Almirante e O Pessoal Da Velha Guarda - Anna Paes PDF

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO)

CENTRO DE LETRAS E ARTES INSTITUTO VILLA-LOBOS


PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
MESTRADO EM MSICA
ALMIRANTE E O PESSOAL DA VELHA GUARDA:
MEMRIA, HISTRIA E IDENTIDADE
ANNA PAES
RIO DE JANEIRO, 2012
ALMIRANTE E O PESSOAL DA VELHA GUARDA:
MEMRIA, HISTRIA E IDENTIDADE

por
ANNA PAES
Dissertao submetida ao Programa de Ps-
Graduao em Msica do Centro de Letras e
Artes da UNIRIO, como requisito parcial para a
obteno do grau de mestre, sob a orientao da
Professora Dra. Elizabeth Travassos e a co-
orientao do Professor Dr. Pedro Arago.
Rio de Janeiro, 2012

iii























Paes, Anna.
P126 Almirante e o pessoal da velha guarda : memria, histria e identida-
de / Anna Paes, 2012.
227f. ; 30 cm + 1 CD-ROM

Orientador: Elizabeth Travassos.
Coorientador: Pedro Arago.
Dissertao (Mestrado em Msica) Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

1. Almirante, 1908-1980. 2. O pessoal da velha guarda (Rdio - Progra-
mas). 3. Msica popular - Brasil - Histria. 4. Memria - Aspectos sociais.
5. Rdio - Programas musicais. 6. Identidade social. I. Carvalho, Anna Paes
de. II. Travassos, Elizabeth. III. Arago, Pedro. IV. Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro. Centro de Letras e Artes. Curso de Mestrado em
Msica. V. Ttulo.

CDD 780.420981



AGRADECIMENTOS



Esse trabalho dedicado minha orientadora, professora Elizabeth Travassos. A ela agradeo
a confiana, o incentivo e o apoio de sempre.

professora Martha Ulha, pela orientao inicial e pela oportunidade de estagiar na turma
de Histria da Msica Popular Brasileira I no curso de graduao em Msica do IVL.

Pedro Arago, meu co-orientador, por acompanhar a reta final desse trabalho de forma
generosa, pela leitura sempre atenta e pelas observaes valiosas.

Aos meus colegas de ps-graduao Climrio de Oliveira Santos, Renato Santoro, Daniel
Fernandes, Alexei Michailowsky, Lula, Marcelo Lopes, Jonathan Gregory, pela convivncia
instigante e solidria.

Aos professores Jos Alberto Salgado e Samuel Arajo pela participao na banca de defesa.

Aos professores Carlos Alberto Figueiredo, Silvio Mehry e Mirna Rubim pelas aulas
inspiradoras.

Alexandre Dias, Eric Murray, Jlia Andrade e Mauricio Cardoso pelas colaboraes de
materiais de importncia fundamental para essa dissertao.

Aos amigos Paulo Arago, Nana Vaz de Castro, Pedro Arago, Bia Paes Leme, lcio de
Barros Mendona, pelo carinho e o apoio de sempre.

Ao meu primo querido, Manoel Corra do Lago.

Ao meu tio Oswaldo Costa, pela reviso das tradues.

Helena Martinho da Rocha.

Aos meus filhos Joaquim e Anita.

Zazi, pelo amor incondicional.




































The one duty we owe to history is to rewrite it
(Oscar Wilde)

viii
PAES, Anna. Almirante e O pessoal da velha guarda: memria, histria e identidade. 2012.
Dissertao (Mestrado em Msica) Programa de Ps-Graduao em Msica, Centro de
Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
O trabalho focaliza a atuao do cantor e pesquisador Almirante (Henrique Foreis
Domingues) (1908 1980) como radialista e produtor de programas radiofnicos, destacando
sua contribuio na construo da histria, da memria e da fixao de padres estticos na
msica popular brasileira. Sua trajetria foi marcada pelo pioneirismo na sistematizao de
fontes sobre a msica popular urbana e por aes de defesa e valorizao do patrimnio
cultural e artstico brasileiro. Um dos exemplos emblemticos dessa linha de ao se
evidencia no programa de rdio semanal O pessoal da velha guarda, apresentado e produzido
por Almirante entre 1947 e 1952, sob a direo musical de Pixinguinha, levando ao pblico
interpretaes ao vivo de msicas tradicionais das serenatas do Rio Antigo polcas,
schottischs, valsas, modinhas, choros de fins do sculo XIX e incio do XX. Como
metodologia de anlise, o trabalho baseia-se em teorias da memria social de Jacques Le Goff
(1990), Pierre Nora (1981), em estudos de msica popular como os de Lenharo (1995),
McCann (2004), Vinci de Moraes (2010), Arago (2011), em estudos de Antoine Hennion
(1997) sobre a recepo de obras musicais. As fontes utilizadas para anlise esto nos
documentos do seu acervo pesquisados no Museu da Imagem e do Som-RJ, no conjunto das
gravaes de vinte programas completos de trinta minutos disponibilizados pela Collectors
Studios Ltda. e nas gravaes extradas dos programas encontradas nas fitas de rolo do
Arquivo Jacob do Bandolim. Concluses: Almirante teve grande parcela de responsabilidade
pela transio da memria social oral para a memria social escrita da msica popular
brasileira ao criar um arquivo e instigar a produo de vestgios histricos; contribuiu para o
reconhecimento da msica popular urbana como objeto de estudos e para o desenvolvimento
da sua historiografia; participou ativamente na construo e consolidao de referenciais
estticos caractersticos da identidade da msica popular brasileira.
Palavras-chave: msica popular urbana; memria; histria; rdio; Almirante; O pessoal da
velha guarda.
PAES, Anna. Almirante and O Pessoal da Velha Guarda: Memory, History and Identity.
2012. Masters Dissertation (Mestrado em Msica) Programa de Ps-Graduao em
Msica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

ABSTRACT
This study focuses on the career of singer, and researcher Almirante (Henrique Foreis
Domingues) (1908-1980) as radio broadcaster and producer, and highlights his contributions
to the construction of history and memory, and the establishment of aesthetic patterns in
Brazilian popular music. Almirantes career was marked by a pioneering systematization of
source material for Brazilian popular urban music and by actions to support and enhance
Brazilian cultural and artistic heritage. We find emblematic examples of this in the recordings
of the weekly radio program O Pessoal da Velha Guarda, presented and produced by
Almirante between 1947 and 1952, at Rdio Tupi, under Pixinguinhas musical direction,
which brought to the public live interpretations of Rio de Janeiros traditional music of the
serestas polcas, schottischs, waltzes, modinhas, choros from the turn of the nineteenth
century to the early twentieth century. The analytical methodology is based on social memory
theories developed by Jacques Le Goff (1990) and Pierre Nora (1981), and on popular music
studies such as Lenharo (1995), McCann (2004), Vinci de Moraes (2010), Arago (2011), and
Antoine Hennions studies of the reception of musical works (1997). Source material included
documents found in Almirantes archive at the Museu da Imagem e do Som-RJ, recordings of
twenty complete thirty-minute radio programs accessed at Collectors Studios Ltda., and other
excerpts from the program found on reel tapes in Jacob do Bandolims archive. Conclusions:
by creating an archive and stimulating the recording of testimonials, Almirante was
responsible, to a considerable extent, for the transition from oral to written social memory of
Brazilian popular music; he contributed to the recognition of urban popular music as a
legitimate object of study and to the development of its historiography; he actively
participated in the construction and consolidation of aesthetic references characteristic of the
identity of Brazilian popular music.
Keywords: urban popular music; memory; history; radio; Almirante; O pessoal da velha
guarda
LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E EXEMPLOS MUSICAIS



Figura 1 - Roteiro de uma audio O pessoal da velha guarda em 2 de abril de 1947 (plano
geral) Anexo 3, pg. 216

Figura 2 Roteiro da audio inaugural do O pessoal da velha guarda em 19 de maro de
1947 (prefixo) Anexo 3, pg. 217

Figura 3 Roteiro de uma audio O pessoal da velha guarda (abertura) Anexo 3, pg. 218

Figura 4 Roteiro de uma audio O pessoal da velha guarda (apresentao de nmero
musical) Anexo 3, pg. 219

Figura 5 Carta de rico Verssimo a Almirante em 23 de junho de 1950 Anexo 3, pg. 220

Figura 6 Carta do ouvinte Gaspar Melo Rdio Tupi em 24 de maro de 1950 Anexo 3,
pg. 221

Figura 7 Recorte de jornal divulgando o programa O pessoal da velha guarda Anexo 3,
pg. 222

Figura 8 Partitura de Flor de Liz, de Ccero Telles de Menezes. Copista: Candinho Silva
Anexo 3, pg. 223

Figura 9 Partitura editada de Dinorah, de Benedito Lacerda Anexo 3, pg. 224

Figura 10 Fotografia de Almirante e Pixinguinha Anexo 3, pg. 225

Figura 11 Fotografia de Pixinguinha e Almirante Anexo 3, pg. 226

Quadro 1 Construo de histria e memria no programa O pessoal da velha guarda pg.
62

Tabela com o repertrio de 20 programas O pessoal da velha guarda da Collectors Studios
Ltda pg. 149

Exemplo musical 1 pg. 106

Exemplo musical 2 pg. 120

Exemplo musical 3 pg. 126

xi
SUMRIO



INTRODUO....................................................................................................................................1

CAPTULO 1 Trajetria de Almirante...............................................................................8

1.1) Perfil biogrfico de Almirante
1.1.1) O cantor Almirante e o panorama da indstria fonogrfica da msica
popular urbana nas primeiras dcadas do sculo XX
1.1.2) Almirante produtor radiofnico nos anos 1930
1.1.3) Almirante produtor radiofnico nos anos 1940
1.2) Surge o programa O pessoal da velha guarda
1.2.1) Repercusso do programa O pessoal da velha guarda
1.2.2) O trmino do programa O pessoal da velha guarda e os desdobramentos
na carreira de Almirante
1.3) Incorporao do Arquivo Almirante ao patrimnio do Estado da Guanabara e a
influncia da atuao de Almirante sobre a produo historiogrfica da msica popular
brasileira

CAPTULO 2 Almirante historiador e memorialista.......................................................39

2.1) Antecedentes do O pessoal da velha guarda: o programa A histria das
orquestras e msicos do Rio e A histria das orquestras e msicos do Brasil
2.1.2) O projeto Dicionrio de msicos e compositores brasileiros
2.2) O programa O pessoal da velha guarda na Rdio Tupi
2.3) A expresso velha guarda
2.4) Histria e memria no discurso radiofnico de Almirante
2.5) Anlise da construo de histria e memria no O pessoal da velha guarda
2.5.1) Evocao do sentimento de nostalgia
2.5.2) Incitamento de memrias individuais na comunicao com os ouvintes
2.5.3) Evocao da identidade nacional
2.5.4) Evocao da identidade carioca
2.5.5) Mudanas de hbitos e espaos sociais
2.5.6) Mudanas nos modos de transmitir e divulgar o repertrio
2.6) O programa de rdio O pessoal da velha guarda como lugar de memria

CAPTULO 3 Almirante orientador esttico....................................................................84

3.1) Influncia da msica estrangeira do perodo de constituio da msica popular
brasileira no repertrio do programa O pessoal da velha guarda
3.1.1) O caso La Mattchiche
3.2) Msica popular versus Msica Erudita
3.3) Comercialismo na cenrio artstico da msica popular nos anos 1940 e 1950
3.4) Orientao esttica no programa O pessoal da velha guarda
3.4.1) Orientao esttica no repertrio vocal
3.4.2) Orientao esttica no repertrio instrumental
3.4.3) Orientao esttica da msica como retrato sonoro
3.4.4) Orientao esttica na caracterizao de gneros musicais

CONCLUSO ....................................................................................................................... 134

FONTES E BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 142

ANEXO 1 Tabela com o repertrio de 20 programas O pessoal da velha guarda da
Collector's Studios Ltda, com audios disponveis no CD.......................................................148

ANEXO 2 Transcrio das falas de apresentao de Almirante em 20 programas O pessoal
da velha guarda da Collector's Studios Ltda..........................................................................161

ANEXO 3 Roteiros de programas O pessoal da velha guarda, cartas, recorte de jornal,
partituras e fotos......................................................................................................................215

ANEXO 4 CD de adio (mp3) e relao dos fonogramas analisados.................................225
1
INTRODUO



O primeiro museu voltado para a preservao da memria musical do pas foi
inaugurado no Rio de Janeiro em 1965, no governo Carlos Lacerda. Sua inaugurao se
deveu, em grande parte, compra do maior acervo de msica popular brasileira jamais
reunido: o do radialista, cantor e pesquisador Henrique Foreis Domingues, mais conhecido
como Almirante (1908-1980). Embora esse vasto acervo de partituras, discos e documentos
faa parte da Fundao Museu da Imagem (FMIS-RJ) h 45 anos, ele permaneceu muito
pouco explorado, e a partir da recente abertura dos canais de acesso ao pesquisador, vem se
mostrando um terreno frtil para investigaes sobre o desenvolvimento da msica popular
urbana no Brasil.
1

Dentre os inmeros programas radiofnicos produzidos por Almirante desde meados
da dcada de 1930 destaca-se O pessoal da velha guarda, produzido no auge de sua
maturidade como profissional do rdio. Criado com o intuito de despertar na sociedade
brasileira um interesse pela valorizao da memria da msica popular urbana do pas, o
programa, sob a direo musical de Pixinguinha, foi transmitido durante cinco anos (1947-
1952), semanalmente, do teatro-auditrio da Rdio Tupi, em audies de 30 minutos, levando
ao pblico interpretaes ao vivo de msicas que marcaram poca nos tempos das serenatas
do Rio Antigo polcas, schottischs, valsas, modinhas, choros em fins do sculo XIX e
incio do XX. A produo musical das primeiras geraes de compositores, cantores e

1
A Fundao Museu da Imagem e do Som tem ampliado os canais de acesso ao pesquisador realizando projetos
de digitalizao do seu acervo e aprimorando a sua base de dados atravs do estabelecimento de parcerias com a
inicativa privada, institutos e organizaes no-governamentais. Esse processo pde ser evidenciado na gesto
do maestro e compositor Edino Krieger, em 2004, onde parte do acervo de partituras da Coleo Rdio Nacional
foi digitalizado atravs de um convnio com a Petrobras. A atual gesto de Rosa Maria Barboza de Arajo
continua dando grande impulso a essa proposta, tendo em vista a disponibilizao do acervo para o grande
pblico na sua futura sede, na praia de Copacabana.
2
instrumentistas populares brasileiros foi reconstruda sob novos parmetros, adaptada a um
novo contexto histrico, executada por msicos veteranos na dcada de 1940, herdeiros dessa
tradio.
At o presente momento a gravao de apenas vinte programas completos foi
disponibilizada atravs da comercializao feita pela Collectors Studios Ltda.
2
As gravaes
de programas de rdio eram feitas pelos patrocinadores para a verificao do nmero de vezes
que o nome do seu produto era dito. Aps a confirmao, era comum que os discos fossem
quebrados, portanto a preservao dessas gravaes um caso raro e surpreendente.
3
No
projeto de digitalizao das fitas de rolo da coleo Jacob do Bandolim realizado em 2010
pelo Instituto Jacob do Bandolim em parceria com a FMIS-RJ, foi possvel localizar 58
gravaes de msicas extradas dos programas, sendo que 12 delas tambm se encontravam
nos fonogramas da Collectors Studios. Privilegiando o contedo musical, Jacob gravava e
editava o programa, raramente incluindo as falas de apresentao de Almirante. A partir desse
referencial sonoro os 20 programas da Collectors somados s gravaes das fitas de rolo de
Jacob do Bandolim que as anlises musicais desta dissertao foram desenvolvidas.
Nos anos 1940 a indstria fonogrfica intensificou a circulao de gneros
estrangeiros como o bolero mexicano, o fox-trot americano e a rumba cubana, provocando
temor entre os cultores das tradies do que parecia ser uma ameaa de descaracterizao da
identidade da autntica msica popular brasileira. Na contra-corrente da tendncia do
mercado, O pessoal da velha guarda teve a inteno de criar um espao de referncia esttica

2
Disponvel em http://collectors.com.br/CS05/cs05_02ah.shtml Acesso em 14 de outubro de 2011. A
COLLECTORS STUDIOS LTDA, uma editora fundada pelo jornalista mineiro Jos Maria Campos Manzo,
que transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1947, e atuou nas rdios Globo, Nacional e Mayrink Veiga como
locutor e redator de notcias. Na dcada de 1960, interessando-se pela idia de fundar uma empresa que se
dedicadsse preservao da memria musical brasileira, passou a colecionar discos de 78 rpm e cpias de
programas de rdio. Em 1977 j havia coletado mais de dois mil discos e cerca de 200 programas. Em 1983 a
Collectors Editora Ltda foi fundada. Aps o seu falecimento, em 1998, a empresa passou a ser gerida pelos
filhos.
3
VIANNA, Luiz Fernando. Rdio MEC relembra srie de Almirante. O Globo. Rio de Janeiro, 20 abr. 1993.
Informao fornecida pelo diretor geral da rdio, Paulo Henrique Cardoso. A matria divulgou a transmisso de
42 programas da srie O pessoal da velha guarda, parte de um projeto promovido pela Rdio MEC AM de
registro e difuso da msica brasileira chamado Cantares Brasileiros.
3
musical valendo-se da credibilidade que seus produtores j haviam alcanado como
profissionais de competncia incontestvel, de forma a combater o que eles qualificavam
como os efeitos nocivos da msica comercial. Almirante havia sido nomeado a mais alta
patente do rdio no perodo em que trabalhou na Rdio Nacional, onde seus programas
atingiram o maior ndice de audincia do pas. Pixinguinha j havia sido consagrado como
flautista excepcional e como um dos arranjadores mais destacados do mercado fonogrfico
nos anos 1930, diretor musical das orquestras das principais gravadoras instaladas no pas,
entre elas a Odeon e a RCA Victor.
Como redator e apresentador do programa, Almirante encontrou diversas formas de
reforar os referenciais estticos musicais da autntica msica popular brasileira. Conduzia
de maneira didtica a ateno dos ouvintes para a identificao de caractersticas brasileiras
na execuo e na composio dos arranjos de Pixinguinha; criticava a forma como certos
cantores no mercado fonogrfico vinham transformando o que ele julgava ser a forma correta
de se interpretar o cancioneiro nacional; fornecia fatos histricos que contextualizavam o
ambiente do Rio Antigo, provocando um sentimento de nostalgia e comoo. A apresentao
do conjunto desses referenciais estticos permitiria ao ouvinte discernir entre o que
representaria a autenticidade na msica popular brasileira refletida nos msicos da velha
guarda e nos seus seguidores e o que representaria o comercialismo da msica de mercado,
refletido na veiculao de estilos e gneros estrangeiros.
O pessoal da velha guarda contava com trs atraes bsicas: a Orquestra do Pessoal
da Velha Guarda, que executava arranjos de Pixinguinha sob sua regncia; a dupla de
Pixinguinha ao sax tenor com o flautista Benedito Lacerda, acompanhados pelo regional de
Benedito, um dos conjuntos mais atuantes na histria da msica popular brasileira; e o Grupo
de Chores, no qual se destacava o bombardino de Raul de Barros, tocando choros e
acompanhando cantores, em modinhas, valsas seresteiras, choros, marchas e sambas
4
interpretadas pelo prprio Almirante, Ademilde Fonseca, Paulo Tapajs, Onssimo Gomes,
Moraes Neto, entre outros.
Embora na poca do programa Almirante no atuasse primordialmente como cantor,
como no incio dos anos 1930 quando fez sucesso como integrante do Bando de Tangars
ao lado de Noel Rosa ou quando atuou ao lado de Carmen Miranda as suas observaes
relacionadas a questes tcnicas e estticas sobre estilo vocal foram feitas com base na sua
vivncia artstica. No incio dos anos 1940, no perodo em que esteve na Rdio Nacional, pelo
menos dois programas produzidos por ele, A cano antiga (1941) e Campeonato de calouros
(1944), demonstram o seu interesse em historicizar o repertrio tradicional da cano popular
brasileira e em definir parmetros estticos para as performances vocais.
A partir da anlise do material do programa O pessoal da velha guarda, incluindo
fonogramas e roteiros, este trabalho busca identificar os elementos que caracterizam um
modelo de referncia esttica na msica popular brasileira, refletidos na escolha do repertrio
e nas performances dos artistas que figuraram no programa O pessoal da velha guarda. A
hiptese que se lana de que a atuao de Almirante no programa O pessoal da velha
guarda contribuiu tanto para a fixao desses padres estticos como para a criao de novos
padres que ainda reverberam no cenrio artstico contemporneo. A segunda hiptese de
que a sua trajetria como produtor radiofnico foi decisiva no processo de historicizao do
passado e na construo da memria da msica popular urbana no Rio de Janeiro.
Busca-se comprovar essas hipteses tendo como base as teorias de memria social de
Jacques Le Goff (1990), Pierre Nora (1981), Moraes (2010) sobre a atuao de Almirante na
construo da memria social brasileira; estudos sobre a recepo de obras de Antoine
Hennion (1997). Foram buscadas referncias em estudos de msica popular como os de
Lenharo (1995) sobre o panorama social e artstico dos anos 1940 e 1950; McCann (2004)
5
sobre o programa O pessoal da velha guarda no contexto da indstria fonogrfica; Saroldi &
Moreira (2005) sobre o panorama radiofnico brasileiro.
Foi possvel localizar partituras de vrias das msicas que figuram no programa em
edies e manuscritos relacionados na Enciclopdia Ilustrada do Choro no Sculo XIX, um
catlogo que realizei em 2004 com o apoio do Programa de Bolsas Rio-Arte que registrou
dados biogrficos e relacionou cerca de 9.000 ttulos de obras impressas e gravadas de 1.300
compositores brasileiros nascidos no sculo XIX. O catlogo foi feito com base na pesquisa
Inventrio do Repertrio do Choro (de 1870 a 1920) realizada por mim em parceria com o
violonista e compositor Mauricio Carrilho em 1999. Esta pesquisa reuniu em um s arquivo
partituras encontradas em acervos pblicos e privados como a Biblioteca Nacional, a coleo
Mozart de Arajo (Centro Cultural Banco do Brasil) e arquivos de msicos.
Acreditamos que este trabalho preencha uma lacuna na bibliografia acadmica ao
dimensionar o papel fundamental desempenhado por Almirante no processo de historicizao
da msica popular urbana, tendo sido assim um dos principais responsveis pela construo
da memria da msica popular no Rio de Janeiro. Poder ainda servir como recurso didtico
para o ensino da histria da msica popular no Rio de Janeiro, enriquecendo o debate sobre
aspectos histricos e estilsticos relacionados msica popular urbana no Rio de Janeiro.
Os seguintes trabalhos acadmicos contribuiram como referenciais tericos na
elaborao desta dissertao: Paulo Arago (2001) UNI-RIO, dissertao Pixinguinha e a
gnese do arranjo musical brasileiro; Pedro Arago (2011) UNI-RIO, tese O Ba do Animal:
Alexandre Gonalves Pinto e o Choro. (1932 1947); Lia Calabre de Azevedo (2002) UFF,
tese No tempo do rdio: radiodifuso e cotidiano no Brasil. 1923 a 1960; Adriana Piccolo
(2006) UFRJ, dissertao O canto popular brasileiro: uma analise acstica e interpretativa
pela pesquisa dos elementos constituintes do fazer musical baseado na esttica da msica
popular brasileira.
6
Como procedimento metodolgico, as seguintes etapas foram realizadas:
Inventariamento do material: consistiu na catalogao dos objetos de estudo para
que fosse possvel visualizar o universo das informaes recolhidas para anlise. Foram
relacionadas as msicas que compem a programao, os gneros, os compositores, a
formao instrumental, os intrpretes, a localizao geogrfica e temporal dos programas, e a
qualidade dos comentrios crticos e musicais feitos por Almirante. A documentao textual
que envolve roteiros de programas, cartas de ouvintes, recortes de jornal foi localizada na
FMIS-RJ a partir de um trabalho de pesquisa realizado por mim, a pedido do Instituto Moreira
Salles/RJ, para o projeto Pixinguinha na Pauta em 2009, coordenado por Bia Paes Leme.
Essas fontes foram catalogadas pela sua tipologia e pelos contedos.
Estudo comparativo do material inventariado para elaborao da anlise
musicolgica: essa etapa consistiu na realizao de um estudo comparativo dos dados
reunidos. A partir da reviso da literatura e com base na audio de gravaes, da anlise de
partituras e de documentos redigidos por Almirante, desenvolveu-se uma anlise crtica de
aspectos interpretativos e estilsticos sobre as performances do repertrio do programa que
contribuiram para identificao da linguagem da msica popular brasileira.
Anlise dos conceitos sociais e histricos relacionados identidade da msica
popular urbana: consistiu em realisar uma anlise crtica dos contedos trazidos por
Almirante na apresentao do programa, incluindo fatos sociais e histricos, comentrios
estticos, com o objetivo de dimensionar a sua contribuio para historicizao do passado e
da construo da memria da msica popular urbana no Rio de Janeiro.
Este estudo foi organizado em trs captulos. O Captulo 1, TRAJETRIA DE
ALMIRANTE, contendo a biografia de Almirante, um panorama histrico do ps-guerra e
informaes sobre a historiografia da msica popular brasileira nesse perodo. O Captulo 2,
ALMIRANTE HISTORIADOR E MEMORIALISTA, contendo uma anlise dos
7
procedimentos utilizados por Almirante para construo da memria e da histria da msica
popular urbana. O Captulo 3, ALMIRANTE ORIENTADOR ESTTICO, contendo uma
anlise da sua contribuio no processo de construo de padres estticos identificados com
a msica popular urbana.
Fecham este trabalho a CONCLUSO, a BIBLIOGRAFIA e os ANEXOS I, II, III e
IV contendo uma tabela com a relao do repertrio de 20 programas O pessoal da velha
guarda lanados pela Collectors Studios Ltda; a transcrio das falas de apresentao de
Almirante em 20 programas O pessoal da velha guarda lanados pela Collectors Studios
Ltda; uma amostragem de roteiros de programas, cartas, recorte de jornal, partituras e fotos;
um CD de adio (mp3) contendo os fonogramas analisados.
8
CAPTULO 1 TRAJETRIA DE ALMIRANTE


O ano de 1940 mal comeara quando o renomado musiclogo brasileiro Renato
Almeida (1895 1981) se dirigia ao radialista e cantor Almirante (1908 1980) em uma carta
onde lhe pedia o esclarecimento de dvidas sobre a msica popular carioca:
Uma coisa que lhe quero perguntar: o que se chama samba de partido alto? E, mais uma
pergunta: o choro tem trs partes, quais so elas? Desculpe essas caceteaes, mas voc uma
das raras pessoas a quem a gente se pode dirigir no Brasil. E um pedido final: voc pode me
mandar aquele sambinha da Penha, que cantou no programa de ontem? E, com os votos de um
felicssimo 1940, lhe mando um abrao muito agradecido e afetuoso.
4
(Cabral, 1990:196; Grifo
meu)

Em uma primeira leitura parece desconcertante que o autor de Histria da msica brasileira
(1926) ignorasse a essa altura o significado e a forma caracterstica de manifestaes musicais
to prprias cultura musical do Rio de Janeiro, ento capital do pas. fcil explicar esse
fato se lembrarmos que nas primeiras dcadas do sculo XX a msica popular urbana
raramente era percebida como objeto de estudos por um grupo de historiadores e musiclogos
brasileiros como Mrio de Andrade (1893 1945), Luiz Heitor Corra de Azevedo (1905
1992), Mariza Lira (1899 1971) e Oneyda Alvarenga (1911 1984), do qual Renato
Almeida fazia parte (Arago, 2011). Um exemplo claro desse fato, conforme observou
Sandroni, o livro de Oneyda Alvarenga, Msica popular brasileira, que mesmo tendo sido
lanado em 1947, dedica apenas 20 de suas 374 pginas msica urbana (Sandroni, 2004).
A categorizao msica popular no Brasil, at a dcada de 1940, foi utilizada para
designar a msica do povo, de tradio folclrica, seguindo uma linha de pensamento de
intelectuais que buscaram estabelecer as bases da identidade da msica nacional, ainda no
sculo XIX. Alguns exemplos so os estudos de folcloristas como Celso de Magalhes (1849
1879), Silvio Romero (1851 1914) e Guilherme de Melo (1867 1932). Tornou-se

4
Carta de Renato Almeida ao Almirante, em 2 de janeiro de 1940.
9
conhecida a expresso popularesca, cunhada por Mrio de Andrade para designar, de forma
pejorativa, a msica popular urbana que considerava efmera pela sua finalidade comercial
e diferenci-la da msica popular baseada na pureza das tradies folclricas, que encerrava
a nacionalidade.
Nos anos 1930, a consolidao da msica popular urbana veiculada atravs do rdio e
do disco fez surgir uma produo historiogrfica margem da academia, feita por msicos,
crticos e jornalistas, que passaram a escrever sobre o passado e o presente da msica popular
urbana com base nas suas memrias individuais, em memrias coletivas e nas suas vivncias
cotidianas em ambientes sociais da cidade onde as manifestaes musicais aconteciam. o
caso dos primeiros livros sobre choro e samba produzidos por Alexandre Gonalves,
Francisco Guimares o Vagalume e Orestes Barbosa (Napolitano & Wasserman, 2000)
(Sandroni, 2004) (Moraes, 2010) (Arago, 2011). Essa produo historiogrfica, no entanto,
s foi reconhecida na segunda metade do sculo XX quando surgiu uma nova gerao de
historiadores e estudiosos preocupados em perpetuar a memria da msica popular urbana
brasileira (Arago, 2011).
A partir do final dos anos 1930 e ao longo da dcada de 1940, percebe-se um
movimento gradual de aproximao da msica popular urbana por parte de musiclogos que
comearam a reconhec-la como objeto de estudos. Em 1937 Mrio de Andrade organizou o
Primeiro Congresso Nacional da Lngua Cantada e escreveu o primeiro ensaio dedicado
musica fonogrfica: A pronncia cantada e o problema do nasal brasileiro atravs dos
discos onde props a adoo de parmetros de emisso vocal muitos deles referenciados
nas entoaes de cantores de msica popular urbana como sugesto para o aprimoramento
esttico do canto lrico brasileiro. Em 1941 a organizao de uma Comisso de Pesquisas
Populares reuniu intelectuais como Luiz Heitor Corra de Azevedo, Mariza Lira, Joaquim
Ribeiro, Brasilio Itiber e Renato Almeida com a inteno de formatar uma equipe que teria
10
como objeto de pesquisas o estudo do folclore urbano. Entre os locais de pesquisa estavam
lugares tpicos do samba carioca, como a Escola de Samba Estao Primeira de Mangueira
(Arago, 2011). Esse encontros marcaram o princpio de uma mudana que estaria por vir nas
dcadas seguintes, quando finalmente estudiosos do folclore e da msica popular urbana
comeariam a se unir em nome da preservao da memria musical do Brasil (Napolitano &
Wasserman, 2000). Um congresso de folclore dos anos 1950 onde Oneyda Alvarenga prope
que se adote a diviso das categorias folclore e popular para distinguir as manifestaes
rurais das manifestaes urbanas embora ainda considerasse que msica folclrica
representasse o carter nacional e msica popular representasse o carter comercial e
cosmopolita da msica brasileira j um reflexo da valorizao da msica popular urbana
como objeto de estudos musicolgicos.
Voltando carta de Renato Almeida ao Almirante, o que salta aos olhos e merece ser
analisado a frase na qual reconhece: voc uma das raras pessoas a quem a gente se pode
dirigir no Brasil. A declarao nos leva a indagar: em uma poca onde a msica popular
urbana ainda no gozava de reconhecimento como um fenmeno de valor cultural e social nos
ambientes acadmicos, como explicar a credibilidade alcanada pelo cantor e radialista
Almirante ao ponto de conquistar a confiana de um musiclogo respeitado como Renato
Almeida, que reconheceria nele uma autoridade cultural?
Na tentativa de responder a essa questo este captulo inicial traz o perfil biogrfico de
Almirante no intuito de demonstrar como a sua trajetria foi construda at se tornar uma
autoridade cultural respeitada por diversos setores da sociedade. A partir disso pretende-se
tambm situar o perodo histrico no qual se inseriu o programa radiofnico O pessoal da
velha guarda produzido por ele na Rdio Tupi entre 1947 e 1952, tendo como base uma
estratgia de ao protecionista em prol da sobrevivncia da msica popular brasileira que, na
viso de um grupo de msicos e produtores, encontrava-se ameaada diante do crescimento
11
da indstria fonogrfica marcada pelo cosmopolitismo. (Veremos nos captulos seguintes
como esse movimento tornou-se o ponto de partida para a construo de novos padres
estticos caractersticos da identidade musical brasileira). Por fim, buscaremos dimensionar
como a ao de Almirante contribuiu para constituio de memria e histria servindo como
referncia para a historiografia da msica popular brasileira nas dcadas seguintes.
1.1) Perfil biogrfico de Almirante
Almirante, cujo verdadeiro nome era Henrique Foreis Domingues, nasceu no subrbio
carioca do Engenho Novo, em 19 de fevereiro de 1908, em uma famlia de classe mdia.
Filho de Eduardo Foreis Domingues (1879 1924) e Maria Jos Foreis (1885 1973), irmo
de Haida (1905 1930), Eduardo (1906 1971) e Guido (1909 1968), passou a primeira
infncia em Juiz de Fora-MG onde o pai trabalhou como comerciante. Mais tarde mudou-se
para Nova Friburgo-RJ, perodo no qual foi alfabetizado e estudou em um colgio alemo.
Em 1919, voltou para o Rio de Janeiro e foi interno no Colgio Salesiano de Santa Rita, em
Niteri, e em seguida no Liceu Rio Branco na Tijuca. Aos 15 anos, vivendo no bairro de Vila
Isabel, trabalhou como caixeiro na Casa Cruz e em escritrios de contabilidade, como forma
de colaborar com a renda familiar afetada pela doena do pai, que acabou falecendo pouco
depois.
Ingressou na Reserva Naval aos 18 anos e j destacando-se pela sua capacidade
retrica, foi eleito o orador da turma. Nessa ocasio recebeu o apelido que o popularizou.
Houve um desfile militar na avenida Rio Branco em homenagem tripulao do hidroavio
Ja que atravessara o Atlntico vindo de Gnova. Por ordem do comandante da corporao, o
cabo Henrique deveria abrir o cortejo ao lado do seu superior. Participou da solenidade em
uniforme impecvel, com tal elegncia que imaginaram ser ele um almirante. Desde ento o
apelido lhe acompanhou por toda vida.
12
1.1.1) O cantor Almirante e o panorama da indstria fonogrfica da msica
popular urbana nas primeiras dcadas do sculo XX
Frequentador das rodas de samba do seu bairro, em Vila Isabel, onde gostava de tocar
pandeiro e cantar, com menos de vinte anos comeou a se destacar, na companhia de Joo de
Barro (o Braguinha) e Noel Rosa, como intrprete de msicas alegres e carnavalescas no
grupo Flor do Tempo, depois Bando de Tangars. O grupo se inspirava fortemente na cultura
musical nordestina, executando um repertrio de emboladas, canes regionais, sambas e
caterets,
5
vestindo roupas tpicas moda dos cangaceiros, com chapus de abas largas e
lenos no pescoo.
6
Nesta poca comps cerca de 40 msicas, entre elas Galo Garniz
(embolada), Mulher exigente (samba), Lataria (marcha) com Joo de Barro, Vida
Marvada (valsa rancheira) com Lcio Azevedo e Na Pavuna (samba) com Homero
Dornelas. Esta ltima obteve grande sucesso no carnaval de 1930 e sua gravao foi
considerada um marco na histria da msica popular brasileira por ter sido o primeiro registro
de uma formao instrumental de percusso composta por cucas, surdos, pandeiros e
tamborins tpica das escolas de samba que comeavam a surgir.
O cenrio da msica popular vinha se desenvolvendo com o crescimento da indstria
do disco que j dera o seu impulso inaugural desde o incio do sculo, com as primeiras
gravaes mecnicas da Casa Edison feitas a partir de 1902, registrando modinhas e lundus
cantadas por figuras como Baiano, Cadete e Eduardo das Neves; polcas, schottischs, tangos,
maxixes, valsas, quadrilhas, hinos e dobrados executados por grandes conjuntos como a
Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e a Banda da Casa Edison, pequenas
orquestras e grupos instrumentais de choro. O samba, ainda com caractersticas do maxixe da

5
Dados recolhidos no folheto de apresentao do grupo Bando de Tangars no Grmio Onze de Junho, por
ocasio do 13 festival ltero-musical realizado no dia 31 de agosto de 1929. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
6
O Bando de Tangars se espelhava no grupo pernambucano Turunas da Mauricia, que chegara ao Rio de
Janeiro em 1927, fazendo grande sucesso, despertando o interesse da gravadora Odeon que lanaria 10 discos
com o conjunto, num total de 20 msicas. Uma delas, a embolada Pinio, de Luperce Miranda, seria a msica
mais cantada no carnaval de 1928 (Cabral, 1996:23). O cantor do grupo, Augusto Calheiros (1891 1956) faria
uma longa carreira no rdio e mais tarde seria homenageado nO pessoal da velha guarda, em 1948, como
convidado especial.
13
Cidade Nova, cultivado nas festas da Penha e nos carnavais, j se delineara na obra de nomes
como Donga, Sinh, Caninha e Careca (Cabral, 1996:14).
Desde a primeira transmisso radiofnica realizada em 1922, ano do centenrio da
Independncia, a indstria do rdio iniciara o seu desenvolvimento com a fundao das
primeiras emissoras. A Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada pelo antroplogo e
escritor Roquette Pinto e pelo cientista Henrique Morize (1923), foi a pioneira, criada com
intuito de veicular uma programao estritamente cultural e educativa, ao gosto das elites. Era
composta por notcias, palestras e audies comentadas da msica erudita. Logo aps vieram
a Rdio Clube do Brasil (1924), Rdio Mayrink Veiga e a Rdio Educadora do Brasil (1926)
7

(Calabre, 2002:119) (Saroldi & Moreira, 2006:19). No incio, os aparelhos de rdio,
chamados rdios de galena, tinham um custo alto. A escuta era indivual e a qualidade da
recepo ruim devido a transmisso de baixa potncia. Segundo Calabre, durante a dcada de
1920 a possibilidade da escuta coletiva por toda famlia ou por todas as pessoas presentes
nos recintos onde estivessem os aparelhos de rdio aumentou o interesse pelo veculo e deu
incio ao processo de popularizao do mesmo. Os que no dispunham do aparelho para
tocar disco puderam ter acesso msica que desejavam. Se o disco teve a funo pioneira de
trabalhar o mercado para a produo musical, o rdio teve a funo de ampliar ainda mais
esse mercado, possibilitando uma notoriedade de dimenso nacional. No final dos anos 1920
a modernizao dos aparelhos, que foram tornando-se mais acessveis, fez com que o rdio
passasse a ocupar um lugar de destaque na casas, invadindo os lares e interferindo na vida
privada (Calabre, 2002:52).

