho subseq uente.
Lema 3.1 Todo segmento inicial dos naturais e nito.
Demonstracao:
Seja A I
n
um conjunto tal que existe uma bijecao f : I
n
A. Provaremos por inducao que
devemos ter A = I
n
, portanto nao pode haver uma bijecao entre I
n
e uma parte propria sua.
O resultado e trivial para n = 1, ja que um conjunto formado por um elemento unico nao pode ter
subconjuntos proprios.
Como hipotese de inducao, suponhamos o resultado verdadeiro para algum n
0
N.
Seja f : I
n
0
+1
A uma bijecao em que A I
n
0
+1
. Sendo a = f(n
0
+1), a funcao
f : I
n
0
A\{a}
dada pela restricao de f a I
n
0
e uma bijecao.
Se A \ {a} I
n
0
, teremos diretamente da hipotese de inducao que A \ {a} = I
n
0
. Entao, so
podemos ter a = n
0
+ 1, logo, A = I
n
0
+1
.
Caso contrario, basta construir uma nova bijecao g : I
n
0
+1
A, com a propriedade g(n
0
+ 1) =
n
0
+1, e recairemos no caso anterior. Como temos A\ {a} I
n
0
, signica que n
0
+1 A\ {a} (pois
certamente A\ {a} I
n
0
+1
). Entao, podemos tomar p =
f
1
(n
0
+1) I
n
0
. Construmos g trocando
as imagens dos elementos n
0
+ 1 e p, isto e, fazemos g(n
0
+ 1) = f(p) = n
0
+ 1, g(p) = f(n
0
+ 1) e
g coincidir com f(k) nos demais elementos k = p, k = n
0
+ 1.
Isto completa a prova.
Teorema 3.1 Um conjunto X = e nito se e somente se existe uma contagem para X
9
.
Demonstracao:
() Esta demonstracao consiste em esvaziar o conjunto X, retirando um a um seus elementos.
Sejam x
1
X um elemento xado e X
1
= X \ {x
1
}. Se X
1
= , signica que X = {x
1
}, neste
caso obtemos trivialmente uma bijecao entre I
1
e X.
Se X
1
= , repetimos o processo acima, xando x
2
X
1
e tomando X
2
= X
1
\ {x
2
}. Da mesma
forma, se X
2
= , teremos X = {x
1
, x
2
}, obtendo uma bijecao entre I
2
e X.
Ao repetir este processo indenidamente, fazemos:
9
Em uma construcao alternativa, esta sentenca poderia ser usada como denicao para o conceito de conjunto nito.
Neste caso, um conjunto innito seria denido como sendo um conjunto nao-nito e a sentenca utilizada na denicao
3.1 deveria ser demonstrada como teorema.
21
x
n
X
n1
xo
X
n
= X
n1
\ {x
n
}
Se X
n
= , podemos fazer mais uma passagem. Se X
n
= , entao X = {x
1
, . . . , x
n
}, assim,
construmos uma funcao:
f : I
n
X
k x
k
que e claramente bijetiva, pois os elementos x
n
sao por construcao distintos dois a dois. Neste caso,
conseguimos uma contagem para X e o teorema ca demonstrado.
Devemos provar portanto que o processo nao pode ser repetido indenidamente, isto e, que X
n
=
para algum n N. De fato, se supusermos o contrario veremos facilmente que a funcao:
: N X
n x
n
e uma injecao. Logo, X e innito, contradizendo a hipotese.
() Suponhamos que X seja innito. Neste caso, deve existir uma bijecao g : X Y , em que Y e
uma parte pr opria de X. Entao, A = f
1
(Y ) e parte propria de I
n
. A funcao
f : A Y dada pela
restricao de f a A e uma bijecao. Desta forma, podemos construir uma bijecao entre I
n
e sua parte
pr opria A:
h =
f
1
g f : I
n
X Y A
o que contradiz o lema 3.1.
Teorema 3.2 Se f : I
n
X e g : I
m
X sao contagens, entao n = m.
Demonstracao: Se existem duas bijec oes f : I
n
X e g : I
m
X com, digamos, m < n,
poderamos construir uma bijecao h = f
1
g : I
m
I
n
. Como I
m
esta estritamente contido em I
n
,
isto implicaria que I
n
e innito, contradizendo o lema anterior.
Denicao 3.4 Seja X um conjunto nito
10
. Se X = , denimos a cardinalidade de X como o unico
n umero natural n tal que existe uma bijecao f : I
n
X. Denimos ainda que a cardinalidade de e
0. Denotamos a cardinalidade de X por #X.
Como ja foi dito, a cardinalidade de um conjunto nito ca bem denida gracas aos teoremas 3.1
e 3.2.
Exerccios
6. Mostre que dois conjuntos nitos possuem a mesma cardinalidade se e somente se existe uma
bijecao entre eles.
7. Sejam Y um conjunto nito e X Y .
(a) No exerccio 2, ja foi mostrado X e nito. Mostre que #X #Y .
(b) O que se pode armar se X e um subconjunto proprio de Y ?
10
Observe que decorre diretamente da denicao 3.1 que o conjunto vazio e trivialmente nito, por um argumento de
vacuidade: como nao possui partes proprias, nao pode admitir uma bijecao com uma parte propria.
22
8. Em prosseguimento aos exerccios 4 e 5, mostre que:
(a) Se existe uma sobrejecao f : X Y e X e nito, entao Y e nito e #X #Y .
(b) Se existe uma injecao f : X Y e Y e um conjunto nito, entao X e nito e #X #Y .
9. Sejam X e Y dois conjuntos nitos. Mostre que:
(a) X Y e nito e #(X Y ) = #X + #Y #(X Y )
Sugestao: faca primeiro o caso em que X Y = .
(b) X Y e nito e #(X Y ) = #X #Y
(c) P(X) e nito e #(P(X)) = 2
#X
(em que denotamos por P(X) o conjunto das partes de X, isto e, o conjunto de todos os
subconjuntos de X)
(d) Y
X
e nito e #
(
Y
X
)
= #Y
#X
(em que denotamos por Y
X
o conjunto das funcoes f : X Y )
10. Se X e Y sao conjuntos nitos. Podemos armar que #(X \ Y ) = #X #Y ? Sob que
condicoes esta armacao e verdadeira?
11. Seja X um conjunto innito e Y X nito. Mostre que X \ Y e innito.
3.3 Cardinalidades Innitas
Ate aqui, estudamos as cardinalidades dos conjuntos nitos. Classicamos os conjuntos nitos de
acordo com seu n umero de elementos e os separamos assim em classes de cardinalidades, representadas
pelos n umeros naturais. Desejamos agora imitar essas perguntas para o caso dos conjuntos innitos.
Faz sentido falar em n umero de elementosde conjuntos innitos? Os conjuntos innitos sao todos
equivalentes? Quantas classes de conjuntos innitos existem e como podemos representa-las?
O exemplo mais familiar de conjunto innito e provavelmente o dos n umeros naturais N. Para ver
que N satisfaz a denicao de conjunto innito (denicao 3.1), basta tomar, por exemplo, a bijecao
n 2n, entre os naturais e os pares, ja mencionada. Na verdade, no sentido de cardinalidades, N esta
na classe dos menores conjuntos innitos possveis, como veremos a seguir.
Teorema 3.3 Seja X um conjunto innito qualquer.
Existe uma funcao injetiva : N X.
Demonstracao:
Procederemos de forma semelhante `a prova da ida do teorema 3.1.
Fixemos x
1
X e tomemos X
1
= X \ {x
1
}.
E claro que X
1
= , pois teramos X = {x
1
}.
Podemos entao xar x
2
X
1
e repetir o processo, tomando X
2
= X
1
\ {x
2
}. Da mesma forma,
X
2
= , pois teramos X = {x
1
, x
2
}. Repetindo o processo indenidamente, consideramos:
x
n
X
n1
xo
X
n
= X
n1
\ {x
n
}
Temos certeza que X
n
= n N, pois caso contrario escreveramos X = {x
1
, . . . , x
n
}, obtendo
uma contagem para X e X seria nito.
Podemos entao considerar a funcao:
23
: N X
n x
n
Como os elementos x
n
sao por construcao distintos dois a dois, e uma injecao.
Corolario 3.1 Todo conjunto innito possui um subconjunto cardinalmente equivalente a N.
Demonstracao: Se X e innito e : N X e uma injecao, basta tomar o conjunto (N) X.
Assim, como todo conjunto innito contem um subconjunto do mesmo tamanho que N, nao pode
haver conjuntos innitos menores que N. Entretanto, em se tratando de conjuntos innitos, e preciso
o maximo cuidado ao se usar os termos do mesmo tamanho, menor e maior. Para que estes
termos facam sentido, devemos deni-los precisamente, como faremos mais adiante (denicao 3.6),
e demonstrar um resultado importante, o Teorema de Cantor-Bernstein-Schr oder (teorema 3.5, cuja
demonstracao, como veremos, nao e das mais imediatas). Estes termos nao tem o mesmo sentido do
caso nito e seu descuidado pode nos levar a contradicoes, ja que um conjunto innito e cardinalmente
equivalente a um subconjunto proprio de si mesmo. Por exemplo, se chamamos de P o conjunto
dos n umeros naturais pares, sabemos que ha uma bijecao entre P e N, embora P esteja estritamente
contido em N. Analogamente, o fato de N ser um subconjunto pr oprio de R nao garante, por si so, que
R nao seja cardinalmente equivalente a N. De forma mais geral, o fato de haver uma injecao de N em
qualquer conjunto innito (o que signica, em um certo sentido, que nao existem conjuntos innitos
menores que N) nao garante, por si so, que exista um conjunto innito estritamente maior que N,
isto e, um conjunto innito que nao seja cardinalmente equivalente a N.
Para mostrar que de fato existem conjuntos innitos com cardinalidades diferentes (portanto, maio-
res) que a de N, observemos os exemplos a seguir. Consideremos o conjunto
11
2
N
, das func oes
x : N {0, 1}. Suponhamos que exista uma bijecao : N 2
N
. Uma funcao de N em {0, 1} pode
ser pensada como uma seq uencia de 0 e 1. Denotando x
n
= (n), podemos escrever os elementos de
2
N
em forma de uma lista innita:
x
1
= x
11
x
12
x
13
. . .
x
2
= x
21
x
22
x
23
. . .
.
.
.
x
n
= x
n1
x
n2
x
n3
. . .
.
.
.
em que, para cada n, k N, o valor x
nk
e 0 ou 1.
Consideremos agora uma seq uencia x 2
N
construda da seguinte forma:
x
k
=
{
0 se x
kk
= 1
1 se x
kk
= 0
Isto e, o primeiro valor de x e obtido da troca do primeiro valor de x
1
; o segundo, da troca do
segundo elemento de x
2
; e assim por diante. Assim, construmos x trocando os valores da diagonal
formada na lista innita acima. Conseguimos desta maneira x diferente de cada x
n
em pelo menos um
valor, portanto diferente de todos estes.
Este processo e conhecido como argumento da diagonal de Cantor e foi uma das primeiras provas
formais da existencia de conjuntos innitos com cardinalidades estritamente maiores que a de N. A
11
Dado um conjunto X, o conjunto das funcoes X {0, 1} e denotado por {0, 1}
X
, ou, de forma abreviada, 2
X
.
24
partir da suposicao da existencia de uma bijecao entre N e 2
N
, seja ela qual for, construmos um
elemento de 2
N
distinto de todos os elementos da imagem de . Portanto, nao pode existir tal bijecao.
A diagonal de Cantor acrescenta mais um item no elenco de fatos surpreendentes estabelecidos por
Cantos em sua epoca: nem todos os conjuntos innitos sao equivalentes, ou em outras palavras, existe
mais de um tipode innito. De fato, existem pelo menos dois tiposdiferentes de conjuntos innitos:
aqueles que sao cardinalmente equivalentes a N e aqueles que nao sao. Chamaremos os primeiros de
enumaraveis.
Denicao 3.5 Os conjuntos innitos cardinalmente equivalentes a N sao ditos enumeraveis e os de-
mais, nao enumeraveis
12
. Uma bijecao f : N X e chamada uma enumeracao de X.
Assim, o conjunto dos n umero naturais pares e um exemplo de conjunto enumeravel, enquanto 2
N
e nao enumeravel. Os conjuntos enumeraveis sao, no sentido das cardinalidades, os menores conjun-
tos innitos possveis. A cardinalidade desta classe de conjuntos e representada por
0
na teoria de
cardinalidades innitas desenvolvida por Cantor.
Outro exemplo importante de conjunto innito nao enumeravel e o conjunto P (N) = {A N}
das partes de N. Para vericar este fato, basta mostrar que 2
N
e P (N) sao cardinalmente equivalentes,
exibindo uma bijecao entre estes conjuntos. Existe uma bijecao natural entre 2
N
e P (N), construda
da seguinte forma: para cada funcao x : N {0, 1}, formamos um subconjunto A N incluindo os
elementos cuja imagem por x e 1 e excluindo aqueles cuja imagem e 0, isto e, A = {n N | x(n) = 1}.
Construmos assim a seguinte funcao:
: 2
N
P (N)
x {n N | x(n) = 1}
nN
X
n
e enumeravel?
15. (a) Sejam X e Y dois conjuntos enumeraveis. Mostre que o produto cartesiano X Y e
enumeravel.
(b) Sejam X e Y dois conjuntos nitos ou enumeraveis. O que se pode armar sobre o produto
cartesiano X Y ?
16. Seja {X
n
}
nN
uma famlia enumeravel de conjuntos enumeraveis. Mostre que o produtorio
cartesiano innito
nN
X
n
e nao enumeravel.
17. Seja X um conjunto nao enumeravel e Y X enumeravel. Mostre que X\Y e nao enumeravel.
18. Seja X um conjunto innito e Y X nito. Mostre que X \ Y X. O que este exerccio
acrescenta em relacao ao resultado do exerccio 11?
19. Suponha que voce seja o gerente do Hotel de Hilbert
13
, o hotel de innitos quartos (ver pagina
19) e que este esteja lotado.
13
Veja o video Hotel de Hilbert, produzido pelo Projeto M3, da UNICAMP:
http://www.youtube.com/watch?v=iAAZkewIPXY.
26
(a) Se chegar ao hotel um onibus com uma quantidade nita {x
k
| 1 k n} de novos
hospedes, como voce podera aloja-los?
(b) Se chegar ao hotel um onibus com uma quantidade innita enumeravel {x
n
| n N} de
novos hospedes, como voce podera aloja-los?
(c) Se chegar ao hotel uma quantidade innita enumeravel de onibus {y
n
| n N}, com uma
quantidade innita enumeravel X
n
= {x
nm
| m N} de novos hospedes em cada um, como
voce podera alojar todos eles?
20. Determine se as armativas abaixo sao verdadeiras ou falsas, justicando suas respostas.
(a) Se X e innito e Y X, entao Y e innito.
(b) Se X e enumeravel e Y X, entao Y e enumeravel.
(c) Se X e innito nao enumeravel e Y X, entao Y e innito nao enumeravel.
(d) Se X e Y sao innitos, entao X Y .
(e) Se X e Y sao enumeraveis, entao X Y .
(f) Se X e Y sao innitos nao enumeraveis, entao X Y .
21. Mostre que o conjunto dos n umeros naturais pode ser escrito como uniao de uma famlia enu-
meravel de subconjuntos enumeraveis disjuntos dois a dois.
22. Seja X um conjunto qualquer. Mostre que P (X) 2
X
.
Finalmente, examinaremos a questao se os conjuntos nao enumeraveis sao todos cardinalmente
equivalentes entre si, ou, em caso contrario, em quantas classes de cardinalidades podem ser divididos.
Para responder esta pergunta, observaremos a relacao entre as cardinalidades de um conjunto X e o
conjunto de suas partes P (X). Existe uma injecao natural de X em P (X), dada por x X {x}
P (X). Isto signica que a cardinalidade de P (X) nao pode ser menor que a de X, mas nao implica, a
princpio que esta e estritamente maior.
E possvel provar que X e P (X) nao podem ser cardinalmente
equivalentes, isto e, a cardinalidade de P (X) e de fato estritamente maior que a de X. Este resultado
e conhecido como Teorema de Cantor (teorema 3.4, a seguir)
14
.
Teorema 3.4 (Cantor) Para qualquer conjunto X, nao pode existir uma bijecao entre X e P (X).
Demonstracao:
Suponhamos que exista tal bijecao : X P (X). Assim, fazemos corresponder a cada elemento
de x X um subconjunto Y = (x) X. Consideremos o subconjunto:
A = {x X | x (x)}
Isto e, A e o conjunto dos elementos de X que nao pertencem ao conjunto correspondente (A).
Entao, existe um elemento a X tal que (a) = A. Para este elemento, deve valer uma e somente
uma das hipoteses: a A ou a A. Mas, pela propria denicao de A, a A acarretaria a A. Da
mesma forma, a A acarretaria a A. Portanto, em ambos os casos, chegamos a uma situacao de
absurdo.
A partir do teorema 3.4, pode-se concluir que os conjuntos enumeraveis podem ser divididos em
innitas classes de cardinalidade. De fato, a cardinalidade de N e estritamente menor que a de P (N),
(que e igual `a de 2
N
e `a de R). Esta, por sua vez, e estritamente menor que a de P (P (N)) (ou
2
2
N
), e assim por diante. Construmos assim uma seq uencia innita de classes de cardinalidades nao
enumeraveis cada vez maiores. Estas classes sao denotadas por
1
,
2
, . . .,
n
, com n N.
14
E sua demonstracao certamente esta entre as mais elegantemente simples de toda a matematica.
27
Finitos Infinitos
Enumer aveis N ao Enumer aveis
Classes de
Cardinalidade
0 1 2 3 . . .
0
1
2
3
. . .
Representantes I
1
I
2
I
3
. . . N R, 2
N
2
2
N
2
2
2
N
. . .
Tabela 2: Classes de cardinalidade de conjuntos nitos e innitos.
3.4 Compara cao de Conjuntos Innitos
A denicao a seguir estabelece smbolos para a comparacao de conjuntos quaisquer (em particular,
innitos) do ponto de vista da cardinalidade.
Denicao 3.6 Sejam X e Y dois conjuntos.
(i) Dizemos que X Y (ou X e cardinalmente menor ou equivalente a Y ) se existe uma injecao
f : X Y . Se X Y e X Y (se existe uma injecao, mas nao existe uma bijecao de X em
Y ), dizemos que X Y (ou X e cardinalmente estritamente menor a Y ).
(ii) Dizemos que X Y (ou X e cardinalmente maior ou equivalente que Y ) se existe uma
sobrejecao f : X Y . Se X Y e X Y (se existe uma sobrejecao, mas nao existe uma
bijecao de X em Y ), dizemos que X Y (ou X e cardinalmente estritamente maior que Y ).
Exerccio
23. Sejam X e Y dois conjuntos. Mostre que:
(a) X Y Y X
(b) X Y Y X
Decorre diretamente da denicao 3.6 que, para quaisquer conjuntos X e Y , vale:
X Y X Y
A propriedade fundamental que diferencia conjuntos innitos de conjuntos nitos na sua propria
denicao e o fato de que um conjunto innito pode ser cardinalmente equivalente a uma parte propria.
Isto e, para conjuntos nitos, vale:
X Y X Y
Enquanto que, no caso de conjuntos innitos, podemos ter:
X Y X Y
Assim, podemos armar apenas que:
X Y X Y
Alem disso, para conjuntos nitos, a denicao de cardinalidade (e os teoremas que garantem que
este conceito esta bem denido) estabelece que os smbolos para comparacao de conjuntos do ponto
de vista das cardinalidades sao totalmente determinados pela ordem dos n umeros naturais, isto e:
X Y #X < #Y X Y #X #Y
28
Exerccio
24. (a) Mostre que se X e Y sao nitos e X Y , entao f : X Y e injetiva se e somente se e
sobrejetiva.
(b) O resultado do item anterior e valido tambem para conjuntos innitos? Justique sua
resposta.
Ainda no caso de conjuntos nitos, de forma geral e razoavelmente facil comparar cardinalidades.