7
No por acaso essas primeiras emissoras incoporaram a classificao de clubes ou educadoras, sendo
mantidas pela contribuio mensal de seus scios ou ouvintes. Embora o rdio tivesse surgido como um veculo
de comunicao privado, ao mesmo tempo era controlado pelo governo, responsvel pela liberao da concesso
para o funcionamento das emissoras. As notcias de carter poltico eram controladas e havia falta de uma
regulamentao clara sobre a veiculao de publicidade o que dificultava a obteno de patrocnios que
viabilisassem a manuteno dos horrios de irradiao (Calabre, 2004).
14
O socilogo francs Antoine Hennion criou o conceito de discomorfose para definir
o fenmeno da transformao da forma de escuta a partir do advento do disco (Hennion,
2000). Segundo este conceito, o registro fonogrfico teria permitido a redefinio da escuta
pela transferncia do som para locais e pocas diferentes das condies de produo original.
No contexto do desenvolvimento do rdio no Brasil, poderamos adaptar o conceito de
Hennion para radiomorfose, buscando compreender como se processou a redefinio da
escuta a partir do advento do rdio, e mais especificamente nos programas histricos
produzidos por Almirante, que buscaram a reconfigurao de um passado musical.
(Voltaremos a esse conceito nos captulos 2 e 3).
Enquanto isso, na indstria do disco, a introduo do sistema eltrico de gravao em
1927 pela gravadora Odeon representou uma grande evoluo tecnolgica,
8
permitindo o
registro de sons jamais ouvidos. Os novos microfones e alto-falantes possibilitaram a
captao e a amplificao de instrumentos de cordas como o bandolim, violo e cavaquinho,
que passaram a figurar tambm como solistas.
9
As vozes de cantores puderam ser emitidas
sem tanto esforo, menos impostadas, abrindo caminho para o surgimento de uma nova
esttica no canto popular brasileiro, mais prxima do registro da fala, na qual Mario Reis seria
apontado como uma das principais referncias vocais do perodo e criador de um novo estilo
(Machado, 2007:22). O samba cultivado no bairro do Estcio de S por msicos e
compositores como Bide, Maral, Nilton Bastos, Ismael Silva e a criao de novos
instrumentos de percusso que passaram a figurar nas escolas de samba, fizeram surgir uma
nova sonoridade caracterstica do gnero. O fenmeno seria analisado por Sandroni (2001)
como o momento onde se estabeleceu um novo paradigma rtmico no samba. Paralelamente, a

8
Srgio Cabral acredita que o sistema eltrico de gravaes pode ter salvado as gravadoras dos EUA de uma
crise provocada pelos avanos tecnolgicos obtidos pelo rdio e que levava o consumidor a optar por este
quando queria ouvir msica. A qualidade de som melhorava e o ouvinte no precisava pagar nada pela audio
de sua cano preferida. Com a adoo do sistema eltrico e com as novas tecnologias surgidas na fabricao de
discos, as gravadoras puderam lanar produtos de melhor qualidade, em grandes quantidades e com preos
competitivos (Cabral, 1996:18)
9
Ver exemplos de gravaes e texto escrito por mim no encarte da coleo de 15 CDs Memrias Musicais
(Biscoito Fino, 2002) referente ao CD Violo, Bandolim e Cavaquinho.
15
chegada do cinema falado em 1929 gerou uma srie de transformaes na sociedade. Msicos
que integravam as pequenas orquestras que acompanhavam o cinema mudo perderam o seu
espao de trabalho e comearam a pleitear junto ao governo uma regulamentao que
garantisse seus direitos enquanto profissionais. Os filmes estrangeiros influenciaram a
incorporao de novos hbitos em diversos setores da sociedade: na forma de vestir, na
incorporao de palavras do ingls e do francs, na venda de discos de foxtrots, one-steps e
shimmys (Cabral, 1996:32).
10
Esses acontecimentos so representativos da crescente
influncia estrangeira que no final da dcada seguinte, j muito ampliada, catalisaria o
movimento de reabilitao da msica popular brasileira promovido por Almirante no
programa O pessoal da velha guarda.
Apesar das crticas de uma parte da intelectualidade que insistia em manter o rdio
como um veculo com fins educativos e divulgador da produo cultural erudita (Calabre,
2002:64), na dcada de 1930 ele se consolidou como o grande veculo de divulgao da
msica popular. O perodo comumente identificado por estudiosos como a Era de Ouro do
rdio, momento no qual um vasto campo de trabalho se abriu, mobilizando toda a cadeia
produtiva da indstria fonogrfica em torno da msica popular. Um fator que contribuiu para
que os programas se intensificassem foi a liberao da irradiao de mensagens publicitrias,
os chamados reclames, permitindo a contratao dos inmeros profissionais envolvidos:
cantores, compositores, msicos, arranjadores, radio-atores, produtores, crticos e jornalistas.
O historiador Bryan McCann aponta esse perodo que situa entre 1930 a 1937 como um
primeiro estgio no caminho de identificao do samba como representante da identidade
nacional. Compositores, crticos, intelectuais e fs comearam a aceitar e at a gostar da
idia de que o samba expressava ou representava a identidade nacional. Muitas interpretaes
do significado dessa expresso ou desse simbolismo coexistiam. Dentre essas a mais

10
Os compositores da msica popular produziram vrias msicas cujas letras retratam as transformaes na
sociedade brasileira a partir da chegada do cinema falado. Alguns exemplos emblemticos so: Cano pra
ingls ver em 1931 (Lamartine Babo), No tem traduo (Noel Rosa) em 1933,
16
importante era a viso de Noel Rosa, de um samba popular, criado atravs dos esforos
comuns do morro e da cidade, integrado por intermdio da ao de malandros e enobrecidos
como arte nacional pelas mos de poetas (McCann, 2004:93).
11

Foi nesse cenrio que a carreira de Almirante como cantor despontou. Aps a
dissoluo do Bando de Tangars, atuou nos palcos ao lado de nomes como Carmen Miranda
e Francisco Alves e chegou a realizar cerca de 200 gravaes entre sambas e marchas
carnavalescas.
12
Em muitas dessas gravaes ouvem-se os arranjos de Pixinguinha, que atuou
ao longo de toda dcada como diretor musical e arranjador da gravadora RCA Victor.
13

Pixinguinha estabeleceria as bases para o surgimento de um estilo brasileiro de orquestrao.
Mas conforme apontou Paulo Arago com base na anlise de seus arranjos, esse estilo
brasileiro tambm comportava elementos oriundos de diversas instncias e nveis
culturais, dentre elas influncias de sabor jazzstico, incorporados da msica estrangeira
(Arago, 2001:72 77, 87, 103, 106).
No rdio, um dos programas que foi considerado um divisor de guas, contribuindo
para a valorizao dos artistas e para criao de um formato mais dinmico foi o Programa
Cas, que fez a sua estreia na Radio Philips, inaugurada em 1931.
14
Percebendo o tino
comercial do pernambucano Ademar Cas, vendedor de aparelhos de rdio Philips, e a sua
capacidade de produo, o diretor da rdio conferiu a ele a incumbncia de organizar um

11
McCann considera a viso de Noel Rosa a mais importante dentre as interpretaes sobre o significado e a
representatividade do samba como identidade nacional mas ainda cita outras interpretaes como a viso que
tornou-se influente entre intelectuais, de que o samba puro uma espcie de essncia nacional imaculada
surgiu a partir de uma forma folclrica, nas favelas do Rio de Janeiro. Acrescenta que, ao mesmo tempo que os
desfiles de carnaval das escolas de samba serviram para reforar e institucionalizar essa percepo, os estdios
de gravao e as emissoras de rdio do Rio de Janeiro estavam abertos para as vrias interpretaes do samba e
do seu vnculo com a brasilidade.
12
Alguns exemplos das mais clebres gravaes do cantor Almirante so: Boneca de piche (Ary Barroso/Luis
Iglsias), Eu vou pra Vila (Noel Rosa), Yes, ns temos bananas e Touradas em Madri (Joo de
Barro/Alberto Ribeiro), Faustina (Gad), O orvalho vem caindo (Noel Rosa/Kid Pepe) e Hino do carnaval
brasileiro (Lamartine Babo).
13
Dois exemplos de gravaes realizadas por Almirante com arranjos de Pixinguinha nesse perodo sAs
marchas Moreninha da praia e Moreninha da Tijuca ou Paquet de Joo de Barro, com acompanhamento do
Grupo da Guarda Velha e Orquestra Diabos do Cu, gravadas por Almirante em 1934, com arranjos de
Pixinguinha so dois exemplos.
14
Para mais informaes sobre a importncia histrica do programa ver documentrio Programa Cas dirigido
por Estevo Ciavatta, distribudo pela Espao Filmes (2009 / 2010).
17
programa. Apesar de s entender da venda de aparelhos, Cas percebeu que duas medidas
seriam fundamentais para o sucesso do projeto: a contratao de artistas com exclusividade,
com o pagamento de bons cachs; e a adoo de um ritmo semelhante ao dos programas
norte-americanos (Cabral, 1996:35). Cabral descreve a dinmica amadora dos primeiros
programas do rdio brasileiro:
No rdio brasileiro, nem o Esplndido Programa preocupava-se com o silncio estabelecido
entre o momento em que o locutor anunciava a apresentao de um cantor e a apresentao
propriamente dita. Preciosos segundos eram consumidos enquanto o cantor se arrumava diante
do microfone, quando no tinha tambm de dedicar mais um tempo para afinar o seu violo
(Cabral, 1996:35).
Cas formou uma equipe de contra-regras, redatores e locutores encarregados de imprimir um
novo ritmo programao. Essa equipe foi composta por nomes que se notabilizaram como
grandes artistas da msica popular brasileira, como Noel Rosa, Orestes Barbosa, Haroldo
Barbosa, Luis Peixoto e Antonio Nssara. O programa mostrou-se um fenmeno no rdio
brasileiro, conseguindo permanecer no ar ao longo de trinta anos durante os quais percorreu
vrias emissoras cariocas.
1.1.2) Almirante produtor radiofnico nos anos 1930
A estreia de Almirante como produtor radiofnico se deu no Programa Cas, em
1934, paralela atividade de cantor.
15
O primeiro contato entre ele e Pixinguinha, que atuava
como diretor de orquestra, se deu no contexto do programa. Foi ali que Almirante teve a idia
de criar o primeiro programa de rdio a usar tcnica de montagem: Curiosidades musicais,
considerado um marco na radiofonia brasileira. A tcnica de montagem consistia na

15
Como amostragem da atuao de Almirante como cantor no ano de 1934, relacionamos alguns ttulos de
gravaes realizadas por ele, registrados na base de dados do acervo do Instituto Moreira Salles-RJ tendo como
fonte de consulta a coleo Humberto Moraes Franceschi: A beno Papai Noel, marcha de Bide e Alberto
Ribeiro, Ai de mim, samba de Bide e Leofontino S. Lins; Ciganinha, marcha de Benedito Lacerda;
Conversa puxa conversa, de Joo dos Santos e Osvaldo Vasques; Criana toma juizo, samba de Benedito
Lacerda e Russo do Pandeiro; Deixa-me beber, marcha de J. G. de Carvalho; Deixa a lua sossegada, marcha
de Alberto Ribeiro e Joo de Barro; Deusa da mata, samba de Carvalho Guimares e Henrique Brito; E o
samba continua, samba de Ary Barroso; A maior descoberta, marcha de Cndido das Neves e Castro
Barbosa; Menina internacional, marcha de Joo de Barro e Alberto Ribeiro; Menina tostadinha, marcha de
Ary Barroso; Morena imperatriz, marcha de Benedito Lacerda; Moreninha da Tijuca ou Paquet, marcha de
Joo de Barro; Mulher nunca fala a verdade, samba de Andr Filho; No sou ioi, marcha de Saint Clair
Sena.
18
apresentao de msicas executadas ao vivo intercaladas com textos redigidos e
cronometrados previamente, uma dinmica inexistente at ento nos programas de rdio. O
novo formato surgiu a partir da necessidade de adequao aos anseios do patrocinador.
Por sua voz poderosa e dico perfeita, aliadas seriedade em seus compromissos em breve
Almirante acumularia as funes de locutor e assistente de Cas no contato com os
patrocinadores ainda arredios. Um deles, comerciante de tecidos estabelecido rua Gonalves
Dias com Assemblia, certo dia ameaou cancelar seus anncios, cansado do esquema vamos
ouvir, acabaram de ouvir do desfile musical de cada domingo. Para no perder o cliente,
Almirante prometeu fazer algo diferente no programa seguinte, desobrigando-o do pagamento
do patrocnio caso no gostasse. Assim nasceu o que pode ser considerado o primeiro
programa produzido ou montado do nosso rdio: Curiosidades musicais. Escolhido o tema,
Almirante desenvolveu durante 15 minutos uma narrativa entremeada de intervenes
musicais, ele mesmo interpretando diversos personagens. O portugus aplaudiu: Aquilo que
programa de rdio! No domingo seguinte passou o patrocnio para 30 minutos. (Saroldi &
Moreira, 2006:38).

O trecho acima apresenta vrias caractersticas da personalidade de Almirante que
foram determinantes para o sucesso da sua carreira como produtor radiofnico: a sua
capacidade retrica para criar estratgias de persuaso, recurso que lanou mo no s para
negociar com os patrocinadores que garantiram a manuteno dos programas no ar, mas
tambm nos discursos dirigidos aos ouvintes, onde buscou persuadi-los a valorizarem padres
estticos caractersticos da identidade nacional (ver mais a esse respeito no captulo 3); o seu
talento criador, capaz de vislumbrar um roteiro atraente que prendesse a ateno do ouvinte,
conduzido a visualizar uma cena, somente a partir do referencial sonoro e que pudesse ser
executado de forma rpida e eficiente, informando, educando e divertindo ao mesmo tempo.
O sucesso de Curiosidades musicais fez com que em 1938 Almirante fosse contratado
pela Rdio Nacional, que j era lder de audincia, tendo sido inaugurada em 1936. Foi o
incio do reconhecimento da sua competncia como produtor radiofnico, quando seu apelido
inspirou a criao do epteto a mais alta patente do rdio. Segundo os autores do livro Rdio
Nacional o Brasil em Sintonia, foi na Rdio Nacional que Almirante desabrochou o seu
talento criador, conforme ele prprio resumiu, anos mais tarde, em depoimento colhido por
Jairo Severiano:
O rdio no tinha programaes organizadas. Mas eu percebia que o rdio podia ter um sentido
novo, atuando como agente cultural. E a, em 1938, eu lancei na Rdio Nacional uma srie de
19
programas com o nome Curiosidades musicais. Era um programa diferente, ningum fazia
aquilo, eu fui o primeiro. Curiosidades musicais focalizava os temas mais diversos Contava
a histria de uma sinfonia, ou de um choro, ou da marchinha carnavalesca J estava no rdio
h dez anos, aparecendo em outra emissora, ganhando cachs. Ento foi que eu e outros
passamos a ser produtores contratados, com melhores remuneraes. Na verdade eu tinha
recebido uma proposta s para cantar. Mas eu fiz uma contraproposta que era simples e
inovadora: em vez de cantar trs vezes por semana, eu propus cantar duas e no terceiro dia
fazer um programa, contando histrias, curiosidades musicais, coisas que eles nunca tinham
visto. Como no dispunha de artistas para cantar, falar, eu fazia sozinho um programa inteiro.
Narrava, cantava, imitava voz de mulher, de criana, de alemo, de francs. Comeava com
uma anedota dentro do tema. Depois entrava no assunto propriamente dito, enfocado de
maneira sria, informando, ensinando (Saroldi & Moreira, 2006:46, 47)

Estando por trs do microfone da emissora de maior potncia do pas, com
abrangncia nacional, Almirante comeou a idealizar a produo de programas educativos e
culturais, ao que se adequava aos ideais do novo governo, interessado em promover um
movimento de integrao nacional. O regime ditatorial do Estado Novo (1937 - 1945) acabara
de ser decretado, com a extino dos partidos polticos e o fechamento do congresso por
Getlio Vargas, a Segunda Guerra Mundial acabara de eclodir, gerando incertezas na poltica
externa.
Uma matria publicada em A Voz do Rdio, em 1936, expressando a opinio do futuro
diretor geral do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), Lourival Fontes, revela como
o governo j percebia o rdio como um instrumento de ao poltico-social:
Dos pases de grande extenso territorial, o Brasil o nico que no tem uma estao de rdio
oficial. Todos os demais tm estaes que cobrem todo o seu territrio. Essas estaes atuam
como elemento de unidade nacional. Uma estao de grande potncia torna o receptor barato e,
portanto, o generaliza []. No podemos desestimar a obra de propaganda e de cultura
realizada pelo rdio e, principalmente, a sua ao extra-escolar; basta dizer que o rdio chega
at onde no chegam a escola e a imprensa, isto , aos pontos mais longnquos do pas e, at,
compreenso do analfabeto (Saroldi & Moreira, 2005:27)
O comentrio nos faz compreender como o formato dos programas de Almirante
atendiam, de certa forma, s expectativas do governo atravs do vis cultural e extra-
escolar. A implantao de uma poltica de controle da informao transmitida pelo rdio e
pela imprensa havia iniciado a partir dos anos 1930. O programa Hora do Brasil, voltado para
a divulgao dos principais acontecimentos do pas, transmitido diariamente por todas as
estaes de rdio durante uma hora, foi um reflexo dessa poltica. Em 1939 o decreto que
fundou o DIP deu ao departamento controle sobre Hora do Brasil e concedeu a ele plenos
20
poderes de censura sobre todo noticirio, gravaes de msica popular e cinema (McCann,
2004:27). Entretanto, no ensaio que dedicou a anlise da contribuio de Almirante para a
histria e a memria da msica popular brasileira, o historiador Vinci de Moraes acredita que
apesar da poltica autoritria do governo, em nenhum momento se percebe interferncia
direta do Estado na produo e veiculao dos programas. A nica meno sobre presso
poltica relatada por Almirante foi o insucesso do Programa das reclamaes, em 1939: com
a chegada do DIP, ningum podia falar mal do governo. O programa fracassou (Moraes,
2010:253).
Em seus programas educativos e culturais Almirante percebeu a importncia de
construir uma relao de confiana com os ouvintes, solicitando-lhes que colaborassem
atravs do envio de informaes sobre os temas abordados. Dessa forma foi estabelecendo
uma via de mo dupla, que fornecia informaes e recebia outras tantas, permitindo gerar
fontes para produo de novos programas. Esse material rendeu uma vasta documentao que
passou a compor o seu arquivo criado desde 1930.
Milhares dessas cartas de cidados brasileiros provenientes de vrias regies alguns
comuns, outros ilustres foram preservadas e at hoje integram o seu arquivo no Museu da
Imagem e do Som-RJ. Srgio Cabral transcreve o trecho de uma audio de Curiosidades
musicais de 1938 que exemplifica a dinmica desse vai-e-vem:
E, agora, ateno ouvintes: acabo de receber um oferecimento para o programa Curiosidades
musicais que me enche de satisfao e me honra de maneira especial. A famlia de Mello
Moraes, o velho cronista e folclorista que melhor escreveu sobre as tradies brasileiras, acaba
de me oferecer todo o material recolhido pelo grande escritor. Dessa maneira, com o concurso
que presta Dona Clorinda de Mello Moraes, tanto eu quanto vocs, ouvintes, estamos de
parabns. Curiosidades musicais ganha com isso uma nova fora e poder impor a todos uma
confiana maior, pela exatido das citaes que eu fizer aqui, colhidas nas obras de Mello
Moraes. (Cabral, 1996:182).
A doao do acervo pela famlia do autor do clssico Festas e tradies populares do
Brasil mais um exemplo que revela o prestgio alcanado pelo radialista junto aos
intelectuais da cultura popular. Merece ateno a forma como Almirante se dirige aos
ouvintes para anunciar que a aquisio do acervo valorizaria o programa pela exatido das
21
citaes que passariam a basear-se nas novas fontes, portadoras do selo de qualidade do
folclorista Mello Moraes.
A busca pela exatido foi outra caracterstica marcante na sua personalidade,
salientada por diversas pessoas que privaram da sua convivncia, como por exemplo o
pesquisador paulista Abel Cardoso Jnior, que por ocasio do seu falecimento destacou em
uma matria: fazia questo da informao exata. Foreis e no Foris. Bando de Tangars e
no Bando dos Tangars;
16
e o jornalista e escritor Edigar de Alencar, que descreveria:
Almirante um fetichista da verdade. Passa semanas revolvendo documentos, consultando
pessoas, na pesquisa de uma data (Moraes, 2010:220). Embora tivesse desenvoltura para
falar de improviso, o seu compromisso com a exatido fez com que optasse por redigir todas
as falas dos seus programas, registradas em roteiros.
A imagem de confiabilidade que Almirante buscou estabelecer junto aos seus ouvintes
foi baseada no compromisso em veicular informaes que para o radialista seriam precisas,
verdadeiras, autnticas, referenciadas em documentos fidedignos ou depoimentos de
pessoas autorizadas. Sentia-se assim capacitado a travar verdadeiras batalhas para fazer
prevalecer a verdade da autoria de msicas como as clebres disputas envolvendo o Luar
do serto e Pelo telefone
17
ou a verdade de onde surgiu o samba, tema da palestra O
samba no nasceu no morro, proferida em 1949 na Escola Nacional de Msica. No programa
O pessoal da velha guarda o conceito de autenticidade ser recorrente, reforado no prefixo
de cada audio: um programa onde aparecero msicas tocadas por um legtimo grupo de
chores e entoadas por autnticos seresteiros (ver mais a esse respeito no captulo 2).

16
Matria escrita por Abel Cardoso Jnior em 30 de dezembro de 1980 para o jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba,
SP, por ocasio do falecimento de Almirante.
17
Almirante sustentava que Catulo da Paixo Cearense no era o autor exclusivo de Luar do serto e que a toada
deveria ser creditada tambm ao violonista Joo Pernambuco. Dizia tambm que Donga no era o autor
exclusivo do famoso samba Pelo telefone, que era sim uma criao coletiva de frequentadores da casa da baiana
Tia Ciata (Cabral, 1996:230, 257).
22
A honra que Almirante menciona sentir ao receber a doao do acervo de Mello
Moraes reflete o quanto considerava importante que a famlia de um intelectual ilustre, que
tratava a cultura popular com rigor cientfico, depositasse nele a confiana para preservar e
divulgar o seu acervo. A escolha em dar nfase ao folclore em seus primeiros programas
como Curiosidades Musicais e mais tarde, em 1940, em programas como Instantneos
Sonoros do Brasil, com arranjos de Radams Gnattali, provavelmente indica o anseio de
Almirante em conferir um status cientfico s suas produes.
Mas ao mesmo tempo que Almirante produzia programas culturais ele tambm faria
programas que pareciam ser moldados para o puro entretenimento. Vinci de Moraes avalia
que foi Almirante quem comeou a operar na prtica a convergncia e associao de duas
tradies de origens aparentemente irreconciliveis na poca: a da pura cultura popular e a
da emergente cultura de massa (Moraes, 2010:252). Em 1938, por exemplo, Almirante
iniciou o Caixa de perguntas, o primeiro programa de auditrio, com a participao dos
ouvintes da plateia, um modelo que se consolidaria posteriormente na TV, em programas
como o de Silvio Santos. Segundo Srgio Cabral, esse estilo de programa no era uma
novidade, pois nos EUA j havia vrios desse tipo. Alm de fazer as perguntas clssicas do
gnero voc sabia?, com o tempo foi introduzindo novidades, como as charadas, os
cmulos (Cabral, 1996:200). Promovia concursos, como o que criou para a escolha da
melhor quadrinha que se adaptasse msica americana Happy birthday, fazendo surgir a
cano de aniversrio cantada at hoje Parabns pra voc,
18
e outro, chamado Concurso de
gaitas de boca. Na dcada seguinte o seu programa que seria apontado como o de maior
popularidade, Incrvel, Fantstico Extraordinrio, tambm reflete essa linha de
entretenimento, desta vez atravs da explorao da temtica do sobrenatural. Elaborava os
roteiros e lanava mo da orquestra e de radioatores para produzir uma atmosfera assustadora

18
A vencedora do concurso em 1942 foi a poetisa Bertha Homem de Mello, paulista de Pindamonhangaba, que
apresentou-se com o pseudnimo de La Magalhes.
23
e misteriosa, construda a partir das cartas de informantes. E mesmo em se tratando do
sobrenatural Almirante tinha a preocupao em oferecer ao ouvinte a garantia de veracidade e
de seriedade no tratamento das estrias, anunciando o envio de uma equipe casa do
informante encarregada de fazer a conferncia dos dados enviados (Cabral,1996:246). Ficou
famosa a frase que formulou como um conceito para os seus auxiliares e colaboradores:
Rdio s divertimento para quem escuta. Para quem o faz trabalho srio.
19
Vinci de
Moraes busca explicar essa dualidade entre a seriedade e o divertimento:
todo esse universo cultural repleto de pureza e autenticidade deveria ser filtrado e comunicado
pelas ondas do rdio de maneira agradvel e simples, sem abrir mo da beleza, organizao e
msicos profissionais de gabarito. O objetivo era alcanar simpatia do ouvinte, ampliar a
audincia e atingir o maior nmero de pessoas possvel (Moraes, 2010:245).
Essa caracterstica dual nas suas produes radiofnicas pode ter motivado parte da
intelectualidade da poca a criticar a sua atuao. A folclorista Mariza Lira mesmo sendo
pioneira na pesquisa do folclore urbano, em obras como a primeira biografia de Chiquinha
Gonzaga e Brasil Sonoro a autora do que parece ter sido uma crtica velada dirigida a
Almirante (Arago, 2011):
O povo ir ter a compreenso do que folclore e talvez se apague essa crena, que os menos
avisados do rdio tem espalhado, que folclore msica popular e que folclorista o artista de
rdio ou colecionador de trovas. O folclore cada vez mais alarga o mbito de suas
investigaes e a msica, o canto e as danas populares so partes deles. (Lira, 1953:17, grifo
por Pedro Arago)
Por outro lado, imaginamos que a veiculao de manifestaes da msica popular
urbana nos programas de Almirante tenha contribudo para instigar o interesse de
musiclogos como Renato Almeida, que seriam levados gradualmente a consider-la como
objeto de pesquisa. Em 1939, em uma audio de Curiosidades musicais, o programa
celebrou o aniversrio de dez anos da Escola de Samba Estao Primeira de Mangueira e
recebeu nos estdios da Nacional o diretor de harmonia Cartola, alm de outros compositores,
integrantes da bateria e um grupo de pastoras (Cabral, 1990:183). O evento aconteceu dois
anos antes da expedio da Comisso de Pesquisas Populares escola.

19
Alencar, Edigar. O Fantstico e Extraordinrio Almirante. Matria publicada em 1981. Nome do jornal no
identificado. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
24
Uma crnica escrita pelo musiclogo Braslio Itiber em 1935, onde descreve a sua
experincia ao presenciar, absolutamente maravilhado, um ensaio no morro, a convite do
meu amigo, o velho Jlio, Mestre de Harmonia da escola revela que ao menos um
encantamento pelas manifestaes de msica popular urbana j existia por parte de
musiclogos. Mariza Lira salientaria a importncia do compositor Cartola no artigo sobre a
expedio da Comisso de Pesquisas Populares. Arago percebe, no entanto, uma
contradio no discurso da Comisso, oscilando entre a aceitao de gneros considerados
puros ou tradicionais e um enfoque extremamente crtico da divulgao destes mesmos
gneros atravs do rdio e do disco (Arago, 2011).
1.1.3) Almirante produtor radiofnico nos anos 1940
A partir do incio dos anos 1940, Almirante foi gradualmente abandonando a profisso
de cantor e passou a dedicar-se exclusivamente a produo de programas de rdio.
Permaneceu na Rdio Nacional que agora aumentaria ainda mais o seu poder sendo
encampada pelo governo at o final de 1941. No incio de 1942 Almirante transferiu seus
programas para Rdio Tupi, que embora no tivesse os ndices de audincia da Nacional, lhe
ofereceria um aumento salarial considervel, passando de 2 contos para 8 mil cruzeiros.
20
A
Rdio Tupi, fundada em 1935, de propriedade de Assis Chateaubriand, foi a primeira rdio
dos Dirios e Emissoras Associados e tornaria-se o maior conglomerado de empresas de
comunicao do pas contando com vinte jornais, cinco revistas, as rdios Tupi do Rio de
Janeiro e de So Paulo; Difusora de So Paulo; Mineira e Guarani, de Belo Horizonte;
Sociedade da Bahia em Salvador; Educadora do Brasil, no Rio de Janeiro; e Farroupilha, em
Porto Alegre (Calabre, 2002:148).
nesse perodo que o Brasil finalmente decidir entrar na Segunda Guerra Mundial
junto s foras Aliadas, apesar da simpatia do presidente Getlio Vargas pelas foras nazistas.

20
Dados inscritos na sua carteira de trabalho. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
25
Desde os anos 1930, a Poltica da Boa Vizinhana criada no governo norte-americano de
Roosevelt vinha promovendo uma aproximao cultural entre EUA e Amrica Latina com a
inteno de ganhar apoio poltico dos pases latino-americanos. No Brasil dos anos 1940 o
reflexo dessa poltica pde ser percebido no cinema e no rdio: na importao de artistas
como Carmen Miranda vestida de baiana; na criao do personagem Z Carioca, o simptico
papagaio que contracenava com Mickey Mouse nos filmes de Walt Disney (a voz de
Almirante est presente como dublador de vrios filmes de Walt Disney como Dumbo,
Pinocchio e Branca de Neve); na produo de sambas com grandes arranjos orquestrais e
letras que exaltavam as belezas tropicais do pas, como o clssico Aquarela do Brasil de
Ary Barroso. Essa estratgia de produo cultural teve a inteno de contribuir para
transmitir para todo mundo uma imagem de um pas prspero. Segundo McCann, esse foi o
segundo estgio para a identificao do samba como identidade nacional. A interpretao
que prevaleceu derivava de uma viso folclrica do morro como a essncia nacional, ligando
essa compreenso a uma celebrao patritica de uma caminhada do pas para um futuro
brilhante, excepcional e racialmente democrtico (McCann, 2010:93).
Durante os dois anos nos quais esteve na Rdio Tupi (1942 e 1943) produzindo
programas como Histria do Rio pela msica e Tribunal de melodias, Almirante no teve a
popularidade e o reconhecimento que almejava alcanar. O fato acabou fazendo com que
retornasse para Rdio Nacional, onde passou a receber o mesmo salrio oferecido pela Tupi.
O seu retorno Rdio Nacional foi muito festejado na imprensa e nos programas. Na audio
que marca o seu retorno, em um programa produzido pelo radialista Jos Mauro, foram lidas
mensagens que demonstravam, mais uma vez, o seu prestgio junto figuras ilustres como
Villa-Lobos e Roquette Pinto (Cabral, 1990:223), e enalteciam o diferencial das suas
produes radiofnicas, marcadas pelo bom gosto musical, pelo combate m msica e
pela capacidade de educar divertindo.
26
Os programas de Almirante no Rdio brasileiro representam, para o sentimento da msica
popular brasileira, a semente do bom gosto para curar os viciados com a m msica (Villa-
Lobos em 14 de maro de 1944 Cabral, 1990:223).
Acompanho o meu amigo Almirante desde os primeiros tempos do aparecimento do Rdio.
Almirante sempre uma surpresa. Soube criar no Rdio do Brasil uma figura interessantssima
de vulgarizador de idias e de fatos. Sem desejar ensinar nada a ningum, vai ensinando tudo a
todo mundo. E, o que melhor: sabe sorrir e comunicar o seu sorriso (Roquette Pinto em 14 de
maro de 1944 Cabral, 1990:223).
Almirante permaneceu na Rdio Nacional a partir desse momento at pouco depois do
perodo que marca o fim do Estado Novo. Seus programas foram deixando de focalizar o
folclore e passaram a abordar, de forma sistemtica, a msica popular urbana, atravs de um
resgate histrico. Entre eles estavam Histria das danas (1944), Histria de orquestras e
msicos (1944), Aquarela do Brasil (1945) e Histria do Rio pela msica (1946). No
programa dedicado s orquestras (do qual trataremos com mais detalhe no captulo 2),
podemos observar o reflexo das mudanas no cenrio artstico. As orquestras que
proliferaram nos anos 1920 e 1930, j estavam em decadncia, conforme Almirante constatou
na apresentao do programa: J h alguns anos que as nossas orquestras no tm tido a
projeo que j tiveram no passado. Passado, alis que no vai muito longe e que se pode
mesmo estabelecer como partindo de dez ou doze anos para trs.
Nos programas desse fase tambm constatamos o seu posicionamento crescente
enquanto orientador esttico, nos quais assumiu a postura de um verdadeiro professor de
escola. Podemos citar como exemplo o Campeonato de calouros, um programa de domingo
voltado para aspirantes carreira de cantor. Produzido em 1944, foi elogiado por se
diferenciar de outros vrios que existiam na poca, como os de Ary Barroso e Hber de
Bscoli, nos quais era comum o candidato ser ridicularizado. Segundo as crticas, o
diferencial desse programa era o tratamento respeitoso dado ao calouro, onde lhe era
permitido aprender com seus erros (Cabral, 1990:225). Abaixo transcrevo, para conhecimento
dos parmetros analisados, um resumo da descrio feita por Srgio Cabral sobre a dinmica
do concurso:
27
Ele dividiu o concurso em trs etapas: na primeira, a comisso julgadora analisava os
parmetros de tessitura, ritmo e volume vocal; na segunda, analisava ouvido (cantar uma
msica nos diferentes tons fornecidos pelo piano), memria musical (repetio de pequena
melodia dada no momento da prova), musicalidade (improvisao de melodia para uma
quadrinha popular fornecida no momento da prova) e fcil adaptao (ajustar a melodia a
letra feita especialmente para ela e tambm fornecida no momento da prova); na terceira,
analisava interpretao e personalidade (com msica popular conhecida) e interpretao a
gosto (com msica popular indita, escolha do candidato), mas receberiam pontos tambm os
quesitos afinao, ritmo, exatido das melodias, dico e pronncia e impresso geral do
candidato (voz, personalidade, etc). A cada programa, o cantor e a cantora de melhor mdia
ganhariam, cada um, 10 mil cruzeiros, alm de um contrato com a Rdio Nacional e com a
Fbrica de Discos Odeon, de um ano de durao.
A partir dessa descrio podemos verificar que o Campeonato de calouros reflete uma
iniciativa pioneira no estabelecimento de parmetros estticos para a prtica e o ensino do
canto popular brasileiro. Uma ao que s comearia a existir na dcada de 1980, no eixo
Rio-So Paulo, a partir do surgimento de coros de msica popular e da busca pelo
aperfeioamento de tcnica vocal por parte dos cantores populares, conforme sugeriu Piccolo
(2006:42,43). Nos quesitos musicalidade e fcil adaptao observamos tambm o incio
de uma tentativa indita de sistematizao dos processos composicionais da cano popular.
Com as mudanas no cenrio poltico o fim do Estado Novo, a queda de Getlio
Vargas e a vitria dos Aliados na Segunda Guerra Mundial o diretor geral da Rdio
Nacional, Gilberto de Andrade, encerrou o seu mandato e foi convidado por Assis
Chateaubriand a assumir a direo geral da Rdio Tupi. Junto com ele levou os principais
produtores radiofnicos da Rdio Nacional: Almirante, Jos Mauro, Paulo Tapajs e Mrio
Faccini. Almirante teve a sua carteira profissional assinada como redator e um aumento
salarial significativo, passando de 8.000 para 20.000 cruzeiros: o salrio mais alto que
recebera at ento. Sem tanta interveno do Estado na economia, o perodo se caracterizou
pela abertura do mercado para a implantao e o desenvolvimento de grandes corporaes
estrangeiras. A atenuao da poltica nacionalista fez tambm com que, no mercado da
msica popular, uma nova gerao de artistas surgisse interessada em cultivar e deixar-se
influenciar pela msica estrangeira. McCann descreve esse cenrio:
No acordar de uma vitria compartilhada na Segunda Guerra Mundial, muitos brasileiros
sentiram uma confiana sem precedentes em relao a sua posio na ordem mundial. Isso era
28
verdade particularmente entre membros da classe mdia que se opunham ao Estado Novo e que
agora podiam usufruir das novas liberdades civis e do aumento das oportunidades econmicas.
A juventude da classe mdia nas metrpoles estava vida para copiar o modelo das atraes da
cultura popular internacional e impaciente com as reprovaes nacionalistas (McCann,
2004:155 traduo minha).
21