De fato, suponha que X e Y sao nitos e que exista uma injecao f : X Y que nao seja sobrejetiva.
Entao, temos que f(X) X (pois f e injetiva) e f(X) Y (pois f nao e sobrejetiva). Como X e
Y sao nitos, podemos concluir que X Y . Em particular, nao pode haver uma sobrejecao nem uma
bijecao de X em Y . Analogamente, se X e Y sao nitos e existe uma sobrejecao g : X Y que nao
seja injetiva, entao podemos ter certeza de que X Y , logo nao pode haver uma injecao nem uma
bijecao de X em Y .
Suponha agora que X e Y sejam conjuntos nitos, que existam uma injecao f : X Y e uma
sobrejecao g : X Y . Podemos concluir que tanto f quanto g sao na verdade bijetivas. De fato,
se f nao fosse sobrejetiva g nao poderia existir e se f nao fosse injetiva f nao poderia existir. Segue
que X Y . Observe que podemos tambem concluir que X Y argumentando com base nas
cardinalidades de X e Y .
Em resumo, para conjuntos nitos, valem as seguintes propriedades:
Se existe f : X Y injetiva e nao sobrejetiva, entao nao pode haver sobreje cao de X em Y e
X Y .
Se existe g : X Y sobrejetiva e nao injetiva, entao nao pode haver injecao de X em Y e
X Y .
Se existem f : X Y injetiva e g : X Y sobrejetiva, entao f e g sao bijecoes.
E facil ver com contra-exemplos que nenhuma das propriedades acima e valida para conjuntos
innitos. A terceira propriedade nos leva `a seguinte conclusao:
X Y, Y X X Y
Esta propriedade no entanto e valida tambem para conjuntos innitos, porem nao e tao simples
demonstra-la no caso geral, isto e sem a hipotese da nitude dos conjuntos. A prova geral deste
resultado, conhecido como Teorema de Cantor-Bernstein-Schr oder, e baseada na seguinte ideia.
Se X Y e Y X, entao existem injecoes f : X Y e g : Y X. Desejamos provar que
existe uma bijecao h : X Y . A hipotese nos fornece dois caminhos naturais para ir de X a Y : f
e g
1
. Observe nao podemos garantir que g e inversvel, assim usamos o smbolo g
1
para denotar a
relacao inversa de g (que pode nao ser uma funcao). Como nao sabemos se g e sobrejetiva, g
1
pode
nao estar denida em todo o conjunto X. Mas, como g e injetiva, entao no subconjunto de X em que
g
1
estiver denida, g
1
sera uma funcao injetiva.
Assim, seria otimo se pudessemos aproveitar os dois caminhos naturais f e g
1
para construir a
bijecao desejada, isto e, se pudessemos particionar o domnio X em dois subconjuntos, X
0
e X \ X
0
tomando o caminho f em um deles e o caminho g
1
no outro, de tal forma que h : X Y denida
por:
h(x) =
{
f(x) se x X
0
g
1
(x) se x X
0
29
fosse uma bijecao. Observe que a injetividade de h segue diretamente da injetividade de f e de g.
Logo, falta garantir a sobrejetividade de h, isto e, que h cubra todo Y . Como h e denida como
f em uma parte do domnio e como g
1
na parte complementar, a uniao das imagens destas duas
partes deve ser todo Y , isto e, f(X
0
) g
1
(X
0
)
devem ser complementares em Y , isto e:
f(X
0
) = g
1
(X
0
Gracas `a injetividade de g (porque?), a expressao acima pode ser reescrita da seguinte forma:
X
0
= g(f(X
0
)
Entao, X
0
X tal que (X
0
) = X
0
.
Demonstracao: Consideremos a seq uencia de conjuntos (X
n
)
nN
P (X) denida recursivamente
por:
A
1
= X
A
n
= (A
n1
) n 2
Isto e: A
n
=
n
(X), em que o smbolo de potencia esta associado `a operacao de composicao, isto
e
n
(X) representa a composta de com si mesma n vezes. Consideremos o conjunto:
15
Argumentos de ponto xo sao muito comuns em Analise. Aqui, procuramos um ponto xo de uma funcao de
conjuntos, mas se buscassemos um ponto xo de uma funcao real (contnua) : R R, escolheramos um ponto inicial
a
0
R e iteraramos da seguinte forma:
a
1
= (a
0
)
a
n
= (a
n1
) n 2
Caso a seq uencia (a
n
)
nN
convirja, podemos tomar a = lima
n
. Sendo contnua, temos que:
a = lima
n
= lima
n
= lim(a
n1
) = (lima
n1
) = (a)
Logo, a e o ponto xo procurado.
30
X
0
=
+
n=1
A
n
Como f e injetiva, temos que:
f(X
0
) = f
(
+
n=1
A
n
)
=
+
n=1
f (A
n
)
Logo:
(X
0
) = g(f(X
0
)
= g
f
(
+
n=1
A
n
)
= g
(
+
n=1
f(A
n
)
)
= g
(
nN
f(A
n
)
=
(
nN
g
(
f(A
n
)
)
)
=
+
n=1
g
(
f(A
n
)
=
+
n=1
(A
n
) =
+
n=1
A
n+1
=
+
n=2
A
n
Mas como A
1
= X, temos que
+
n=2
A
n
A
1
, portanto
+
n=1
A
n
= A
1
(
+
n=2
A
n
)
=
+
n=2
A
n
.
Segue que:
(X
0
) =
+
n=1
A
n
= X
0
Teorema 3.5 (Cantor-Bernstein-Schroder)
X Y, Y X X Y
Demonstracao: Como X Y e Y X, existem injec oes f : X Y e g : Y X. Entao, a funcao
denida no lema anterior admite um ponto xo X
0
. Da denicao de segue que g(f(X
0
)
) = X
0
.
Como g e injetiva, g
1
: X
0
g(f(X
0
)
e uma bijecao.
31
4 N umeros Inteiros e Racionais
4.1 Estruturas Algebricas
Antes de dar incio `as construcoes de Z (seja por um sistema de axiomas ou por um classes de equi-
valencia) e de Q, relembraremos a linguagem basica de estruturas algebricas, o que podera abreviar as
construc oes e torna-las mais compreensveis.
Denicao 4.1 Um anel e um terno (A, +, ), em que A e um conjunto munido de duas operac oes
binarias:
+ : A A A
(a, b) a + b
: A A A
(a, b) a b
que satisfazem `as seguintes propriedades.
A1. Associatividade da Soma
a, b, c A : (a + b) + c = a + (b + c)
A2. Comutatividade da Soma
a, b A : a + b = b + a
A3. Elemento Neutro da Soma
0 A tal que a + 0 = a a A
A4. Elemento Inverso da Soma
a A a A tal que a + (a) = 0
A5. Associatividade do Produto
a, b, c A : (a b) c = a (b c)
A6. Distributividade
a, b, c A : a (b + c) = (a b) + (a c) e (a + b) c = (a c) + (b c)
Denicao 4.2 Um anel (A, +, ) e dito um anel comutativo se vale a propriedade:
A7. Comutatividade do Produto
a, b A : a b = b a
Um anel (A, +, ) e dito um anel com unidade se vale a propriedade:
A8. Elemento Neutro do Produto
1 A, 1 = 0, tal que a 1 = 1 a = a a A
Um anel (A, +, ) e dito um anel sem divisores de zero se vale a propriedade:
A9. Cancelatividade do Produto
a, b, c A, a = 0 : a b = a c b = c
Denicao 4.3 Um domnio de integridade e um anel comutativo, com unidade e sem divisores de zero.
Denicao 4.4 Um corpo e um anel comutativo, com unidade em que vale a seguinte propriedade.
A10. Elemento Inverso do Produto
a A a
A tal que a a
= a
a = 1
32
Exerccios
1. Seja (A, +, ) um anel. Mostre que 0 a = a 0 = 0 a A.
2. Seja (A, +, ) um anel.
(a) Mostre que o elemento neutro e o elemento inverso da soma sao unicos.
(b) Mostre que o elemento neutro e o elemento inverso do produto, caso existam, sao unicos.
3. Seja (A, +, ) um anel.
(a) Mostre que a cancelatividade do produto e equivalente `a seguinte propriedade:
a b = 0 a = 0 ou b = 0
(b) Mostre que a existencia do elemento inverso do produto implica na cancelatividade do
produto. A recproca deste fato e verdadeira?
(c) Conclua que todo corpo e um domnio de integridade.
4. Seja (A, +, ) um anel. Demonstre a regra dos sinais para o produto, isto e, mostre que a, b A
valem as propriedades abaixo. Observe que o smbolo a esta denido como o elemento oposto
da soma.
(a) (a) = a
(b) (a) b = a (b) = (a b)
(c) (a) (b) = a b
(d) 1 a = a (se A tem unidade)
A estrutura basica da qual queremos munir Z e Q inclui, alem das operac oes algebricas uma relacao
de ordem. Por isso, passaremos a estudar a propriedades de uma relacao de ordem denida em um
anel.
Denicao 4.5 Seja A um conjunto. Uma relacao em A e dita uma odem se valem as seguintes
propriedades.
O1. Reexividade
a A : a a
O2. Anti-Simetria
a, b A : a b, b a a = b
O3. Transitividade
a, b, c A : a b, b c a c
Exerccio
5. Dena os demais smbolos de ordem (<, > e ) e mostre que para estes tambem vale a pro-
priedade de transitividade. Esses smbolos tambem denem relac oes de ordem? Justique a sua
resposta.
Denicao 4.6 Seja (A, ) um conjunto munido de uma ordem. Entao, A e dito totalmente ordenado
e e dita uma ordem total se vale a propriedade.
O4. Tricotomia
a, b A vale uma e somente uma das relac oes: a = b, a < b, b < a
Caso contrario, A e dito parcialmente ordenado e e dita uma ordem parcial.
33
Exerccio
6. Considere um conjunto X qualquer. Mostre que a relacao de inclusao e uma ordem parcial em
P(X).
Denicao 4.7 Seja (A, ) um conjunto munido de uma ordem e seja X A.
(i) O conjunto X e dito limitado inferiormente se existe c A tal que c x x X. Neste
caso, c e chamado uma cota inferior para X.
(ii) O conjunto X e dito limitado superiormente se existe c A tal que c x x X. Neste
caso, c e chamado uma cota superior para X.
(iii) Um elemento c
0
A e chamado mnimo de A (e denotado por min A) se c
0
e cota inferior
para X e c
0
X.
(iv) Um elemento a
0
A e chamado maximo de A (e denotado por max A) se c
0
e cota superior
para X e c
0
X.
Exerccio
7. Mostre que o mnimo e o maximo de um conjunto, caso existam, sao unicos.
Ate aqui falamos de conjuntos munidos de uma estrutura algebrica (no caso, aneis) e de conjuntos
munidos de uma relacao de ordem, mas nao estabelecemos nenhuma relacao entre estas estruturas.
De fato, a denicao de uma relacao de ordem nao pressupoe a denicao de operac oes algebricas ou
qualquer estrutura anterior no conjunto ambiente. No entanto, podemos considerar uma estrutura em
que estao denidas operac oes de soma e produto e uma relacao de ordem de forma compatvel, no
sentido em que a relacao de ordem preserva as operac oes algebricas. Chamaremos esta estrutura de
anel ordenado. Observe que, segundo a denicao a seguir, dizer que (A, +, , ) e um anel munido de
uma relacao de ordem nao e o mesmo que dizer que (A, +, , ) e um anel ordenado.
Denicao 4.8 Seja (A, +, , ) um anel munido de uma ordem. Entao, A e dito um anel ordenado
(ou, respectivamente um domnimo ordenado ou um corpo ordenado se (A, +, ) for um domnio de
integridade ou um corpo) se valem as propriedades.
O5. Monotonicidade da Soma
a, b, c A : a b a + c b + c
O6. Monotonicidade do Produto
a, b, c A : a b, c 0 a c b c
Os exerccios 8 e 9 a seguir mostram que a nocao de anel ordenado pode ser equivalentemente
denida por meio do conjunto dos elementos positivos.
Exerccios
8. Seja (A, +, , ) um anel ordenado. Mostre que o conjunto A
+
= {a A | a > 0} satisfaz `as
seguintes propriedades.
(a) a, b A
+
a + b A
+
(b) a, b A
+
a b A
+
(c) Para cada a A, vale uma e somente uma das possibilidades: a = 0, a A
+
ou a A
+
.
34
9. Reciprocamente, seja (A, +, ) um anel. Suponha que exista A
+
A um conjunto com as
tres propriedades do exerccio 8. Mostre (A, +, , ), munido da relacao em A denida por
a b a = b b a A
+
, e um anel ordenado.
10. Seja (A, +, , ) um anel ordenado. Mostre que valem as seguintes propriedades a, b, c A:
(a) a 0 a 0
(b) a b a b
(c) a b, c < 0 a c b c
(d) 0 a b, 0 c d a c b d.
11. Seja (A, +, , ) um anel ordenado. Mostre que as monotonicidades da soma e do produto e as
propriedades do exerccio anterior tambem valem para as ordens estritas.
12. Seja (A, +, , ) um anel ordenado. Mostre que a, b A vale:
(a) Se a b > 0, entao a > 0 e b > 0 ou a < 0 e b < 0.
(b) Se a b < 0, entao a > 0 e b < 0 ou a < 0 e b > 0.
13. Seja (A, +, , ) um domnio ordenado. Denimos a
2
= a a. Mostre que:
(a) a
2
= 0 a = 0
(b) a
2
0 a A
(c) Quais das propriedades acima vale para um anel ordenado qualquer?
14. Mostre que em um qualquer anel ordenado vale que 0 < 1.
15. Suponha que seja conhecido o corpo (C, +, ) com as operac oes usuais. Considere a relacao
denida em C da seguinte forma:
a + bi c + di (a < c) (a = c b < d)
em que < denota a ordem usual em R. A relacao e chamada ordem lexicograca.
(a) Mostre que e uma ordem total em C.
(b) Mostre que (C, +, , ) nao e um corpo ordenado.
(c)
E possvel tornar (C, +, ) um corpo ordenado? Justique.
(d) De forma mais geral, mostre que um anel (A, +, ) em que existe um elemento tal que tal
que
2
= 1 pode ser munido de uma relacao de ordem, mas nao pode ser ordenado.
4.2 N umeros Inteiros
Como ja dissemos, e possvel estabelecer a existencia do conjunto dos n umeros inteiros (Z, +, , )
atraves de uma construcao por meio de classes de equivalencia (tabela 1, colunas I e II), baseada no
conjunto dos n umeros naturais, ou diretamente atraves de um sistema de axiomas (tabela 1, coluna III).
A construcao por meio de classes de equivalencia e feita com base na seguinte relacao de equivalencia,
denida no conjunto N N.
(a, b) (c, d) a + d = b + c
Neste caso, Z e denido como o conjunto quociente correspondente.
35
Denicao 4.9 O conjunto dos n umeros inteiros e denido como:
Z = N N
E possvel que, de fato, o Princpio da Boa Ordem caracteriza o conjunto dos inteiros, no sentido
em que Z e (a menos de isomorsmo) o unico domnio de integridade em que vale o Princpio da Boa
Ordem, isto e, o unico domnio bem ordenado.
O ultimo passo da construcao e identicar N com um subconjunto de Z. Isto e feito mostrando
que existe um isomorsmo (isto e, uma bijecao que preserva a estrutura de Z constituda pelas duas
operac oes e a ordem) entre N e um subconjunto de Z, a saber o conjunto dos inteiros nao negativos
N = {(a, b) Z | (0, 0) (a, b)}. Isto e, Z contem uma copia isomorfa de N. A funcao denida no
exerccio 26 a seguir e um isomorsmo natural entre N e N.
Exerccio
25. Dado (a, b) N N, mostre que (a, b) (n, 0) ou (a, b) (0, n), para algum n N.
26. Considere a funcao: : N N
n (n, 0)
.
(a) Mostre que e uma bijecao.
(b) Mostre que m, n N vale (m + n) = (m) (n).
(c) Mostre que m, n N vale (m n) = (m) (n).
(d) Mostre que m, n N vale m n (m) (n).
37
Dizer que N e N sao isomorfos signica dizer que eles tem exatamente a mesma estrutura, portanto
podemos identicar os dois conjuntos:
N N Z
Observe que os elementos de N sao as classes de equivalencia cujos representantes sao os elementos
(a, b) tais que ab 0, isto e, os pares de n umeros naturais cuja diferenca e nao negativa. Estas classes
sao identicadas naturalmente com os naturais. Assim, a identicacao de N com N tem dois papeis
fundamentais. Em primeiro lugar, esta e uma maneira de enfatizar que a construcao de Z por classes
de equivalencia de fato cria novos objetos as classes formadas por pares de n umeros naturais cuja
diferenca nao pode ser calculada em N e que, desta forma, nao sao identicados com n umeros naturais.
Chamaremos estes novos objetos de n umeros inteiros negativos. Em segundo lugar, a identicacao e
uma forma de incluir N em Z. A partir da, esquecemosque os elementos de N e de N sao de natureza
completamente distinta e passamos a considerar N como subconjunto de Z e a identicar as operac oes
e a ordem dos dois conjuntos ao ponto de usar os mesmos smbolos para representa-las. Passamos
entao a a escrever:
N Z (Z, +, , )
Exerccio
27. Mostre que, a, b Z xados, a solucao da equacao x + a = b existe e e unica.
A construcao axiomatica para Z, equivalente no resultado mas bem diferente no processo da cons-
trucao por classes de equivalencia, consiste em estabelecer a existencia dos n umeros inteiros por meio de
um sistema de axiomas. Usando a linguagem de estruturas algebricas, este sistema pode ser resumido
em um unico axioma.
Axioma Existe um domnio ordenado (Z, +, , ) em que vale o Princpio da Boa Ordem, isto e, todo
conjunto A Z nao vazio e limitado inferiormente admite um elemento mnimo.
Como ja dissemos, o Princpio da Boa Ordem tem o papel fundamental de caracterizar Z em
relacao a qualquer outro domnio ordenado. Entao, voltemos a examinar suas conseq uencias, que sao
as propriedades caractersticas de Z e que, em geral, nao valem em outros domnios ordenados. Ja foi
mostrado (exerccio 14) que, e uma propriedade comum a qualquer domnio ordenado que o neutro da
soma e estritamente menor que a unidade, isto e, 0 < 1. No entanto, e caracterstico de Z o fato
de que nao existe nenhum elemento estritamente entre 0 e 1 (exerccio 28). A partir da, podemos
mostrar facilmente que, para qualquer a Z, nao existe nenhum elemento estritamente entre a e a+1
(exerccio 29), o que nos permite denir a nocao de sucessor em Z como o menor n umero inteiro maior
que a. Outra importante conseq uencia do Princpio da Boa Ordem e a Propriedade Arquimediana
(exerccio 30).
Exerccios
28. Mostre que, se x Z e tal que 0 x 1, entao x = 0 ou x = 1.
29. Dado a Z, mostre que, se x Z e tal que a x a + 1, entao x = a ou x = a + 1.
30. Demonstre a Propriedade Arquimediana: a, b Z, a, b > 0, k N, k > 0 tal que k a > b.
Finalmente, devemos mostrar que o Princpio da Inducao Finita vale em Z, como conseq uencia do
Princpio da Boa Ordem. De fato, e possvel mostrar que o Princpio da Inducao Finita e equivalente ao
Princpio da Boa Ordem (exerccio 31), isto e poderia ser tomado em lugar do Princpio da Boa Ordem
na construcao axiomatica de Z. Os exerccios a seguir sao aplicacoes do Princpio da Inducao Finita.
38
Teorema 4.4 (Princpio da Inducao Finita) Sejam n
0
A e A Z um conjunto com as seguintes
propriedades:
(i) n
0
A
(ii) n A n + 1 A
Entao n A n n
0
.
Demonstracao:
Consideremos o conjunto B = {k n
0
| k A}. Suponhamos que a armacao seja falsa. Neste
caso, temos B = . Como B e limitado inferiormente (por n
0
), pelo Princpio da Boa Ordem, deve
existir m = min B.