Um exemplo desse perfil de artista foi o compositor paulista Augusto Duarte Ribeiro,
que assumiu o nome artstico de Denis Brean e lanou sambas como Boogie Woogie na
Favela na voz de Ciro Monteiro em 1945. Em um arranjo evocando o boogie-woogie das
orquestras de jazz, a letra falava de um samba que chegou da terra do Tio Sam, com
novidade, trazendo uma cadncia maluca pra mexer toda cidade; a nova dana que balana
mas no cansa e que faz parte da poltica-da-boa-vizinhana: uma referncia explcita
incorporao do estilo norte-americano na msica popular. Outro exemplo foi o jovem cantor
Farnsio Dutra que tambm assumiu um nome artstico americano: Dick Farney, e adotou o
estilo de cantar de Bing Crosby. Seu maior sucesso foi a cano Copacabana, de Joo de
Barro, lanada em 1946, em um arranjo orquestral grandioso de Radams Gnattali, ao estilo
das orquestras norte-americanas. Fez tanto sucesso que em breve ele prprio teve o seu f-
clube que o associaria ao de Frank Sinatra, o cantor de maior sucesso nos EUA. Foi chamado
o Sinatra-Farney F Clube, fundado no Rio de Janeiro em 1948.
A deciso do governo do general Eurico Gaspar Dutra de fechar os cassinos em 1946
provocou uma srie de transformaes na cena artstica. Vrios msicos e artistas foram
obrigados a criar alternativas de trabalho ou mesmo desistir de suas carreiras (ver mais a esse
respeito no captulo 2). Para alguns, como Pixinguinha, as dificuldades j haviam comeado
desde o incio dos anos 1940. Tendo sido um dos msicos mais influentes da msica popular
desde os anos 1910, tanto como instrumentista quanto como compositor, aps o perodo de
florescimento da sua carreira como arranjador e diretor musical da RCA Victor, Pixinguinha

21
In the wake of a shared victory in World War II, many Brazilians felt a confidence regarding their role in the
world order that they had not before. This was particularly true among members of the mddle class who had
opposed the Estado Novo and who now enjoyed new civil liberties and increased economic opportunities.
Middle-class metropolitan youth were eager to sample the attractions of international popular culture, and
impatient with nationalist scolds (McCann, 2004:155)
29
foi gradualmente perdendo espao nas produes artsticas. O choro gnero no qual se
destacara como flautista exmio e contribura para sua exposio internacional no incio dos
anos 1920 havia perdido espao para o samba, no seu processo de consolidao como
representante da identidade nacional nos anos 1930. Radams Gnattali passou cada vez mais a
assumir as funes que exercera na gravadora Victor. Com a perda de espao acabou
contraindo muitas dvidas, como o atraso nas prestaes da sua casa. Foi ento que em 1946,
o flautista Benedito Lacerda, lder do conjunto regional mais atuante no rdio e no disco, lhe
props uma soluo para que conseguisse se recuperar: que assumissem, os dois, um acordo
com a Victor para gravao de 25 discos de 78rpm nos quais ele figuraria como o solista e
Pixinguinha teria uma funo de apoio, executando o sax tenor. Embora as msicas fossem de
autoria de Pixinguinha, o registro seria creditado a ambos. Fariam tambm um contrato com a
Vitale, editando todas as msicas que gravassem, e receberiam o pagamento, a ttulo de
adiantamento, pra que Pixinguinha pudesse finalmente quitar as suas dvidas. Pixinguinha
aceitou a proposta e as gravaes na Victor comearam ainda em meados de 1946.
1.2) Surge o programa O pessoal da velha guarda
Poucos meses aps a formao da dupla Pixinguinha e Benedito Lacerda, O pessoal
da velha guarda foi constitudo como um programa de auditrio semanal na Rdio Tupi,
iniciando as audies em maro de 1947. A imprensa divulgou o acontecimento com especial
destaque para o carter de reabilitao da msica popular contido no programa. Uma matria
publicou uma foto de Benedito Lacerda e Pixinguinha, onde os dois apareceram lado a lado
segurando a flauta e o saxofone (ver cpia da matria no Anexo 3 Figura 7). Entre eles, o
microfone da gravadora Victor e os seguintes dizeres na legenda:
Benedito Lacerda e Pixinguinha, expoentes mximos da nossa msica popular. Musicistas e
compositores consagrados. Elementos da velha guarda de chores das serestas cariocas.
Autores de canes popularssimas e de fama internacional: Carinhoso, A Jardineira, Eva
Querida, Brasil, Um a Zero, Sofres porque queres, Seresteiro, Vivo bem, etc. O seu
nmero total no caberia nesta simples legenda. Ambos so exclusivos da Victor e da Rdio
Tupi. Nesta emissora, ao lado de Almirante, os dois esto empenhados numa campanha
magnfica de reabilitao da nossa msica popular. Pessoal da Velha Guarda, assim se
intitula o programa que a G-3 transmite todas as quartas-feiras, s 21 horas. Todos os nmeros
30
apresentados so recebidos entusiasticamente pelo grande auditrio que ali se rene
semanalmente. Al Al, Brasil! Estejam todos a postos para participarem, tambm, do grande
movimento nacional pela independncia da msica popular brasileira.
22
[grifo meu]
interessante observar que os choros instrumentais Um a zero e Sofres porque
queres figuram entre as canes popularssimas citadas na legenda e sequer so destacados
enquanto choros: um reflexo da hegemonia da msica vocal nos anos 1940. O cenrio da
msica popular do perodo se caracterizou pelo cosmopolitismo manifestado pela coexistncia
de vrias tendncias musicais: alm da predominncia do gnero samba-cano cultivado
entre os compositores nacionais, havia as canes estrangeiras de vrias procedncias
(americanas, cubanas, mexicanas, etc), a moda do baio, que levaria Luiz Gonzaga ao
estrelato, alm dos choros de sucesso do cavaquinista Waldir Azevedo, que seriam uma
exceo no gnero, alcanando altos ndices de vendagem.
O movimento nacional pela independncia da msica popular brasileira mencionado
na legenda, foi de fato o que caracterizou a proposta do programa O pessoal da velha guarda.
Almirante considerou que a autonomia da msica popular brasileira estava ameaada diante
desse cenrio musical variado e do avano desenfreado da indstria fonogrfica. O programa
pretendeu resgatar essa autonomia colocando em destaque os artistas herdeiros dos valores
culturais autnticos pois s eles seriam capazes de mostrar para os ouvintes do Brasil o que
de fato caracterizaria a sua identidade musical. Pixinguinha, enquanto diretor musical, foi
colocado como smbolo desta autenticidade, responsvel pela reconfigurao do passado
musical, na interpretao da obra de compositores de fins do sculo XIX at a dcada de 1920
e na apresentao do seu repertrio autoral, tanto como instrumentista quanto como
arranjador.
Como vimos, Almirante j iniciara uma empreitada semelhante, de resgate do passado
musical, em programas como A histria das orquestras e msicos do Rio, pouco depois
ampliado para A histria das orquestras e msicos do Brasil. Lanara nesses programas a

22
Matria sem data e sem o ttulo do jornal. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
31
idia de fazer um dicionrio com informaes biogrficas de msicos e compositores
brasileiros, elaborado a partir do recolhimento de um formulrio preenchido por msicos de
vrias regies do pas (ver mais a respeito no captulo 2). Com o lanamento da proposta de
reabilitao do O pessoal da velha guarda, Almirante continuou recebendo o apoio de
ouvintes que lhe enviaram vasto material biogrfico, sugestes de repertrio e partituras,
buscando contribuir para reconstituio desse passado musical. Citamos abaixo alguns desses
exemplos:
CARTA 1
23

Curitiba, 21 de outubro de 1949
PRG 3 Radio Tupi do Rio de Janeiro para o Sr. Almirante
Cordiais saudaes Ouvindo, h mais ou menos dois meses atrs o seu programa entitulado
A VELHA GUARDA tive o imenso prazer de ouvir a orquestrao feita por Pixinguinha, de
uma polca do muito ilustre conterrneo, Sr. Benedito Nicolau dos Santos, publicada no O
MALHO editada em 1907 e executada pela orquestra do programa da A velha guarda.
Terminada que foi a execuo da polca, V.S. dirigiu um apelo a todos os ouvintes desse
programa, para que lhe fornecessem dados relativos ao autor, em virtude de ser desconhecido.
Assim sendo, com a mxima satisfao que anexo a esta uma ligeira biografia do Sr.
Benedito Nicolau dos Santos, extrada da Antologia Paranaense. O mesmo senhor vivo e
reside nesta capital onde chefe de uma respeitvel famlia. Para maiores esclarecimentos, se
assim V.S. desejar, podero ser obtidos com o poeta Francisco Leite, no Centro Paranaense
dessa metrpole. Aproveito a oportunidade para felicitar V. S. Ppelos belos programas que
fazem a delcia dos ouvintes da PRG 3. Atenciosamente me subscrevo, Jos Cid.
CARTA 2
Ilmo. Snr. Almirante, Saudaes. Ouvinte do seu programa e tendo algumas composies
antigas publicadas pelo ano de 1915, resolvi enviar-lhe as cpias das mesmas, pois muito
desejo ouvi-las na interpretao do Pessoal da Velha Guarda, se que elas so merecedoras
dessa minha pretenso. A valsa Saudades do Tut uma homenagem Vitorino Alves
Netto, tratado na intimidade do seu lar como Tut, tocava violo e cantava admiravelmente,
faleceu em plena mocidade, deixando uma saudade imensa em seus parceiros e amigos. A
valsa triste mas foi muito apreciada e at tocada em banda de msica em Minas Gerais. Sem
mais, agradeo e subscrevo-me. Elenira de Freitas.
CARTA 3
Camet, 24 de maro de 1950
Rdio Tupi Programa O Pessoal da Velha Guarda. Tomo a liberdade de enviar a essa
brilhante emissora uma composio de meu velho pai que j falecido ha 12 anos passados
com a idade de 58 anos, [o pai nasceu em 1880, portanto] para ser executado no programa do
Pessoal da Velha Guarda. Muito prazer tenho de ver includo num programa esse tango. Muito
grato e meus respeitos. Gaspar Melo, musicista. (ver cpia do original desta carta no Anexo 3
Figura 6)

23
As cartas 1, 2, e 3 dos ouvintes Jos Cid, Elenira de Freitas e Gaspar Melo fazem parte do Arquivo Almirante
na FMIS/RJ. A pesquisa que permitiu o acesso a esse material foi realizada por mim, a pedido do Instituto
Moreira Salles/RJ para o projeto Pixinguinha na Pauta em 2009, coordenado por Bia Paes Leme.
32
Uma pergunta importante a ser feita : por que o programa O pessoal da velha guarda
elegeu o repertrio da virada do sculo XIX para o sculo XX como representativo da
identidade nacional? No captulo A inveno da Velha Guarda da msica popular
brasileira,
24
o historiador americano Bryan McCann faz uma anlise detalhada do programa e
avalia que o movimento de resgate caracterizado pelo retorno a um perodo anterior ao
nascimento do samba, representou uma busca histrica por uma msica que no estivesse
contaminada pelas transformaes comerciais e pela modernizao; uma busca por uma
msica que falasse mais claramente de uma poca de ouro do passado. Mas por outro lado,
chama ateno para ambivalncia intrnseca ao movimento, pelo fato de que por trs da busca
pela independncia da msica popular brasileira havia uma relao de dependncia da
Velha Guarda dos recursos fornecidos por empresas multinacionais e pelo dono da Rdio
Tupi o Velho Capito Assis Chateaubriand que lhes oferecia emprego e notoriedade.
McCann considera que o programa marcou o surgimento de uma nova fase para o
choro, fazendo com o que o gnero ganhasse uma projeo nacional que jamais havia
conquistado. O samba j era um gnero popular e profundamente ligado ao sentimento
nacionalista no seu processo de consolidao concomitante ao crescimento do rdio. O choro,
em contrapartida, no gozara dos mesmos benefcios da veiculao em mbito nacional pois o
seu processo de consolidao se dera ainda nas duas primeiras dcadas do sculo XX, em
meio a uma indstria radiofnica incipiente. O diferencial do programa foi a afirmao,
veiculada em mbito nacional, de que o choro encerrava a essncia da nacionalidade
brasileira. McCann acrescenta que, como em todo movimento de reabilitao, no processo de
preservar ostensivamente antigas expresses culturais eles acabaram criando novas
expresses. Elege o dilogo musical entre Pixinguinha e Benedito Lacerda como a expresso
mais representativa das inovaes no programa. A inveno contrapontstica de Pixinguinha

24
McCann, Bryan. Inventing the old guard of Brazilian popular music. In: Hello, Hello Brazil! Popular music in
the making of modern Brazil. Duke University Press, 2004.
33
seria incorporada como um forte elemento estilstico do gnero choro. Seus arranjos para
Orquestra do Pessoal da Velha Guarda um conjunto instrumental com uma formao
inusitada (ver captulo 3) que conferiram novo tratamento para a obra de compositores do
sculo XIX, tambm seria um elemento de inovao. McCann acredita, entretanto, que a
nfase exacerbada na tradio e na preservao das riquezas culturais da nao contribuiu
para limitar o gnero criando, por exemplo, um cnone instantneo em torno das
composies de Pixinguinha. Os futuros cultores do gnero incentivariam o estudo e o
ensaio desse cnone e desencorajariam futuras experimentaes (McCann, 2004:160-180).
(Ver mais a esse respeito no captulo 3).
1.2.1) Repercusso do programa O pessoal da velha guarda
Como poderamos avaliar a repercusso do O pessoal da velha guarda e seus
desdobramentos? Apesar de alguns percalos e interrupes momentneas uma delas em
decorrncia do incndio ocorrido na Rdio Tupi em 1949, chegando a destruir os
instrumentos de msicos e provavelmente os roteiros das audies, o que explicaria a quase
total ausncia de roteiros no acervo da FMIS-RJ
25
o programa conseguiu permanecer no ar
ao longo de sete anos, incluindo a sua transferncia para Rdio Record de So Paulo no
ltimo ano, em 1953, mobilizando uma audincia significativa.
26
Mesmo depois de
terminado, ainda suscitou a produo de turns, festivais, como os ocorridos em So Paulo em
1954 (junto s comemoraes pelos festejos do IV Centenrio da Cidade de So Paulo) e em
1955, gerando ampla cobertura crtica na imprensa; gerou tambm a produo de discos,
como os trs LPs gravados pela Velha Guarda para o selo Sinter em 1955 e 1956. Pixinguinha

25
A fala de Almirante transcrita no roteiro de uma audio em 1949 registra esse momento. Arquivo Almirante,
FMIS-RJ.
26
Segundo estatstica levantada por Bryan McCann nos registros do IBOPE Registros de Audincia de Rdio,
o programa teve em mdia 8% de audincia no Rio de Janeiro. Geralmente colocava o programa em segundo
lugar, atrs de qualquer programa que estivesse sendo irradiado na Rdio Nacional no mesmo horrio. As
irradiaes do O pessoal da velha guarda tambm marcaram registros em enquetes de audincia em outras
cidades como Salvador, raro para um programa do Rio de Janeiro, que no estivesse irradiado pela Rdio
Nacional. Irradiaes ocasionais em So Paulo foram ainda mais populares, vencendo disparado a competio na
cidade (McCann, 2004:269).
34
foi valorizado, teve sua carreira alavancada e sua produo artstica pde ser reintegrada ao
patrimnio cultural do pas.
Na medida em que O pessoal da velha guarda foi ganhando popularidade, em fins dos
anos 1940, gravadoras como a Victor, a Continental e a Odeon investiram em novos
lanamentos de choro, como o Brasileirinho de Waldir Azevedo, o grande sucesso do ano
de 1949. Msicos jovens como Altamiro Carrilho e Jacob do Bandolim que tiveram papel
de destaque no programa em participaes especiais, sendo denominados os novos da Velha
Guarda, por se alinharem esttica do programa tiveram espao nas rdios para assumirem
outros programas tocando choro. O cantor e produtor Paulo Tapajs, que fizera parte do cast
de artistas do O pessoal da velha guarda, dirigiu na Rdio Nacional o programa Instantneos
do Brasil, irradiado em 1950 e 1951 com texto de Mrio Faccini, apresentao de Csar
Ladeira e arranjos de Radams Gnattali apresentando as mesmas intenes de defender as
tradies da msica brasileira contra o que consideravam uma onda de americanizao.
A imagem de Almirante junto a intelectuais continuou a se consolidar como
importante referncia para consulta sobre a msica popular urbana, como revela a carta do
ilustre escritor rico Verssimo em 1950. Para ajudar a criar atmosfera e marcar o tempo no
seu romance O Tempo e o Vento, em plena abertura da Copa do Mundo sediada no Brasil,
rico Verssimo pediu a Almirante informaes sobre o panorama da msica popular das
primeiras dcadas do sculo XX. (ver cpia do original desta carta no Anexo 3 Figura 5)
Porto Alegre, 23 de junho de 1950.

Meu caro Almirante,

Tomo a liberdade de pedir-lhe uma srie de informaes de que estou necessitando
para o segundo volume de meu romance O Tempo e o Vento O Retrato e que cobrir o
perodo entre 1909 e 1945.

a) pode dar-me o nome de algumas msicas de dana mais populares entre 1910 e 1915?
b) E das modinhas, lundus, etc do mesmo perodo?
c) Quais os discos mais populares da famosa Casa Edison, Rio de Janeiro?
d) Quem era o Mrio? Mencionar algumas canes do seu repertrio.
e) Pode fornecer-me a letra da cano O Talento e a Formosura?
f) E a da canoneta cujo estribilho Varre, varre, minha vassourinha?
g) Quando comeou a voga de O Luar do Serto?
35
h) E a da Caraboo?

Como v. compreender, essas coisas danas, canes, etc ajudam a criar
atmosfera e a marcar o tempo.

Como um pobre pagamento por essa sua colaborao estou lhe remetendo um
exemplar do primeiro volume de O Tempo e o Vento com um abrao do f, rico
Verssimo (Cabral, 1990:258, 259).

O conceito protecionista veiculado no O pessoal da velha guarda e em Instantneos
do Brasil no incio dos anos 1950, se alinhou poltica econmica do novo governo de
Getlio Vargas, que buscou garantir a preservao dos recursos naturais da nao em
campanhas como O petrleo nosso, contra a explorao de empresas estrangeiras como a
Shell e a Standard Oil. Entretanto, como veremos mais adiante, no incio dos anos 1950 o
perfil do O pessoal da velha guarda no seria mais o mesmo. Submetido s presses do
patrocinador, o programa passou a apresentar um nmero maior de intervenes de jingles
comerciais, o repertrio passou quase que exclusivamente a atender aos pedidos dos ouvintes
e as falas de apresentao de Almirante foram muito reduzidas.
1.2.2) O trmino do programa O pessoal da velha guarda e os desdobramentos na
carreira de Almirante
O advento da televiso a partir de 1950, fez com que o rdio passasse a ter um forte
concorrente na conquista do espao na mdia. As rdios foram pouco a pouco se desfazendo
de seus casts e orquestras, pois no podiam mais contar com o investimento dos
patrocinadores que transferiam seus investimentos para o novo veculo de comunicao. Aps
encerrar as atividades na Rdio Tupi, Almirante firmou contrato com a Rdio Record em So
Paulo, mas a permanncia duraria pouco menos de dois anos, perodo no qual aconteceram os
dois festivais da Velha Guarda. Em 1955 e 1956 retornou Rdio Nacional e produziu ainda
A nova histria do Rio pela msica e Recolhendo o folclore, um retorno temticas de
programas produzidos no incio dos anos 1940. Segundo Saroldi e Moreira, autores de Rdio
Nacional O Brasil em Sintonia, a essa altura Almirante j estava definitivamente
reconhecido como um dos grandes mentores do registro, pesquisa e propagao da msica
36
popular brasileira. Vrios segmentos da sociedade continuaram lhe manifestando
reconhecimento pela sua atuao no rdio, prestando-lhe homenagens atravs de
condecoraes, trofus e prmios,
27
e convidando-o a participar de conferncias e proferir
palestras que se realizaram em teatros, instituies de ensino, sindicatos e associaes do Rio
de Janeiro e de So Paulo. Segundo seu amigo, o jornalista e escritor Edigar de Alencar, essas
palestras pblicas eram feitas quase sempre de improviso, valendo-se apenas de notas e
apontamentos.
28
Antes de completar 50 anos Almirante teve dois derrames quase seguidos
que lhe afetaram a fala e a memria. Sua esposa, D. Ilka Braga Foreis irm do parceiro Joo
de Barro, com quem se casara em 1934 teve papel fundamental na sua recuperao.
Dedicou-se bravamente a reconstituir a sua memria e a sua capacidade de falar, com
exerccios dirios praticados sob sua vigilncia rigorosa.
29
Quando o primeiro derrame
aconteceu, o casal acabara de adotar uma criana: Alice Maria Tereza Braga Foreis, que em
depoimento sobre a dinmica familiar na sua infncia relatou: aprendi a falar junto com
papai.
30

Apesar de ter sido bem sucedido na sua recuperao, Almirante no teria mais a
confiana para proferir palestras, produzir programas ou mesmo cantar. Nos anos 1960 passou
a dedicar-se organizao do seu arquivo e escrita, assinando colunas no jornal O Dia,
como Incrvel, Fantstico e Extraordinrio, Pingos de folclore e Cantinho das canes. Em
1963 lanou a primeira biografia sobre Noel Rosa e justificou a publicao a fim de evitar que
a imprensa repetisse os mesmos erros e inexatides acerca do notvel cantor, compositor,

27
Trofu Roquette Pinto (SP) em 1953, Os Melhores do Rdio (em SP e no RJ) em 1955 e 1956, Comenda Cruz
de Isabel Redentora, concedida pela Cmara dos Deputados e a Cruzada Tradicionalista Brasileira, concedida
pelo Instituto Histrico e Geogrfica do Cidade do Rio de Janeiro.
28
Alencar, Edigar. O Fantstico e Extraordinrio Almirante. Matria publicada em 1981. Nome do jornal no
identificado. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
29
Ver fita de rolo do Arquivo Jacob do Bandolim. Jacob entrevista Almirante. Acervo do Instituto Jacob do
Bandolim e FMIS-RJ.
30
Entrevista realizada com Alice Foreis por Anna Paes e Bia Paes Leme em 2009 para o projeto Pixinguinha na
pauta, IMS-RJ.
37
poeta e msico [] e que a sua existncia fosse melhor compreendida e admirada
(Almirante, 1963:10).
1.3) Incorporao do Arquivo Almirante ao patrimnio do Estado do
Guananbara e influncia da sua atuao sobre a produo historiogrfica da msica
popular brasileira
Reconhecido como valioso patrimnio cultural, em 1964 o seu arquivo foi adquirido
pelo governo do ento Estado da Guanabara, marcando a criao da FMIS-RJ, onde passou a
trabalhar como funcionrio e curador at a sua morte, em 1980.
31
Contendo cerca de 200 mil
partituras, uma biblioteca de 2.500 volumes, alm de cartas e roteiros de programas, o
Arquivo Almirante permanece sendo, at os dias de hoje, um dos mais importantes centros de
pesquisa e de documentao da msica popular brasileira.
A trajetria pioneira de Almirante pela defesa da cultura popular e da memria
musical brasileira serviu de exemplo para as geraes de historiadores e pesquisadores que
surgiram, dando impulso para o desenvolvimento da historiografia da msica popular
brasileira. Logo aps o trmino do programa O pessoal da velha guarda, Lcio Rangel, um
dos jornalistas que presenciou os festivais da Velha Guarda, fundou em 1954 a Revista da
Msica Popular, uma publicao que ao longo de dois anos reuniu artigos de especialistas da
msica popular, oriundos de diversas vertentes, em nome da preservao dos valores
autnticos da msica brasileira. A publicao da foto de Pixinguinha na capa da primeira
edio representa a consolidao da sua imagem como smbolo de autenticidade, reforada ao
longo do programa O pessoal da velha guarda:
Ao estamparmos na capa do nosso primeiro nmero a foto de Pixinguinha, saudamos nele,
como smbolo, ao autntico msico brasileiro, o criador e verdadeiro que nunca se deixou
influenciar pelas modas efmeras ou pelos ritmos estranhos ao nosso populrio.
Na revista observa-se a unio de diferentes linhas de pensamento sobre a msica
brasileira em nome da sua preservao. A conferncia de Mrio de Andrade sobre Ernesto

31
Curiosamente, Almirante faleceu no dia 22 de dezembro de 1980, exatamente 15 anos aps o dia transferncia
do seu arquivo para a FMIS-RJ, em 15 de dezembro de 1965.
38
Nazareth, realizada na sociedade cultura artstica de So Paulo em 1926; e o artigo de Mariza
Lira sobre as primeiras manifestaes da msica carioca, foram publicadas na mesma edio
32

na qual o jornalista Jota Efeg discorre sobre Noel Rosa, o compositor mais expressivo da
msica carioca e o compositor Ary Barroso homenageia o pianista popular Non, que
acabara de falecer. Lcio Rangel reuniria muitos dos seus artigos no livro Sambistas e
chores, de 1961.
A postura colecionista de Almirante influenciou os principais historigrafos da
msica popular brasileira que atuaram a partir da dcada de 1960, entre eles Edigar de
Alencar (1901 1993), Mozart de Arajo (1904 1988), Lcio Rangel (1914 1979), Ary
Vasconcelos (1926 2003), Jairo Severiano (1927), Jos Ramos Tinhoro (1928) Srgio
Cabral (1937). Todos esses citados acima dedicaram-se construo de seus acervos
particulares, conscientes da sua contribuio para o legado iniciado por Almirante em busca
da preservao da memria musical brasileira. Aos poucos esses acervos vem sendo
incorporados a instituies que vem disponibilizando esse vasto material para o pblico. o
caso do acervo Mozart Arajo que encontra-se no Centro Cultural Banco do Brasil-RJ e do
acervo Jos Ramos Tinhoro, incorporado ao Centro Petrobras de Referncia da Msica
Brasileira do Instituto Moreira Salles-RJ.
No captulo a seguir faremos uma anlise mais detalhada sobre os procedimentos que
Almirante utilizou para realizao do movimento de resgate da histria e da memria da
msica popular brasileira no programa O pessoal da velha guarda.

32
Revista da Msica Popular. Edio n 3 em dezembro de 1954. Coleo completa em fac-simile. Funarte,
2006.
39
CAPTULO 2 ALMIRANTE HISTORIADOR E MEMORIALISTA

Este captulo tem como objetivo analisar as maneiras pelas quais as aes de
Almirante no programa radiofnico O pessoal da velha guarda contriburam para construo
da histria e da memria da msica popular urbana. Para tanto, consideramos essencial
destacarmos, primeiramente, algumas de suas aes em programas anteriores, onde j
possvel observar o incio desse processo.
Como foi exposto no captulo anterior, a partir da dcada de 1940, Almirante passou a
se dedicar de forma mais sistemtica produo de programas de cunho histrico. A maior
incluso de programas com esse perfil se alinhava ao interesse da Rdio Nacional, como
porta-voz da poltica do governo, em promover um movimento de integrao nacional, em
instigar o sentimento de patriotismo nos ouvintes e fortalecer a representatividade da nao no
cenrio internacional.
2.1) Antecedentes do O pessoal da velha guarda: o programa A histria das
orquestras e msicos do Rio e A histria das orquestras e msicos do Brasil
O programa A histria das orquestras e msicos
33
transmitido na Rdio Nacional
entre 1944 e 1946, e na Rdio Tupi at 1947 funcionou como uma espcie de embrio do
programa O pessoal da velha guarda. Com a presena de uma orquestra exclusiva, conjuntos
regionais, radioatores, cantores, coro, orquestrao e regncia de maestros destacados como
Lrio Panicalli e Lo Peracchi, o programa merece ateno especial como objeto de anlise
pois nele comeava a se delinear o conceito de preservao da memria e de resgate histrico
da msica popular urbana, que estaria presente, pouco tempo depois, no O pessoal da velha

33
O programa de rdio em questo inaugurado com o ttulo A histria das orquestras e msicos do Rio e mais
tarde, quando amplia a sua abrangncia, passa a se chamar A histria das orquestras e msicos do Brasil.
40
guarda. Isso pode ser observado a partir da transcrio das palavras de Almirante na abertura
do programa:
Finalmente, ouvintes aqui estou eu com o novo programa que, como vocs j sabem, chama-se
A HISTRIA DAS ORQUESTRAS E MSICOS DO RIO. Sei que muitos estaro
estranhando este ttulo, de certo por no acreditarem na existncia de assunto para tais
programas. E h bastante razo para essa estranheza; que, j h alguns anos que as nossas
orquestras no tm tido a projeo que j tiveram no passado, passado, alis que no vai muito
longe e que se pode mesmo estabelecer como partindo de 10 ou 12 anos para trs. provvel
que os ouvintes mais jovens mal saibam os nomes de orquestras brasileiras que j foram muito
populares entre ns, especialmente aqui no Rio; mas estou certo de que a maioria dos
sintonisadores deste programa conhecer perfeitamente os nomes de orquestras famosas como
ANDREOZZI, MARIA LUIZA, PICKMAN, NAPOLEO TAVARES, Maestro PERRONE,
EDUARDO SOUTO, J. THOMAZ, CARLOS RODRIGUES, e tantos outros. O rdio j tem
tido programas sobre seus artistas e sobre compositores, nunca, porm, sobre os msicos, isto
, os instrumentistas ou as orquestras que eles formaram. No entanto, amigos ouvintes, a eles
msicos e maestros que ns devemos em grande parte a preservao de nossa tradio
musical. Porque at h bem poucos anos a profisso de msico era positivamente uma
profisso de sacrifcio e s mesmo indivduos abnegados, artistas de positivo desprendimento
pelos proventos materiais, que persistiam em conservar como profisso a arte musical que at
hoje (que eu saiba), nunca enriqueceu ningum no Brasil. Quero pois, ouvintes, abrir este meu
programa com uma salva de palmas aos msicos de todo o Brasil. (Almirante, 1944)
34


A existncia do programa foi justificada pela perda de projeo das orquestras e pela falta de
valorizao do profissional da msica. O comentrio, antes de mais nada, demonstra uma
atitude de reverncia e respeito ao msico brasileiro, conferindo-lhe o crdito pela
preservao da tradies musicais da nao e exaltando a sua coragem em persistir na
profisso, apesar das dificuldades materiais, quadro que j se instalara no mercado musical
dos anos 1940. A seguir relacionamos alguns dos nomes de clebres msicos contemporneos
ou falecidos, alm de orquestras em atividade ou extintas nos anos 1940, que figuraram no
programa:
35

Em 1944:
Romeu Silva e a Jazz Band Sul Americano
Pixinguinha e o Grupo da Guarda Velha
Augusto Calheiros e os Turunas da Mauricia
Louro e o Grupo do Louro
Benedito Lacerda e conjunto regional
Severino Arajo e Orquestra Tabajara
Pixinguinha e os 8 Batutas
Joo Pernambuco
Fon-Fon Orquestra
Jos Francisco de Freitas

34
Roteiro do programa A histria das orquestras e msicos do Rio. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
35
Documento encontrado no Arquivo Almirante, na FMIS-RJ, intitulado A histria das orquestras e msicos do
Rio, contendo uma relao de msicos e orquestras que figuraram no programa, agrupados pelo ano de
irradiao.

41
Jazz Band Freitas
Carioca e a Orquestra All Stars
Sandoval e a Orquestra All Stars
Luiz Gonzaga
Ratinho e Jararaca e os Turunas Pernambucanos
Garoto
Dante Santoro

Em 1945:
Marcelo Tupinamb
Radams Gnattali
Augusto Vasseur e Orquestra do Couraado So Paulo
Patpio Silva
Simo Bountman e Orquestra Copacabana
Lo Peracchi
Lrio Panicalli
Nelson Ferreira
Ernesto Nazareth
Rogrio Guimares
Donga
Henrique Vogeler
Joaquim Callado
Sinh
Gad
Anacleto de Medeiros e a Banda do Corpo de Bombeiros
Milton Calazans
Carlos Gomes
Zumba

Em 1946:
Luperce Miranda
Chiquinha Gonzaga
Francisco Manoel da Silva
Flor de Botafogo
Jacob Bittencourt
Careca (Lus Nunes Sampaio)
Aurlio Cavalcanti
Henrique Brito
Noel Rosa
Pe. Jos Mauricio Nunes Garcia
Henrique Brito
Noel Rosa

Percebe-se que Almirante no se preocupou em manter uma nica linha de estilo nem
de poca, abrangendo no mesmo ano, compositores to dspares como o Padre Jos Mauricio
Nunes Garcia (1767 1830) e Noel Rosa (1910 1937) ou conjuntos como a Banda do
Corpo de Bombeiros de Anacleto de Medeiros, constituda em 1896, e a Orquestra
Copacabana de Simo Bountman, formada no incio da dcada de 1930. O programa tambm
contemplou msicos totalmente desconhecidos do grande pblico, que enviavam cartas
rdio, contendo suas biografias. Um exemplo o programa dedicado a Alda Pereira da
42
Fonseca, compositora e pianista carioca nascida em 1882.
36
Por vezes Almirante tinha a
inteno de dedicar um programa a um compositor famoso cujos dados biogrficos eram
insuficientes. Nesse caso ia ao microfone para solicitar ajuda aos ouvintes.
[] Pode ser que algum de vocs possa me ajudar. Aos que me puderem dizer alguma coisa
sobre qualquer dos nomes que vou citar peo, desde j, que me procurem aqui na Rdio Tupi.
[...] Por menos importante que parea a vocs, o que souberem sobre esses msicos, no
deixem de me contar.
37
(Almirante, 1947)

Em 1947, ano de transferncia de Almirante da Rdio Nacional para a Rdio Tupi,
durante alguns meses, ambos os programas A histria das orquestras e msicos do Brasil e
O pessoal da velha guarda figuraram na programao semanal. A histria das orquestras e
msicos do Brasil era irradiado s teras-feiras, s 21h30 e O pessoal da velha guarda s
quartas-feiras, s 21h00.
2.1.1) O projeto Dicionrio de msicos e compositores brasileiros
No programa A histria das orquestras e msicos do Rio, no ano de 1946, Almirante
lanou o projeto Dicionrio de msicos e compositores brasileiros. Na abertura de uma
audio dedicada ao compositor Freire Jnior,
38
ele se dirigiu aos ouvintes, no que parece ser a
segunda meno ao projeto:
De incio quero agradecer aos meus amigos as amveis impresses que enviaram sobre o que
anunciei na semana passada a respeito do DICIONRIO DE MSICOS E COMPOSITORES
BRASILEIROS. Quero pedir aos msicos de todo o Brasil que compreendam o alcance dessa
iniciativa. Bastar que se lembrem que tal Dicionrio ser de enorme utilidade no s no Brasil
como no exterior. Cada vez mais o Brasil, cada vez mais a msica brasileira vai interessando o
mundo. Consequentemente em todos os pontos onde ela chegar haver curiosidade em torno
dos msicos e compositores do Brasil. Essa uma das utilidades do Dicionrio que eu e Cesar
de Barros Barreto estamos organizando. Ateno, portanto, msicos de todo o Brasil msicos
de toda a espcie: de Bandas, de Conjuntos, de Jazz, de Orquestras sinfnicas e outras:
mandem seu endereo afim de lhe enviarmos um formulrio que esclarecer sobre os dados
biogrficos que interessaro ao DICIONRIO DE MSICOS E COMPOSITORES.
(Almirante, 1946)
39


Observa-se que uma das preocupaes de Almirante nessa iniciativa foi contribuir para
qualificar a msica brasileira como um produto de exportao. Lamentavelmente Almirante

36
Carta biogrfica da compositora Alda Pereira da Fonseca, encontrada no Arquivo Almirante FMIS-RJ.
37
Roteiro do programa A histria das orquestras e msicos do Rio, na Rdio Tupi, em 8 de abril de 1947.
Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
38
Roteiro do programa A histria das orquestras e msicos do Rio, em 7 de maio de 1946. Arquivo Almirante,
FMIS-RJ.
39
Roteiro do programa A histria das orquestras e msicos do Rio. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
43
nunca realizou o sonho de publicar o dicionrio, apesar de ter recebido algumas promessas de
patrocnio, uma delas, muito mais tarde, na dcada de 1960, pelo Ministrio da Educao. No
entanto, a existncia do projeto nos anos 1940, mobilizou centenas de msicos de vrios
cantos do Brasil que lhe enviaram cartas e se dispuseram a preencher o formulrio com dados
para composio de suas biografias. O conjunto dos documentos para elaborao do
dicionrio, que at hoje integra o Arquivo Almirante, representa um riqussimo repositrio de
informao sobre a memria musical brasileira. Vrias dessas cartas serviram como matria-
prima para elaborao de programas produzidos por Almirante. Muitas delas, entretanto,
permanecem intactas, como um tesouro a ser desvendado por futuros pesquisadores, contendo
dados exclusivos sobre a herana musical brasileira.
A seguir, transcrevo a carta-formulrio, enviada por Almirante aos msicos e
compositores.
Carta-formulrio para o Dicionrio de msicos e compositores brasileiros

Apresentao:
Rio de Janeiro, Maio de 1946.