Como m B e m = n
0
(pois n
0
A), segue que m > n
0
, logo m1 n
0
. Como m1 < m =
min B, segue m1 B, portanto m1 A. Mas, por (ii), isto implica que m = (m1) + 1 A,
o que e uma contradicao.
Exerccios
31. Mostre que o Princpio da Inducao Finita e equivalente ao Princpio da Boa Ordem. Isto e, se
assumimos o Princpio da Inducao Finita como axioma em lugar do Princpio da Boa Ordem, o
mesmo pode ser demonstrado como teorema.
32. Demonstre a segunda forma do Princpio da Inducao Finita. Sejam n
0
Z e A Z um conjunto
com as seguintes propriedades:
(i) n
0
A
(ii) k A k Z | n
0
k n n + 1 A
Entao n A n n
0
.
33. Mostre que a soma dos n primeiros n umeros inteiros positivos e dada pela formula:
1 + 2 + . . . + n =
n(n + 1)
2
34. Mostre que a soma dos quadrados dos n primeiros n umeros inteiros positivos e dada pela formula:
1 + 2 + . . . + n
2
=
n(n + 1) (2 n + 1)
6
35. Mostre que para a > 0 e n N, n 2, vale (1 + a)
n
> 1 + na.
4.3 N umeros Racionais
A construcao de Qpor classes de equivalencia e, em muitos aspectos, analoga `a de Z. Assim, passaremos
rapidamente pelos passos deste desenvolvimento. Para a construcao detalhada, veja [17, cap.4]. Esta
construcao e baseada na seguinte relacao de equivalencia, denida no conjunto Z Z
.
(a, b)
= (c, d) a d = b c
39
Denicao 4.13 O conjunto dos n umeros racionais e denido como:
Q = Z Z
=
Um n umero racional e portanto uma classe (a, b) Z Z
. Usaremos a notacao
a
b
= (a, b). Os
n umeros inteiros a e b sao respectivamente chamados numerador e denominador de
a
b
.
Exerccios
36. Mostre que
= e realmente uma relacao de equivalencia e justique a escolha desta relacao para
construir o conjunto dos racionais.
37. Sejam (a
1
, b
1
), (a
2
, b
2
), (c
1
, d
1
), (c
2
, d
2
) ZZ
tais que (a
1
, b
1
)
= (a
2
, b
2
) e (c
1
, d
1
)
= (c
2
, d
2
).
Mostre que:
(a) (a
1
d
1
+ b
1
c
1
, b
1
d
1
)
= (a
2
+ c
2
, b
2
+ d
2
)
(b) (a
1
c
1
, b
1
d
1
)
= (a
2
c
2
, b
2
d
2
)
38. As express oes do exerccio anterior serao usadas para denir a soma e o produto em Q. Justique
esta escolha.
Denicao 4.14 (Soma) Dados
a
b
,
c
d
Q, denimos:
a
b
c
d
=
a d + b c
b d
Denicao 4.15 (Produto) Dados
a
b
,
c
d
Q, denimos:
a
b
c
d
=
a c
b d
Teorema 4.5 (Q, , ) e um corpo.
Exerccios
39. Demonstre o teorema 4.5.
40. Seja (a, b) Z Z
. Mostre que (a
1
, b
1
) Z Z
, (a
1
, b
1
)
= (a, b), com b
1
> 0.
41. Sejam (a
1
, b
1
), (a
2
, b
2
), (c
1
, d
1
), (c
2
, d
2
) Z Z
tais que (a
1
, b
1
)
= (a
2
, b
2
) e (c
1
, d
1
)
= (c
2
, d
2
)
e b
1
, d
1
, b
2
, d
2
> 0. Mostre que a
1
d
1
b
1
c
1
a
2
d
2
b
2
c
2
.
42. A expressao do exerccio anterior sera usada para denir a ordem de Q. Justique esta escolha.
Denicao 4.16 (Ordem) Dados
a
b
,
c
d
Q, denimos:
a
b
c
d
= a d b c
Teorema 4.6 (Q, , , ) e um corpo ordenado.
Exerccio
43. Demonstre o teorema 4.6.
Estabeleceremos agora a identicacao de Z com o subconjunto Z =
{
n
1
Q | n Z
}
.
40
Exerccio
44. Considere a funcao: : Z Z
n
n
1
.
(a) Mostre que e uma bijecao.
(b) Mostre que m, n Z vale (m + n) = (m) (n).
(c) Mostre que m, n Z vale (m n) = (m) (n).
(d) Mostre que m, n Z vale m n (m) (n).
Entao, identicamos:
Z Z Q
E passamos a considerar Z como subconjunto de Q e a identicar as operacoes e a ordem dos dois
conjuntos:
Z Q (Q, +, , )
Nos exerccios a seguir, sao pedidas as demonstracoes de algumas das propriedades fundamentais
de Q. A ultima destas e talvez a mais importante e a densidade de Q.
Exerccios
45. Mostre que, a, b Q xados, a solucao da equacao a x = b existe e e unica.
46. Denotando por a
1
o inverso multiplicativo de a Q
, mostre que a, b Q
vale a
1
b
1
b a.
47. Mostre que a Propriedade Arquimediana vale em Q: a, b Q, a, b > 0, k N, k > 0 tal
que k a > b.
48. Mostre que o Princpio da Boa Ordem nao vale em Q.
49. Mostre que a Q, ! n Z tal que n a < n + 1.
50. (Densidade de Q) Mostre que a, b Q, c Q tal que a < c < b.
41
5 N umeros Reais
5.1 Representa cao Posicional
Sabemos que os sistemas de numeracao posicional apresentam algumas vantagens em relacao aos
nao posicionais
16
. Dentre estas, encontram-se a quantidade nita de algarismos para representar quais-
quer n umeros naturais e a facilidade construcao de algoritmos para as operac oes elementares. Outra
vantagem de grande importancia reside no fato de que os sistemas posicionais permitem uma extensao
natural para a representa cao de n umeros nao inteiros.
Para fazer esta extensao nao podemos, e claro, usar o processo de divisoes sucessivas como descrita
acima, pois este nao se generaliza diretamente para n umeros nao inteiros. Vejamos entao um processo
equivalente que permite tal generalizacao.
Teorema 5.1 Seja a N e seja a =
N
k=0
a
k
k
a expressao para a no sistema de numeracao
posicional de base 2. Entao:
(i) N = max{n N |
n
a}
(ii) a
N
= max{r N | r
N
a}
(iii) a
k
= max
{
r N | r
k
a
N
j=k+1
a
j
j
}
k = 0, . . . , N
Demonstracao:
(i) Como todas as parcelas sao positivas, entao cada uma delas e menor ou igual `a soma total.
Em particular, a
N
N
a, logo
N
a (pois a
N
1). Alem disso, como os algarismos da
representacao posicional sao menores ou iguais que o antecessor da base, temos:
a =
N
k=0
a
k
k
k=0
( 1)
k
=
N
k=0
k+1
k=0
k
=
N+1
1 <
N+1
Portanto:
N
a <
N+1
.
(ii) Temos que:
a =
N
k=0
a
k
k
= a
N
N
+
N1
k=0
a
k
k
a
N
N
+
N1
k=0
( 1)
k
= a
N
N
+
N1
k=0
k+1
N1
k=0
k
= a
N
N
+
N
1
< a
N
N
+
N
= (a
N
+ 1)
N
Logo: a
N
N
a < (a
N
+ 1)
N
.
16
Certamente, poderemos encontrar, da mesma forma, certas desvantagens, se procurarmos cuidadosamente.
42
(iii) Fixada uma ordem k na expressao de a na base , temos que:
a
N
j=k+1
a
j
j
=
k
j=0
a
j
j
Pela unicidade expressao em relacao ao sistema de numeracao posicional, podemos concluir que
k
j=0
a
j
j
e a expressao do n umero a
N
j=k+1
a
j
j
na base . Portanto, o resultado decorre
do item (i).
Os resultados (i) e (ii) no Teorema 5.1 nos dao informacoes importantes (e bastante intuitivas):
N
e a maior potencia de menor ou igual a a e a
N
N
e o maior m ultiplo de
N
menor ou igual a
a. Equivalentemente, podemos dizer que N e o maior n umero natural tal que
N
a e a
N
e o maior
n umero natural tal que a
N
N
a. Ficam assim determinados N, a maior ordem na expressao de a
no sistema posicional de base (que tambem determina o n umero da algarismos da expressao, igual a
N + 1), e a
N
, o algarismo desta maior ordem.
Os tres resultados deste Teorema nos fornecem outro algoritmo, que chamaremos de decomposi-
cao por ordem de grandeza, para expressar um n umero natural em relacao ao sistema de numeracao
posicional de base , de acordo com o qual determinamos os algarismos da maior para a menor
ordem (ao contrario do algoritmo por divisoes sucessivas). Assim, primeiro determinamos a maior
ordem (e portanto o n umero de algarismos da expressao) e o algarismo correspondente. Em seguida,
determinamos os demais algarismos, subtraindo do n umero a a soma das parcelas da expressao ja
determinadas e encontrando o maior m ultiplo da potencia da correspondente `a ordem em questao
que for menor ou igual a esta diferenca. Para resumir os passos deste algoritmo, introduzimos um
coeciente auxiliar, apenas com a nalidade de simplicar a notacao:
b
k
= a
N
j=k+1
a
j
j
Assim, em cada passo do algoritmo, devemos encontrar a
k
= max
{
r N | r
k
b
k
}
. Como o
n umero a sera percorrido do maior para o menor valor da ordem k, devemos, em cada passo, calcular
b
k
tendo b
k+1
ja calculado. Para isto, basta subtrair de b
k+1
a parcela a
k+1
k+1
, pois b
k+1
representa
a diferenca entre a e a soma de todas as parcelas anteriores. Portanto, o algoritmo pode ser resumido
conforme mostra o quadro abaixo.
determinar N = max{n N |
n
a}
a
N
= max{r N | r
N
a}
determinar b
N1
= a a
N
N
a
N1
= max{r N | r
N1
b
N1
}
para cada k = N 1, . . . , 0, determinar b
k
= b
k+1
a
k+1
k+1
a
k
= max{r N | r
k
b
k
}
Tabela 3: Algoritmo de decomposicao por ordem de grandeza.
Exerccio
1. Use o Algoritmo de decomposicao por ordem de grandeza para expressar:
(a) 118 na base 7 (b) 65 na base 3 (c) 168 na base 12
43
Observe que, o algoritmo de decomposicao por ordem de grandeza pode, a princpio, ser aplicado a
um n umero nao inteiro. Consideremos o seguinte exemplo.
Exemplo 5.1:
Sejam a = 163 +
7
8
e = 4.
Em primeiro lugar, temos que a maior potencia de 4 menor ou igual a a e 4
3
= 64 e maior
m ultiplo de 64 menor ou igual a a e 2 64 = 128. Logo:
N = 3
a
3
= 2
b
2
= a a
3
4
3
= 163 +
7
8
2 64 = 35 +
7
8
Devemos agora encontrar o maior m ultiplo de 4
2
= 16 que e menor ou igual a 35 +
7
8
, que
e 2 16 = 32. Logo:
a
2
= 2
b
1
= b
2
a
2
4
2
= 35 +
7
8
32 = 3 +
7
8
O maior m ultiplo de 4
1
= 4 menor ou igual a 5 +
7
8
e 0 4 = 4. Logo:
a
1
= 0
b
0
= b
1
a
1
4
1
= 3 +
7
8
0 = 3 +
7
8
O maior m ultiplo de 4
0
= 1 (isto e, o maior n umero natural) menor ou igual a 3 +
7
8
e 3.
Logo:
a
0
= 3
Se a fosse um n umero inteiro, este processo pararia aqui, pois obteramos b
0
= a
0
. Mas,
neste caso, podemos denir:
b
1
= b
0
a
0
4
0
= 3 +
7
8
3 = 0 +
7
8
Entao, podemos dar continuidade ao processo tomando potencias negativas da base 3.
Assim, o maior m ultiplo inteiro de 4
1
=
1
4
menor ou igual a 0 +
7
8
e 3
1
4
=
3
4
. Logo,
fazemos:
a
1
= 3
b
2
= b
1
a
1
4
1
= 0 +
7
8
3
4
=
1
8
O maior m ultiplo de 4
2
=
1
16
menor ou igual a
1
8
e 2
1
8
=
1
16
. Logo:
a
2
= 2
b
3
= b
2
a
2
4
2
= 0
44
Portanto, o processo para neste ponto. Encontramos os seguintes coecientes:
a
3
= 2 a
2
= 2 a
1
= 0 a
0
= 3 a
1
= 3 a
2
= 2
Se associarmos estes coecientes `as respectivas potencias (com expoentes positivos e ne-
gativos) da base 4, obteremos:
2 4
3
+ 2 4
2
+ 0 4
1
+ 3 4
0
+ 3 4
1
+ 2 4
2
= 128 + 32 + 3 +
3
4
+
1
8
= 163 +
7
8
Assim, neste caso particular, o algoritmo fornece uma seq uencia de n umeros que podem ser consi-
derados uma generalizacao do sistema de numeracao posicional de base 4 para o n umero nao inteiro
163 +
7
8
, em que tambem sao tomadas potencias da base com expoentes negativos.
Se a e um n umero natural, sabemos que o algoritmo de decomposicao por ordem de grandeza
fornece a sua expressao posicional em relacao `a base . Entretanto, se a nao e inteiro, ate aqui
vimos apenas que podemos aplicar o algoritmo e que ele nos retorna uma seq uencia de coecientes.
Mas esta seq uencia de coecientes pode ser considerada uma representacao posicional para a? E,
se a resposta for armativa, em que sentido? Veremos que podemos extender qualquer sistema de
numeracao posicional de base ao conjunto dos n umeros reais, tomando tambem expoentes negativos
para a base (exatamente da forma que zemos no exemplo acima). Porem, a formalizarao deste fato
envolve uma questao importante a (potencial) innitude do processo.
Em cada passo do algoritmo de decomposicao por ordem de grandeza, devemos subtrair o n umero
a da soma de todas as parcelas da expressao ja determinadas. Em particular, se a for inteiro, no passo
k = 0, fazemos o seguinte:
b
0
= a
N
j=1
a
j
j
= a
0
E isto esgota o n umero a e termina o processo. Mas se a nao e inteiro entao nao vale a igualdade
a
N
j=1
a
j
j
= a
0
. De forma mais geral, embora b
k
seja denido como a
N
j=k+1
a
j
j
, nao vale a
igualdade a
N
j=k+1
a
j
j
=
k
j=0
a
j
j
, pois nao e verdade que a =
k
j=0
a
j
j
(ja que neste caso
a seria inteiro). Isto nos permite dar continuidade ao algoritmo, denindo:
b
1
= a
N
j=0
a
j
j
= 0
Dado a R, denimos a parte inteira e a parte nao inteira
17
de a, respectivamente, como a maior
inteiro menor ou igual a a e a diferenca entre a e a sua parte inteira:
a = max{n Z | n a} a = a a
Entao, a = a +a e a [ 0, 1[ .
Se a e um n umero real qualquer, ainda nao podemos dizer que os coecientes a
k
, denidos como
max
{
r N | r
k
a
N
j=k+1
a
j
j
}
, sao os algarismos da sua expressao na base (pois isto ainda
nao foi denido), mas sabemos que estes sao os algarismos da expressao de a na base (por que?).
Logo:
17
Evitaremos o termo parte decimal a, pois a palavra decimal deve ser referir a todas as ordens da expressao de a e
nao somente `aquelas com expoente negativo.
45
N
j=0
a
j
j
= a b
1
= a
Portanto, para determinar os coecientes a
k
com k < 0, podemos observar que:
b
k
= a
N
j=k+1
a
j
j
= a
1
j=k+1
a
j
j
Assim, fazendo k > 0, podemos denir os coecientes de ordem negativa gerados pelo algoritmo
de decomposicao por ordem de grandeza da seguinte forma:
b
1
= a
b
k
= a
k1
j=1
a
j
j
a
1
= max
{
r N | r
1
a
}
a
k
= max
{
r N | r
k
a
k1
j=1
a
j
j
}
k 2
Exerccio
2. Aplique o algoritmo de decomposicao por ordem de grandeza a a =
1
10
e = 3.
Assim, o algoritmo nao so continua como, mais grave ainda, pode levar a um processo pode ser
innito, como ilustra o exerccio anterior. Desta forma, a representacao posicional para um n umero
inteiro e simplesmente uma soma algebrica. Mas a sua generalizacao para o conjunto dos reais envolve
necessariamente a nocao de convergencia.
Em geral, sao ensinados na escola fatos relacionados com a representa cao decimal para n umeros
nao inteiros, tais como:
Toda dzima periodica pode ser escrita na forma de fracao.
Toda fracao pode ser escrita na forma decimal, assumindo a forma de uma dzima periodica ou
de um n umero com uma quantidade nita de casas decimais.
Estes fatos sao ensinados sem maiores preocupacoes formais e as questoes teoricas envolvidas em
sua fundamentacao passam facilmente despercebidas ou cam escondidas. Algumas dessas questoes
estao de fato alem do que e compatvel com o ensino medio, mas nao ha razao para que elas nao
sejam discutidas, pelo menos de forma que os problemas envolvidos na generalizacao do sistema de
numeracao decimal para os n umeros reais quem evidentes.
Os dois teoremas a seguir garantem que toda serie
+
k=1
a
k
k
, com 0 a
k
< converge para
um n umero real a [ 0, 1 ] e, reciprocamente, que todo n umero real a [ 0, 1 ] e limite de uma serie
nessa forma. Isto nos permitem extender qualquer sistema de numeracao posicional para o conjunto
dos reais. Por simplicidade, vamos restringir a denicao a n umeros reais positivos, pois a extensao para
os negativos e trivial.
Teorema 5.2 Seja 2 um n umero natural xado. Seja (a
k
)
kN
uma seq uencia de n umeros naturais
tais que 0 a
k
< 1, entao:
+
k=1
a
k
k
1
46
Demonstracao: Devemos mostrar que a serie
+
k=1
a
k
k
e convergente e que seu limite e um
n umero real no intervalo [ 0, 1 ].
Como 0 a
k
1 k, temos que 0 a
k
k
( 1)
k
k.
Alem disso, temos que a serie
+
k=1
(1)
k
e uma progressao geometrica innita cujo primeiro
termo e ( 1)
1
e a razao e
1
< 1. Logo, esta serie converge e seu limite e dado por:
+
k=1
( 1)
k
=
( 1)
1
1
1
= 1
Portanto, o resultado segue do criterio da comparacao.
Teorema 5.3 Seja 2 um n umero natural xado e seja a R
+
. Seja (a
k
)
kN
a seq uencia de
n umeros naturais denida por:
a
1
= max
{
r N | r
1
a
}
a
k
= max
{
r N | r
k
a
k1
j=1
a
j
j
}
k 2
Entao:
(i) 0 a
k
< k N
(ii)
+
k=1
a
k
k
= a
Demonstracao:
(i)
E claro que a
k
0 k, pois certamente 0 pertence ao conjunto do qual a
k
e maximo. Mos-
traremos, usando a segunda forma do Princpio da Inducao Finita, que a
k
< 1.
De fato, para k = 1, temos que a
1
1
a < 1. Logo, a
1
< .
Suponhamos que o resultado seja valido j < k. Entao:
a
k
k
a
k1
j=1
a
j
j
1
k1
j=1
( 1)
j
1
k1
j=1
1j
+
k1
j=1
j
=
1k
Logo, a
k
< .
(ii) Devemos mostrar que a serie
+
k=1
a
k
k
= a e convergente e que seu limite e igual a a. Da
denicao de a
k
segue que:
a
k
k
a
k1
j=1
a
j
j
< (a
k
+ 1)
k
Subtraindo o termo a
k
k
na desigualdade acima, obtemos:
0 a
k
j=1
a
j
j
<
k
O resultado segue do teorema do sanduche.