Presado Am.
Estamos reunindo elementos para a publicao de uma obra que se chamar
DICIONRIO DE MSICOS E COMPOSITORES BRASILEIROS nos moldes de vrias
obras estrangeiras, tais como: THE NEW ENCYCLOPEDIA OF MUSIC AND
MUSICIANS, THE INTERNATIONAL ENCYCLOPEDIA OF MUSIC AND
MUSICIANS, DIZIONARIO DEI MUSICISTI, ENCYCLOPEDIA DE LA MUSICA,
LA HISTORIA DEL TANGO, OS MSICOS PORTUGUESES, etc.
Pode-se afirmar que todos os grandes pases possuem livros do gnero; s o Brasil
no. Estamos certos, portanto, de que um dicionrio assim, alm de preencher sensvel lacuna,
ser de grande utilidade para a divulgao dos nomes e obras dos nossos msicos e dos nossos
compositores, especialmente os da atualidade, pois viria ao encontro das necessidades de
inmeras organizaes (editores, sociedades musicais, estaes de rdio, musiclogos,
historiadores, jornalistas) daqui e de todo mundo, que constantemente buscam informes sobre
os mesmos.
Nesse dicionrio devero figurar os nomes de MSICOS DE TODA CLASSE: de
jazz, de conjuntos, de bandas, de orquestras sinfnicas e outras, sejam pistonistas, flautistas,
violinistas, bateristas, etc.; professores, crticos (musiclogos), concertistas e orquestradores.
Devero figurar tambm COMPOSITORES DE QUALQUER ESPCIE, tanto do gnero srio
como do popular, quer saibam msica ou no.
As informaes necessrias para a composio da biografia de cada figurante no
DICIONRIO, so as que constam do formulrio que se encontra no verso e que lhe pedimos
remeter em PAPEL PARTE. As respostas devem ser enviadas para ALMIRANTE
RDIO NACIONAL, PRAA MAU, 7 RIO DE JANEIRO at 31 de julho de 1946.
Como o Am. compreender, tratando-se de obra que exigir intensos esforos, pois
depender de pacientes pesquisas para a reunio de dados esparsos em livros, jornais e revistas,
no nos ser possvel voltar a procur-lo para pedir-lhe a remessa dos dados sobre sua pessoa.
Estamos certos, porm, de que o Am. procurar ajudar-nos nessa iniciativa cujo valor
44
certamente h de avaliar, respondendo o formulrio at o prazo que tomamos a liberdade de
prefixar, isto , 31 de julho do corrente ano.
Outrossim, como seria impossvel conseguirmos o nome e o endereo de todos
aqueles que devero figurar no DICIONRIO DE MSICOS E COMPOSITORES
BRASILEIROS, pedimos ao Am. O obsquio de aps remeter os dados a seu respeito
entregar esta carta-formulrio a um seu conhecido msico ou compositor que, por sua vez,
depois de respond-la, dever pass-la adiante, e assim sucessivamente.
Agradecendo previamente sua preciosa colaborao, muito atenciosamente nos
firmamos.
Assinaturas: ALMIRANTE e CESAR DE BARROS BARRETO.
40


Formulrio para o Dicionrio de msicos e compositores brasileiros

1) NOME VERDADEIRO (por extenso).
2) NOME ADOTADO ou PSEUDNIMO.
3) NATURALIDADE:
a) Data de nascimento.
b) Rua, Cidade, Estado, ou Pas si for brasileiro naturalisado.
4) RESIDNCIA:
a) Residiu sempre em sua cidade natal?
b) Citar outros lugares onde tenha residido ou por onde tenha viajado.
c) Local onde reside atualmente.
5) FILIAO:
a) Pai.
b) Me.
c) Conheciam ou conhecem msica? Tocavam ou tocam algum instrumento?
6) IRMOS OU IRMS:
(Citar somente os que sabiam ou sabem msica, tocavam ou tocam algum instrumento,
enviando dados sobre os mesmos ou, si possvel, respondendo por eles ao questionrio
completo).
7) GRAU DE INSTRUO:
(Tendo curso superior, citar escolas frequentadas).
8) MSICA:
a) Onde estudou? (Citar professor ou escola). Poder fornecer dados sobre seu
professor?
b) Possui prmios ou diplomas?
9) COMPOSITOR:
a) Quais as obras mais significativas? Datas.
b) Tendncias harmnicas, de estilo ou de forma.
c) Tem obras impressas? Em que editora?
d) Suas peas tem sido executadas no exterior?
10) INTRPRETE ou EXECUTANTE:
a) De que instrumento?
b) Deu concertos? Onde? Quando?
c) Fez tournes? Onde? Quando?
d) Formou algum grupo instrumental?
e) Fez parte de alguma orquestra ou grupo?
11) REGENTE:
a) Que orquestras ou conjuntos dirigiu ou dirige?
12) PROFESSOR:
a) De que instrumento? Ou de canto?
b) Segue alguma escola ou sistema?
c) Onde leciona?

40
Almirante certamente encontrou no jornalista, redator, novelista e produtor Cesar de Barros Barreto (1907
1953) a figura ideal para empreender um projeto de tamanha envergadura. Tendo uma slida formao cultural,
estudou na Europa, tornou-se poliglota e no retorno ao Brasil ocupou lugar de destaque nas rdios cariocas como
chefe de redao. Trabalhador incansvel, veio a falecer precocemente aos 46 anos de idade, vtima de
problemas cardacos. Em sua homenagem a Revista Radiolndia criou o Prmio Barros Barreto, que premiou os
melhores da televiso carioca, que dava os seus primeiros passos.
45
d) Fundou ou dirigiu alguma escola?
e) Escreveu obras didticas? Publicou? Revisou obras de outros autores?
13) CRTICO:
a) Onde tem publicado seus trabalhos?
14) DE QUE MODO CONTRIBUIU OU CONTRIBUI ATUALMENTE PARA O
DESENVOLVIMENTO MUSICAL DO PAS?
15) QUAIS OS ACONTECIMENTOS DE SUA VIDA, QUE ACHA DE INTERESSE PARA
O DICIONRIO DE MSICOS E COMPOSITORES BRASILEIROS?
Observao em destaque: RESPONDA EM OUTRO PAPEL, SE POSSVEL MQUINA,
FAZENDO REFERNCIA AOS NMEROS E S LETRAS DE CADA PERGUNTA.

Observao em destaque na pgina ao lado: Aps enviar seus dados biogrficos, no esquea
de passar esta carta para algum amigo compositor ou msico afim de que ele tambm
responda o formulrio. Depois, tambm ele a passar adiante, e assim sucessivamente.
(Almirante, 1946)
41



A carta-formulrio demonstra o pioneirismo de Almirante na iniciativa de elaborar um
inventrio reunindo dados sobre a vida e a obra de msicos e compositores brasileiros. Reflete
uma atitude empreendedora de elevar o status da msica brasileira atravs da produo de um
livro de referncia nos moldes de livros de pases do primeiro mundo, citando como exemplo
livros americanos e europeus. Mostra a sua conscincia ao compreender que um livro nesses
moldes contribuiria para mobilizar toda a cadeia de produo musical, abrangendo alm dos
prprios msicos e compositores, populares e eruditos estes, classificados, nas palavras de
Almirante, como do gnero srio editoras, sociedades musicais, estaes de rdio,
historiadores, jornalistas, crticos e musiclogos. Um fato curioso, entretanto, observar a
ausncia de perguntas sobre registros fonogrficos, embora o formulrio pergunte sobre obras
impressas.
O pedido explcito para que os dados fossem remetidos em papel parte para que
a carta-formulrio pudesse ser passada adiante a algum amigo, compositor ou msico, a fim
de que ele tambm pudesse responder e passar adiante, sucessivamente demonstra uma
estratgia de produo perspicaz, capaz de multiplicar o nmero de colaboradores na criao
de uma rede autogestora.

41
Documento pertencente ao Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
46
Como foi mencionado no captulo anterior, a produo dos programas de rdio na
dcada de 1940 fez com que Almirante conquistasse o reconhecimento, a admirao e o
apreo de intelectuais, escritores, folcloristas, musiclogos e compositores de renome como
rico Verssimo, Lus da Cmara Cascudo, Renato de Almeida e Villa-Lobos, que no
cansaram de lhe render homenagens, e vez por outra usufruram do contato com ele
estabelecido para o esclarecimento de dvidas de assuntos pontuais.
Na carta a seguir encontramos o depoimento do folclorista Luiz da Cmara Cascudo
relatando a emoo causada a partir do impacto da audio de uma das irradiaes do
programa A histria das orquestras e msicos dedicado ao flautista Patpio Silva, no seu
ambiente familar. O relato um exemplo de como a iniciativa de ressuscitar personalidades
marcantes da histria musical do pas desencadeou memrias individuais e coletivas em
sentimentos de nostalgia, compartilhados entre geraes. Cascudo enaltece a capacidade
retrica de Almirante, conferindo-lhe o mrito pela criao de programas inteligentes, livres
dos vcios da exibio cultural. Observa-se aqui como os programas histricos de Almirante,
anteriores ao O pessoal da velha guarda, j eram encarados como um refgio de ouvintes que
estavam em desacordo com as novas tendncias da indstria fonogrfica.
Meu pai era um devoto de Patpio Silva, possuindo todos os discos do flautista
maravilhoso. Menino, quantas vezes ouvi, espalhadas no ar pela bocarra enorme do gramofone
reluzente, as sonoridades inesquecveis, a renda melodiosa que se tecia na amplido pela flauta
mgica, a nica e verdadeira que tivemos.
Ontem, com meu filho e minha mulher, acompanhei a evocao dessa figura
desaparecida. E, magia musical de Patpio, reunia-se o encanto do seu grande evocador, a
oportunidade verbal, a emoo clara. Todos os valores da inteligncia, ressuscitando o flautista
que fora a minha surpresa de menino. Meu filho, doente, com a perna gessada, imvel, reatou,
no tempo, a mesma admirao que aquecera o av e o pai. Ficou saudoso do grande Patpio,
comentando-lhe a vida, repetindo compassos de sua execuo assombrosa.
Muito dessa fora evocadora voc, criador de programas inteligentes, limpos dos vcios da
exibio cultural e dos pecados antigramaticais, justos, ntidos, esplndidos da verve e do
brilho. (Cabral, 1990:229)

Uma carta do escritor pernambucano Mrio Sette comenta um dos programas da
histria das orquestras e msicos do Rio, dedicados ao pianista Aurlio Cavalcanti cujas
valsas estiveram presentes a tantos momentos sentimentais de minha vida de adolescente
47
(Cabral, 1990:244). As valsas de Aurlio Cavalcanti tambm figurariam mais tarde em O
pessoal da velha guarda.
O mote da saudade foi levado adiante por Almirante transformando-se na tnica do
programa O pessoal da velha guarda. Serviu como uma ferramenta importante no
empreendimento do seu projeto de resgate histrico e de presevao da memria e dos valores
estticos da msica popular brasileira. Ao evoc-la na recordao do repertrio antigo e na
associao desse repertrio lembrana de fatos histricos importantes para a sociedade
brasileira Almirante encontrou um caminho para sensibilizar os ouvintes de todo o Brasil
para valorizao daquela que considerou ser a legtima msica popular brasileira. Buscou
desenvolver neles a capacidade de reconhecer padres de identidade esttica portadoras de
autenticidade, e de militar contra qualquer manifestao cultural que representasse o
corrompimento desses padres.
O argumento que Almirante utilizou para conferir legitimidade ao contedo do
programa foi o resgate e a construo, em boa parte, de um passado musical original, que
remontava ao perodo de formao da msica popular brasileira. A fundamentao desse
argumento se baseou na documentao do seu arquivo, associada a autoridade do testemunho
dos componentes da Velha Guarda e dos ouvintes colaboradores. Segundo o conceito do
historiador francs Pierre Nora, poderamos classificar esses depoentes como homens-
memria,
42
que ao trazerem suas lembranas tona estariam estimulando o reencontro com
o pertencimento, princpio e o segredo da identidade (Nora, 1981:18).
2.2) O programa O pessoal da velha guarda na Rdio Tupi
Uma crtica do jornalista F. Silveira, publicada no Correio da Manh, em 1947 ano
de estreia do programa O pessoal da velha guarda representa uma das vozes de um grupo
de defensores da autntica msica popular brasileira, atuante em meados da dcada de

42
Nos seus estudos sobre a memria, Pierre Nora utilizou o termo homens-memria para definir as memrias
de homens particulares que passam a ser necessrias quando os rituais tradicionais deixam de ser vividos
coletivamente (Nora, 1981).
48
1940, diante da presena crescente de gneros de msica estrangeira (bolero, swing, conga,
rumba),
43
que ganhavam cada vez mais espao na indstria fonogrfica do ps-guerra
(Severiano e Mello, 1997).
O rdio feito para o povo e, por isso mesmo resulta estranho que a nossa msica popular
genuna, com seus caracteres prprios, esteja quase desaparecendo das transmisses brasileiras.
Na Amrica do Norte, a era em que o rdio atinge o seu mximo de expanso coincide com a
crescente popularidade do jazz. Entre ns diversamente, o progresso tcnico e material do
rdio asfixia a musicalidade espontnea do povo. E ao mesmo tempo ns nos tornamos
suscetveis aos influxos do jazz, yankee, a ponto de muita melodia brasileira aparecer
harmonizada e orquestrada segundo seus moldes tcnicos []. (Silveira, 1947)

Como foi exposto no Captulo 1, O pessoal da velha guarda surgiu como uma reao
s transformaes do cenrio da indstria da msica popular do perodo, caracterizado pelo
cosmopolitismo, encarado por Almirante como uma ameaa, que acabaria por degenar os
valores autnticos da msica popular brasileira. O programa buscou, como antdoto, promover
na sociedade um movimento de reabilitao, oferecendo ao ouvinte uma programao
veiculada como portadora da legtima identidade da msica popular brasileira, focada nas
msicas dos tempos das serenatas do Rio Antigo, em fins do sculo XIX e incio do XX
perodo anterior s transformaes comerciais na indstria fonogrfica executadas por
msicos autorizados por serem herdeiros dessa linguagem musical.
No comentrio de abertura de uma das primeiras audies, Almirante explicitou esse
objetivo e convocou os ouvintes a exaltarem a msica da prpria terra antes de admirarem a
msica de outros pases:
Vocs de certo, j perceberam o propsito brasileirssimo destas audies, mas no ser demais
repetirmos que estes programas ho de ser sempre como um osis a que podero recorrer
aqueles que apreciam nossas msicas de ontem e de hoje. com verdadeira tristeza que vemos
cada vez mais aumentar o desinteresse pelas msicas de nossa terra, enquanto cresce a
macaqueao que faz alarde de suas referncias pelos ritmos estrangeiros. No h nesta nossa
atitude, nestes programas, simplesmente esprito de patriotismo, no. H tambm esprito de
justia, pois ningum poder negar que haja no populrio musical do Brasil maior riqueza do

43
Canes como I cried for you (Arthur Freed, Gus Arnheim e Abe Lymann), Time after time (Jule Styne e
Sammy Cahn), Adios Pampa Mia (Francisco Canaro, Mariano Mores e Ivo Pelay), In Acapulco e The more
I see you (Harry Warren e Mack Gordon), Ballerina (Bob Russel e Carl Sigman), The Gipsy (Billy Reid),
Lo que tiene de ser (Ren Touzet), Malaguea (Elpdio Ramirez e Pedro Galindo), Managua Nicaragua
(Irving Fields e Albert Gamse), La ultima noche (Bobby Collazo), so alguns dos sucessos estrangeiros dos
anos de 1946 e 1947. (Severiano e Mello, 1997).
49
que de muitas outras terras. Admiremos a msica dos outros pases, mas antes amemos e
exaltemos a msica de nossa terra. (Almirante, 1947)
44


Irradiado semanalmente do teatro-auditrio da Rdio Tupi, em interpretaes ao vivo,
ao longo de cinco anos (1947 1952), O pessoal da velha guarda pretendeu resgatar o olhar
patritico dos ouvintes para uma frao da produo musical do pas sensibilizando-os por
meio de audies que provocavam sentimentos de saudade e nostalgia revivendo os
sucessos musicais das primeiras geraes de compositores, cantores e instrumentistas
populares brasileiros
45
e valorizando msicos veteranos na dcada de 1940, herdeiros dessa
tradio sendo Pixinguinha o expoente maior dessa gerao.
Com durao de 30 minutos, o programa contava com a participao de trs conjuntos
diferentes que se revezavam, cada um responsvel, em mdia, por pelo menos dois nmeros
musicais. A Orquestra do O pessoal da velha guarda executava arranjos de Pixinguinha sob
sua regncia. O Grupo dos Chores, no qual se destacava o bombardino de Raul de Barros,
tocava choros e acompanhava cantores convidados, como Ademilde Fonseca, Paulo Tapajs,
Alcides Gerardi, Onssimo Gomes, o prprio Almirante, entre outros. Pixinguinha com seu
saxofone formava a dupla com o flautista Benedito Lacerda frente do regional de Benedito,
um dos mais clebres conjuntos da histria da msica popular brasileira, composto por Dino 7
Cordas (Horondino Silva), o violonista Meira (Jayme Thomas Florncio), o cavaquinista
Canhoto (Waldiro Frederico Tramontano), Glson no pandeiro e Pedro da Conceio na
percusso. Em alguns programas o piano figurava como solista, executado por Lauro Arajo e
Ernani Filho.

44
Todas as citaes de falas de Almirante no programa O pessoal da velha guarda provm das seguintes fontes:
1) Roteiros do programa que se encontram no Arquivo Almirante, na FMIS-RJ. Sero identificados como
(Almirante, data).
2) Fonogramas da Collector's Studios Ltda. que reeditou 20 programas dirigidos e apresentados por Almirante.
Sero identificados como (Almirante, data+letra).
3) Fonogramas que se encontram em fitas de rolo pertencentes ao Arquivo Jacob do Bandolim, na FMIS-RJ.
Sero identificados como (Almirante, data Arquivo Jacob do Bandolim).
45
Nos referimos a compositores, cantores e instrumentistas populares brasileiros nascidos na segunda metade do
sculo XIX, a maior parte deles atuante na cidade do Rio de Janeiro.
50
A seguir v-se uma transcrio do roteiro do prefixo do programa, executado pela
Orquestra e pelo Grupo dos Chores a cada nova audio. (Ver cpia do roteiro original do
prefixo do programa no Anexo 3 Figura 2; Ouvir CD, faixa 21 Anexo 4). Com cerca de
dois minutos e meio de durao, o prefixo era uma colagem de pequenos trechos de msicas
representativas do repertrio popular brasileiro de vrias pocas, entrecortados pela voz do
locutor que anunciava o contedo e o propsito do programa, dando destaque para a
legitimidade e autenticidade das execues, alm do comando pela mais alta patente do
rdio.
TRANSCRIO DO PREFIXO DO PROGRAMA n 4
46

Data: 9 de abril de 1947
O PESSOAL DA VELHA GUARDA

ORQUESTRA RITMO DE SAMBA DO PARTIDO ALTO CRESCENDO, PARANDO
BRUSCO:
LOCUTOR - (No silncio rpido) O Sabonete de Reuter apresenta:
ORQUESTRA FRASE GRANDIOSA DE ACORDA, ABRE A JANELA, ESTELA:
LOCUTOR - (Sobre a msica) O pessoal da velha guarda
ORQUESTRA - Yra, SCHOTTISCH, EM FORMA DANANTE:
LOCUTOR (Sobre a msica) Um programa para oferecer msicas do Brasil de ontem e de
hoje, em arranjos especiais de Pixinguinha para a Orquestra exclusiva dO pessoal da velha
guarda...
ORQUESTRA ATRAENTE, POLKA, EM FORMA GRANDIOSA, COM LONGA
FERMATA:
LOCUTOR (Sobre a msica) Polkas, schottischs, valsas, modinhas, choros
47
... enfim, as
msicas tradicionais das serenatas, aqui aparecero, tocadas tambm por um legtimo GRUPO
DE CHORES, formado de bombardinos, flautas, violes, saxofones, cavaquinhos... e
entoadas por autnticos seresteiros...
CHORES
CANTO - Pudesse esta paixo E os ais de um corao
Na dor cristalizar, Em prolas congelar
LOCUTOR (Sobre os dois versos finais) Tambm aqui vocs tero a flauta de Benedito
Lacerda em dilogos harmnicos com o trfego saxofone de Pixinguinha...
CHORES
SAXOFONE UM A ZERO, CHORO; 2 COMPASSOS INICIAIS E 2 FINAIS:
LOCUTOR (Sobre a msica) Tudo isso, ouvintes, comandado pela mais alta patente do
Rdio...
ORQUESTRA NA PAVUNA - LIGADO IMEDIATAMENTE VALSA CLLIA:
LOCUTOR (Sobre a msica) TEXTO N 1.
ORQUESTRA CRESCE E FINALIZA GRANDIOSAMENTE:
(Almirante, 1947)

O primeiro trecho uma introduo executada pela orquestra, composta
exclusivamente para o programa estando a melodia entregue aos sopros nos primeiros oito

46
Transcrio de roteiro de programa feita a partir de uma pesquisa realizada por mim no Arquivo Almirante da
Fundao Museu da Imagem e do Som-RJ em 2009, pelo Instituto Moreira Salles.-RJ.
47
Mais adiante, no captulo 3, trataremos da caracterizao de gneros musicais que figuraram no programa.
51
compassos, passando para as cordas, que logo se unem aos sopros ao longo dos oito
compassos seguintes, com base de percusso em ritmo classificado no roteiro como samba
do partido alto.
48
A ateno dos ouvintes chamada atravs do recurso de utilizao do ritmo
brasileiro de maior aceitao popular desde os anos 1930, e que mais caracteriza a identidade
da msica popular brasileira do momento. Uma parada brusca d destaque empresa que
oferece o programa.
49
Os trechos subsequentes criam uma atmosfera de viagem musical ao
passado, do samba ao repertrio cannico de compositores nascidos na segunda metade do
sculo XIX. O ttulo do programa O pessoal da velha guarda dito sobre o trecho musical,
Acorda, abre a janela, Estela, de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, um samba lanado
no final da dcada anterior, sucesso de 1939, em frase grandiosa. Sobre o trecho musical da
schottisch Yara um clssico do maestro fundador da Banda do Corpo de Bombeiros do
Rio de Janeiro, Anacleto de Medeiros (1866-1907) com destaque para forma danante na
execuo da orquestra, o propsito e a direo musical do programa so apresentados: um
programa para oferecer msicas do Brasil de ontem e de hoje, em arranjos especiais de
Pixinguinha para a Orquestra exclusiva do O pessoal da velha guarda. Em seguida, sobre a
polca Atraente um clssico da maestrina Chiquinha Gonzaga (1847 1935) ressaltando
a forma grandiosa na execuo da orquestra, e aps a longa fermata, os gneros musicais
que figuram no programa so apresentados: polcas, schottischs, valsas, modinhas, choros...
enfim, as msicas tradicionais das serenatas, com destaque para a instrumentao, alm da

48
A definio do ritmo no roteiro de samba de partido alto, entretanto no devemos tomar o o ritmo
caractersitco de samba de partido alto dos dias de hoje como referncia. Para os ouvidos de hoje, o ritmo que se
escuta se assemelha a uma batida bsica de samba.
49
A tradicional empresa americana de perfumes e sabonetes Lanman & Kemp-Barclay & Co., Inc., instalada em
Nova York desde 1808, foi a primeira a patrocinar o programa, mas no permaneceu por mais que seis meses. A
partir de outubro de 1947, se destacaram as rdios Tupi e Tamoio como apresentadores (no momento da parada
brusca), e os patrocinadores nacionais, Vinhos nico e Champagne Mnaco, foram mencionados no final do
prefixo e no final do programa. O destaque apresentao do patrocinador feita na parte inicial do prefixo foi
retomado com os patrocnios do suplemento vitamnico Iofoscal (1948), cachaa pernambucana Chica Boa
(1949), Elixir de Inhame Goulart (1950), todos trs, produtos nacionais. De 1950 a 1952, a empresa inglesa,
responsvel pelo Sal de Fruta ENO, passou a impor um novo formato ao programa, exigindo meno mais
frequente sua marca. Alm de ser mencionada mais vezes, a marca do patrocinador passou a entrecortar os
nmeros musicais com jingles e concursos entre os ouvintes.
52
legitimidade e autenticidade dos executantes: tocadas tambm por um legtimo GRUPO DE
CHORES, formado de bombardinos, flautas, violes, saxofones, cavaquinhos... e entoadas
por autnticos seresteiros. A palavra seresteiros a chamada para a voz plangente que
canta os quatro primeiros versos da cano Pudesse esta paixo tambm de Chiquinha
Gonzaga com acompanhamento do Grupo dos Chores. Sobre os dois versos finais o
locutor apresenta a dupla Pixinguinha e Benedito Lacerda: a flauta de Benedito Lacerda em
dilogos harmnicos com o trfego saxofone de Pixinguinha, destacando a forma de
execuo em contraponto do saxofone, e como ilustrao musical, Pixinguinha e Benedito
tocam um trecho do choro 1 x 0 de Pixinguinha: os dois compassos iniciais e os dois finais,
com acompanhamento do regional. A orquestra ataca logo em seguida, tocando um intervalo
de 4 Justa, que cumpre uma dupla funo: a de caracterizar as duas primeiras notas do samba
Na Pavuna de autoria de Almirante em parceria com Homero Dornellas (1901 1990),
um clssico do repertrio de Almirante, da poca em que integrou o grupo Bando de Tangars
e a de introduzir a primeira nota longa da valsa Cllia, do trompetista Luiz de Souza e
Catulo da Paixo Cearense outro cnone do repertrio seresteiro retomando a ambientao
nostlgica dos tempos das serenatas do Rio Antigo na apresentao do comando da mais alta
patente do rdio, finalizando, portanto, com o credenciamento da direo de produo do
programa.
A transcrio a seguir mostra o roteiro redigido por Almirante contendo o repertrio
da quarta audio do programa, em abril de 1947 (ver cpia do original de um roteiro
semelhante no Anexo 3 Figura 1).
53
TRANSCRIO DO ROTEIRO DO PROGRAMA n 4
Data: 9 de abril de 1947

1 ORQUESTRA CARACTERSTICA DE ABERTURA.
2 CORO FEMININO CANTIGA DE RODA. Ataca forte; cai em fundo.
3 CANTO
CHORES - ROSA, valsa.
4 ORQUESTRA JUBILEU, dobrado. Ataca forte; cai em fundo.
5 ORQUESTRA OS BOHEMIOS, tango.
6 VIOLES BAIXARIA PROLONGADA. Ataca forte; cai em fundo.
7 BENEDITO PIXINGUINHA
REGIONAL EVOCAO, choro.
8 CHORES Dayna, polka. Ataca forte; cai em fundo.
9 CANTO
CHORES OS OLHOS DELA, schottisch.
10 FLAUTA
REGIONAL - CORTA-JACA (O Gacho), tango. Ataca forte; cai em fundo.
11 ORQUESTRA RITMO DE PASO DOBLE Do ltimo tempo do 6 compasso.
12 ORQUESTRA FRASE DO GUARANY. Do dueto.
13 ORQUESTRA - LA MATTCHITCHE Do 14 compasso ao 22.
14 CANTO
REGIONAL - LA MATTCHITCHE.
15 ORQUESTRA - LA MATTCHITCHE Do 14 compasso ao 22.
16 ORQUESTRA - LA MATTCHITCHE. Todo o arranjo.
17 ORQUESTRA CARACTERSTICA PARA FINALISAR.
(Almirante, 1947)

Os nmeros 3, 5, 7, 9, 14 e 16, em negrito, indicam as peas executadas. Nesta
audio foram trs peas cantadas com o acompanhamento pelo Grupo dos Chores: a valsa
Rosa, de Pixinguinha, a schottisch Os olhos dela, de Irineu de Almeida, oficleidista e
trombonista, professor de Pixinguinha, e o paso-doble La Mattchitche, do compositor
francs Charles Borel-Clerc. Pela orquestra foram executadas duas peas: o tango Os
Bomios de Anacleto de Medeiros e novamente o paso-doble La Mattchitche, desta vez
em verso instrumental. O choro Evocao, do pianista gacho Rubens Leal Brito, a nica
pea executada pela dupla Pixinguinha e Benedito Lacerda, representando, ao lado da valsa
Rosa, a vertente de repertrio de compositor contemporneo. Os nmeros 2, 4, 6, 8 e 10,
que precedem os nmeros musicais, contendo a observao Ataca forte; cai em fundo, so
indicaes de vinhetas, pequenos trechos de peas escolhidas como pano de fundo da fala de
apresentao de Almirante de cada msica executada. Observa-se, na incluso dessas
vinhetas, uma estratgia perspicaz para capturar a ateno do ouvinte, preenchendo os espaos
54
em branco entre uma msica e outra e fornecendo contedo informativo capaz de instigar a
sua sensibilidade atravs da associao de um trecho musical condizente.
A estrutura detalhista e caprichosa do roteiro demonstra a extraordinria capacidade
de organizao e planejamento de Almirante, presente desde o incio de sua carreira como
produtor radiofnico, conforme foi exposto no Captulo 1.
2.3) A expresso velha guarda
Na inaugurao da srie, em 19 de maro de 1947, com sua tradicional saudao
Boa noite ouvintes de todo o Brasil Almirante explicou o novo ttulo de seu programa:
Sei que muitos de vocs andaram fazendo conjecturas sobre o que poderia eu vir a apresentar
com esse ttulo. uma coisa muito simples: a expresso velha guarda que , pode-se dizer,
tradicional, no Brasil, indica imediatamente que aqui sero tratadas coisas dos tempos
passados. lgico. A expresso, porm, tem uma origem curiosa: ela v-se logo a
inverso de um nome que foi muito popular nesta cidade h muitos e muitos anos: Guarda
Velha. Guarda Velha foi o antigo nome da atual rua Treze de Maio. Antigamente, aquela rua
vinha at a esquina da rua de So Jos. E justamente ali, na esquina, onde hoje existe um
refgio triangular onde os passageiros da Tijuca tm um ponto de nibus, havia um quartel,
instalado no tempo da Bobadela. Era o quartel onde ficava a guarda encarregada de manter a
ordem entre os escravos e gals que iam buscar gua no famoso chafariz da Carioca, que era
defronte. Aquele quartel se chamava Guarda Velha. Com o tempo, o ttulo foi se invertendo,
passando a designar coisas do passado. E, curiosamente, foi-se chegando aos assuntos
musicais, especialmente queles que tratavam da nossa msica popular e dos seus intrpretes,
cantores ou instrumentistas. (Almirante, 1947)

A origem da expresso velha guarda e a associao ao nome guarda velha foi
objeto de discusso de diversos pesquisadores. Alguns historiadores chegaram a afirmar ter
sido Almirante o responsvel por cunhar a expresso por ocasio do programa, certamente
devido forma como a sua figura ficou marcada liderana do movimento em prol da
recuperao da memria da msica popular urbana do pas nos anos 1940. (Bessa, 2005:154,
155). Mas como podemos observar no roteiro de inaugurao da srie, a expresso velha
guarda j era tradicional no Brasil na poca do programa, utilizada para designar coisas dos
tempos passados, tendo sua origem, segundo Almirante, na inverso do nome Guarda
Velha, que era muito popular na cidade. Nas inmeras referncias velha guarda presentes
no livro de memrias O choro reminiscncias dos chores antigos, do carteiro e choro
Alexandre Gonalves Pinto, publicado em 1936, podemos constatar essa tradio. A
popularidade do nome Guarda Velha na cidade do Rio de Janeiro tambm pode ser verificada:
55
Humberto Moraes Franceschi (2002:158,159) e Jos Ramos Tinhoro (2005,160-165)
mencionam um ponto de diverso popular nas ltimas dcadas do sculo XIX, o Caf
Cantante Jardim da Guarda Velha, teatrinho situado no vasto terreno arborizado do largo da
Carioca, curiosamente localizado nas imediaes do quartel mencionado no roteiro de
Almirante.
O nome Guarda Velha j havia sido usado por Pixinguinha para batizar uma das
orquestras que constituiu em fins de 1931 para atuar na execuo de seus arranjos para
gravadora Victor. Em 1944, na Rdio Nacional, Almirante dedicou uma das audies do
programa A histria das orquestras e msicos do Rio a essa orquestra o Grupo da Guarda
Velha aproveitando para fazer uma breve retrospectiva da carreira artstica de Pixinguinha
desde a sua viagem Europa como integrante dos Oito Batutas, no incio dos anos 1920, at a
sua contratao como diretor artstico da gravadora Victor em 1929. No roteiro desse
programa, alm da referncia ao quartel situado Rua Treze de Maio, Almirante forneceu
outras referncias ao nome: informou que nas primeiras dcadas do sculo XX, Guarda
Velha era o nome de uma cerveja preta, daquelas chamadas marca barbante, que se
vendiam a 400 ris a garrafa e cujas rolhas saltavam quando se arrebentava o barbante que as
prendia. Antes ainda, Guarda Velha tinha sido um nome de um famoso bar existente na Rua
Senador Dantas.
50

No mesmo roteiro de novembro de 1944, Almirante esclareceu que o nome Guarda
Velha foi aplicado orquestra de Pixinguinha porque todos os seus componentes eram
homens maduros, experimentados, gente da antiga, da velha guarda. De fato, a iniciativa
para criao do grupo partiu, alm de Pixinguinha, dos veteranos Donga (1890-1974) e Joo
da Baiana (1887-1974). O repertrio do Grupo da Guarda Velha era composto por marchas,
sambas carnavalescos como O teu cabelo no nega (Irmos Valena e Lamartine Babo),

50
Roteiro do programa A histria das orquestras e msicos do Rio, 21 de novembro de 1944. Arquivo
Almirante, FMIS-RJ.
56
Ride palhao e Linda morena (ambas de Lamartine Babo); e msicas de sabor africano
classificados por Almirante como msica tpica (sambas da Bahia, sambas de partido-alto
como Patro prenda seu gado; msicas de tradio religiosa afro-brasileira, como Qu-qu
r qu qu, Ganga, ambas de de Donga, Pixinguinha e Joo da Baiana) executadas com
uma formao instrumental de percusso jamais utilizada em orquestras at ento, que inclua
alm da bateria e do pandeiro, instrumentos como o omel, a cabaa e o prato-e-faca.
Procurando a origem do nome velha guarda no programa O pessoal da velha guarda
o pesquisador americano Bryan McCann tambm faz referncia ao Grupo da Guarda Velha
nos anos 1930. Na sua viso, no final dos anos 1920 e ao longo da dcada de 1930
Pixinguinha estava atento para a transio que estava a caminho, com a perda de espao do
choro para o samba. Acredita que o Grupo da Guarda Velha, nos anos 1930, tenha sido uma
verso remodelada dos Oito Batutas nos anos 1920, pois na comparao entre o estilo de
choro executado pelos dois grupos, sua avaliao de que no h grande diferena. O nome
dado ao Grupo da Guarda Velha, na sua opinio, mostra que Pixinguinha estava consciente do
fato de que a msica que o celebrizou nos anos 1920, estava agora fora de moda, e que aos 34
anos de idade ele era considerado antiquado. Complementa que o nome Guarda Velha estava
mais de acordo com os companheiros veteranos Donga e Joo da Baiana, cerca de dez anos
mais velhos que Pixinguinha. Sua concluso para a origem do batismo do programa que,
cerca de quinze anos mais tarde, Almirante ressuscitaria o nome do Grupo da Guarda Velha,
com uma ligeira variao, transformando-o no smbolo de um movimento de reabilitao da
msica popular brasileira (McCann, 2004:166).
Consideramos que a avaliao de McCann, para quem quase inexiste a diferena de
estilo entre os dois grupos, seja um julgamento superficial que talvez se justifique pela
dificuldade em perceber sutilezas caractersticas de uma linguagem musical que no lhe
nativa. Nos registros fonogrficos dos Oito Batutas em 1923, o grupo privilegiou a gravao
57
de maxixes, que diferem completamente das marchas, sambas e msicas de sabor africano do
Grupo da Guarda Velha (Ouvir CD, faixas 22 e 23 Anexo 4). Embora McCann diga que
Almirante teve conhecimento da existncia do Grupo da Guarda Velha, sua afirmao de que
no h registro da reao de Almirante ao grupo revela que sua pesquisa na documentao da
FMIS-RJ no alcanou os roteiros do programa A histria das orquestras e msicos do Rio.
Parece-nos que o nome Guarda Velha para o grupo de Pixinguinha nos anos 1930 est
condizente com o repertrio tpico para utilizar o termo empregado por Almirante
executado por gente da antiga, ou seja, msicos herdeiros de tradies passadas de gerao
em gerao, o que no significa dizer fora de moda, ou antiquado. Na sua dissertao de
mestrado, Pixinguinha e a gnese do arranjo musical brasileiro (1929 1935), Paulo
Arago argumenta justamente o contrrio, ressaltando as importantes inovaes trazidas pelo
grupo, refletidas nos arranjos de Pixinguinha:

[...] interessante ressaltar que a Guarda Velha misturava em sua prpria concepo elementos
de tradio e de modernidade, refletidos diretamente na sonoridade e nos arranjos do grupo.
[...] o apego ao passado no parecia uma proposta purista, que fizesse excluir da sonoridade do
grupo elementos de modernidade e elementos ostensivamente hbridos. A presena da bateria
em alguns arranjos, por si s, parece demonstrar isso. Alm disso importantssimas inovaes
foram introduzidas por Pixinguinha justamente em arranjos da Guarda Velha. [...] Talvez a
mais marcante dessas inovaes tenha sido a utilizao de modulaes nos arranjos de canes,
algo que contribuiu no apenas com um alargamento das possibilidades de estruturao
harmnica na msica popular brasileira como tambm acabou por interferir em outros
parmetros, como a estrutura formal utilizada at ento. (Arago, 2001:86)

Um fato inegvel a maneira como a expresso velha guarda se fixou na sociedade
aps o trmino do programa, at mesmo dificultando as referncias feitas guarda velha.
Em uma carta de Almirante de junho de 1964 (no ano da transferncia do seu arquivo a
FMIS-RJ), cronista Lasinha Luis Carlos, encontramos Almirante na qualidade de
pesquisador meticuloso, chamando a ateno da cronista para uma pequena correo que
precisava ser feita no texto da sua coluna no O Jornal: Rua da Velha Guarda no e sim Rua
da Guarda Velha. Faz ento uma pequena retrospectiva histrica que esclarece o uso de
ambas as expresses:
58
A minha cara cronista e tima Lasinha Luis Carlos: Saudaes [...] Permita-me corrigir um
pequeno ttulo no Se esta praa fosse minha, no O Jornal de ontem. Rua da Velha Guarda no
e sim Rua da Guarda Velha. Em 1932, na Victor, por iniciativa de Pixinguinha, foi usado o
nome de Grupo da Guarda Velha, inspirado pela existncia de uma cervejaria do ttulo de
Guarda Velha, no incio da atual Rua Senador Dantas. Na verdade, nos tempos de Gomes
Freire, o ttulo de GUARDA VELHA entrou em voga devido a guarda da gua existente no
Largo da Carioca.
Em 1947 lancei, no rdio, O PESSOAL DA VELHA GUARDA que perdurou at 1953. No
ano seguinte, 1954, em So Paulo (e depois em 1955) teve motivo ao chamado FESTIVAL DA
VELHA GUARDA na Record. Ora a expresso velha guarda fixou melhor razo porque
todos estabelecem pequena confuso esquecendo-se dos nomes exatos guarda velha e velha
guarda (Almirante, 1964).
51


Nesta carta fica evidente que o batismo de Grupo da Guarda Velha em 1932 foi uma
iniciativa de Pixinguinha inspirado pela existncia do bar chamado Guarda Velha. J em
fins dos anos 1940, nos parece que a responsabilidade pela evocao histrica do nome,
trazida do sculo XVIII, nos tempos de Gomes Freire, fazendo referncia guarda que
cuidava do chafariz, de Almirante.
O que importa para compreendermos a trajetria e a fixao do termo velha guarda
na sociedade carioca a anlise do uso da expresso em momentos histricos diferentes. Nos
roteiros dos programas dedicados ao Grupo da Guarda Velha em 1944 e do O pessoal da
velha guarda em 1947, ambos os termos, guarda velha e velha guarda, foram empregados
com intuito de fazer referncia a grupos musicais cujos componentes eram homens maduros,
experimentados. No entanto, no incio dos anos 1930 o termo guarda velha guarda
antecedendo a palavra velha traz uma referncia mais explcita histria social e
geogrfica da cidade, seja na referncia ao bar ou na evocao histrica da ao da guarda
mantendo a ordem no recolhimento da gua do chafariz. A inverso do termo guarda velha
para velha guarda, j exclui a associao direta ao quartel ou ao bar e expressa mais a noo
de uma coletividade, um grupo social cujos integrantes detm conhecimento tradicional, so
precursores na expresso de suas culturas, e que por isso carregam a misso de defender e
perpetuar esse conhecimento atravs das geraes. Essa noo foi a que se arraigou na cultura

51
Carta de Almirante cronista Lasinha Luis Carlos em 15 de junho de 1964. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
59
das escolas de samba do Rio de Janeiro, nas velhas guardas da Portela, Mangueira, Imprio
Serrano, Salgueiro, etc.
A palavra guarda adequada para representar essa coletividade pela origem do seu
significado militar de defesa, vigilncia e proteo. Segundo o Dicionrio Aurlio a palavra
guarda indica: 1. Ato ou efeito de guardar; vigilncia, cuidado; 2. Proteo, amparo, favor,
benevolncia; 3. Homem encarregado de vigiar ou guardar alguma coisa; vigia, sentinela.
(Ferreira, 1975:706). No caso da velha guarda, trata-se da defesa do que antigo, da
proteo das tradies.
Talvez o primeiro uso da palavra guarda relacionada a um movimento artstico
tenha sido a avant-garde, em francs, ou vanguarda em portugus, dando nome aos
movimentos artsticos surgidos na Europa, na virada do sculo XIX para o sculo XX, como o
fauvismo, o expressionismo, o cubismo, o dadasmo, o futurismo, os quais por sua vez
influenciaram o modernismo no Brasil, nos anos 1920. A palavra vanguarda, segundo o
Dicionrio Aurlio, indica: 1. Extremidade dianteira de unidade ou subunidade em campanha
(exrcito); 2. Frente, testa, dianteira; 3. A parcela mais consciente e combativa, ou de idias
mais avanadas, de qualquer grupo social. Grupo de indivduos que, por seus conhecimentos
ou por uma tendncia natural, exerce papel de precursor ou pioneiro em determinado
movimento cultural, artstico, cientfico, etc. (Ferreira, 1975:1440)
No final dos anos 1950 e incio dos 1960, o ttulo, muito a propsito, do movimento
artstico da jovem guarda, caracterizou uma identidade oposta da velha guarda. A
jovem guarda, influenciada pelo rock and roll prottipo das msicas pop norte-americana
e inglesa representou uma juventude isenta de qualquer compromisso com os padres
estticos nacionalistas construdos nas dcadas de 1920 e 1930.
Seja com o olhar voltado para o passado ou para o futuro, nos parece que o fato mais
importante a ser observado nos movimentos artsticos das velhas guardas, vanguardas ou
60
jovem guardas a busca de construo de uma identidade. O historiador francs Jacques Le
Goff descreve essa busca quando menciona o futuro, tal como o passado, atrai os homens de
hoje, que procuram suas razes e sua identidade, e mais que nunca fascina-os". (Le Goff,
1990:196)
A abordagem de resgate da histria e da memria presente no programa O pessoal da
velha guarda representa uma busca pela fixao, pela construo ou re-construo de uma
identidade nacional, como veremos a seguir.
2.4) Histria e memria no discurso radiofnico de Almirante
Em uma audio dos anos 1950, na fala de abertura, Almirante sada os seus ouvintes
dizendo: [] o estado de esprito de cada poca reflete-se nas formas meldicas
contemporneas e da ter-se na msica um retrato fiel das vrias etapas por que tem passado a
humanidade [] (Almirante, 1950). Almirante apostou na estratgia de incluir no repertrio
de cada audio do programa O pessoal da velha guarda, msicas ligadas a acontecimentos
histricos e sociais como forma de levar a cabo o seu projeto de reabilitao da msica
popular brasileira. A associao da msica ao seu contexto histrico e social no s serviu
como catalizador de memrias individuais e coletivas mas tambm contribuiu para a fixao
de padres de identidade cultural. E na medida em que o repertrio ia sendo revivido
atravs da tica de artistas contemporneos, ainda que fossem maduros, de geraes passadas,
como Pixinguinha e os componentes da velha guarda ou mesmo a partir da ao de ouvintes
que usufruam da possibilidade de interveno no programa, sugerindo repertrio ou enviando
material uma nova histria ia sendo construda, a partir de um novo olhar sobre a
representao do legado musical apresentado no programa, em novo contexto histrico e
social.
61
A fala de abertura de Almirante nos remete idia de Zeitgeist a atmosfera mental
de uma poca presente na Escola dos Annales
52
(Le Goff, 2001:25). Ao trazer para o
presente o estado de esprito das melodias da virada do sculo XIX para o XX, com o apoio
de contextualizaes histricas, Almirante estava interessado em fazer com que a sociedade
brasileira tivesse a oportunidade de reviver a sua prpria histria, voltando a se encantar com
a sua prpria msica, que andava desprestigiada. Segundo o historiador francs Jacques Le
Goff, o processo da memria no homem faz intervir no s a ordenao de vestgios, mas
tambm a releitura desses vestgios (Le Goff, 1990:366). Isso nos remete ao mtodo
proposto por Marc Bloch, um dos fundadores da Escola dos Annales, sobre a construo do
pensamento histrico. O historiador inicia o seu ofcio se referenciando no presente, na
atualidade, e a partir da compreende o presente pelo passado e correlativamente,
compreende o passado pelo presente. Se o passado , por definio, um dado que nada
mais modificar [...], o conhecimento do passado uma coisa em progresso que se transforma
e aperfeioa incessantemente. Quando Le Goff analisa o mtodo proposto por Marc Bloch,
se faz a pergunta: mas como organizar o procedimento e a explorao dessa observao
histrica?. E responde: atravs do estabelecimento de guias tcnicos, inventrios, catlogos
e repertrios [...]. Entretanto, segundo ele, o historiador no deve atribuir a esse aparato
tcnico o mero papel passivo de um tesouro a explorar, mas a funo de um viveiro a servio
de questes a serem levantadas diante dos documentos e da histria. (Le Goff, 2001:26, 27)
Aplicando esse pensamento atuao de Almirante como produtor do O pessoal da
velha guarda, entendemos que a seleo de repertrio do programa e os comentrios de
apresentao representam o produto da sua anlise crtica baseada no vasto material
inventariado na produo de programas histricos anteriores e na elaborao do Dicionrio de

52
A Escola dos Annales foi um movimento liderado pelo historiador francs Marc Bloch (1866-1944) e por
Lucien le Febvre, a partir de 1929, que buscou renovar a historiografia francesa, se opondo filosofia positivista
do final do sculo XIX, segundo a escola de Auguste Comte (1798-1857), que percebia a histria como uma
crnica de acontecimentos (histoire vnementielle). Tambm conhecida como Histria das Mentalidades,
privilegiava os modos de pensar e de sentir dos indivduos de uma mesma poca.
62
msicos e compositores brasileiros a transformao do seu tesouro em viveiro.
Acreditamos que Almirante buscou desenvolver nos ouvintes uma escuta historicizadora que
localizaria o repertrio no passado e permitiria que fosse apreciado enquanto repertrio do
passado, mas no simplesmente velho ou ultrapassado.
A memria um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou
coletiva, cuja busca uma das atividades fundamentais dos indivduos e das sociedades de
hoje, na febre e na angstia. Mas a memria coletiva no somente uma conquista, tambm
um instrumento e um objeto de poder. So as sociedades cuja memria social sobretudo oral
ou que esto em vias de constituir uma memria coletiva escrita que melhor permitem
compreender esta luta pela dominao da recordao e da tradio, esta manifestao da
memria. Nas sociedades desenvolvidas, os novos arquivos (arquivos orais e audiovisuais)
no escaparam vigilncia dos governantes, mesmo se podem controlar esta memria
to estreitamente como os novos utenslios de produo desta memria, nomeadamente
a do rdio e a da televiso. (Le Goff, 1990:411).

Ao criar um arquivo, instigar a produo de vestgios histricos sobre a msica popular
brasileira e a ordenao desses vestgios, Almirante teve grande parcela de responsabilidade
pela transio da memria social oral para a memria social escrita da msica popular
brasileira. A sua posio como homem de rdio certamente permitiu que ele estivesse em
uma condio privilegiada para exercer influncia sobre a sociedade, segundo os princpios
do que considerava ser caracterstico da identidade nacional.
2.5) Anlise da construo de histria e memria no O pessoal da velha guarda
Percebe-se no discurso radiofnico de Almirante o propsito de incitar processos
mnemnicos como estratgia para fixao desses padres de identidade atravs da associao
de prticas sonoras a fatos histricos, lugares, hbitos sociais e sentimentos compartilhados.
Para anlise do processo de construo de histria e memria no O pessoal da velha guarda,
consideramos pertinente a categorizao do seu discurso relacionada no quadro abaixo.
Quadro 1 - Construo de histria e memria no O pessoal da velha guarda
1. Evocao do sentimento de nostalgia
2. Incitamento de memrias individuais na comunicao com os ouvintes
3. Evocao da identidade nacional
4. Evocao da identidade carioca
5. Mudanas de hbitos e espaos sociais
6. Mudanas nos modos de transmitir e divulgar o repertrio
63
2.5.1) Evocao do sentimento de nostalgia
A evocao da saudade no O pessoal da velha guarda incitada a partir de
referenciais sonoros e do contedo informativo e expressivo das falas de apresentao foi
uma estratgia utilizada para seduzir os ouvintes a valorizarem o repertrio do passado trazido
para o presente. O recurso contribuiu para despertar o sentimento de pertencimento a partir
dos referenciais determinados por Almirante como sendo caractersticos da nacionalidade
brasileira.
Eis aqui, novamente, O PESSOAL DA VELHA GUARDA. Fala agora a voz da saudade,
evocando, por meio da msica, cenas de antigamente, momentos bons que se fixaram nas
velhas melodias que, ouvidas hoje, so como que um toque de reunir para aqueles que amam as
nossas tradies Cada msica que aqui reaparece tem um significado especial para cada
ouvinte. Eis porque todas as melodias que figuram no O pessoal da velha guarda constituem
um recado que o passado manda ao presente por meio dessa doce emissria que se chama
saudade. (Almirante, 1950)

Nessa passagem est claramente expressa a ao de Almirante no sentido de integrar o
repertrio do passado as velhas melodias tradio, tendo a doce emissria saudade,
como aliada. No Arquivo Almirante h vrios registros que constatam a reao nostlgica dos
ouvintes do programa, como por exemplo, na carta do ouvinte Manoel Quirino Pereira
Sobrinho, de Nilpolis: Jamais deixarei de apreciar os belos e confortadores programas da
Velha Guarda, embora tenha que no fim (como na tera-feira) recorrer aos calmantes, entre
lgrimas e soluos, diante das comoes que eles nos trazem, e no comentrio do crtico
musical Miguel Curi, do jornal A Manh: o programa, bulindo com o sentimentalismo de
muita gente, agrada a todos os que sabem ver, no passado, os embelezamentos que o presente
e o porvir desfiguram ou esmaecem.
Uma maneira de despertar a saudade foi comparando o tempo presente com o passado.
No presente, destacou os males da modernidade a guerra, a pressa imposta pelo avano
industrial, o sacrifcio do trabalho rduo pela sobrevivncia, o cansao em contraste com os
benefcios que havia no passado a calma, a serenidade, as confraternizaes festivas nos
sales, nos ambientes familiares, nas ruas, em serenatas em noites de lua. Na apresentao de
64
Naquele tempo, de Pixinguinha, Almirante falou aos ouvintes: [...] sua melodia nos
transporta queles tempos em que ningum sonhava com bombas atmicas, em que 30 km/h
j era velocidade de estarrecer, e em que a luta pela vida, pelo po, pelo leite, pelo feijo, no
sulcava as fisionomias com o rastro fundo que deixam as preocupaes de hoje (Almirante,
1947e). Na abertura de outra programa este contraste tambm esteve presente, associado a
inteno explcita, dirigida aos ouvintes, de despertar saudades:
Preparem-se mais uma vez para voltar ao passado nas asas dessas melodias cheias de
encantamento. Preparem-se para evocar os bons tempos em que no havia filas, nem
comandos, nem a pressa assassina dos nossos dias. [...] Ao organizarmos cada uma dessas
audies, nosso pensamento vai todo para vocs, que nos devem estar ouvindo agora.
Cada msica que escolhemos, objeto de consideraes especiais. E por fim, s inclumos
nessas meias horas aquelas que nos deixam a certeza de que ho de despertar saudades, que
ho de encher vocs de pensamentos bons e de lembranas amveis. (Almirante, 1948d - Grifo
meu)

Em vrios ttulos de msicas do repertrio esto expressos o olhar para o passado e o
sentimento da saudade. Alguns exemplos so: No meu tempo era assim, choro de Eduardo
Souto; Ainda me recordo e Naquele tempo, choros de Pixinguinha; Saudades do Rio,
choro de Zequinha Reis; Saudades de Ouro Preto, valsa de Balduno Rodrigues do
Nascimento; Terna saudade, valsa de Anacleto de Medeiros.
Percebe-se um paralelo desse quadro de evocao de um passado glorioso, da
comoo gerada a partir do ato da recordao na comparao com o presente, com o que
ocorre nas velhas guardas das escolas de samba e ainda se reflete em produes
contemporneas. Podemos citar como exemplo as letras do samba Quantas Lgrimas do
compositor Manacia (1921 1995), da Velha Guarda da Portela e do samba Antiguidade
de Dlcio Carvalho da escola de samba Imprio Serrano
65
Quantas Lgrimas
53
(Manaca)
Ah! Quantas lgrimas eu tenho derramado
S em saber que eu no posso mais
Reviver o meu passado
Eu vivia cheio de esperana e de alegria, eu cantava, eu sorria
Mas hoje em dia eu no tenho mais a alegria dos tempos atrs

S melancolia os meus olhos trazem
Ah! Quanta saudade a lembrana traz
Se houvesse retrocesso na idade eu no teria saudade da minha mocidade

A letra do samba Antiguidade um exemplo mais recente, que mostra como esse quadro de
nostalgia permaneceu no ambiente do samba.
Antiguidade
54
(Bebeto di So Joo, Davi Corra e Dlcio Carvalho)
Voc tem que respeitar antiguidade
A Velha Guarda s nos traz felicidade
Se liga na filosofia ou seno vai embora
O pagode s para depois do romper daurora.

Pergunte s tia Vicentina
Que brincadeira na jaqueira
No seu tempo de menina
O samba era puxado no gog
Pois no tinha microfone
S cavaco em tom maior
Assim rolava o samba a noite inteira
Jogando gua no cho
Pra no levantar poeira

Cartola, Z Keti, Candeia e Paulo da Portela
Deus os tenha em sua glria
Numa homenagem singela
Silas que no posso esquecer
E outros que na memria
Para sempre ho de viver
Com a recordao minhalma chora
Se voc no tem respeito
Ponha-se daqui pra fora

Alm da ambientao nostlgica que traz a lembrana de como aconteciam as manifestaes
musicais do samba em comparao com o presente, e a evocao da memria dos sambistas
pioneiros, um conceito que se destaca nos versos de Antiguidade a necessidade de
respeitar esse passado e os detentores dessa herana musical. Os dois ltimos versos: Se

53
O samba Quantas lgrimas, de Manacia, foi lanado pela Velha Guarda da Portela, em 1970, no LP
Portela passado de glria produzido pelo cantor e compositor Paulinho da Viola.
54
O samba Antiguidade, de Bebeto di So Joo, Davi Corra e Dlcio Carvalho, foi lanado por Dlcio
Carvalho em 2000, no CD A Lua e o Conhaque, dedicado ao seu repertrio autoral e produzido por Afonso
Machado.
66
voc no tem respeito / Ponha-se daqui pra fora, representam um passo adiante: a excluso
de quem no reconhece o valor dessa filosofia. Percebemos na representatividade desses
versos uma semelhana com a postura de Almirante nO pessoal da velha guarda, de no
incluir na programao, ou mesmo de rechaar aqueles que no estivessem alinhados ao
conceito e esttica veiculados no programa.
2.5.2) Incitamento de memrias individuais na comunicao com os ouvintes
O recurso de atender a pedidos foi utilizado como forma de valorizar memrias
individuais alinhadas esttica do programa. Isso passou a ser mais frequente nas ltimas
audies, a partir dos anos 1950, talvez pela necessidade de adequao do programa aos
interesses do patrocinador nessa poca, o Sal de Fruta ENO que pretendia satisfazer
diretamente os ouvintes provenientes de vrias regies do pas, atendendo aos seus anseios
explicitados, ao mesmo tempo em que injetava no programa um maior nmero de
intervenes convidativas ao consumo, na forma de jingles. Os comentrios sinestsicos de
Almirante, com vinhetas de pano de fundo da sua fala, comuns nas audies de fins dos anos
1940, foram substitudos por falas curtas, sem msica de fundo, cedendo espao para a
publicidade do patrocinador. Abaixo segue um exemplo da fala de Almirante convidando os
ouvintes a enviarem seus pedidos:
[...] qualquer ouvinte pode agora pedir qualquer msica ao O pessoal da velha guarda, que O
pessoal da velha guarda atende logo. Como podem ter notado, estes ltimos programas tm
sido feitos todos a base de msicas pedidas pelos nossos amveis ouvintes. Agora, por
exemplo, vamos atender ao que nos pede o Dr. Grson de Matos, de Catanduva, em So Paulo,
que faz questo de ouvir aqui, como diz ele na carta, para recordar os tempos em que andei
pelo Rio de Janeiro estudando, isto a por 1907 ou 8. (Almirante, 1952c)

Nesse novo formato, o programa estabeleceu mais um ponto de contato com seus
ouvintes, na introduo de uma espcie de jogo da memria que fazia um vnculo direto
com o patrocinador. No jogo, intitulado Concurso ENO, os ouvintes eram premiados com
quantias em dinheiro ao enviarem cartas para o programa com as respostas corretas para
identificao de trechos de msicas do presente e do passado, executadas ao soar de um
67
diapaso. O chamado diapaso era o entoar das letras E N O cantado por um trio
vocal na forma de um arpejo de acorde perfeito maior (a letra E era a nota fundamental,
N a tera, e O a quinta). A letra E correspondia msica de hoje, a letra N
msica de ontem e a O msica de ante-ontem. Interessante observar que a resposta
correta para a msica mais antiga, a msica de ante-ontem, era a que premiava o ouvinte
com mais dinheiro. A estratgia, alm de ser um convite para aumentar o interesse pelo
repertrio antigo, transmite a idia de que o mais antigo tem mais valor. O locutor fazia
duas intervenes: a primeira para preparar os ouvintes para estarem postos para
identificao das melodias:
Locutor: Uma comida boa sempre fcil de comer, mas s vezes difcil de digerir. Ajude a
sua digesto com uma dose do Sal de Fruta Eno digestivo, anticido e laxativo. Sal de Fruta
Eno [trio vocal cantando E, N, O]. Quando o diapaso Eno soar novamente fiquem atentos.
Logo em seguida sero mostradas as melodias E-N-O de nosso concurso Eno de hoje. Portanto,
lpis, papel e boa memria.

E a segunda para fazerem as vinhetas das msicas serem executadas:

O diapaso Eno soou pela segunda vez no O pessoal da velha guarda anunciando as melodias
E-N-O do nosso concurso Eno de hoje. Como sabem, a melodia E, msica de hoje, d um
prmio de 200 cruzeiros. A melodia N, msica de ontem, d um prmio de trezentos
cruzeiros, a melodia O, msica de anteontem, d um prmio de quinhentos cruzeiros.

2.5.3) Evocao da identidade nacional

A evocao patritica no programa se refletiu como uma busca pela reafirmao da
identidade nacional atravs da exaltao de ideais cvicos. Na poca do programa, o fato da
Segunda Guerra Mundial ter sido um acontecimento recente um conflito no qual o pas
havia participado integrando a liga de pases vencedores certamente contribuiu para que o
sentimento patritico do sculo XIX fosse transportado para o sculo XX. Vejamos a seguir
cinco exemplos de nmeros musicais que apresentam essa temtica: Partimos para Mato
Grosso, Cinco de novembro, Minas Gerais, O Ferramenta, O pinhal.
Para introduzir o ambiente militarista na apresentao de Partimos para Mato
Grosso, um toque militar de caixa aparece como pano de fundo da fala de Almirante. A
apresentao mostrou como a sociedade do sculo XIX expressou o seu apoio ao governo
68
diante de conflitos polticos, trazendo para o ambiente dos sales, a coreografia da marcha dos
militares:
Partimos para Mato Grosso
55

Msica escrita em poca de grande movimentao patritica, quando se tornou necessrio o
envio de tropas para a provncia de Mato Grosso, a msica tomou para si um pouco do
ambiente militarista que por aqui imperava. Por isso, sua segunda parte se aproveita de toques
militares e da marcha batida. Naquele tempo, bem quele tempo que eu digo, h uns 60, 70, ou
80 anos, hein? Quando essa msica era tocada nos sales, os pares, durante a segunda parte, se
desenlaavam, e cavalheiro e dama marchavam lado a lado militarmente. Os homens com a
mo na testa em atitude de continncia.[] (Almirante, 1947g)

O mesmo apoio est expresso na cano Cinco de novembro, de autoria do palhao
negro Eduardo das Neves (1874 1919), cujos versos descrevem o atentado ao presidente
Prudente de Moraes, que teve como desfecho a morte trgica do Ministro da Guerra, o
Marechal Carlos Machado Bittencourt, em 5 de novembro de 1897. Na cano que marcou
poca na voz do prprio autor h a exaltao de ideais cvicos como a valentia, o dever, o
orgulho de ser brasileiro e a demonstrao de solidariedade e afeto diante da consternao
causada pelo acontecimento trgico envolvendo um oficial do governo. Para envolver os
ouvintes nesse ambiente, na apresentao de Cinco de novembro, Almirante fez a orquestra
tocar, como pano de fundo de sua fala, a marcha fnebre. Transcrevo a seguir os versos da
cano (Almirante, 1947f):
Cinco de novembro
56

(Eduardo das Neves)

Cinco de novembro
A data fatal
Em que se deu a morte
Desse marechal
O Brasil pranteia
Brada o mundo inteiro
Chora o bravo exrcito
Pelo audaz guerreiro

Quem que no sente
Em seu corao
A profunda mgoa
De toda nao
Esse golpe fero

55
Partimos para Mato Grosso, polca-marcha de Zeferino M. Hourcades, executada pela Orquestra do Pessoal
da Velha Guarda.
56
Cinco de novembro, choro-cano, de Eduardo das Neves, cantada por Roberto Silva e acompanhada pelo
Grupo dos Chores.
69
O golpe fatal
Que prostrou por terra
Nosso marechal

Venho dar meus psames
Como brasileiro
Ao valente exrcito
Ao Brasil inteiro
famlia em prantos
Queira os receber
Pela nobre vtima
Filha do dever

Em Oh! Minas Gerais, cano que transformou-se em hino popular do estado
mineiro, temos mais um exemplo de evocao patritica. Almirante esclareceu a relao com
a cano italiana, Vieni sul mar, aclimatada no Brasil. Segundo ele, Vieni sul mar j era
conhecida no Rio de Janeiro em 1910 quando um acontecimento de grande influncia na
vida da cidade veio fazer com que ela recebesse versos em portugus (Almirante, 1947e).
Era a chegada Baa de Guanabara, do navio de guerra que recebeu o nome de Minas Gerais.
O navio imponente fez com que a sociedade se manifestasse exultante pois sentia-se
beneficiada pela novidade que representava o progresso. Com o tempo, sem saber que os
versos se referiam ao navio, o povo foi atribuindo a cano ao estado de Minas Gerais, e a
letra do estribilho foi simplificada, entrando nela somente o nome de Minas Gerais. O autor
da homenagem, em versos patriticos, foi mais uma vez Eduardo das Neves:
Oh! Minas Gerais
57

Viva a armada viril brasileira
Que hoje pode, orgulhosa, cantar
no mar, pelo sul, a primeira
Pois ostenta o gigante do mar
J no teme os poderes navais
tambm poderosa e viril
Basta a fora do Minas Gerais
Pra defesa do nosso Brasil
(REFRO)
Louros triunfais
O sculo nos traz
Vamos saudar o gigante do mar
O Minas Gerais


57
Oh! Minas Gerais, cano do folclore italiano com versos de Eduardo das Neves, cantada por Do, Coro e
acompanhada pelo Grupo dos Chores.
70
Como estratgia para criar um ambiente envolvente, a partir de um canto evocativo da
nacionalidade, Almirante convidou a platia a participar fazendo coro: o auditrio poder
fazer coro conosco, cantando essa pgina patritica dos tempos em que o povo se orgulhava
tanto de seus progressos materiais, e at os glorificava em suas cantigas populares.
Observamos que ao envolver os ouvintes na evocao histrica de um ambiente de
defesa militar, presente nos trs exemplos citados acima, Partimos para Mato Grosso, Cinco
de novembro e Oh! Minas Gerais, Almirante buscava criar um paralelo com a noo de
defesa intrnseca Velha Guarda, na proteo do patrimnio cultural artstico brasileiro.
Ao apresentar O Ferramenta,
58
tango-fado portugus que Ernesto Nazareth
comps em homenagem ao capito portugus Antnio da Costa Bernardes, apelidado
Ferramenta, um dos primeiros aviadores a subir em balo no Rio de Janeiro Almirante fez o
coro cantar um pequeno trecho de duas outras canes que registraram acontecimentos
aviatrios que marcaram a histria do Brasil. A figura de Eduardo das Neves foi mais uma
vez evocada, como autor de versos patriticos, na cano que o popularizou, exaltando o feito
herico de Santos Dummont, quando contornou a Torre Eiffel em 1901: A Europa curvou-se
ante o Brasil / E clamou parabns em meigo tom [] (Almirante, 1947d). A segunda cano
lembrada foi a marchinha Salve o Ja, de Salvador Correia: Salve o Ja, guia altaneira, as
tuas asas representam a bandeira brasileira!, composta em homenagem aos tripulantes do
avio Ja, responsveis pela primeira travessia area da Europa para o Brasil. Esta marcha
teve um significado especial para Almirante pois se referiu a um evento que ele prprio
testemunhou e que marcou sua prpria identidade, quando recebeu seu apelido, conforme
exposto no Captulo 1.
Um fato interessante observar a ironia da coexistncia do nacional e do estrangeiro
no relato desse acontecimento histrico. O balo do capito Ferramenta chamava-se

58
O Ferramenta, tango-fado portugus de Ernesto Nazareth, executado pela Orquestra do Pessoal da Velha
Guarda.
71
Nacional e Almirante, em tom de gozao, comenta que o capito portugus tinha esprito
yankee de propagandista, pois na sua primeira ascenso, em 1905, fez se desprenderem da
barquinha prospectos de propaganda de uma casa de guarda-chuvas em forma de pra-
quedas, balas s centenas, e partes de piano impressas em papel de seda. [] (Almirante,
1947d). O comentrio uma crtica evidente s agncias norte-americanas de publicidade nos
anos 1940.
Outro recurso utilizado por Almirante para despertar o sentimento patritico foi
observado na execuo de O pinhal
59
, quando distribuiu pelo auditrio os versos da cano,
convocando a platia a cantar o estribilho.
[] Cano que foi coqueluche durante muito tempo, tem andado esquecida, apesar do que
ela representa para o nosso populrio. Confiados em que todos os brasileiros devem conhecer a
tradicional cantiga, os versos foram distribudos pelo auditrio para que todos aqui cantem o
pequeno estribilho que se segue a cada estrofe. Ouam pois, e cantem O pinhal. (Almirante,
1947f).

Na reprise da msica em uma audio posterior, Almirante tomou conhecimento da sua
incluso no novo filme do cinegrafista Humberto Mauro (1897 1983) um dos pais do
cinema brasileiro exaltando a riqueza florestal dos estados sulinos, e ofereceu a ele a cantiga
como uma homenagem ao seu gesto patritico.
60

[] com imensa alegria que vemos ressurgirem velhas cantigas que j iam caindo
completamente no esquecimento. Soubemos h poucos dias que o grande cinematografista
patrcio Humberto Mauro est realizando um pequeno filme natural em que exaltada a
imensa riqueza florestal dos nossos estados sulinos. a glorificao do pinheiro, uma forma
sugestiva em que ressalta toda a beleza dos pinherais poticos de Paran e Santa Catarina. A
msica de fundo para o pequeno filme no podia ser mais apropriada, pois Humberto Mauro
escolheu a mais condizente com as cenas que vai exibir. Trata-se da famosssima e tradicional
cantiga brasileira O Pinhal, da autoria de Armando Percival e Maria da Cunha. como um
aplauso ao cineasta ao seu gesto de patriotismo realizando mais um filme que ir contribuir
para tornar o Brasil mais conhecido dos brasileiros, que O pessoal da velha guarda vai fazer
desfilar agora o Grupo dos Chores lembrando a linda cantiga do passado. Ateno, pois,
ouvintes, O pinhal. (Almirante, 1948e)


59
O pinhal cano de Armando Percival e Maria da Cunha, cantada por Moraes Neto, Coro e acompanhada
pelo Grupo dos Chores.
60
O filme O Pinhal tratava-se de um dos curta-metragens da srie As Brasilianas, produzida pelo cineasta
ainda enquanto diretor do INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo), rgo fundado em 1936, sob gesto
de Roquette Pinto.
72
A apresentao de um exemplo exterior ao O pessoal da velha guarda do uso do repertrio do
passado no presente, com intuito de valorizar a identidade nacional, contribuiu para reforar
os ideais do programa, servindo como um modelo da atualidade a ser seguido.
2.5.4) Evocao da identidade carioca
A identidade carioca foi evocada atravs das referncias datas comemorativas
relacionadas cidade, s transformaes no espao fsico urbano e ao carter humorstico do
cidado.
A polca Da Urca ao Po de Acar, composta por Amadeu Taborda em 1913 para a
inaugurao do bondinho do Po de Acar, um dos principais cones da cidade, foi includa
no repertrio da audio de 20 de janeiro, data comemorativa do padroeiro da cidade, So
Sebastio (Almirante, 1952a).
Boa noite, ouvintes de todo Brasil. Hoje dia de So Sebastio. Dia de nossa cidade, dia,
portanto, em que se acende o entusiasmo no corao dos brasileiros, tocado pela vibrao que
vem do passado, no rastilho dos acontecimentos histricos. Nesta data, especialmente voltada
tradio, O pessoal da velha guarda soa como um smbolo, pois por meio deste programa
que, semanalmente, os ouvintes retemperam seu amor a esta nossa terra e vem a comemorar o
dia do padroeiro com sincero entusiasmo. Nenhuma coincidncia , portanto, mais feliz do que
esta: - O pessoal da velha guarda cair em dia de So Sebastio [...]. (Almirante, 1950)

Em relao s referncias ao espao fsico urbano, um acontecimento contemporneo,
a extino do Largo da Carioca em 1947, serviu como fonte de inspirao para que Almirante
lembrasse de msicas que registraram reformas urbanas. A extino do largo tem um
significado simblico especialmente importante no contexto do programa, pois era ali que
ficava o quartel da Guarda Velha mencionado por Almirante na primeira audio do
programa, e que, segundo ele, acabou originando a expresso velha guarda. Uma das reformas
urbanas lembradas foi a extino da Praa Onze, na administrao do prefeito Henrique
Dodsworth (1937 1945), atravs do samba Praa Onze (Vo acabar com a Praa
Onze...), de Herivelto Martins. No mesmo programa relembrou um trecho do samba que
Sinh comps por ocasio da reforma que o urbanista francs Agache pretendia fazer em
73
1928, pondo abaixo o Morro da Favela:Minha cabca, a favela vai abaixo, quanta saudade tu
ters deste torro.
As caractersticas da malandragem do cidado carioca astcia, stira, irreverncia,
malcia, humor esto presentes no programa em vrias instncias. Podemos observar, na
escolha do repertrio interpretado por Almirante, uma predileo por msicas com esprito
galhofeiro, cuja letra retratava o esprito gozador do carioca. Nesses momentos, Almirante
envolvia o auditrio, fazendo uma convocao geral para que todos participassem fazendo
coro, potencializando o carter informal, alegre e descontrado de suas interpretaes. Um
exemplo o samba Caridade, que surgiu como uma crtica s instituies de caridade que
mandavam para as ruas centrais senhoras vendendo flores, carregando cofres onde o pblico
ia colocando seus donativos.
[] A coisa comeou com a venda das margaridas, vieram depois outras flores, cada
instituio de caridade inventava um dia dedicado a uma flor. Depois, por originalidade,
vieram uns dias de medalhinhas, de emblemas, de penas, e at houve o dia do po. Tudo muito
louvvel, mas que o povo j andava escabriado de tanto peditrio e j ningum mais
enfrentava de boa vontade as amveis, e por vezes lindas vendeuses. Foi como crtica de tantos
dias de flores e de legumes e como um eco das suposies que o povo fazia a respeito daquelas
coletas, que surgiu um samba chamado Caridade da autoria de Sebastio Neves e Ansio
Mota. isso que vamos relembrar agora nessa passagem do Grupo dos Chores, e para o qual
eu peo que seja auxiliado pelo imenso coro do nosso auditrio. (Almirante, 1947d)
61


Caridade
(Sebastio Neves e Ansio Mota)

J demais tanta caridade
J no se pode transitar pela cidade REFRO (BIS)

Segunda-feira do repolho
Tera-feira do abacate
Quarta-feira do pepino
Quinta-feira do tomate
Sexta-feira elas preparam
Mais um golpe inteligente
E no sbado saem rua
Raspando o bolso da gente

REFRO
O domingo o descanso
As moedas so contadas
Vai-se ento o dividendo
Numa conta de chegada
Os jornais do o produto

61
Caridade samba de Sebastio Neves e Ansio Mota, cantado por Almirante, Coro e acompanhado pelo
Grupo dos Chores.
74
Com uma nota triunfante
E tarde comparecem
Pra botar o ch danante

Outro exemplo de zombaria presente no programa est na explicao da cena que
inspirou o ttulo da polca A mulher do bode do pianista Oswaldo Cardoso de Meneses
(1893 -1935):
62
um homem de cavanhaque que frequentava um cinema da cidade ao lado de
uma mulher bonita.
63
Almirante conta que o compositor se inspirou em certo cavalheiro
portador de um vistoso cavanhaque e cuja esposa se fazia notar por excelentes atributos
fsicos que logo davam na vista (Almirante, 1950b).
Na apresentao de Careca no vai missa, polca de Manuel Joaquim Maria,
Almirante lembra os ouvintes de uma irradiao anterior onde a Orquestra do Pessoal da
Velha Guarda havia executado a polca Capenga no forma, editada em 1867, e que
registrava uma pendenga entre dois compositores. Para introduzir a temtica dos carecas, e
fazendo um vnculo com a contemporaneidade, Almirante faz uma vinheta da marcha Ns os
carecas, de Arlindo Marques Jr e Roberto Riberti, ser cantada pelo coro, como pano de fundo
da sua fala de apresentao: Ns, ns os carecas / Com as mulheres somos maiorais / Pois na
hora do aperto / dos carecas que elas gostam mais. Segundo Almirante, o compositor da
polca Capenga no forma procurava reproduzir na sua composio os defeitos fsicos de
seu desafeto, que era capenga. Usando o mesmo processo, o capenga respondia injria com
uma outra polca em que ressaltava tambm os pontos fracos do inimigo, dando composio
o nome de Careca no vai missa, e nela, em forma descritiva, indicava certas situaes em
que achincalhava o personagem visado (Almirante, 1947).

62
A mulher do bode polca de Oswaldo Cardoso de Meneses, executada pela Orquestra do Pessoal da Velha
Guarda.
63
Pai da pianista Carolina Cardoso de Meneses, nasceu em uma famla de msicos. Seu pai, o advogado Antnio
Frederico Cardoso de Meneses, foi um dos mais populares musicistas do segundo imprio como pianista e
compositor de msica para o teatro de revista. Sua me, a portuguesa Judite Ribas, destacou-se como pianista
virtuosa. Os irmos tambm tornaram-se msicos, entre eles, o caula Antnio Cardoso de Meneses, que chegou
a apresentar-se com Pixinguinha no Cinema Palais. Conhecido como Meneses Filho, Oswaldo comeou a
carreira aos 14 anos tocando em um bar na Rua Visconde do Rio Branco. Integrou vrias sociedades
carnavalescas como a Tome a Bena da Vov, Paladinos Brasileiros e a popular Kananga do Japo, da qual
Sinh fez parte. A sua polca-tango A mulher do bode foi usada pelo compositor francs Darius Milhaud na
pea O Boi no Telhado.
75
Mais um exemplo da evocao do esprito irnico e gozador do cidado carioca se
encontra na antiga polca carnavalesca No bico da chaleira
64
. Nessa passagem conta a
origem da gria chaleira que significa adulador e serviu como fonte de inspirao para
dar ttulo msica.
Um certo presidente da repblica, nas suas viagens durante a campanha para sua eleio,
costumava levar consigo uma pequena chaleira de prata porque ele mesmo gostava de preparar
no sei se o seu caf ou o seu ch. Cercado como andava por indivduos interessados em cair
nas suas boas graas, era freqente ver-se quando um ou outro, em requintes de amabilidade,
se esforava para poupar ao futuro presidente o trabalho de preparar ou de servir a sua bebida
preferida. Os mais afoitos, mal o ilustre homem manifestava o desejo de saborear a sua bebida,
avanavam para a pequena chaleira, e na nsia de serem os primeiros, a seguravam por onde
calhasse, ou pelo cabo ou pelo bojo e at pelo bico. Com isso, naturalmente, queimavam os
dedos. Nasceu da o dito popular chaleira para designar adulador e a expresso pegar no bico
da chaleira para indicar aquela ao de adular.