47
Denicao 5.1 Seja 2 um n umero natural xado. Dizemos que o n umero a R
+
esta expresso
no sistema de numeracao posicional de base se a esta escrito na forma:
a =
N
k=
a
k
k
em que (a
k
)
kN
sao n umeros naturais tais que 0 a
k
< e a
N
= 0, chamados algarismos. Neste
caso, denotamos:
a = (a
N
. . . a
0
, a
1
. . .)
em que x
N
. . . x
0
representa os algarismos da parte inteira de a, y
1
. . . y
m
os da parte nao inteira e nao
periodica e z
1
. . . z
n
os da parte nao inteira e periodica.
Quando procuramos a (assim chamada) fracao geratriz de uma dada dzima periodica, estamos
na verdade demonstrando que aquela dzima representa um n umero racional. No ensino medio, para
encontrar frac oes geratrizes, pode-se utilizar basicamente dois metodos
18
: um deles baseia-se em mul-
tiplicac oes por potencias de 10 e o outro e a aplicacao direta da formula de soma de uma progressao
geometrica innita. Vejamos a aplicacao desses dois metodos no exemplo a seguir:
Exemplo 5.2:
Consideremos x = 1, 234. O n umero x pode ser escrito na forma de fracao?
Metodo 1 multiplicac oes por potencias de 10:
10 x = 12, 34
1000 x = 1234, 34
990 x = 1222
x =
1222
990
=
611
495
Metodo 2 progress oes geometricas:
Temos que x = 1, 2 + 0, 034. Observamos que 0, 034 e uma progressao geometrica
com primeiro termo a
1
= 0, 034 =
34
1000
e razao r =
1
100
. Logo:
x=1, 2 + 0, 034 =
12
10
+
34
1000
1
1
100
=
6
5
+
34
1000 10
=
6
5
+
34
990
=
6
5
+
17
495
=
594 + 17
495
=
611
495
18
Ou, lamentavelmente, em muitos casos, o ensino de dzimas periodicas restringe-se em apresentar aos alunos o
resultado desse metodo na forma de uma receita memorizada: a parte nao periodica seguida do perodo menos a parte
nao periodica sobre tantos 9 quantos forem os algoritmos da parte periodica seguidos de tantos 0 quantos forem os
algarismos da parte periodica.
48
Exerccio
3. Escreva os n umeros abaixo na forma de fracao, utilizando os dois metodos acima.
(a) x = 1, 234 (b) x = 5, 22201 (c) x = 0, 9
Observe que o primeiro metodo aplicado no exemplo acima utiliza operacoes aritmeticas com as
representac oes decimais para as dzimas. Mas e preciso lembrar que uma dzima e uma expressao
posicional para um n umero real e, portanto, uma serie innita. Assim, para que essas operac oes
aritmeticas tenham validade e preciso ter certeza de antemao sobre a convergencia das series (a passa-
gem 10 x = 12, 34 corresponde `a armacao 12, 34 converge e seu limite e 10 x). A aplicacao descuidada
de operacoes aritmeticas nos termos de uma serie (que pode ser divergente) pode levar a conclusoes
erroneas. Observe o exerccio a seguir. No caso das dzimas, e o Teorema 5.2 que garante a validade
das operacoes.
Exerccio
4. Considere a seq uencia de n umeros reais denida recursivamente da seguinte forma:
{
a
1
= 2
a
n
=
1
2
(a
2
n1
+ 1) n 2
(a) Mostre que (a
n
) e estritamente crescente.
(b) Considere o seguinte argumento para determinar o limite de (a
n
):
Seja x = lima
n
= lima
n1
. Entao:
lima
n
=
1
2
(
(lima
n1
)
2
+ 1
)
x =
1
2
(x
2
+ 1) x
2
2x + 1 = 0 x = 1
Logo, lima
n
= 1.
Este argumento esta correto? Justique sua resposta.
(c)
E verdade que lima
n
= 1? Justique sua resposta.
Como ja dissemos, determinar a fracao geratriz de uma dzima corresponde a demonstrar que esta
e um n umero racional. O segundo metodo utilizado assim para este m pode ser generalizado para a
demonstracao de que toda dzima periodica representa um n umero racional, em qualquer sistema de
numeracao posicional.
Teorema 5.4 Todo n umero que admite representacao periodica em um sistema de numeracao posici-
onal de base e racional.
Demonstracao: Seja a = (x
N
. . . x
0
, y
1
. . . y
m
z
1
. . . z
n
)
=
m
[(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
, z
1
. . . z
n
)
] =
m
[(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
)
+ (0, z
1
. . . z
n
)
]
=
m
[
(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
)
+
+
k=1
kn
(z
1
. . . z
n
)
]
A serie acima e uma progressao geometrica com primeiro termo
n
(z
1
. . . z
n
)
e razao
n
.
Logo:
49
+
k=1
kn
(z
1
. . . z
n
)
=
n
(z
1
. . . z
n
)
1
n
=
(z
1
. . . z
n
)
n
1
Portanto: a =
m
[
(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
)
+
(z
1
. . . z
n
)
n
1
]
=
1
(
n
1)
m
[
n
(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
)
(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
)
+ (z
1
. . . z
n
)
]
=
1
(
n
1)
m
[(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
z
1
. . . z
n
)
(x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
m
)
]
Logo, a pode ser escrito na forma de fracao de numerador e denominador inteiros, isto e, x Q.
Exerccio
5. (a) Demonstre que toda dzima periodica representa um n umero racional com base no metodo
de multiplicac oes por potencias de 10, justicando rigorosamente cada passo.
(b) Generalize esse metodo para um sistema de numeracao posicional de base qualquer.
Faz sentido agora questionar se a recproca do Teorema 5.4 e verdadeira. Isto e, e verdade que todo
n umero racional admite representacao posicional periodica
19
? Para responder esta pergunta, devemos
reetir sobre o processo de obter a representacao decimal de um n umero escrito na forma de fracao: o
algoritmo da divisao continuada. Observemos o proximo exemplo.
Exemplo 5.3:
Para escrever
5
4
em representa cao decimal.
5 4
10 1, 25
20
0
Logo,
5
4
= 1, 25. O objetivo do processo de divisao acima e descobrir os algarismos da
representacao decimal de fracao em questao, no caso
5
4
= 1, 25. O diagrama que representa
este processo e na verdade uma forma concisa de se representar divisoes sucessivas:
5 4
1
1
10 4
2
2
20 4
0
5
Vejamos a descricao dos passos do algoritmo da divisao continuada para um n umero racional positivo
a
b
, como a, b N, na tabela a seguir.
A representacao procurada sera entao
a
b
= q
0
, q
1
q
2
. . . . Devemos entender porque este algoritmo
de fato funciona para encontrar e representacao decimal de uma fracao. Para isto, descreveremos o
algoritmo da divisao continuada da seguinte forma equivalente.
19
Observe que podemos considerar representacao posicional nita como caso particular de representacao periodica, se
consideramos a parte periodica igual a 0.
50
Efetuar a divisao de a por b (atraves do algoritmo da divisao para n umeros naturais), obtendo:
a = q
0
b + r
0
, com r
0
< b
Multiplicar o resto r
0
por 10 e dividir o resultado por b, obtendo:
10 r
0
= q
1
b + r
1
, com r
1
< b
Para cada k N, multiplicar o resto r
k1
obtido na etapa anterior por 10 e dividir o resultado
por b, obtendo:
10 r
k1
= q
k
b + r
k
, com r
k
< b
Tabela 4: Algoritmo da divisao continuada versao 1.
Efetuar a divisao de a por b, obtendo:
a
b
= q
0
+
r
0
b
Efetuar a divisao de 10 r
0
por b, obtendo: 10 r
0
= q
1
+
r
1
b
Para cada k N, multiplicar o resto r
k1
obtido na etapa anterior por 10 e dividir o resultado
por b, obtendo:
10
r
n1
b
= q
n
+
r
n
b
Tabela 5: Algoritmo da divisao continuada versao 2.
Observe que, na expressao
a
b
= q
0
+
r
0
b
, q
0
e um n umero inteiro e
r
0
b
< 1 (pois r
0
< b). Logo
q
0
=
a
b
e
r
0
b
=
a
b
10
r
k1
b
r
k
b
=
10
r
k1
b
Logo, o algoritmo da divisao continuada tambem pode ser descrito da seguinte forma:
Encontrar q
0
=
a
b
e s
0
=
a
b
(igual a
r
0
b
acima).
Encontrar q
1
= 10 s
0
e s
1
= 10 s
0
(igual a
r
1
b
acima).
Para cada k N, Encontrar q
k
= 10 s
k1
e s
1
= 10 s
k1
(igual a
r
k1
b
acima).
Tabela 6: Algoritmo da divisao continuada versao 3.
Consideremos agora a representacao decimal para o n umero
a
b
(cuja existencia ja esta garantida
pelo Teorema 5.3):
a
b
= (a
N
. . . a
0
, a
1
a
2
. . .)
10
Se aplicarmos o algoritmo da divisao continuada a
a
b
partindo de sua expressao decimal, teremos:
q
0
=
a
b
= a
N
. . . a
0
s
0
=
a
b
= 0, a
1
a
2
. . .
q
1
= 10 s
0
= a
1
s
1
= 10 s
0
= 0, a
2
a
3
. . .
q
2
= 10 s
1
= a
2
s
2
= 10 s
1
= 0, a
3
a
4
. . .
.
.
.
.
.
.
q
k
= 10 s
k1
= a
k
s
k
= 10 s
k1
= 0, a
(k+1)
a
(k+2)
. . .
.
.
.
.
.
.
51
Isto mostra que os quocientes (q
k
)
kN
sao de fato os algarismos da expressao decimal da fracao
a
b
.
Evidentemente, o argumento acima pode ser generalizado a uma base qualquer, como mostram os
dois quadros a seguir. Com essa constatacao, somos capazes demonstrar a recproca do Teorema 5.4.
Efetuar a divisao de a por b (atraves do algoritmo da divisao para n umeros naturais), obtendo:
a = q
0
b + r
0
, com r
0
< b
Multiplicar o resto r
0
por e dividir o resultado por b, obtendo:
r
0
= q
1
b + r
1
, com r
1
< b
Para cada k N, multiplicar o resto r
k1
obtido na etapa anterior por e dividir o resultado
por b, obtendo:
r
k1
= q
k
b + r
k
, com r
k
< b
Tabela 7: Algoritmo da divisao continuada generalizado versao 1.