O dito da moda deu motivo a uma cano carnavalesca da autoria de um famoso mestre de
banda que se ocultava sob o pseudnimo de Juca Storoni, e foi o maior sucesso do carnaval de
1909. isso que vamos lembrar agora com este nmero clebre que se inicia com os clarins
tpicos do carnaval daquele tempo, hein? O auditrio, se quiser, poder cantar conosco, pois os
ouvintes de suas casas na certa vo fazer o mesmo, seduzidos pela saudade que h de despertar
essa brejeirssima polca No bico da chaleira. (Almirante, 1947g)

2.5.5) Mudanas de hbitos e espaos sociais
Mudanas de hbitos e espaos sociais foram apontados na meno s transformaes
no comportamento das pessoas em locais de dana. Na incluso de schottischs do compositor
Anacleto de Medeiros no repertrio do programa, como os clssicos Santinha e
Implorando (ambos celebrizados mais tarde em gravaes feitas por Jacob do Bandolim),
Almirante marca diferenas entre o presente e o passado. Na apresentao de Santinha, fala
de forma pejorativa das danas atuais, desajeitadas e desengonadas, em contraste com a
graa e a delicadeza das danas do passado.
Num programa de msicas antigas como este nunca pode faltar o delicioso ritmo da schottisch.
Aqueles que hoje andam no conhecimento restrito dos ritmos da atualidade e que, de danas
s sabem de algumas desajeitadas e desengonadas que se praticam nos sales, no podem
avaliar quanta graa e quanto donaire requeria a dana da schottisch. Palavras no poderiam
descrever fielmente o ambiente de uma festa antiga enquanto se danava a schottisch. Vem,
pois, a msica em nosso auxlio. S o ouvir a delicadeza desse ritmo, a graa dessa melodia, a
idia de vocs ficar esclarecida e todos podero ver, como num filme cinematogrfico,
projetado na memria de cada um, uma cena de dana de 30 anos atrs. A msica que ir

64
No bico da chaleira, polca de Juca Storoni, cantada por Almirante, coro e Orquestra do Pessoal da Velha
Guarda. Juca Storoni foi o pseudnimo anagramtico utilizado por Joo Jos da Costa Jnior (1868-1917), mais
conhecido como Costa Junior, clebre compositor e maestro que escreveu msicas para diversas revistas como
O Homem, O Bendeng (1889) e O Sarilho (1890), esta uma stira proclamao da Repblica.
76
possibilitar esse milagre a schottisch Santinha, de Anacleto de Medeiros, orquestrada por
Pixinguinha, para O pessoal da velha guarda. (Almirante, 1947. Grifo meu)

Almirante demonstra habilidade em instigar a memria dos ouvintes atravs da sugesto da
associao de imagens cinematogrficas ao universo sonoro proposto. Embora essa
caracterizao sonora de graa e delicadeza da dana da schottisch tenha fundamento na
evoluo histrica da dana, no contexto do programa, ela o resultado de uma idealizao,
de uma construo esttica baseada em memrias coletivas e sobretudo no interesse de
Almirante em valorizar o repertrio do passado em detrimento do repertrio comercial
contemporneo. O arranjo de Pixinguinha para a orquestra certamente contribuiu para
corroborar essa concepo do gnero. Entretanto, ao compararmos registros fonogrficos de
schottischs nos anos 1920, contendo arranjos e formaes instrumentais diferentes, aos
schottischs executados no O pessoal da velha guarda, percebemos que nem sempre as
performances sugerem o donaire, a graa e a delicadeza mencionados por Almirante como
caractersticas da dana (ouvir CD, faixa 16 de 1016 at 1534 e faixa 24 Anexo 4).
Na apresentao de Implorando, mais uma diferena apontada: o aspecto moral da
prtica da dana. Na sociedade da virada do sculo XIX para o XX o professor de dana era
valorizado e se adequava a um contexto social familiar. Recebia um bom pagamento por
lies domiclio, ou dando aula nas academias de dana, onde os casais iam para aprender a
danar, para se exibirem nos sales.

Longe vo os tempos em que proliferavam nesta cidade as academias de dana. Ouvindo falar
em academias de dana, muitos podero pensar que tinham alguma semelhana com isso que
hoje se chama escola de dana. No, ouvintes, eram completamente diferentes. Escola de dana
hoje lugar onde vo as pessoas, isto , s vo os homens, porque as damas j esto l, s vo
os homens que j sabem danar e querem danar um pouco. As antigas academias, porm,
eram inteiramente diferentes. Eram verdadeiros cursos onde cavalheiros e damas iam para
aprender a danar. Para exibir depois suas artes coreogrficas, havia os bailes, as festas, etc.
Naquelas academias ou tambm com os professores particulares, que eram muitos, os
danarinos aprendiam os passos e os meneios de todas as danas da poca. Em tamanha conta
eram tidos os professores de dana, que segundo os cronistas do tempo, os alunos mandavam
busc-los s suas casas em carruagens luxuosamente atreladas e lhes pagavam pingues
ordenados.

Os professores e as academias tinham grande influncia nos ritmos danantes. Se eles ainda
existissem at hoje, procurando influir na preferncia de seus alunos, talvez no tivessem
77
desaparecido dos sales os ritmos encantadores da mazurca, da polca e da schottisch. Este
ltimo ento lamentvel que tenha desaparecido de todo no Brasil.

Vamos exibir aqui, executada pela Orquestra, uma das esplndidas schottischs que nos deixou
Anacleto de Medeiros, a de nome Implorando, para que todos, ouvindo-a, possam avaliar
que bons momentos repletos de graa e delicadeza teriam os bailes de hoje se ainda fossem
danadas msicas como esta. (Almirante, 1947d)

Em contrapartida, a descrio que Almirante faz das escolas de dana dos anos 1940 como
lugares onde os homens vo porque as damas j esto l e onde s vo os homens que j
sabem danar e querem danar um pouco remete-nos moda dos dancings, embora no haja
evidncia de que Almirante se referisse proprimente a esse espao social. A descrio que
Alcir Lenharo faz dos dancings, coincide a de Almirante:
[...] O dancing virou mania nos anos 40 um espao de sociabilidade e refgio para os
solitrios e tristes. Seu sucesso assegurava bons rendimentos para msicos, cantores e
bailarinos, abria possibilidades para a carreira artstica: Elizeth Cardoso e Angela Maria foram
bailarinas de dancings antes de crooners.[...] O dancing trazia uma opo nova para o tmido
ou para o solitrio, sem alardear que ele, de fato, no tivesse outra alternativa para divertir-se.
Era s comprar um carto com trinta msicas, a mil e quinhentos cada uma. Escolhia-se a
bailarina, mas danava-se pouco por msica tocada, pois as orquestras estavam orientadas para
abreviar as msicas, fazendo-as curtas, na mdia de um minuto, para a casa faturar mais.[...]
(Lenharo, 1995:23)

A cantora Nora Ney, em depoimento ao historiador, revelou ainda uma dimenso social
marcante no dia-a-dia dos dancings: o moralismo envolvente. A figura da bailarina tecia-se de
ambiguidades, pois era associvel imagem da prostituta, j que figura pblica, cujo corpo
era oferecido em forma de aluguel para se danar (Lenharo, 1995:24). Nas academias de
dana do passado, segundo Almirante, havia um acordo entre casais, que juntos investiam na
prtica da dana para se exibirem em ambientes sociais enquanto integrantes de uma unidade
familiar, em uma atitude coerente com os padres morais da poca. Os dancings, contudo,
eram avaliados como ambientes pouco apropriados frequncia de famlias e casais, j que
ali a mulher aparecia como uma intermediria, til ao faturamento da casa, que imaginava
estratgias para o maior lucro.
78
2.5.6) Mudanas nos modos de transmitir e divulgar o repertrio
Na passagem a seguir Almirante contrasta as diferenas nos modos de transmisso e
divulgao do repertrio no passado e no presente:
Antigamente quando uma msica fazia sucesso, durava anos e anos no cartaz. No havia os
processos de divulgao ampla como hoje, e cada msica, quando se tornava conhecida de
toda a gente, tinha chegado quele ponto graas aos chores e seresteiros, que viviam a
divulgar pelas ruas ou pelos sales nos saraus familiares as melhores composies do seu
repertrio. Msicas havia cuja maior durao se devia ao fato de terem surgido a princpio
somente para serem tocadas, e depois para serem cantadas com os versos que lhes aplicavam
os poetas do tempo. Foi esse por exemplo, o caso de uma certa polca denominada Eugenie,
Eugnia em francs. E que teria surgido logo nos princpios deste sculo. Em 1903, num
concurso realizado por um jornal humorstico chamado O Tagarela, alcanou o quinto lugar.
J era ento bem conhecida. Mais tarde, com os versos que recebeu, e cujo autor hoje
desconhecido, ganhou ainda mais popularidade passando a ser conhecida no mais s pelo seu
nome de Eugnia, mas pelo que foi tirado do primeiro verso de sua letra: Meu Deus, que noite
sonorosa. Havia at ento, nem tenho certeza se era uma pardia, ou mesmo outros versos
outros cujo incio era assim: Meu Deus, que noite sonorosa, sapato branco e meia cor-de-rosa!
No sei o resto, nem mesmo se havia resto. Agora, numa passagem do Grupo de Chores,
vocs vo recordar a velha polca, sucesso de perto de cinqenta anos atrs, cujo autor chamou-
se Jos Belisrio de Santana. (Almirante, 1947b. Grifo meu)

A descrio se refere a um perodo anterior ao advento do disco e do rdio, quando a
divulgao do repertrio se sustentava atravs das edies de partituras, de jornais, e dos
msicos seresteiros que executavam as composies nas ruas e nos saraus familiares. Cabe
lembrar o conceito do socilogo francs Antoine Hennion, que diz respeito redefinio da
escuta. Segundo Hennion, o advento do disco permitiu a transferncia do som para locais e
pocas diferentes das condies de produo original (Hennion, 2000). No sculo XIX, a
transferncia do som dependia do deslocamento de msicos e embora o mbito dessa forma
de divulgao fosse mais restrito, segundo Almirante, as msicas faziam sucesso por mais
tempo. Adaptando o conceito de Hennion, Almirante estaria processando uma
radiomorfose, valendo-se da mdia radiofnica para redefinir a escuta de um repertrio, cuja
divulgao original havia sido processada pelas mos e vozes de seresteiros.
No s nessa passagem mas em vrias outras no programa, Almirante menciona o
quanto os versos aplicados s msicas instrumentais contribuiram para sua popularizao. No
repertrio seresteiro do programa esto includos vrios exemplos como a schottisch Yara,
transformada em Rasga o corao, e a polca Trs estrelinhas, transformada em O que tu
79
s, ambas de autoria de Anacleto de Medeiros com versos de Catulo da Paixo Cearense
(1863 1946).
65

2.6) O programa de rdio O pessoal da velha guarda como lugar de memria
O socilogo francs Pierre Nora criou o conceito de lugar de memria, para
designar tudo o que se constitui para simbolizar ou fazer lembrar uma prtica social, uma
personalidade ou evento histrico ocorrido no passado (Nora, 1981).
[...] Os lugares de memria nascem e vivem do sentimento que no h memria espontnea,
que preciso criar arquivos, que preciso manter aniversrios, organizar celebraes,
pronunciar elogios fnebres, notariar atas, porque essas operaes no so naturais. por isso
a defesa, pelas minorias, de uma memria refugiada sobre focos privilegiados e
enciumadamente guardados nada mais faz do que levar incandescncia a verdade de todos os
lugares de memria. Sem vigilncia comemorativa, a histria depressa os varreria. So basties
sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem no estivesse ameaado, no se teria,
tampouco, a necessidade de construi-los. Se vivssemos verdadeiramente as lembranas que
eles envolvem, eles seriam inteis. E se, em compensao, a histria no se apoderasse deles
para deform-los, sov-los e petrific-los eles no se tornariam lugares de memria. este vai-
e-vem que os constitui: momentos de histria arrancados do movimento da histria, mas que
lhe so devolvidos.

Podemos perceber O pessoal da velha guarda como lugar de memria na medida
em que foi constitudo para fazer reviver e recriar, em grande parte, o repertrio histrico da
msica popular brasileira a partir da segunda metade do sculo XIX, que corria risco de
desaparecer diante da expanso da indstria fonogrfica e das transformaes estticas
decorrentes. Almirante esteve atento para criar rituais que garantiriam a perpetuao desse
legado.
Em 1949 com a recente morte do poeta seresteiro Uriel Lourival, funcionrio da
Estrada de Ferro Central do Brasil, Almirante fez os cantores Onssimo Gomes e Alcides
Gerardi interpretarem respectivamente a valsa Ceguinha, seu primeiro grande sucesso, e
Cu moreno, a triste cano que correu o Brasil inteiro, celebrizada por Orlando Silva.
(Almirante, 1949).

65
Catullo foi um dos parceiros mais constantes de chores e, na poca do programa, o seu falecimento recente
acrescentava mais um componente gerador de emoo na execuo de msicas com letras de sua autoria.
Jornalistas e historiadores relataram que na ocasio de seu falecimento a Banda do Corpo de Bombeiros tocou a
Marcha Fnebre e milhares de pessoas compareceram ao seu enterro, onde ao final cantaram Luar do Serto:
No h, gente/ oh, no/ luar como este / do serto.
80
Na semana em que se comemorava o centenrio de nascimento da maestrina
Chiquinha Gonzaga, O pessoal da velha guarda dedicou parte de um programa a sua
memria. Sobre a vinheta do Abre Alas cantada pelo coro segundo Almirante, a marcha
vov dos nossos carnavais iniciou a homenagem evocando a sua figura e reconhecendo-a
como a maior e melhor de nossas compositoras populares. Trs de suas obras mais
conhecidas foram executadas, a polca Atraente, seu primeiro grande sucesso, pela dupla
Pixinguinha e Benedito Lacerda; a cano Lua Branca, que integrou a revista Forrobod,
de Lus Peixoto e Carlos Bittencourt, cantada por Moraes Neto e acompanhada pelo Grupo
dos Chores; e o tango brasileiro O Gacho ou Corta-Jaca, em arranjo de Pixinguinha
para orquestra, momento em que Almirante lembrou o fato que causou enorme escndalo na
sociedade, quando em 1914, a msica foi executada pela esposa do ento Presidente da
Repblica, Hermes da Fonseca, em solo de violo, numa recepo oficial no Palcio do
Catete (Almirante, 1947b).
Almirante fez um breve relato biogrfico de Chiquinha ressaltando as dificuldades que
teve que sobrepor, enfrentando o moralismo da sociedade para ser reconhecida como
musicista, compositora e maestrina:
Casando-se aos 13 anos, viu-se, no muito depois, afastada do esposo e obrigada a manter-se, o
que conseguiu valendo-se de aulas de piano e da venda de suas msicas que mandava imprimir
e vender de porta em porta pelas ruas pela mo de negros escravos. Com pertincia invencvel,
atravessou galhardamente o longo perodo em que o convencionalismo de amigos e pessoas de
sua famlia tentava ostensivamente no s impedir seu trabalho honrado, como ainda cercar seu
nome de uma aurola difamatria. Compondo incessantemente, e oferecendo periodicamente
ao pblico msicas saborosssimas de carter brasileirssimo, Chiquinha Gonzaga conservou
em toda sua longa existncia a faculdade inaltervel de imprimir s suas melodias um som
enfeitiador que as levava, sem demora, ao fundo da alma dos que as ouviam. (Almirante,
1947b)

Um fato curioso que na audio em que Pixinguinha completaria cinquenta anos, em
23 de abril de 1947, Almirante no fez qualquer referncia data. Talvez o fato se explique
porque at 1968 acreditava-se que Pixinguinha havia nascido em 1898. Em 1968 ainda se
chegou a comemorar o aniversrio de 70 anos de Pixinguinha em um grande espetculo
realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a presena de Jacob do Bandolim e o
81
Conjunto poca de Ouro, Os Bomios e a Orquestra do Teatro Municipal sob regncia do
maestro Radams Gnattali. Na ocasio Jacob do Bandolim acabara de encontrar um
documento na Igreja de Santana, recolhido por Srgio Cabral, que atestava o verdadeiro ano
de nascimento de Pixinguinha, em 1897. 1898 havia sido o ano de seu batismo e no de seu
nascimento. Para no prejudicar os festejos a informao s foi revelada depois do evento.
(Cabral, 1990) (Cabral, 1997). Esse fato nos remete a distino entre memria e histria feita
por Pierre Nora (Nora, 1981):
Memria, histria, longe de serem sinnimos, tomamos conscincia que tudo ope uma
outra. A memria a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela est em
permanente evoluo, aberta dialtica da lembrana e do esquecimento, inconsciente de suas
deformaes sucessivas, vulnervel a todos os usos e manipulaes, suscetvel de longas
latncias e de repentinas revitalizaes. A histria a reconstruo sempre problemtica e
incompleta do que no existe mais. A memria um fenmeno sempre atual, um elo vivido no
eterno presente; a histria, uma representao do passado.

A ausncia da celebrao do seu cinquentenrio em 1947 e a celebrao do seu setentenrio
em 1968, aos 71 anos, revelam que o que importa no o fato histrico em si no caso, a
verdade da data do seu nascimento mas o que feito em torno dele, o ritual de memria.
uma ironia que no programa voltado para o resgate da memria musical do pas, o
cinquentenrio do seu diretor musical no tenha sido sequer mencionado.
Buscando traar um painel sobre o repertrio do O pessoal da velha guarda,
contabilizamos no conjunto das fontes (roteiros de programas, 20 fonogramas da Collectors
Editora e fonogramas das fitas de rolo da coleo Jacob do Bandolim), 269 ttulos de msicas
de cerca de 140 compositores. 80% desses compositores nasceram no sculo XIX e a maior
parte, na cidade do Rio de Janeiro. 10% dos 269 ttulos so de autoria de compositores que
pertenceram a primeira formao da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro,
fundada em 1896.
66
Cerca de 20% dos ttulos so de autoria de Pixinguinha, sendo metade

66
Na semana em que a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro comemorava o 54 ano de fundao,
Almirante no deixou passar em branco a data, incluindo na audio do programa a polca Trs estrelinhas do
fundador, Anacleto de Medeiros, na sua verso cantada, com letra de Catullo da Paixo Cearense, na
interpretao de Gilberto Alves e acompanhamento do Grupo dos Chores (Almirante, 1950a).
82
arranjada para orquestra e a outra metade executada pela dupla Pixinguinha e Benedito
Lacerda. 75% do repertrio instrumental e 25% vocal.
Avaliamos que o repertrio figurado no O pessoal da velha guarda pode ser percebido
como um lugar de memria na medida em que continuou a ser cultivado por msicos de
choro nas dcadas subsequentes, especialmente por aqueles que tiveram participao ativa no
programa, como Altamiro Carrilho, Raul de Barros e sobretudo Jacob do Bandolim. Altamiro
Carrilho lembra que foi convidado para fazer parte de um trio de flautas, ao lado de Antnio
de Souza e do veterano Benedito Lacerda, executando um arranjo para orquestra do choro
Cinco companheiros de Pixinguinha.
67
(ouvir CD, faixa 25 Anexo 4). Esse clssico do
choro foi includo no famoso album de Altamiro intitulado Choros Imortais, lanado em
1964. Mais da metade do repertrio desse lbum foi dedicado a obra de Pixinguinha. A forma
calorosa como Jacob do Bandolim foi recebido vrias vezes no programa na poca do
lanamento do seu primeiro registro fonogrfico certamente influenciou a sua trajetria como
msico, pesquisador e colecionador e o seu interesse por gravar as composies de
Pixinguinha e o repertrio de chores antigos. A saudao que Almirante utiliza para
apresentar Jacob como o novo da velha guarda reflete o quanto ele j se afinava ao esprito
de preservao da memria e esttica musical do programa.
Quando se chama algum msico de choro vem instintivamente nossa mente a idia de se
tratar de uma pessoa j velha, j de certa idade. Porque choro foi o nome dado no passado aos
participantes dos conjuntos denominados choros. H porm ouvintes, inmeros chores
modernos. H gente nova que merece a designao dos velhos tempos. H nas novas geraes
quem cultive a admirao pelas msicas antigas e que portanto merea aquela honrosa
designao. Entre esses h um bandolinista chamado Jacob. Instrumentista exmio, ele faz
reviver nas suas msicas o esprito dos famosos executantes do passado. Abrindo uma exceo
nesses programas Pixinguinha e Benedito Lacerda convidaram Jacob, o novo choro para se
apresentar secundado pelos da Velha Guarda. E por isso o teremos hoje como convidado
especial para executar um de seus notveis choros, o Treme-treme. Apreciem os
impressionantes malabarismos que Jacob vai fazer no seu bandolim enquanto Pixinguinha e
Benedito como cicerones o vo acompanhando harmonicamente em contracantos e respostas
curiosssimas. Ateno, Jacob ao microfone do O pessoal da velha guarda com o seu grande
choro Treme-Treme. (Almirante, 1947 Arquivo Jacob do Bandolim)


67
Informao verbal. Entrevista com Altamiro Carrilho realizada por mim no primeiro semestre de 2010. A
gravao de Cinco companheiros executada pelo trio de flautas foi encontrada nas fitas de rolo de Jacob do
Bandolim.
83
Em uma das fitas de rolo do acervo Jacob do Bandolim encontramos o seu depoimento
revelando a emoo que sentiu ao participar do programa e se exibir pela primeira vez ao lado
de msicos que considerava com grande respeito.
[estalos de dedos] Ateno ateno Passo para velocidade mdia de 3 e ! para melhor
reproduo de um solo de instrumento de corda, de freqncias mais altas e que exige
reproduo mais ntida, mas permita-me a vaidade, deixando gravadas as palmas que recebi
nesse dia 18 de junho de 1947, na Rdio Tupi, porque foi num programa de Almirante que tive
oportunidade de me exibir pela primeira vez, ao lado de Benedito Lacerda, Pixinguinha, Dino,
Meira, Canhoto e Gilson, momento esse que no fcil deixar passar sem deixar registrados os
mnimos detalhes cujo valor s o futuro dir. Para mim, muito representa. Mais adiante, nesta
mesma fita h uma outra gravao desse mesmo nmero, num outro dia. E a seguir, depois
deste nmero, volte velocidade inicial de 1 7/8. (Jacob do Bandolim, s.d. Arquivo Jacob do
Bandolim).

A partir da anlise da discografia de Jacob do Bandolim contabilizamos cerca de 40
ttulos de obras que estiveram no repertrio do programa e que foram gravadas por Jacob ao
longo de sua carreira. Vrias dessas obras tornaram-se clssicos do gnero e continuam a ser
executadas por jovens bandolinistas de choro. No por acaso o conjunto criado por Jacob,
dezesete anos aps a sua estreia no programa O pessoal da velha guarda recebeu o nome de
Conjunto poca de Ouro, uma homenagem a um passado glorioso na msica popular
brasileira selando a sua identidade artstica a essa tradio. Metade do repertrio do lbum
Vibraes lanado em 1967 por Jacob e o Conjunto poca de Ouro, foi composto por obras
de compositores contemplados no programa, como Ernesto Nazareth e Pixinguinha.
84
CAPTULO 3 ALMIRANTE ORIENTADOR ESTTICO

Embora Almirante tenha sido um dos produtores mais destacados da histria da
radiofonia no Brasil e a importncia da sua busca pela preservao do que considerava
legtimo na msica popular brasileira tenha sido reconhecida ainda em vida, a sua
contribuio no processo de construo de padres estticos identificados com a msica
popular brasileira ainda no foi devidamente dimensionada, especialmente no ambiente
acadmico.
O repertrio que integra o programa O pessoal da velha guarda, a sua forma de
execuo, associados s falas de apresentao sintetizam uma esttica musical brasileira.
Neste captulo pretendemos caracterizar e analisar a construo dessa esttica, advogada por
Almirante como representativa da nacionalidade na msica popular brasileira.
Na fala de abertura de uma das audies de 1950, Almirante declarou que a msica
torna-se um retrato fiel de sua poca ou dos acontecimentos de seu tempo pela sua forma,
seu ritmo, suas caractersticas meldicas e seu ttulo (Almirante, 1950a). Em se tratando de
um programa cujo intuito era reviver as msicas do passado, luz dessa viso,
compreendemos que no conjunto dos programas encontramos um retrato que conjuga duas
pocas: o passado situado entre a segunda metade do sculo XIX e as primeiras dcadas do
sculo XX, e a virada dos anos 1940 para os anos 1950, poca a partir da qual Almirante
interpreta o passado. As caractersticas de forma, ritmo, melodia, as interpretaes de
cantores, da orquestra sob a batuta de Pixinguinha, do Grupo de Chores e da dupla
Pixinguinha e Benedito Lacerda, que constituem o material musical do O pessoal da velha
guarda, representam, portanto, uma esttica redefinida. Por sua vez, o olhar contemporneo
85
de msicos, produtores e pesquisadores da atualidade sobre o programa certamente resulta na
construo de novas estticas.
No texto entitulado Uma nova sociologia do gosto?, ao criticar a forma como a
histria da msica foi escrita tradicionalmente, centrada nos compositores (histria de vida,
do gnio, sua obra), o socilogo francs Antoine Hennion prope um modelo de anlise
esttica centrado na escuta, construdo a partir da perspectiva do amante (lamateur) da
msica, seja ele um ouvinte ou um praticante.
[...] Utilizar a palavra escuta em relao msica inverter a perspectiva para se colocar ao
lado daquele ou daqueles que ouvem qualquer coisa organizada vinda de outros, ou produzem
qualquer coisa para outros; perceber a msica no como um produto determinado, numa
partitura, num disco ou num programa, mas como um acontecimento incerto, feito no aqui e
agora que surge a partir de instrumentos e de aparelhos, de mos e de gestos.
68

69
(Hennion,
2000) [traduo do francs feita por mim]

Hennion busca desenvolver uma sociologia do gosto musical que, a seu ver, se constri na
atualizao permanente da escuta, a partir de encontros entre pessoas e intermedirios
materiais envolvidos no fazer musical, isto : no encontro entre produtores, artistas, obras,
imprensa, mdias, suportes, locais de escuta.
[...] A reformulao da questo do gosto, ora sugerida, partindo do ouvinte, supe e permite
sobretudo uma reinscrio da escuta em uma historicidade. [] No h nenhuma razo para se
alinhar a historicidade da escuta a uma histria da msica que se resume quela de suas obras
clebres. As formas atuais do gosto pela msica e dos espaos modernos de escuta so muito
diferentes do que ocorreu em pocas anteriores. No ouvimos mais as msicas de antigamente
com ouvidos de antigamente. Isso dito frequentemente, sugerindo ora uma interpretao
psico-fisiolgica, ora uma interpretao social; entre as duas, a diferena est menos na busca
por uma modificao interior de uma psicologia das profundezas, ou nos grandes quadros
sociais de significao musical, e mais na srie de meios e momentos novos de escuta; a
transformao radical de todos os intermedirios materiais que verdadeiramente criou o
espao musical da escuta atual o que chamamos de produo do amante da msica
(lamateur).
70
(Hennion, 2000) [traduo do francs feita por mim]

68
[...] Utiliser le mot coute propos de musique, cest dabord cela: oprer un renversement de la
perspective pour se placer du ct de celui ou de ceux qui entendent quelque chose dorganis venant des autres,
ou le produisent pour dautres; prendre la musique non comme un produit fix, sur une partition, un disque ou un
programme mais comme un vnement incertain, un faire en situation, un surgissement partir dinstruments et
dappareils, de main et de gestes.
69
Hennion cita algumas obras que lhe serviram como modelos tericos para o que chama o avesso da
perspectiva, o pensamento voltado para recepo das obras. Entre elas esto as obras de R. CHARTIER (1987),
Lecture et lecteurs dans la France dAncien Rgime, e (1992), Lordre des livres: lecteurs, auteurs,
bibliothques en Europe entre le XIVme sicle, H. R. JAUSS (1978), Pour une esthtique de la rception, e W.
ISER (1985), Lacte de lecture.
70
[] La reformulation de la question du got, ainsi dabord suggre en partant de lauditeur, suppose et
permet surtout une rinscription de lcoute dans une historicit. Nous reviendrons sur ce point: lhistoricit de
lcoute na aucune raison de saligner sur une histoire de la musique rsume celle de ses oeuvres clbres.
Les formes actuelles de lamour de la musique et les espaces modernes de lcoute sont trs diffrents de ce qui a
pu se passer dans les poques antrieures. On nentend plus avec loreille dantan les musiques dantan, est-il
souvent dit, mais en suggrant aussitt soit une interptation psycho-physiologique, soit une interprtation
86

O acesso contemporneo a vrios suportes materiais que envolvem a produo
musical do programa O pessoal da velha guarda gravaes em audio, roteiros, partituras
originais para orquestra, cartas de ouvintes e recortes de jornal oferece ao pesquisador uma
condio privilegiada de atualizao da escuta. Um exemplo disso o projeto Pixinguinha na
Pauta, organizado por Bia Paes Leme, coordenadora de msica do Instituto Moreira Salles-
RJ, que levou a pblico os arranjos inditos de Pixinguinha para a Orquestra do Pessoal da
Velha Guarda em edies de partituras e em concertos. Em 2010 a primeira publicao foi
lanada em uma caixa contendo partituras de 36 arranjos, e por ocasio do lanamento,
contou com uma orquestra composta por 28 msicos executando os arranjos em dois
espetculos sob a regncia do bandolinista e maestro Pedro Arago.
71

A partir da perspectiva terica de Hennion na qual a esttica musical se constri a
partir da atualizao permanente da escuta com base nas relaes que envolvem a cadeia
produtiva musical, em locais e momentos histricos diferentes busco identificar elementos
que caracterizem a construo de uma escuta no final da dcada de 1940 sobre a msica
popular urbana na virada do sculo XIX para o sculo XX, fortemente influenciada pela ao
de Almirante no programa O pessoal da velha guarda.
3.1) Influncia da msica estrangeira do perodo de constituio da msica
popular brasileira no repertrio do programa O pessoal da velha guarda
O elemento estrangeiro, sintetizado nas danas europeias que vieram para o Brasil na
segunda metade do sculo XIX, teve influncia determinante na constituio da msica
popular brasileira. H alguns exemplos nos quais Almirante menciona o caso de msicas
estrangeiras aclimatadas e incorporadas ao repertrio popular brasileiro atravs da aplicao

sociale; entre les deux, la diffrence est moin chercher dans une modification intrieure de la psychologie des
profondeurs, ou dans celle des grands cadres sociaux de la signification musicale, que dans la srie des moyens
et moments nouveaux de lcoute: cest la transformation radicale de tous ses intermdiaires matriels qui a
vritablement cr lespace musical de lcoute actuelle ce que nous appelons la production de lamateur.
71
Espetculos de lanamento da publicao Pixinguinha na Pauta promovidos pelo Instituto Moreira Salles e a
Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, realizados em 9 de Setembro de 2010 no Teatro Carlos Gomes, no Rio
de Janeiro, e em 26 de novembro de 2010 no Auditrio Ibirapuera, em So Paulo.
87
de versos em portugus. Os processos de aclimatao apresentados no programa so variados.
Vejamos o caso da polca-marcha I moretti, do compositor italiano Cesare Bonafous:
[...] Escolhemos para abrir esta que a 35 audio do O pessoal da velha guarda uma polca-
marcha, gnero que conforme j percebemos agrada imensa maioria dos nossos ouvintes.
Esta que vo ouvir tornou-se brasileira por popularidade e por suposio. Quando por aqui se
divulgou, e isso seguramente h uns 50 anos, foi editada vrias vezes. Algumas de suas edies
no traziam nome de autor, da o fato de muitos acreditarem ser ela brasileira. E o nome do
autor, se tivesse se tornado sempre conhecido, todos saberiam logo que a polca era italiana, de
um tal Bonafous Cesare, chama-se ela I moretti, que significa o mourinho ou pequeno
mouro. Polca de to grande popularidade no passado merece figurar nas audies da Velha
Guarda.[...] (Almirante, 1947e)

Nesta fala de apresentao temos o exemplo de uma obra estrangeira cujo processo de
divulgao no Brasil se deu a partir do suporte de uma partitura editada no sculo XIX. O
autor Cesare Bonafous (que no se popularizou como a sua obra), foi apresentado por
Almirante como Bonafous Cesare, possivelmente em decorrncia da ao do tempo no papel
da partitura ter apagado a vrgula que caracteriza a antecedncia do sobrenome ao nome, ou
por uma falha na impresso.
72
Pesquisadores de msica antiga j constataram que quanto
maior o nmero de edies, mais a obra torna-se suscetvel a modificaes (Figueiredo, 2004
e 2006; Cambraia, 2005). Nesse caso as modificaes resultaram em alteraes no registro de
autoria. A aclimatao da polca-marcha italiana I moretti foi favorecida pela sua
popularidade, pela omisso da autoria em algumas edies e, nos anos 1940, pela elaborao
do arranjo de Pixinguinha, interpretado pela Orquestra do Pessoal da Velha Guarda, cujo
resultado sonoro se assemelha ao de outras polcas-marchas de autores brasileiros, que
tambm figuraram no programa como A Esquecida (ou Albina, de Irineu de Almeida), ou
Siri t no pau, de Miguel A. de Vasconcelos.
Em outra passagem, temos uma demonstrao da aclimatao de uma cantiga
portuguesa de autor desconhecido, cujo suporte foi um lbum de canes populares gerado a
partir de uma estratgia comercial de vinicultores portugueses. Seguindo a proposta de

72
comum encontrarmos em algumas edies o sobrenome do autor precedido do nome, com uma vrgula
separando o nome e o sobrenome. O acesso a bibliotecas online hoje em dia nos permite saber que o nome
correto do autor Cesare Bonafous e no Bonafous Cesare, como podemos verificar em
http://www.worldcat.org/identities/np-bonafous,%20cesare
88
valorizao da nacionalidade, e como o patrocinador do programa na poca era a empresa
brasileira Vinhos nico, nessa passagem Almirante no poderia deixar de ressaltar a mudana
no quadro da indstria vincola onde no predominavam mais os vinhos portugueses diante da
evoluo na qualidade dos vinhos brasileiros.
73

[...] Houve poca no Brasil em que a msica portuguesa figurava irmamente ao lado da nossa,
e influenciando-a com a sua forma meldica ou com o seu ritmo. No era considerada
estrangeira a msica portuguesa. E pelas afinidades existentes entre os dois povos, era aqui to
querida, e fazia s vezes tanto ou mais sucesso do que as da terra. Portugal mantinha conosco
um ponto de contato permanente atravs de alguns de seus produtos, principalmente do vinho.
Hoje, graas excelncia dos vinhos nacionais, especialmente desse brasileirssimo Vinho
nico, que oferece a vocs esses programas da Velha Guarda, j no h mais aquela
predominncia lusitana. Para implantar aqui os seus produtos, os vinicultores portugueses
distribuam anualmente aos seus fregueses lbuns com canes populares. Isso espalhava por
aqui as melodias da terra irm que encontravam um eco muito fcil na alma de nossa gente.
Inmeras daquelas cantigas alcanaram grande popularidade entre ns. E uma curiosidade,
ouvintes, que estejamos aqui a mostrar, como vamos fazer agora, neste programa do melhor
vinho brasileiro da atualidade, uma cantiga mandada ao Brasil pelo melhor vinho portugus de
h cinqenta anos. Seu nome Margarida Vai Fonte. (Almirante, 1947g)

O cantor Paulo Tapajs interpretou a cano apoiado pelo coro e acompanhado pelo Grupo
dos Chores. Alm da base de conjunto regional, ouvem-se a flauta e o saxofone de
Pixinguinha fazendo contracantos.
Esse processo de aclimatao, que poderamos chamar de abrasileiramento, tambm
ocorreu de forma inversa: no lugar da incorporao da obra de autores estrangeiros ao
repertrio nacional, destacaram-se obras de compositores brasileiros que buscaram compor
segundo o estilo de msicas de outros pases. o caso das obras de dois pianistas brasileiros,
Aurlio Cavalcanti (1874 1920?), na valsa espanhola Buenos Dias, e Miguel A. de
Vasconcelos (1860? 1930?), na habanera Amor tem gelo.
[...] curioso observar-se a influncia que a nossa msica veio sofrendo periodicamente dos
ritmos e das melodias estrangeiras. A valsa, por exemplo, j depois de aclimatada entre ns, j
depois de se ter fixado por aqui sob uma forma nitidamente nacional, possuindo modalidades
s nossas, s brasileiras; a valsa, h uns 30 ou 40 anos, comeou a revelar uma forte influncia
Ibrica. Os compositores daquele tempo, especialistas em valsas, esmeravam-se em produzir
por aqui peas com todas as caractersticas das que nos chegavam da Espanha com a sua forma
bimbalante, festiva, em cuja melodia e em cujo ritmo andava todo o rebolio e estridor das
castanholas. desse perodo a clebre valsa que iro ouvir em seguida. Seu autor foi um

73
Talvez a escolha pela incluso de Margarida vai fonte no repertrio do programa tenha sido feita para
justificar um comentrio sobre o patrocinador. No primeiro ano do programa as menes ao patrocinador eram
modestas e sutis, ficando restritas s aberturas e aos encerramentos das audies ou em alguma passagem rpida
da fala de Almirante. A partir de 1950, com o patrocnio do Sal de Fruta ENO, como j foi dito, as intervenes
do locutor e dos jingles para propaganda dos produtos se instala de forma muito mais declarada.
89
popularssimo pianista desta cidade, o Aurlio Cavalcanti. Reparem quanto salero conseguiu
ele introduzir nessa valsa que denominou Buenos Dias, e que aqui vai ser executada por El
Personal de la Vieja Guardia, Ol! (Almirante, 1948d)

Alm da fala que antecedeu a execuo, em espanhol, no bom estilo humorstico de
Almirante, a orquestra atacou o arranjo de Pixinguinha repleto de elementos estilsticos da
msica espanhola. curioso notar que, segundo Almirante, o estilo espanholado de Buenos
Dias data de um perodo posterior fixao da valsa como gnero com caractersticas
nacionais. Aurlio Cavalcanti foi um compositor especialista em valsas. Das 212 obras de sua
autoria encontradas nos acervos pblicos e particulares do Rio de Janeiro, 128 so valsas
74
.
Dessas 128, 14 so valsas espanholas, revelando o interesse especial do autor por esse estilo
especfico.
[...] O pessoal da velha guarda vai poder agora exibir pros seus ouvintes uma legtima
curiosidade musical. Trata-se nada mais nada menos do que uma habanera. Provavelmente o
nome habanera esteja imediatamente fazendo com que vocs lembrem da mais clebre de todas
as habaneras, que hoje em dia, sem dvida, a que aparece na famosa pera Carmen de Bizet.
A incluso de tal gnero na pera perfeitamente justificvel. que sendo de origem
espanhola, por ser proveniente de Havana, de Cuba, o gnero musical era bem apropriado para
dar cor local a uma das cenas da pera. Habanera foi um gnero musical muito do gosto do
nosso povo tambm. Foi mesmo ancestral do tango brasileiro, e portanto do nosso atual samba.
Pois desse gnero de tal importncia para a nossa formao musical que O pessoal da velha
guarda vai dar agora um bom exemplo. Aqui vai para vocs uma habanera chamada Amor
Tem Gelo, escrita por Miguel A. de Vasconcelos em resposta a uma outra msica chamada
Amor Tem Fogo. Vamos ouvi-la no piano de Lauro Arajo. (Almirante, 1952c)

Almirante fez uma breve genealogia dos gneros musicais, da habanera ao samba, passando
pelo tango brasileiro, de forma didtica, com intuito de justificar para os ouvintes a razo de
um gnero estrangeiro como a habanera que nos anos 1950 e at hoje associada ao tema
principal da pera Carmen de Bizet, e ao contexto espanhol estar fazendo parte de um
programa de cunho nacionalista. A habanera executada ao piano por Lauro Arajo evocou a
memria da sonoridade original de grande parte das danas europeias publicadas em edies
de partituras para piano, revelando a importncia que o instrumento teve no contexto de
formao da msica brasileira no sculo XIX.