Encontrar q
0
=
a
b
e s
0
=
a
b
(igual a
r
0
b
acima).
Encontrar q
1
= s
0
e s
1
= s
0
(igual a
r
1
b
acima).
Para cada k N, Encontrar q
k
= s
k1
e s
1
= s
k1
(igual a
r
k1
b
acima).
Tabela 8: Algoritmo da divisao continuada generalizado versao 2.
Teorema 5.5 Todo n umero racional admite expressao periodica em relacao a qualquer sistema de
numeracao posicional de base .
Demonstracao: Seja
a
b
Q. Basta observar, no processo de divisao continuada, que quando o
primeiro resto se repetir pela primeira vez, todo o processo se repetira indenidamente. Como existe
uma quantidade nita de valores possveis para o resto (n umeros inteiros entre 0 e b 1) e processo e
innito, certamente esses valores se repetirao.
Teorema 5.6 Seja a R. As seguintes condic oes sao equivalentes:
(i) a Q;
(ii) a admite expressao periodica em relacao a algum sistema de numeracao posicional;
(iii) a admite expressao periodica em relacao a qualquer sistema de numeracao posicional.
Demonstracao: Segue diretamente dos Teoremas 5.4 e 5.5.
Exerccios
6. Expresse os seguintes n umeros na base 10.
(a) x = (0, 1)
2
(b) x = (0, 1)
3
(c) x = (0, 1)
3
(d) x = (1, 25)
6
(e) x = (1, 234)
5
7. Expresse os seguintes n umeros na base dada.
(a) x = 1, 16, = 3 (b) x = 5, 25, = 2 (c) x = 0, 0201, = 5
(d) x =
1
3
, = 3 (e) x =
5
2
, = 3 (f) x =
5
2
, = 6 (g) x =
1
7
, = 6
52
Para entender a representacao posicional para n umero racionais, falta ainda reetir sobre uma
questao importante. Sabemos que um n umero racional tem expressao posicional periodica em qualquer
base e que, dentre os n umeros que tem expressao periodica (isto e, os racionais), encontram-se aqueles
que tem expressao nita. No entanto, nao e verdade que um n umero que tem expressao nita na base
10 (por exemplo) tera expressao nita em qualquer outra base. Observe o proximo exemplo.
Exemplo 5.4:
1. O n umero
1
3
tem representa cao innita na base 10 e nita na base 6:
1
3
= (0, 3)
10
= (0, 2)
6
2. O n umero
1
5
tem representa cao nita na base 10 e innita na base 6:
1
5
= (0, 2)
10
= (0, 1)
6
3. O n umero
1
2
tem representa cao nita tanto na base 10 quanto na base 6:
1
2
= (0, 5)
10
= (0, 3)
6
4. O n umero
1
15
tem representacao innita tanto na base 10 quanto na base 6:
1
15
= (0, 06)
10
= (0, 02)
6
Na base 10, somos familiares com as fracoes que tem expressao nita. Esta sao aquelas que, na
forma irredutvel, possuem denominadores: 2, 4, 5, 8, 10, 16, 20, . . .. Por outro lado, as que geral
dzimas periodicas sao as que tem denominadores: 3, 6, 7, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, . . .. Isto
nos leva a conjecturar que as frac oes que nao geram dzimas periodicas sao aquelas cujo denominador,
na forma irredutvel, tem apenas 2 e 5 como fatores primos.
De forma geral, podemos buscar por propriedades que garantam que um n umero racional tem
representacao nita em relacao ao sistema posicional de base . Para identicar estas propriedades,
devemos observar que um n umero tem expressao nita se e somente se existe uma potencia da base
n
tal que
n
x e um n umero inteiro. De fato:
x = (x
N
. . . x
0
, y
1
. . . y
n
)
n
x = (x
N
. . . x
0
y
1
. . . y
n
)
Z
Como, isto podemos demonstrar o seguinte Teorema.
Teorema 5.7 Seja
a
b
Q escrito na forma irredutvel, isto e, mdc (a, b) = 1. O n umero
a
b
tem
representacao nta em relacao ao sistema de numeracao posicional de base se e somente se todos os
fatores primos de b sao fatores primos de .
Demonstracao:
() Por hipotese, todos os fatores primos de b sao fatores primos de . Mas pode ter fatores primos
que nao sao fatores primos de b. Portanto, podemos escrever as decomposicao em fatores primos de b
e da seguinte forma:
53
b = p
l
1
1
. . . p
l
j
j
= p
k
1
1
. . . p
k
j
j
p
em que p
1
. . . p
j
sao os fatores primos de b (que tambem serao fatores de ) e p e o produto de
todos os fatores primos que eventualmente aparecerao na decomposicao de (elevados aos respectivos
expoentes), mas que nao sao fatores de b.
n
b
e um n umero inteiro. Logo:
a
b
= a
n
b
Z
Entao,
a
b
tem representa cao nita no sistema de base .
() Por hipotese,
a
b
tem representacao nita no sistema de base . Logo, existe n N tal que
a
b
Z, isto e:
Z
n
a
b
=
n
a
b
Entao, b |
n
a. Segue que todos os fatores primos de b sao fatores primos de
n
a. Como
mdc (a, b) = 1, entao a e b nao tem fatores primos em comum, logo todos os fatores primos de b sao
fatores primos de
n
. Como os fatores primos de
n
sao os mesmos de , entao todos os fatores primos
de b sao fatores primos de .
Exerccios
8. Determine (sem fazer a conta) quais dos n umeros racionais abaixo tem representacao nita no
sistema de numeracao posicional de base 60.
(a)
1
6
(b)
1
9
(c)
1
12
(d)
1
22
(e)
1
210
(f)
1
1350
9. Observe que, na demonstracao do Teorema 5.7, a hipotese mdc (a, b) = 1 foi utilizada somente
na ida. Explique porque esta hipotese nao necessaria para a volta do Teorema.
10. Seja a R. Seja n o n umero de algarismos da expressao da parte inteira de a no sistema
posicional de base . Mostre que:
n = log
a + 1
5.2 Cardinalidades dos Conjuntos Numericos
Nao e difcil ver que N Z. De fato, basta considerar a seguinte bijecao (em que [x] denota a parte
inteira do n umero x):
: N Z
n (1)
n
[
n
2
]
Estudaremos agora as cardinalidades dos conjuntos Q e R.
54
Teorema 5.8 O conjunto Q e enumeravel.
Demonstracao:
Considere a funcao:
: Z Z
Q
(p, q)
p
q
em que Z
= Z \ {0}.
O conjunto Z Z
n, com n N nao quadrado perfeito). Por outro lado, e e sao (os mais conhecidos) exemplos
de n umeros transcendentes (para as demonstrac oes, ver [8]). Assim, o conjunto dos algebricos esta
estritamente contido entre os racionais e os reais:
Q A R
Exerccio
12. Mostre que o conjunto dos n umeros algebricos e enumeravel.
Sugestao: para cada polinomio p com coecientes inteiros, considere o conjunto das raiz reais de p;
observe que A e a uniao enumeravel dos conjuntos nesta forma e use as propriedades ja demonstradas.
Pelo mesmo argumento da demonstracao do corolario 5.1, decorre do exerccio anterior que o
conjunto dos n umeros transcendentes e nao enumeravel. Isto e, no sentido de cardinalidades, existem
muito mais transcendentes que algebricos.
20
Exerccio extra: demonstre este fato.
56
Referencias
[1] Aigner, Martin & Ziegler, G unter M. Proofs from the Book. Berlin: Springer, 1998.
[2] Bartle, Robert & Sherbert, Donald. Introduction to Real Analysis. New York: John Wilet, 1982.
[3] Burrill, Claude W. Foudantions of Real Numbers. New York: McGraw Hill, 1967.
[4] Boyer, Carl. Historia da Matematica. Sao Paulo: Edgard Bl ucher, 1974.
[5] Clawson, Calvin. Mathematical Mysteries: The Beauty and Magic of Numbers. Perseus, 1999.
[6] De Morgan, Augustus. The Connexion of Number and Magnitude: An Attempt to Explain the
Fifth Book of Euclid. Adamant Media Corporation, 2003.
[7] Eves, Howard. An Intriduction to the History of Mathematics. New York: Holt, Rinehart and
Winston, 1976.
[8] Figueiredo, Djairo. N umeros Irracionais e Transcentes. Colecao Fundamentos da Matematica
Elementar. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matematica, 1985.
[9] Fraenkel, A. A., & Bar-Hillel, Y. Foundation of Set Theory. Amsterdam: North-Holland Publishing
Co., 1958.
[10] Hrbacek, Karel & Jech, Thomas. Introduction to Set Theory. New York: Marcel Dekker, Inc.,
1999.
[11] Galilei, Galileo. Dialogues Concerning Two New Sciences. New York: Dover, 1954. Edicao original:
Discorsi e Dimostrazioni Matematiche intorno `a Due Nuove Scienze, 1638.
[12] Halmos, Paul R. Naive Ser Theory. New York: D. Van Nostrand Company, 1960.
[13] Jourdain, Philip E.B. (Ed.); Georg Cantor. Contributions to the Founding of the Theory of
Transnite Numbers. New York: Dover, 1955.
[14] Kline, Morris. Mathematical Thought from Ancient to Modern Times. New York: Oxford Uni-
versity Press, 1972.
[15] Landau, Edmund. Foundations of Analysis: The Arithmetic of Whole, Raional, Irrational and
Complex Numbers. New York: Chelsea, 1966.
[16] Lima, Elon Lages. Curso de Analise, vol. 1. Rio de Janeiro: LTC, 1976.
[17] Milies, Cesar Polcino & Coelho, Sonia Pitta. N umeros: uma Introducao `a Matematica. Sao Paulo:
EDUSP, 2001.
[18] Neri, Cassio. Curso de Analise Real. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
[19] Pappas, Theonis. The Joy of Mathematics. San Carlos: Wide World Publishin/Tetra, 1989.
[20] Poincare, Henri. Science et Methode. Paris: Kime, 1999 (ed. original 1908).
[21] Rana, Inder K. From Numbers to Analysis. Singapore: World Scientic, 1998.
[22] Struik, Dirk. A Concise History of Mathematics. New York: Dover, 1948.
57