74
Dados do projeto Enciclopdia ilustrada do choro no sculo XIX, de Anna Paes, realizado com o apoio do
Programa de Bolsas Rio-Arte entre 2004 e 2005.
90
Na aceitao de gneros estrangeiros do sculo XIX como constituintes da msica
popular brasileira e os de fins da dcada de 1940 (rumba, bolero, fox-trot) e incio dos 1950
como gneros com potencial de descaracterizao da msica nacional percebe-se claramente
um paradoxo. Se outrora os compositores brasileiros se permitiram influenciar pelo estilo de
msicas de outros pases na constituio da msica do seu pas, por que a aceitao de
gneros estrangeiros comerciais nos anos 1940 e 1950 representaria a perda de identidade?
possvel que alguns ouvintes do programa considerassem uma impropriedade a associao
genealgica que Almirante faz entre o samba e a habanera. No sculo XIX, poca em que
habanera circulou no Rio de Janeiro, no havia o recurso do rdio para divulgao do gnero
em mbito nacional.
3.1.1) O caso La Mattchiche
Msica de sucesso na Europa nas primeiras dcadas do sculo XX, La Mattchiche,
do compositor francs Charles Borel-Clerc (1879-1959), foi mais um caso de msica de autor
estrangeiro que se popularizou no Brasil, recebendo versos em portugus. A sua incluso no
programa, entretanto, merece ateno especial como objeto de anlise. Numa interpretao
trilnge, os dois cantores, Almirante e Paulo Tapajs, acompanhados pela Orquestra do
Pessoal da Velha Guarda, se revezaram apresentando primeiramente os versos originais em
francs C'est la danse nouvelle / Mademoiselle / Prenez un air canaille / Cambrez la taille
/a s'appelle la Mattchiche / Prenez vos miches / Ainsi qu'une Espagnole / Joyeuse et folle!
seguidos dos versos em portugus (cantados por Almirante), e por ltimo os versos em
espanhol (cantados por Tapajs). Borel-Clerc entitulou a sua obra com o nome da dana tpica
brasileira, divulgada na Europa nos primeiros anos do sculo XX, embora a tenha inserido
num contexto espanhol. O ritmo de La Mattchiche, segundo nos informa Almirante, de
paso-doble espanhol, e no do maxixe, e coincide com o ritmo da gravao original, cantada
91
pelo ator francs Felix Mayol em disco Odeon.
75
Talvez o nico elemento do maxixe possvel
de ser encontrado em La Mattchiche esteja expresso nos versos originais em francs, que
evocam o esprito alegre e malicioso presente no maxixe, convidando uma senhorita
[Mademoiselle] a se deixar envolver pelo esprito do povo [Prenez un air canaille], alegre
e louco [ainsi quune Espagnole joyeuse et folle] para danar uma nova dana chamada
maxixe [la Mattchiche]. S que a figura que representa esse esprito uma danarina
espanhola e no uma brasileira! Da a confuso, que Almirante chama de impropriedade: uma
msica classificada como maxixe brasileiro em ritmo de paso-doble espanhol (ouvir CD,
faixa 09 de 248 at 2638 Anexo 4). Impropriedade ou no, o interessante perceber os
desdobramentos ocorridos como consequncia do incio da internacionalizao da msica
popular brasileira, no princpio do sculo XX. Percebemos uma via de mo dupla: um perodo
onde o Brasil mal constitua a sua identidade na msica popular, na aclimatao de gneros
estrangeiros, e j exercia alguma influncia no exterior, mesmo que restrita a uma
nomenclatura de gnero.
A msica brasileira erudita tambm exerceu influncia sobre a obra de Borel-Clerc,
segundo Almirante. Na fala de apresentao de La Mattchiche, declarou que o tema foi
extrado de um trecho da pera O Guarani, de Carlos Gomes. O fato abre margem para
discusso de dois assuntos: um deles a caracterizao de plgios, e o outro, o juzo de valor
na comparao entre a msica popular e a erudita, chamada coloquialmente, na poca, de
msica sria.
[...] Se hoje em dia algum se aproveitasse de um trecho assim dO Guarani para uma
adaptao musical numa pea popular, todo mundo protestaria, no mesmo? Haveria logo
quem dissesse, como comum a gente ouvir, que antigamente ningum fazia dessas coisas
no. Pois olhem que estariam todos muito enganados dizendo isto. A grita que fizeram
recentemente porque Benedito adaptou o minueto de Beethoven para a marcha carnavalesca,
fez com que muitos dissessem, sem nenhum motivo, como vocs vero adiante, que
antigamente eram respeitadas as msicas consideradas srias. Ora que j esse negcio de
msica sria uma maneira muito extica e despropositada de classificar qualquer gnero.
Como se um samba ou uma marcha no pudessem ser to srios quanto uma sinfonia, ora essa.
O hbito de utilizar trechos de msicas clssicas para certas peas populares, ouvintes, no de

75
La Mattchiche, Felix Mayol. http://www.youtube.com/watch?v=PZjiRsYXe9A
92
hoje. mesmo muito velho. que antigamente havia da parte de todos mais compreenso
nesse sentido. Todos sabiam perfeitamente que no seria o inocente aproveitamento de
qualquer trecho clssico que iria inutilizar a obra original. Pois bem, ouvintes, h quase 50
anos, fizeram aqui uma adaptao dO Guarani, e ningum esbravejou, no. E no entanto, a
adaptao fez furor e correu o mundo. Ela foi feita por um compositor francs de nome Borel
Clerc, que pretendendo compor um maxixe brasileiro, foi se utilizar de um dos temas mais
populares de Carlos Gomes. E na falta de melhores dados sobre ritmos brasileiros, ele utilizou
o ritmo do paso-doble espanhol. Viu-se ento essa impropriedade, uma msica classificada
como maxixe brasileiro e em ritmo de passo-doble espanhol. Bem, mas fosse como fosse, a
pea fez um enorme sucesso at mesmo entre ns. Sua popularidade foi muito ajudada pelos
versinhos populares que aplicaram aqui [...] (Almirante, 1948b Grifo meu)

Percebemos que Almirante no condenou a atitude de Borel-Clerc, de utilizar a temtica de
Carlos Gomes na sua obra quando mencionou que no passado todos sabiam perfeitamente
que no seria o inocente aproveitamento de qualquer trecho clssico que iria inutilizar a obra
original. Isso revela o seu interesse em orientar os ouvintes no sentido de entenderem tal
atitude como citao e no como plgio, oferecendo argumentos, inclusive, para defesa do
flautista Benedito Lacerda na recente polmica sobre a utilizao indevida do minueto de
Beethoven na marcha de sua autoria.
Em se tratando da utilizao da temtica do Guarani em La Mattchiche temos um
exemplo de compositor francs de msica popular citando deliberadamente uma obra erudita
de compositor brasileiro. Como mais uma aluso ao universo musical brasileiro, numa
gerao posterior, outro compositor francs, Darius Milhaud (1892 1974), no ambiente da
msica erudita, produziria uma obra que mais um exemplo da influncia que a esttica da
msica popular brasileira, ainda em formao, exerceu sobre a obra de compositores
estrangeiros. De passagem pelo Brasil nos anos 1920, quando foi secretrio de Paul Claudel
na Embaixada da Frana, Milhaud encontraria inspirao para compor a obra orquestral Le
Boeuf sur le tot [O Boi no Telhado], apresentando uma espcie de colcha de retalhos,
onde se identificam trechos de peas populares de autores atuantes no cenrio musical dos
anos 1920, como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Marcelo Tupinamb, Cardoso de
Meneses, inseridos em uma esttica politonal. Muitos crticos consideraram a atitude de
Milhaud como apropriao indevida. H diversos exemplos da utilizao de temas da msica
93
popular na msica erudita nacionalista que tambm foram mal compreendidos e considerados
plgios. Um deles a citao da schottisch Iara, de Anacleto de Medeiros, no Choro n 10
de Villa-Lobos.
3.2) Msica popular versus Msica Erudita
Observa-se, em vrios momentos, a preocupao de Almirante em elevar o status da
msica popular, trat-la em p de igualdade com a msica erudita: quando critica os que
dizem que antigamente eram respeitadas as msicas consideradas srias, como se s as
msicas srias eruditas merecessem respeito; quando prossegue, criticando o uso do
termo msica sria para se caracterizar um gnero musical, como se um gnero popular no
pudesse ser to srio quanto um erudito. A afirmao representa uma proposta de
redimensionamento da msica popular para o ouvinte. Em outro programa Almirante trouxe
novamente o assunto tona quando comentou:
H quem pense, com um partidarismo absurdo, que toda e qualquer msica popular no presta,
e que s as grandes obras clssicas, as sinfonias, os quartetos, as sonatas, etc., etc., que
prestam. Pois esto redondamente enganados. H muita sinfonia por a que no vale um
caracol. H muita obra de grande autor considerada at legtima droga. Por outro lado,
sabemos tambm que boa parte da msica popular tambm no vale grande coisa, mas em
compensao, h no gnero legtimas obras-primas, que como perfeio, como expresso de
arte, nada ficam a dever s obras tidas como clssicas no repertrio musical de todo o mundo.
O pessoal da velha guarda se empenha em revelar sempre as jias de nossa msicas popular
[]. (Almirante, 1948e)

Almirante ofereceu argumentos aos ouvintes para combaterem o preconceito de setores mais
elitistas da sociedade brasileira, que insistiam em considerar a msica popular inferior
erudita. Reconheceu a existncia de msicas populares sem valor, mas ressaltou a existncia
de obras-primas que se equipararam a obras do repertrio universal, e inseriu o repertrio
executado pelo O pessoal da velha guarda nesta categoria.
Algumas semanas depois, Almirante reforou essa idia quando registrou as
declaraes do grande patrcio, maestro Villa-Lobos em Londres, que em uma recepo na
qual foi o convidado de honra falou do seu grande sonho: a pacificao do mundo por
94
intermdio da msica. Argumentou que a nica possibilidade de realizao desse sonho seria
por intermdio das msicas que tem penetrao nas massas, as que so populares.
[] Seria de fato uma realizao grandiosa. Mas bom que a gente considere que a msica
mesmo uma linguagem universal. E como a lngua no foge ao imperativo do sotaque, este em
msica pode se dizer que seria o ritmo, no mesmo? A gente reconhece um estrangeiro pela
fala, e pelo sotaque a gente identifica o seu pas de origem. Se tal sonho de Villa-Lobos se
realizar, oxal no haja o predomnio de forma musical peculiar de nenhum pas. A grande
pacificao poderia ser feita de maneira que todos os povos identificassem os demais pelas
suas canes, pelas suas msicas nativas. Nesse caso, cada pas deveria se empenhar para que
bom nmero de suas canes atravessasse todas as fronteiras, levando aos outros povos a
certeza de sua existncia, e o meio de reconhecer suas criaturas. Mas tais msicas deveriam ter
penetrao nas massas, e para isso, ouvintes, s mesmo a msica popular. Envidemos, pois,
esforos desde j, para que nossas msicas sejam conhecidas em todo o mundo, e um dia,
quando algum viajante brasileiro chegar aos mais longnquos pases, no precisar dizer de
boca, com palavras, a sua nacionalidade, bastar assobiar ou cantarolar uns poucos compassos
do Tico-Tico no Fub, ou do Carinhoso, ou do Copacabana, e todos sabero que ali est
um patrcio nosso. (Almirante, 1948a)

No por acaso Almirante menciona o choro Tico-tico no fub, de Zequinha de Abreu como
uma msica capaz de representar a identidade nacional no exterior. Este choro acabara de ser
lanado nos EUA no filme Copacabana, em 1947, pela artista popular brasileira de maior
projeo internacional do perodo (qui de todos os tempos), a cantora Carmen Miranda.
Uma crtica de rdio, Magdala da Gama de Oliveira, conhecida como Mag, representa
uma das vozes partidaristas mencionadas por Almirante. Mag escrevia uma coluna no jornal
Dirio de Notcias e ficou conhecida pelos ataques desferidos contra a msica popular,
procurando desclassific-la como msica de valor artstico, comparando-a com a msica de
concerto. Conquistou a inimizade da classe artstica da msica popular a tal ponto que em
1956, os compositores Haroldo Barbosa e Janet de Almeida lanaram um samba que seria
mais tarde celebrizado na voz de Joo Gilberto, ironizando a sua atitude racista e
preconceituosa:

Pra que discutir com Madame
(Haroldo Barbosa e Janet de Almeida)

Madame diz que a raa no melhora
Que a vida piora
Por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba, coitado,
Devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaa
95
Mistura de raa, mistura de cor
Madame diz que o samba democrata,
msica barata
Sem nenhum valor

Vamos acabar com o samba
Madame no gosta que ningum sambe
Vive dizendo que o samba vexame
Pra que discutir com Madame?

No carnaval que vem tambm com o povo
Meu bloco de morro vai cantar pera
E na avenida entre mil apertos
Vocs vo ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
S fala veneno
Meu Deus, que horror!
O samba brasileiro, democrata
Brasileiro na batata que tem valor.

Logo aps o encerramento do programa O pessoal da velha guarda na Rdio Tupi, Mag
esteve presente nas apresentaes por ocasio do II Festival da Velha Guarda, promovido pela
Rdio Record, em So Paulo, em 1955. Nessa fase vemos a crtica buscando uma
reconciliao com a classe, registrada no Dirio de Notcias. A colunista comenta, de forma
auto-referente: [] O compositor Nssara viu que a cronista Mag tambm sabia de cor
aquelas msicas, argumento definitivo de que ela conhece e aprecia as nossas melodias
populares, quando tem valor artstico.
76
Mais adiante na coluna, se une ao coro em defesa da
recuperao da msica popular brasileira, que se perpetuava aps o programa, ressaltando os
nossos legtimos valores musicais, a exemplo dos artistas que participaram do Festival da
Velha Guarda. Props que as emissoras seguissem o exemplo da Rdio Record, de forma a
fazerem oposio ao repertrio internacional, aos sambas medocres com fins comerciais e s
verses de sucessos estrangeiros. possvel que a mudana de atitude da crtica Mag seja
reveladora da gradual conquista de credibilidade em relao qualidade da msica popular
veiculada pelo O pessoal da velha guarda junto intelectuais e formadores de opinio.
O Festival da Velha Guarda, como foi exposto no Captulo 1, foi um grande evento
idealizado por Almirante para homenagear Pixinguinha no seu aniversrio, em 23 de abril de

76
MAIO, Ms da msica brasileira na Rdio Record, coluna de Magdala da Gama de Oliveira, do jornal
Dirio de Notcias. Recorte de jornal. Acervo Almirante, FMIS-RJ.
96
1954, e coincidindo com o IV Centenrio da cidade de So Paulo, foi incorporado agenda de
comemoraes. Foi uma espcie de coroamento da Velha Guarda do Rio de Janeiro e de So
Paulo, permitindo que vrios artistas que se encontravam esquecidos ressurgissem no cenrio
musical. Tendo ampla divulgao na imprensa, e considerado uma inesquecvel lio de
brasilidade, o festival se repetiu no ano seguinte e serviu como mote para o debate sobre a
esttica nacionalista na msica popular.
O cantor e compositor Sylvio Salema, no final da sua gesto como chefe do Servio de
Educao Musical e Artstica (SEMA), tambm expressou o seu apoio iniciativa de
Almirante, na sua coluna de jornal, por ocasio do II Festival da Velha Guarda, embora
perceba-se no seu comentrio a postura elitista de hierarquizao do gnero de msica erudita
(elevada) em oposio a popular.
MSICA DANOS E PERDAS
Quem acompanha nossas crnicas tem verificado claramente que esta coluna no faz parte de
outras colunas indesejveis quando trata da msica brasileira, seja ela elevada ou popular; a
verdade que lutamos sempre pela liberdade de nossa msica, embora os becios digam que
msica no tem ptria, mas, a verdade que nunca chega a vez do Brasil.
O mais curioso que o brasileiro no se apercebe de que est sendo altamente prejudicado e
at demonstra que tem prazer nisso, tornando-se assim, um colaborador do estrangeiro contra
os seus patrcios.
Os nossos compositores de msica elevada h muitos e dilatados anos que se limitam a
lamentar a situao e a guardar nas gavetas e armrios os seus belos trabalhos onde jazem
esquecidos.
A nossa salvao estava, na msica popular, pelo menos no samba e outros gneros que no
poderiam faltar nos bailes ou nos programas radiofnicos e festas, mas, no resta dvida de
que ns mesmos estamos causando a nossa runa porque o nosso povo est sendo
maldosamente dirigido por interessados em prejudicar a nossa msica popular.
triste verificar que assim como deixamos que dilapidem as nossas riquezas, que corrompam
e desvirtuem a nossa moral pela adoo de hbitos que no so nossos, venham destruindo, por
interesses ocultos, o que de belo existe em nossa msca.
No II Festival da Velha Guarda h pouco realizado em So Paulo, Almirante deu o grito de
alarme e iniciou uma campanha de defesa da nossa msica, preterida que vem sendo,
injustificavelmente.
O mais triste e lastimvel verificar que so os nossos prprios artistas que procuram gravar,
em verses, boleros e fox-trots em exibies afetadas e ridculas, s pela vaidade de dizerem
que no tm jeito de cantar coisas brasileiras.
Em um baile, geralmente, programam todos os gneros de msica estrangeira e, por esmola,
um samba ou um baio.
Apelamos para os verdadeiros brasileiros, sejam eles cantores, msicos, ou no, que lutem
contra essa alarmante situao, defendendo o que nosso, conscientes de que a melhor
msica popular do mundo, a mais rica em ritmos e a mais bela em melodias.
Sejamos, antes de tudo, brasileiros.
77
[grifo meu]

77
Coluna de Sylvio Salema, publicada em jornal sem identificao de ttulo ou data. Esse recorte de jornal faz
parte de um caderno de Almirante que rene todo material de imprensa publicado por ocasio dos Festivais da
Velha Guarda, em 1954 e 1955. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.
97

Ambos os comentrios de Mag e Salema evidenciam uma rejeio ao repertrio
estrangeiro e ao nacional com finalidades estritamente comerciais. interessante observar a
meno ao baio, feita por Salema, ao lado do gnero samba, como representantes de estilos
nacionais. Desde 1946, ano do lanamento da msica Baio, de Luiz Gonzaga portanto
apenas um ano antes do incio do programa O pessoal da velha guarda o baio, gnero
identificado como regional nordestino, iniciara um percurso de sucesso comercial que se
estenderia ao longo dos anos 1950, talvez s equiparado ao sucesso do samba nos anos 1930.
Embora divulgado a nvel nacional, e reconhecido em 1955 por Sylvio Salema como um
gnero brasileiro, curioso notar que no haja qualquer meno ao baio, nem presena de
Luiz Gonzaga nas audies do O pessoal da velha guarda. sabido que Luiz Gonzaga
mantinha relaes de amizade com os msicos que compunham o regional do Grupo dos
Chores: Dino, Meira e Canhoto, e seria natural que o artista fosse convidado. A justificativa
talvez esteja justamente no fato do baio ter se transformado numa febre, um modismo, que
era rechaado no programa. A sua presena no programa talvez representasse uma diluio da
proposta de valorizao da msica de Pixinguinha e do resgate da memria musical do
passado.
3.3) Comercialismo na cenrio artstico da msica popular nos anos 1940 e 1950
O elemento musical estrangeiro que outrora havia sido abraado como formador da
identidade da msica popular brasileira transformara-se em vilo, agora no contexto da
indstria fonogrfica dos anos 1940 e 1950, para aqueles que se preocupavam em preservar a
integridade da nacionalidade. Em um comentrio de abertura de uma das audies do Pessoal
da Velha Guarda, assumindo uma postura didtica, Almirante esclareceu aos ouvintes as
razes pelas quais a boa msica brasileira enfrentava dificuldades para ser prestigiada,
colocando em perspectiva a indstria nacional de discos diante do mercado internacional:
[] Ao iniciarmos essa audio, queremos um minuto para fazer um pequeno comentrio
sobre um hbito mau, que pe em cheque nossa atual msica popular, deixando a impresso de
98
que ela inferior de outras terras. o seguinte: costumam os fanticos pela msica
estrangeira comparar a nossa produo com a de outras terras baseando-se no que aqui aparece
gravado em discos. Esquecem-se, porm, de que ns recebemos, digamos, mais ou menos 50
discos de fora a cada ms. Estes 50 so o que existe de melhor pelo mundo afora. So a nata de
perto, talvez, de 1.000 discos editados no estrangeiro, e que no vem todos para c. Para c s
nos mandam o que l consideram o melhor. No s como msica, mas tambm como gravao,
como tcnica e como qualidade sonora. Pelo nosso lado aqui, as trs fbricas que aqui existem
apresentam tambm a cada ms uns 50 discos de msica brasileira. Ora, esses 50 so o total.
Total de coisas boas e de coisas ruins. A rigor, e nem podia deixar de ser, hein, s umas 4, 5, 6
ou 8 no mximo gravaes estariam em condies de ser comparadas quelas 50 boas
estrangeiras que nos chegam cada ms. Essa que a lgica. Se ns aqui recebssemos de fora
todos aqueles 1.000 discos que l se imprimem, vocs viriam quanta porcaria tambm existe
por l por esses pases, onde muitos pensam que tudo perfeito. Mas o que acontece isso:
comparam aqueles 50 discos brasileiros, dos quais ns mesmos sabemos que s 5, 6 ou 8 se
podem prestar a confrontos, com os 50 excelentes que nos chegam da estranja. Ora, assim
como diz a anedota: no h bicho que resista. [] (Almirante, 1947f)

Esta desigualdade de potncia entre as indstrias nacional e estrangeira suscitou
estratgias protecionistas como a do compositor Ary Barroso, divulgada em um dos
programas, propondo na sua gesto como Vereador, na Cmara, que a msica estrangeira
fosse acrescida de um imposto que a tornasse de mais difcil aquisio em discos, o que viria
a favorecer a msica nacional, que ento teria as suas gravaes mais em conta. (Almirante,
1947e).
Lenharo tambm fornece dados que caracterizam a disputa acirrada na indstria de
discos descrita por Almirante.
[] a matriz dos discos estrangeiros chegava nas mos do comandantes da Panam, prontinha.
O disco saa rpido e barato no mercado, dominado pelas empresas estrangeiras que tomavam
conta do ramo. No devia ser nada fcil para uma empresa nacional instalar-se, criar um
catlogo, expandir a sua produo. A Continental foi a primeira grande gravadora nacional a se
impor no mercado no incio dos 40. Seu controle acionrio, conforme informao de
Braguinha, pertencia famlia Byington, representante da Colmbia no pas. Braguinha dirigia
o Dpto. Artstico da Colmbia, de onde saiu, e com seu trabalho que a Continental comeou a
crescer. A Continental no tinha acesso a matrizes estrangeiras, o que a obrigou a investir
pesado no artista nacional. [] (Lenharo, 1995)

Tendo como foco a trajetria do cantor Jorge Goulart, o autor analisa as solues encontradas
por compositores brasileiros e por gravadoras nacionais como a Continental para sobreviver
no mercado da virada dos 1940 para os 1950, como por exemplo a estratgia de criar verses
de msicas comerciais estrangeiras.
[] As verses compensavam a lacuna do original estrangeiro. Verter era uma forma de se ter
acesso ao produto estrangeiro e sua reutilizao, um critrio empresarial no necessariamente
movido por intenes nacionalistas. [] Fazer verses era um procedimento comum. []
Acontece que, at essa poca a msica popular mantinha-se suficientemente rica para se
99
defrontar ou equilibrar-se no mercado diante da avalanche da msica estrangeira. Ainda que
novos valores surgissem na cena artstica, eles entretanto no se mostravam suficientes para
preencher a vaga da Velha Guarda,
78
muitos dos quais ainda se encontravam na ativa, mas sem
o poder de fogo de tempos atrs. Por isso mesmo que as verses esto mais visadas nos
cinquenta elas no encontram um suporte de criao por parte dos compositores da msica
popular (que se encontravam numa posio defensiva diante do mercado) e criavam uma
desagradvel sensao de vazio. Alm de recorrer s verses, autores brasileiros tambm
buscavam solues mimticas, fazendo com que o samba (no era a msica brasileira?) ora
assumisse feies do fox, ora do bolero, de acordo com as imposies do mercado. (Lenharo,
1995:76)

Na opinio de compositores consagrados no meio artstico dos anos 1930, segundo
Lenharo, a msica de carnaval dos anos 50 foi o nico espao de preservao das
caractersticas identitrias da msica popular brasileira.
Para os compositores da Velha Guarda, essa relativa desfigurao da msica popular encontrou
seu ponto limite nas msicas de Carnaval, que se tornaram um ponto de referncia obrigatria
e de identificao entre os compositores brasileiros. Mais importante ainda, a se encontrava o
foco de convergncia que punha os criadores e o pblico em sintonia, permitindo que a mstica
da msica brasileira se mantivesse acesa. De fato, sem a msica de Carnaval o perfil da msica
popular dos anos 50 mostrava-se descaracterizado, o que pode se perceber no prprio
desempenho dos cantores da poca. (Lenharo, 1995:77)

Em uma entrevista ao Dirio da Noite,
79
por ocasio do Festival da Velha Guarda em So
Paulo, ao ser perguntado por jornalistas sobre a msica popular brasileira da atualidade,
Pixinguinha revela a sua desaprovao at mesmo da msica de carnaval do perodo:
A musica de Carnaval um desastre. E grande parte das composies populares que tm
aparecido nos ltimos anos no vale nada. Sofre muitas influncias malficas. A boa msica
popular brasileira perdeu muito de suas caractersticas, de sabor que tinha no comeo. Hoje
influenciada pela modena msica americana, aos boleros, swings, etc. Naturalmente da salada,
da estilizao do bom popular brasileiro com a influncia do estrangeiro, no pode dar grande
coisa. (Pixinguinha, 1954)

Pixinguinha prossegue a entrevista dando o seu parecer sobre as razes pela
descaracterizao da msica popular brasileira: O que h muito comercialismo. Muitos
compositores fabricam msicas para ganhar dinheiro e como o que aparece de moderno o
vindo daquelas fontes, seguem a tendncia geral, o que o povo se acostumou a ouvir e a
gostar. O entrevistador pergunta se o rdio (deixando de parte sua importncia como veculo
de divulgao), foi um bem ou um mal para a msica popular brasileira e o compositor
responde que o rdio teve um mal: aguar o esprito mercantilista dos compositores. Essa fala

78
A expresso Velha Guarda utilizada por Lenharo aqui diz respeito gerao de cantores consagrados no meio
artstico dos anos 1930 e no ao Pessoal da Velha Guarda do programa de Almirante.
79
Entrevista com Pixinguinha. Jornal Dirio da Noite, em 24 de abril de 1954. Acervo Almirante, FMIS-RJ.
100
certamente demonstra o quanto Pixinguinha, aps anos de convivncia com Almirante no
programa O pessoal da velha guarda, se influenciou pelo seu pensamento. Como vimos, a
anlise de alguns de seus arranjos revela influncias do estilo americano. No seu depoimento
para posteridade no Museu da Imagem e do Som em 6 de outubro de 1966, ao ser perguntado
sobre o repertrio que os Oito Batutas executavam em Paris, ele afirmou: a gente tocava o
que era nosso. Uma vez ou outra que tocvamos uns foxtrotezinhos s para variar, porque,
comercialmente, ns tnhamos que tocar um bocadinho de cada coisa.
3.4) Orientao esttica no programa O pessoal da velha guarda
Voltando ao programa da Rdio Tupi, um dos recursos utilizados por Almirante para
fortalecer o vnculo com o pblico se baseava na divulgao de cartas de ouvintes e pesquisas
de opinio. Na abertura de uma das audies divulga o trecho de uma carta: Num tempo em
que quase tudo swing, quase tudo bolero, conga ou rumba, deve ser consolador um
programa como este para os que gostam de evocar os bons tempos que se foram. E
complementa: Bem ouvintes, essa frase aqui no nossa, hein? Tiramo-la de uma carta de
um ouvinte. Naturalmente fazemos votos para que no s ele pense assim, para que muitos
outros estejam tambm de acordo com aquela opinio. Lanando mo do seu estilo irnico,
na abertura de outra audio, comemora o fato de que as investigaes feitas sobre as
preferncias do pblico verificaram, estranhamente, que as msicas mais procuradas em
partituras e discos no Brasil eram quatro msicas brasileiras.
[] Hoje, meus amigos, no venho falar contra coisa alguma. Por estranho que parea, venho
falar a favor. Por estranho que parea, com relao msica popular, h alguma coisa que vai
bem, muito bem mesmo. [] Quatro msicas esto sendo as mais escolhidas pelos cantores. E
ouvintes, o que nos faz estranhar, e nos traz aqui neste alarde, que essas quatro msicas so
todas brasileiras! So quatro sambas. A saber: Marina, Segredo, Nervos de Ao e
Incerteza. Parece incrvel, hein? Pelo caminho que ns vnhamos indo, muito estranhvel
que isto esteja acontecendo. Chega a dar a impresso de que no estamos no Brasil! No
possvel! Logo quatro msicas brasileiras fazendo sucesso no Brasil! E nenhuma estrangeira?
Nenhum fox-trot? Nenhum bolero? Nehuma conga? Papagaio! Isto um bom exemplo
ouvintes. Se o povo se dispuser a apreciar o que nosso, saber descobrir e dar valor s
produes boas que sempre aparecem. Bastar um movimento de simpatia pelas nossas
msicas populares para que sejam notadas as boas entre as ruins. [] (Almirante, 1948a)

101
Almirante aproveitou o fato de que os autores das canes (respectivamente, Dorival
Caymmi, Herivelto Martins, Lupicnio Rodrigues, Tom Jobim e Newton Mendona) eram
todos brasileiros para dar destaque produo nacional. Paradoxalmente, percebe-se que o
gnero samba-cano das msicas citadas (Marina, Segredo, Nervos de Ao e
Incerteza) tende muito mais a espelhar a esttica do bolero do que a esttica do repertrio
vocal figurado no programa.
Em outros momentos, abria mo do efeito sedutor do seu estilo humorstico e assumia
um estilo feroz, criticando a macaqueao e o snobismo de maus brasileiros, simbolizados
por moradores de Copacabana, consumidores da msica comercial estrangeira.
[] Mas a macaqueao um fato incontestvel. Entre o magnfico disco brasileiro, bem
gravado, bem orquestrado, e bem cantado, e um swing ou bolero qualquer, o mal brasileiro,
sem entender s vezes nquel do que ouve no disco, prefere o swing ou o bolero. Tudo por
snobismo, por macaqueao. Isso porque a garota de Copacabana, ftil e desinteressada de sua
terra, deu de cantar em farrapos as palavras inglesas ou cubanas daquela msica, e o coi ento
compra o disco para aprender de orelhada os versos, pra depois mostrar que sabe mais do que
ela. E estamos no Brasil, hein... (Almirante, 1947e)

A crtica garota ftil de Copacabana evidencia o preconceito bairrista de Almirante,
rotulando o pblico consumidor da msica comercial estrangeira como sendo de classe mdia,
morador da Zona Sul do Rio de Janeiro, e motivado pelo sexo feminino.
Outro recurso, j visto no Captulo 2, para justificar e argumentar a favor da proposta
nostlgica do programa foi o de marcar as diferenas entre a msica do passado e a do
presente. Quer provar aos ouvintes que no passado a qualidade das msicas era superior:
[] como a msica se presta a comparaes, reparem se a maioria das composies
modernas, dessas inexpressivas que hoje surgem aos montes, poder-se-ia comparar em
atrao, em vivacidade, ou em gostosura a maxixes iguais a esses que os autores escreviam a
vinte e poucos anos atrs! (Almirante, 1948e). Compara a qualidade das msicas de Ernesto
Nazareth, como o tango Brejeiro, que torna-se em cada poca to atual quanto as msicas
mais modernas e mais em voga, em contraste com msicas novas, que vo
102
momentaneamente ao pinculo da fama, mas tambm no tardam logo em cair no mais
completo esquecimento (Almirante, 1948c). Sada os ouvintes dizendo que, para eles,
apreciadores da Velha Guarda, um dia de alegria, mas tambm dia feliz para os
componentes da Velha Guarda, porque todos eles esperam sempre com ansiedade o
momento em que possam defrontar o microfone para relembrar as grandes msicas do seu
tempo, e mostrar, principalmente aos compositores de hoje, que a qualidade das msicas de
antigamente, era mil vezes superior dos nossos dias (Almirante, 1949).
possvel identificar uma estratgia de catalizao de emoo nostlgica em arranjos
para Orquestra do Pessoal da Velha Guarda, como no da marcha Os passarinhos da Carioca,
de Lus Nunes Sampaio, o Careca (compositor de sucessos nos anos 1920), includa no
repertrio da audio como homenagem ao Largo da Carioca, que seria extinto naquela
ocasio. Almirante anuncia: [] Para finalizar o arranjo, numa transio de marcha viva
para lenta, marcha de rancho, em forma saudosa, fica aqui toda a inteno de despedida do O
pessoal da velha guarda ao tradicional Largo da Carioca (Almirante, 1947c). A marcha
interpretada na voz de Almirante, apoiado pelo coro no refro Ai como bom se ouvir cantar
/ Os passarinhos de l, de l. Na transio anunciada, marcada por uma modulao e
mudana de andamento, o coro entra novamente cantando os versos solados anteriormente
por Almirante: Meu passarinho fugiu, fugiu / Meu passarinho voou, voou / Na Carioca ele
voltou / Em frente noite tra-la-l-l-la e prossegue nos versos do refro para finalizao do
arranjo em forma grandiosa. A modulao utilizada como recurso tcnico para chamar a
ateno dos ouvintes para a mudana de estilo, de marcha viva para marcha lenta, somada ao
canto coletivo, desperta o sentimento de vnculo afetivo, na evocao de um elemento
representativo da identidade cultural carioca: os ranchos carnavalescos. A inteno que os
ouvintes se despeam do Largo da Carioca com o mesmo sentimento de afeto que os ligou um
dia ao ranchos carnavalescos.
103
3.4.1) Orientao esttica no repertrio vocal
Embora a maior parte do repertrio do O pessoal da velha guarda fosse instrumental,
o repertrio vocal teve lugar de destaque no programa. Em vrios momentos Almirante faz
meno ao sucesso que alguma msica do repertrio instrumental conquistou aps receber
versos. Alm de fazer meno ele canta um trecho, como por exemplo na apresentao do
tango Gacho, o Corta-Jaca de Chiquinha Gonzaga, quando comenta: [] a msica
alcanou logo enorme sucesso e aumentou muito depois que recebeu uns curiosos versos que
diziam: [Neste ponto o piano comea a fazer o acompanhamento do Corta-Jaca e Almirante
canta a primeira parte]: Neste mundo de misrias quem impera quem mais folgazo /
quem sabe corta-jaca nos requebros / De suprema perfeio, perfeio / quem sabe corta-
jaca nos requebros / De suprema perfeio. H casos onde registra a alterao no ttulo de
msicas instrumentais, aps receberem versos. o caso da valsa Supplication: [] com o
incrvel sucesso que alcanou aqui, principalmente depois que recebeu versos em portugus, a
msica passou a se chamar tambm O ltimo Beijo ou ento tambm No Quero Mais
Teus Beijos. Na produo de choros, principalmente de compositores do sculo XIX, foi fato
comum a modificao de ttulos de msicas transformadas em canes. Tornaram-se clebres
as polcas, tangos, schottischs e valsas de chores que receberam versos do poeta Catulo da
Paixo Cearense. Dentre essas, algumas figuraram no programa: a polca Trs estrelinhas e a
schottisch Yara, de Anacleto de Medeiros, transformadas em O que tu s e Rasga o
Corao, interpretadas por Gilberto Alves; e o tango Brejeiro, de Ernesto Nazareth,
transformado em Sertanejo enamorado.
O repertrio vocal pde ser valorizado no programa O pessoal da velha guarda, onde
o foco principal era a msica instrumental, pelo fato do produtor do programa ser um cantor,
com uma carreira respeitvel. Almirante fez parte do rol de ilustres cantores do rdio ao
longo de toda dcada de 1930, alm de ter iniciado a sua carreira em um conjunto de estilo
104
regionalista, como foi exposto no Captulo 1. Sua voz tambm esteve presente em cinco
filmes nacionais e em vrias dublagens de Walt Disney. dele, por exemplo, a voz do ano
Mestre e do Espelho Mgico no longa-metragem Branca de Neve. A partir dos anos
1960 sua voz figurou na Coleo Disquinho, uma coleo de discos de vinil coloridos
contendo msicas e histrias infantis compostas e adaptadas por Joo de Barro com
orquestrao de Radams Gnattali.
Com base nesses dados histricos, na locuo das suas apresentaes, e nas
interpretaes do repertrio cantado no programa, buscamos caracterizar um estilo vocal que
representa um modelo de referncia esttica de brasilidade. Poucos musiclogos at hoje se
propuseram a fazer anlises do estilo vocal na msica brasileira. Talvez o primeiro deles
tenha sido Mrio de Andrade, quando liderou em 1937 o Primeiro Congresso da Lngua
Nacional Cantada, reunindo profissionais envolvidos no estudo da voz (cantores, professores,
atores, msicos e estudiosos de fontica), buscando discutir e lanar propostas para o
estabelecimento de normas para a execuo de um canto brasileiro. Mrio de Andrade
encontrou nas gravaes de cantores de msica popular urbana, padres de entoao, dico e
timbre que, na sua percepo, constituiam um modelo esttico de brasilidade que deveria ser
incorporado ao canto da msica erudita nacional. Acreditava que a entoao que provinha da
escola do bel canto europeu contribua para a descaracterizao do canto nacional. Advogava
um canto mais de acordo com a pronncia da lngua que a nossa e com os acentos e
maneiras expressivas j tradicionalizadas em nosso canto popular (Andrade, 1991).
Nas anlises de Andrade h referncias a caractersticas de nasalao na entoao de
Almirante. Relaciona esse atributo especificidade de um canto tipicamente carioca,
elogiando os seus nasais na gravao da batucada Tumba: com timos nasais no a de
rial e naval.
105
Em 1956, quando Almirante lanou pela Sinter o LP de dez polegadas Almirante, a
maior patente do rdio, entre oito antigos sucessos gravados estava Faustina, choro de
Gad, cujos versos relatam de forma humorstica o pavor de um genro ao avistar a sogra com
as malas, resolvida a se mudar para residncia do casal (ouvir CD, faixa 26 Anexo 4).
Faustina
(Gad)

"Espera a que eu j vou l!"
"Ora, v bater no inferno!!"
Xi!... Faustina, Corre!

[Parte A]
Aqui depressa!
Olha quem est no porto
minha sogra com as malas
Ela vem resolvida
A morar no poro
Vai ser o diabo!
Vamos ter sururu com o vizinho
No estou pra isso, eu vou dar o fora,
Decididamente eu vou morar sozinho

[Parte B]
minha sogra mas tenha pacincia!
No h quem possa com esta jararaca!
Meu sogro foi de maca pra assistncia
Com o corpo todo retalhado a faca!
Mas comigo diferente
No tenho medo desta cara feia,
Levo a pistola e desperdio um pente
Ela descansa e eu vou pra cadeia

Xi!... Faustina, Corre!

[Repetio da Parte A com voz cantada]
[Parte B instrumental com solo de clarinete, flauta e acordeon]

Xiii... Faustina, Corre!

[Repetio da Parte A com voz cantada]
[Coda com mesmo tema da introduo, sem breques]

A forma como o arranjo da gravao de Faustina elaborado faz com que o ouvinte seja
conduzido a visualizar a cena descrita nos versos. Palmas em sncope simulando o chamado
de uma campainha moda antiga abrem a gravao, antecedendo a introduo executada
pelos instrumentos de base, clarinete, flauta e acordeon. A rtmica da palma est de acordo
com o choro, gnero musical em questo:
106

Exemplo musical 1
a representao da sogra chegando. A parte instrumental comea e interrompida no
segundo compasso pela repetio das palmas em sncope, representando a insistncia do
chamado. Entra a voz falada/gritada de Almirante, no papel de genro, com entonao de
algum que se dirige a uma pessoa que est distante: Espera a que eu j vou l!. A
introduo prossegue com dois breques onde aparecem as palmas em sncope. Aps essas
duas interrupes, entra novamente a voz falada/gritada de Almirante, desta vez com maior
nfase: Ora, v bater no inferno!. Os breques simulam a sensao da quebra repentina de
um momento de conforto, que atravs da insistncia, vai gerando uma irritao crescente. A
parte instrumental da introduo prossegue at a sua finalizao em novo breque. Este breque
representa o exato momento onde o genro avista a sogra e em seguida se apressa em chamar
Faustina: Xi, Faustina, corre![]. O tom de surpresa, na interjeio Xi!!!, somado ao
de desespero, na palavra corre!. A voz cantada inicia no complemento da frase: Xi,
Faustina, corre, em aqui depressa.
Alguns padres de dico, timbre e entoao, tanto da voz falada quanto da voz
cantada de Almirante podem ser apontados nesta gravao. De forma geral, sua voz apresenta
clareza, expressividade e excelente pronncia na caracterizao da coloquialidade da
linguagem. A entoao da sua voz falada, ou gritada, utilizada nos breques, deixa transparecer
a imagem de algum que est distante: "Espera a que eu j vou l!" e "Ora, v bat no
infeeeeerrno!!". No que se refere ao timbre, h momentos de grandes contrastes: o timbre
agudo utilizado na interjeio Xiii!! (com nfase na vogal i), contrasta com o timbre
mdio utilizado na palavra seguinte: Faustina, retornando para o mdio-agudo em Corre!.
Percebem-se nasalizaes nas palavras diferente, pacincia, assistncia, poro,
porto, alm dos nasais das slabas com a vogal a, tambm percebidas por Mrio de
107
Andrade: em jararaca e faca. No que se refere dico, assinalamos trechos onde a letra
soa como i: decididamente e descansa; a letra soa como u: no poro soa
como nu puro; palavras onde a letra inical omitida: est e estou soam como st,
st; espera soa como spera; desperdio soa como esperdio; ou onde a letra final
omitida: morar soa como mor, ter soa como t, vou soa como v. H tambm a
pronncia clara de Rs rolados em infeRno e coRpo, que hoje em dia no soam como
coloquiais mas nos anos 1950, provvel que sim.
O recurso vocal de produzir contrastes na voz falada identificado na gravao de
Faustina aparece na apresentao do choro T fraco, de Pixinguinha, no O pessoal da
velha guarda, onde Almirante arranca risos da platia:
[] H de certo um contraste entre a estridncia e o volume do grito e o que ele representa.
que ningum que esteja realmente enfraquecido tem foras bastantes para andar afirmando a
toda hora, alto e bom som, que est naquele estado de fraqueza. O grito do t fraco at me
faz lembrar uma cena que eu assisti num teatro, em que o ator, por necessidade de
interpretao, j que figurava um moribundo, dizia sempre num murmrio: Ai, no posso
mais, t fraco, estou perdendo as foras. Mas um expectador l dos fundos, como no ouvisse
bem, reclamou. Isto obrigou o ator a recitar um pouco mais alto a sua frase. Mas aquele
volume ainda no contentou o expectador que continuou a reclamar. Diversas tentativas ento
foram feitas para atender o homem da platia, que teimava em dizer que no ouvia nada. E por
fim o ator moribundo teve que representar o seu papel de homem na ltima lona, numa voz
tonitruante assim: AI! NO POSSO MAIS! ESTOU PERDENDO AS FORAS!! [risos].
(Almirante, 1948f)

O recurso da fala que desponta logo aps um breque uma caracterstica estilstica que se
fixou nos anos 1930, no gnero samba-de-breque, como os celebrizados na voz de Moreira da
Silva como Acertei no milhar (Wilson Batista e Geraldo Pereira) e Amigo Urso
(Henrique Gonalves), ou Minha Palhoa (J. Cascata) na voz de Ciro Monteiro tambm
ocorre na canoneta Ol, seu Nicolau, interpretada na voz de Almirante com arranjo para
Orquestra do Pessoal da Velha Guarda, em estilo de marcha carnavalesca. Na abertura do
arranjo a frase Ol, seu Nicolau! Quer mingau? Na colher de pau? aparece na voz cantada
de Almirante, mas na sequncia, a cada breque, surge a frase insistente na voz falada, que
interroga com variaes de expressividade, provocando risos. Na apresentao da canoneta,
Almirante lembra que a frase foi coqueluche no Rio de Janeiro. Certamente isso explica a
108
sua incluso na gravao do samba Na Pavuna, em um breque que ocorre no trecho
instrumental. O fato revela que a canoneta era uma velha conhecida de Almirante. Os
breques que ocorrem em polcas carnavalescas como A, Morcego!, de Irineu de Almeida e
na polca Fecha, Carrana!, (embora sejam intervenes faladas em msicas instrumentais),
poderiam ser percebidos como ancestrais dessa prtica musical incorporada linguagem da
msica popular brasileira.
O desenvolvimento da habilidade para articular palavras com agilidade e preciso
rtmica, assim como o interesse de Almirante pela prtica musical do cantador nordestino, o
gosto pela interpretao de versos caracterizados pela linguagem cifrada, pelo humor, pelo
deboche, pela provocao, remontam ao tempo em que interpretava emboladas no Bando de
Tangars.
80
Esse esprito humorstico e malicioso tambm est expresso na cultura carioca,
como j visto anteriormente, e tambm na baiana, em outros gneros musicais. Podemos
constat-lo nos versos de vrias das msicas que interpreta nas audies do O pessoal da
velha guarda. Nas marchas Os passarinhos da Carioca: das 5 s 6 cantam os passarinhos /
mas que delcia se ouvir cantar / mas o barulho infernal / em baixo deles no se pode estar;
No bico da chaleira: Iai me deixe subir esta ladeira / Que eu sou do grupo do pega na
chaleira; nos versos do sambas Caridade (j transcritos no Captulo 2); J te digo: Um
sou eu e o outro eu j sei quem / Ele sofreu pra usar colarinho em p / Vocs no sabem
quem ele / Pois eu lhes digo / Ele um cabra muito feio / Que fala sem receio / Do Rio de
Janeiro; Essa nega quer me dar: Olha, essa nega quer me dar / Eu no fiz nada pra
apanhar / Nega tu no faz feitio / Que eu tenho corpo fechado / Pancada de amor no di /
Por isso apanho calado; na verso de La Mattchiche: O padre santo disse que pecado /
Andar de brao dado com o namorado / O padre santo disse que pecado / Andar de brao
dado sem ser casado; e no samba de roda Inder: ia a saia dela, Inder / Como o vento

80
Ver, por exemplo, a gravao da embolada E no brinca no, de Noel Rosa.
109
leva no ar / Peguei na perna da me, Inder / Pensando que era da fia /Minha sinhora de
corpo, Inder / Era de noite e eu no via.
Nem s de msica urbana vivia O pessoal da velha guarda. Algumas cantigas que
evocam a temtica sertaneja estiveram presentes em momentos pontuais. Nas falas de
apresentao, Almirante deixa por vezes transparecer o seu prprio vnculo afetivo com o
estilo. Isso perceptvel, por exemplo, na audio em que recebe como convidado especial, o
cantor pernambucano Augusto Calheiros. Como pano de fundo da sua fala de apresentao,
faz o coro acompanhado do regional lembrar um trecho de Pinio (Luperce Miranda),
repertrio do conjunto pernambucano Turunas da Mauricia que estivera no Rio de Janeiro no
final dos anos 1920 e exercera grande influncia sobre o Bando de Tangars, e do qual
Calheiros havia sido integrante.
[] Foi de todo o corao e espontaneamente que fizemos na semana passada a defesa do
grande cantador nordestino Augusto Calheiros muito justificadamente apelidado de o Patativa
do Norte. Calheiros, que da Velha Guarda, e que no perde um desses programas, conforme
nos confessou hoje, ouviu cheio de surpresa e mesmo comovido o que ns dissemos dele, e
veio aqui trazer-nos seu abrao de agradecimento. Mas, porm, estamos resolvidos a s aceitar
agradecimento de Calheiros por meio de msica. Ele ter que cantar, ns o prendemos aqui
para cantar, provando assim, no s a ns, como aos ouvintes, quanta razo tivemos naquele
comentrio. pois com enorme alegria que O pessoal da velha guarda recebe aqui o grande
cantor, o Patativa do Norte, que vai recordar, na sua maneira personalssima, uma famosa
cantiga que ele lanou em 1927 quando aqui chegou com os Turunas de Mauricia. A linda
Na Praia, de Raul C. de Moraes. Calheiros! (Almirante, 1948b)

Cerca de um ms antes, de forma didtica, ele havia feito uma retrospectiva do momento
histrico onde a temtica sertaneja influenciara o meio artstico no Rio de Janeiro, na
apresentao da toada Tristezas do Jeca, interpretada por Moraes Neto:
[] J me referi aqui vrias vezes ao tempo em que nossa msica popular andou grandemente
influenciada pelos assuntos sertanejos, que ento predominavam principalmente nos meios
teatrais e nos meios musicais. Nos teatros, a exaltao do que nosso era insistente em peas
famosas como Terra Natal, O Marroeiro, Onde Canta o Sabi, e tantas outras. Na msica,
inmeros sucessos tambm se destacaram O Matuto, A Rolinha do Serto, Vamo
Maruca, Vamo, Que Sodade, e mil outras.

uma toada que apareceu durante aquela efervescncia sertanista, msica que constituiu um
sucesso marcante, que vai ser relembrada agora pelo Grupo dos Chores. Seus versos e sua
msica, da autoria de Angelino de Oliveira, constituem um hino de saudade s paragens
sossegadas de nosso interior. Enfim, uma verdadeira ode ao serto brasileiro. O nosso
auditrio, como j de hbito, vai colaborar cantando o estribilho intercalado entre as estrofes.
Ouam, pois, Tristeza do Jeca, a linda toada de Angelino de Oliveira. (Almirante, 1948a)

110
Almirante tinha preocupao em zelar pela preservao de aspectos estilsticos
utilizados para caracterizar a linguagem e o canto regional sertanejo. Criticava os cantores que
faziam correes na linguagem regional para linguagem corrente, descaracterizando o estilo e
chegando por vezes a comprometer a rima dos versos. Sua crtica feita com o humor que lhe
era habitual, como podemos verificar nesta passagem:
[] Em outras irradiaes, comentamos aqui o modo como certos cantores desvirtuam as
nossas msicas e os nossos ritmos. Hoje queremos fazer um reparo quanto maneira como
alguns cantam os versos. Temos notado que muitos cantores, sem o menor respeito pela obra
original, alteram as palavras, tirando o sentido exato dos versos, e s vezes, at deturpando-os
completamente.
H poucos dias ouvimos um cantor famoso interpretando a linda cano Guacira [Heckel
Tavares / Joracy Camargo], e ao faz-lo, corrigia os versos que so e devem ser em linguagem
simples de caboclo do serto. Colocava Rs e Ss finais onde no devia haver. Por exemplo,
onde se deve cantar assim: Eu vou membora mas eu vorto nesse dia / Virge Maria, tudo h
de permiti. Ele a cantava permitiR claramente. Mais adiante, onde deve ser: E se ela no
quis ele colocava o R, dizendo E se ela no quiseRRRRR, bem claro. Ora, esquecia-se
ele, de que s naquela linguagem sertaneja a cantiga ficaria perfeita, por causa das rimas, que
so: permiti para rimar com ti, e quis para rimar com f. Em todo caso, ouvintes, dos
males o menor, pois imaginem vocs se o artista resolve cantar correto, arranjando rimas
perfeitas para tudo que dizia. Neste caso ento, ele teria que cantar assim: Virgem Maria tudo
h de permitir, e se ela no quiser, eu vou morrer cheio de fR, pensando em tiR! [risadas]
O fato de ser arte popular no significa que no deva ser perfeita, quer na apresentao de sua
parte musical, quer na potica, no mesmo? Este cuidado, que o que preserva o nosso
patrimnio artstico, todos reconhecem, a preocupao constante desses batutas que realizam
essas audies da Velha Guarda. (Almirante, 1947c)

A toada Na coita de Francisco Ponzio Sobrinho e Batista Junior (pai das irms
Batista) e a cano Casa de Caboclo de Heckel Tavares e Luiz Peixoto, so exemplos de
outras msicas emblemticas, com a temtica e o estilo sertanistas que figuraram no
programa. Almirante destaca esta ltima, considerada hoje a mais famosa cano do
gnero. Na interpretao da voz clara, suave e delicada do tenor Paulo Tapajs, com
acompanhamento do regional do Grupo de Chores, cujos violes desfilam contracantos em
baixarias plangentes em teras, observa-se a preservao dos aspectos estilsticos
destacados por Almirante, na pronncia dos versos a moda do serto (ouvir CD, faixa 04 de
829 at 1150 Anexo 4). A escrita dos versos transcritos abaixo busca caracterizar esta
pronncia. O R maisculo representa o r rolado.
111
Casa de Caboclo
(Heckel Tavares e Luiz Peixoto)

Vanc t vendo esta casinha simplizinha
Toda branca de sap?
Diz que ela vve no abandono,
Num tem dono,
E si tem ningum no v.

Uma Roseira cobre a banda da varanda
E num p de cambuc,
Quando o dia se alevanta, ViRrge Santa
Fica ansim de sabi

Deixa fal todessa gente maldizente
Bem que tem um orad
Sabe quem mora dentro dela, Z Gazela
O mai dos cantad

Quando Gazela viu-se a Rita, to bonita
Ps a mo no corao
Ela pegou, num disse nada, deu Risada
Pondo os lhinho no cho

E se casro, mas um dia, que agunia
Quando em casa ele voltou
Z Gazela viu-se a Rita muito aflita
Tava l Man Sinh

Tem duas cruz entrelaada bem na estrada
E escrevro por ditrs
Numa casa de caboclo um pco
Dois bo, trs demais


O estilo sertanista se configura na utilizao das palavras vanc, ao invs de voc, vve /
vive, alevanta / levanta, ansim / assim, bo / bom; na manuteno da incorreo do
uso do plural os olhinho, duas cruz; na negativa dupla ningum no v; na omisso de
fonemas de final de palavras: mai / maior, fal / falar, orad / orador, cantad /
cantador, casro / casaram, escrevro / escreveram. O cuidado para caracterizar esse
estilo, incluindo as suas imperfeies intrnsecas, o que Almirante chama de busca pela
perfeio na arte popular, tanto na apresentao da parte musical, como na potica.
Mrio de Andrade afirma, no seu artigo A pronncia cantada e o problema do nasal
brasileiro atravs dos discos, que o erro gramatical na fala do povo faz parte da
caracterizao da expresso socio-cultural. Nesta afirmao percebemos o quanto Almirante e
Mrio de Andrade estavam afinados nas suas definies de parmetros estticos
112
representantes da identidade da linguagem e do canto popular brasileiro. O prprio estilo de
escrita de Mrio de Andrade revela a sua identificao com o som da fala popular. Quando
escreve dum ao invs de de um e milhor ao invs de melhor, ele tambm se porta
como um orientador esttico de seus leitores, querendo que suas palavras soem como a
linguagem popular.
[] A fala dum [sic] povo porventura, mais que a prpria linguagem, a milhor [sic]
caracterstica, a mais ntima realidade seno da sua maneira de pensar, pelo menos da sua
maneira de expresso verbal. a luta perene entre o chamado erro de gramtica e a verdade.
No papel um pronome poder estar mal colocado, na fala nunca. As prprias deficincias de
expresso verbal da gente iletrada, so mais que discutveis. Elas no derivam da ignorncia
gramatical ou vocabular, mas afundam as suas razes num estdio [sic] psquico diverso que as
justifica e lhes tira totalmente o carter de deficincias. E de resto esto condicionadas a mil
outras maneiras de expresso, o gesto, o rosto, a entoao, e um mesmo silncio, muito mais
ricos de vida, e suficientemente sintticos para substituirem a abundncia de vocabulrio e a
idia clara das literaturas. (Andrade, 1991:95)

H gravaes de fins dos anos 1940 e incio dos 1950 que revelam como cantores
brasileiros comearam a se influenciar pelo jazz, experimentando variaes das melodias
originais, s vezes improvisadas. A prtica de modificar as melodias originais foi combatida
por Almirante, considerada um desrespeito e um fator que levava descaracterizao da
identidade musical. Para convencer os ouvintes da impropriedade dessa conduta fez uma
analogia que compara a substituio de notas em uma frase musical a substituio de letras
em uma palavra.
[] vimos hoje chamar a ateno de vocs para a maneira como certos cantores deturpam
algumas melodias. Ao invs de cantarem as melodias exatamente como os compositores as
escreveram, eles cantores, ou por serem duros de ouvido ou por acharem de colaborar, alteram
as notas que o autor imaginou. Uma nica nota que se altera em uma melodia tanto erro
como a mudana de uma letra numa palavra. Faamos aqui uma demonstrao com uma
palavra qualquer, por exemplo, a palavra estrela. Se algum, por esprito inovador, achar que
em vez de e inicial deva ser a, j a palavra no ser mais estrela, no mesmo? E sim
astrela. Se mudar o l para b fica estreba, e assim por diante, assim como qualquer letra
que fosse mudada por outra. Pois isso mesmo acontece com as melodias. O cantor no deve de
maneira alguma trocar as notas originais. por isso que muitas vezes ouvem-se pelo rdio
versos que a gente conhece como sendo das melodias tais e quais, mas cantados dentro de
msicas inteiramente diversas. Diversas daquelas que a gente conhece. Foi ouvintes, o cantor
que cismou de cantar a melodia que resolveu de inventar naquela hora. Por esse processo um
dia vocs ainda vo ouvir msicas clebres apresentadas assim. Vo ouvir a Baixa do
sapateiro [Ary Barroso], e vem o cantor e canta uma coisa assim [Almirante canta os versos
de Baixa do sapateiro com outra melodia]:Na baixa do sapateiro encontrei um dia a
morena mais frajola da Bahia. Aqui na Velha Guarda vocs notaro sempre que h um
respeito absoluto pelas melodias originais []. (Almirante, 1947d)

113
A postura de recorrer s origens para conferir legitimidade s interpretaes foi uma
caracterstica identificada em vrios momentos no programa. Entendemos, entretanto, que a
concepo da melodia correta uma construo idealizada por Almirante. Como j foi
constatado por pesquisadores, as obras esto suscetveis a transformaes que ocorrem ao
longo do seu percurso de recepo, dificultando determinar o que de fato corresponde idia
original do compositor (Figueiredo, 2004 e 2006). Isso se aplica tanto ao repertrio
contemporneo, dos anos 1940 e 1950, quanto ao repertrio do sculo XIX, seja vocal ou
instrumental. Partituras manuscritas e edies trazem muitas diferenas e o mesmo ocorre nos
registros fonogrficos.
Outro fator que contribua para descaracterizao de gneros da msica popular
brasileira, segundo Almirante, se encontrava na atitude imitativa da forma de cantar de cones
da cano estrangeira atravs da alterao de divises rtmicas de frases meldicas.
[] H uma observao que me ocorre fazer agora nessa abertura de programa. Tenho c
comigo que alguns de nossos cantores so os culpados pela forma incaracterstica que vai
tomando a nossa msica. Eu me explico melhor. Msica, qualquer que seja, tambm se
caracteriza pelo ritmo contido na sua linha meldica. A melodia de uma msica qualquer, deve
seguir passo a passo o movimento rtmico de seu acompanhamento. Isso tudo ouvintes est
sendo dito assim de forma bem popular para que todos compreendam facilmente. Somente pela
linha meldica deve ser reconhecido o ritmo, seja de um samba, de uma valsa, de uma marcha,
etc. Pois bem, o que acontece atualmente, com o nosso samba principalmente o seguinte: os
cantores, na nsia de uma interpretao que toca as raias do exagero, vivem se espremendo
pelas melodias afora, numa forma gemente, antecipando ou atrasando as frases musicais,
fugindo completamente s regras de msica que determinam os tempos fortes e os tempos
fracos. O resultado que, pela maneira como cantam a linha meldica, ningum reconhece se
aquilo samba, ou valsa, ou marcha. Vou dar um exemplo objetivo: um samba assim, cujo
ritmo pode ser reconhecido somente pela sua melodia assim: Meu amor partiu, e me deixou
saudades [exemplifica cantando]. Na voz desses cantores do balanceio, vamos dizer assim,
no tem o menor carter de samba. Pois quem que reconheceria como samba esta confuso
de gemidos assim: Hmmmeu amooorr partiuuu e meee deixouu saudadess. Cantores e
cantoras de msica popular, o maior benefcio que vocs podem fazer msica brasileira
cantar o samba como samba, a marcha como marcha, a valsa como valsa, etc., etc.! Nada de
andar imitando Bing Crosbys e Frank Sinatras! Os efeitos que eles fazem nos fox-trots podem
ser bons para os fox-trots, mas no para as nossas msicas. Nesse ponto, honra seja feita ao O
pessoal da velha guarda, que toca as nossas msicas com a maior exatido e maior respeito s
suas caractersticas inconfundveis! [] (Almirante, 1947b)

Por outro lado, da mesma forma como combatia a atitude de imitar o estilo de cantores
estrangeiros, exaltava o estilo de certos cantores brasileiros como Augusto Calheiros,
ressaltando a sua maneira personalssima de cantar. Em outro programa evocou o estilo
114
peculiar de cantar de Mrio Reis de voz pequena e expressiva quando fez o cantor Jorge
Veiga um novo choro, conforme anuncia interpretar o samba Dorinha, meu amor
(Jos Francisco de Freitas).
A cantora Ademilde Fonseca que se notabilizou por interpretar choros cantados,
participou das primeiras audies do Pessoal da Velha Guarda, e foi durante o perodo do
programa que veio a receber o ttulo de Rainha do Choro. Como foi verificado na
dissertao da cantora Daniela Rezende, a habilidade de aplicar palavras cantadas em msicas
originalmente concebidas para serem executadas de forma instrumental exige o
desenvolvimento de um domnio tcnico vocal (Rezende, 2010). Ademilde Fonseca se
especializou nesse estilo e a sua habilidade tcnica est registrada em inmeras gravaes que
se celebrizaram, como nos choros Tico-tico no fub (Zequinha de Abreu), Brasileirinho
(Waldir Azevedo), Sonoroso (K-Ximbinho), onde se observa (principalmente nas msicas
de andamento rpido), a clareza da sua articulao, alm da capacidade de preciso rtmica e
entoativa na execuo de saltos e desenhos meldicos arpejados.
Nas audies do O pessoal da velha guarda essas caractersticas podem ser
observadas nas suas interpretaes de dois choros cantados com acompanhamento do Grupo
de Chores: Moleque vagabundo, do clarinetista Louro, autor do famoso Urubu malandro
e a polca Rato-Rato, do trompetista Casemiro Rocha, um grande clssico do gnero,
gravado em verses instrumentais e cantadas desde as primeiras dcadas do sculo XX. O
timbre metlico em registro agudo da voz de Ademilde Fonseca tem o efeito simulador do
solo de trompete executado pelo autor na gravao instrumental para Casa Edison. Ela conta
com o apoio de um coro no refro, que refora a insistncia do prego Rato, Rato, Rato! Em
Moleque Vagabundo sua voz no mesmo registro agudo s vezes soa em dobra com a flauta
que tambm executa o solo. Nesta msica tambm h a participao da dupla de cantoras, as
Garotas Tropicais, que cantam em teras em uma das partes onde Ademilde no canta. O
115
registro das Garotas Tropicais contrasta com o de Ademilde, sendo menos agudo. Na base do
regional que acompanha, ouve-se uma conduo rtmica de choro com inflexes de samba
(ouvir CD, faixas 27 e 28 Anexo 4). Essa caracterstica de estilo de acompanhamento ser
analisada com mais detalhe em outra sesso.
Outro exemplo de choro cantado executado no programa merece destaque: trata-se da
polca Eugnie do maestro de banda Jos Belisrio de Santana, na interpretao do cantor
Onssimo Gomes. Embora em andamento moderado, a polca de Belisrio tambm exige do
cantor desenvolvimento tcnico apurado para execuo precisa de afinao e de articulao de
palavras em desenho meldico com saltos acentuados e arpejos (ouvir CD, faixa 2 de 743
at 1130 Anexo 4). A letra de Eugnie mostra-se extremamente adequada ao contexto
nostlgico do programa. Convidando o ouvinte a passear pelas noites de serenata no Rio
Antigo, evoca a imagem social do msico seresteiro do sculo XIX no sou amante do
trabalho, sou apenas um homem folgazo e ainda aponta para uma prtica musical dos
acompanhadores: eu sei acompanhar qualquer modinha com os meus Fs e Rs, fazendo
modulaes.
Eugnie / Meu Deus, que noite sonorosa!
(Jos Belisrio de Santana)

[PARTE A]
Meu Deus que noite sonorosa
O ce est todo estrelado
A brisa passa com cuidado
E eu de cavaquinho em punho
E a morena ao lado, e encantado
Pelas suas faces rseas
E pelo seu olhar brejeiro
Embora no esteja trabalhando
Mas gozando as serenatas
No preciso de dinheiro

[PARTE B]
Quando eu vim l do norte
Trouxe um cavaco de arrelia
Enquanto eu tocava
A morena cantava
E vida melhor eu no queria [BIS DA PARTE B]

[PARTE A]
No sou amante do trabalho
116
Sou apenas um homem folgazo
No perco nenhuma serenata
Que no vou de cavaquinho,
Vou de flauta ou violo, sou choro
Seja no centro da cidade
Ou seja l pelos sertes
Eu sei acompanhar qualquer modinha
Com os meus Fs e Rrs,
Fazendo modulaes

[PARTE C INSTRUMENTAL]
[RETORNO A PARTE A]
3.4.2) Orientao esttica no repertrio instrumental
A experincia artstica de Almirante como cantor, somada ao seu conhecimento sobre
a histria da msica popular urbana no Rio de Janeiro, credenciava a sua posio no programa
O pessoal da velha guarda como orientador esttico de aspectos da msica popular brasileira.
Entretanto, a chancela de Pixinguinha como diretor era indispensvel para conferir
credibilidade proposta de resgate da histria musical e de autenticidade da linguagem
esttica apresentada. O material musical que figura no programa, em contedo e forma,
representa um retrato sonoro das vrias experincias e linguagens musicais vivenciadas por
Pixinguinha ao longo de sua trajetria profissional como instrumentista, arranjador e maestro,
em ambientes diversos: nas bandas, nos ranchos carnavalescos, nas orquestras de teatro de
revista, em pequenos conjuntos instrumentais, nas orquestras das principais gravadoras
atuantes nos anos 1930. Segundo o violonista e arranjador Paulo Arago, no ensaio As cores
novas do arranjador, isso est refletido at mesmo na escolha da formao instrumental para
Orquestra do Pessoal da Velha Guarda:
[] A orquestra dirigida por ele no programa tem uma formao instrumental mais ou menos
fixa: um pequeno grupo de madeiras (em geral flautim, flauta e clarinete, ou combinaes
desses instrumentos) ao lado de saxofones (quase sempre dois altos, dois tenores e um
bartono), metais (quase sempre trs trompetes e trs trombones), violinos (duas a quatro
estantes) e base composta por piano, contrabaixo, bateria, percusso e, s vezes, violes e
cavaquinho (estes ltimos percebidos apenas pelas gravaes, j que no se escreviam partes
para eles). uma formao instrumental bastante peculiar e parece ter sido eleita como ideal
por Pixinguinha, sendo utilizada por ele com muita frequncia desde meados da dcada de
1930. A escolha no parece ser casual. [] em seus saxofones e metais, tem o corao das
bandas de sopros; nas cordas e nas madeiras, tem a sonoridade camerstica das pequenas
orquestras que atuavam nas revistas teatrais e nas salas de espera dos cinemas; tem ainda o
conjunto regional do choro; e, por fim, um colorido naipe de percusso ligado ao samba e ao
carnaval. [..] (Arago, 2010)
117

H um elemento musical que parece confluir em importncia tanto para Pixinguinha
quanto para Almirante: a percusso. A gravao de Na Pavuna pelo Bando de Tangars,
simboliza um marco da utilizao de instrumentos de percusso tpica das escolas de samba,
em estdio de gravao. Pixinguinha, por sua vez, foi responsvel pela mesma inovao,
aplicada s orquestras que regeu nos anos 1930, envolvendo a participao de percussionistas
ligados ao bairro do Estcio e da Cidade Nova.
No prefixo do programa, a lembrana de Na Pavuna, atravs da incluso de um
fragmento do samba, utilizado para anunciar a direo da maior patente do Rdio, mostra o
quanto Almirante se orgulhava em ostentar que ali estava representada a sua identidade. Na
passagem a seguir, ele revela o seu encantamento pela batucada dos instrumentos de
percusso de escolas de samba, buscando persuadir os ouvintes a apreciarem a sonoridade:
[] Aquele que disse que no gosta dos nossos ritmos porque na verdade nunca ouviu
nossos ritmos. No sabe a gostosura que vem da juno da pancadaria dos pandeiros, dos
ganzs, dos tamborins, dos reco-recos, das cucas, dos surdos, dos omels, dos pratos, dos
surdos, dos chocalhos, etc. Temos visto muita gente que diz detestar o som brbaro desses
instrumentos de percusso acompanhar horas e horas pelas ruas no carnaval os grupos ou
escolas de samba quando desfilam com o seu material completo tangido por mo de legtimos
virtuoses. [] (Almirante, 1947a)

O exemplo mais emblemtico da valorizao que Pixinguinha confere percusso no
O pessoal da velha guarda est expresso na pea Concerto para Bateria, com arranjo para
orquestra, onde transfere a posio da bateria como instrumento acompanhador para posio
de solista. Entretanto, um elemento a mais se soma ao ritmo e se revela como uma marca
identitria de Pixinguinha: o improviso.
O baterista, apresentado com destaque por Almirante Sutinho vai ter a
oportunidade de fazer solos a descoberto em que poder mostrar todas as suas faculdades de
ritmista desfila variaes de elementos rtmicos do samba, entremeados por temas
meldicos de sambas legtimos de partido alto e do famoso Urubu malandro (Louro),
executados por Benedito Lacerda. Essa pea foi o carro-chefe de Pixinguinha como flautista
virtuose no tempo dos Oito Batutas, quando a sua incrvel capacidade de improvisao
118
assombrava a todos. No verbete Choro do Dicionrio Musical Brasileiro, Mrio de
Andrade encontra relao com o jazz no estilo improvisatrio das execues de Pixinguinha
do Urubu malandro, registradas nas gravaes com o ttulo Urubu ou Urubu e o
Gavio.
[] Outro disco a citar o Urubu, maravilhosamente executado por Pixinguinha, uma das
excelncias da discoteca brasileira. (Ver se este rapidssimo ou se implica solista nico)
[neste comentrio, nota-se que Mrio de Andrade no estava bem certo a qual das gravaes
ele se referia: a gravao com os Oito Batutas, entitulada Urubu e o Gavio, de 1923; ou se a
gravao de Pixinguinha solista, em 1930]. Pode-se lembrar aqui que tais choros (quero dizer,
tais agrupamentos) so a equivalncia do hot-jazz, que tambm tantas vezes j puro gozo
instrumental, mesmo quando unido voz, e duma violncia de movimento, verdadeiramente
dionisaca, como o caso do final do Chinatown, my Chinatown e I got rhythm, fox-trots, o
segundo de Gershwin, executados pelo hot-jazz admirvel de Louis Armstrong (Odeon, 1907).
So por assim dizer choros-hot, a que o prprio carter improvisatrio das linhas e s vezs o
processo de variao, ainda ajuntam mais carter. (Andrade, 1989:136,137)

No contexto do programa, quando Benedito executa as variaes do Urubu
Malandro na ntegra (no apenas como citao no Concerto para Bateria), com o apoio de
Pixinguinha ao saxofone fazendo contrapontos, temos uma representao de uma passagem
de basto. Como se Pixinguinha apresentasse seu sucessor e assumisse o papel do seu
professor Irineu de Almeida, como contrapontista (ouvir CD, faixa 4 de 2330 at 2710 e
faixa 29 Anexo 4). Almirante instiga o interesse dos ouvintes para prestarem ateno ao
dilogo improvisado entre a flauta e o saxofone, destacando o virtuosismo de ambos:
[] Nesse nmero, em que a flauta e o saxofone se defrontam medindo foras como num
legtimo desafio, vocs vo poder apreciar demoradamente a virtuosidade e a presena de
esprito e a audcia desses dois queridssimos artistas. Em certa altura das variaes, quando a
luta mais acesa, vocs iro apreciar um curiosssimo dilogo entre a flauta e o saxofone. Eu
daqui convido vocs a fazerem um esforo para entender o que que um instrumento est
dizendo ao outro. Sero desaforos, hein? Sero nomes? Sero amabilidades? Sei l, vocs que
entendam essa linguagem sonora![] (Almirante, 1947d)

Na execuo da valsa Saudades de Ouro Preto (Balduno Rodrigues do Nascimento), temos
o saxofone de Pixinguinha aparecendo destacadamente, fora do contexto da dupla com
Benedito Lacerda, em um dilogo com a orquestra. Para essa passagem Almirante destaca:
uma curiosidade no Pixinguinha como saxofonista est na incrvel faculdade que ele tem
para improvisar, para cercar de harmonias imprevistas mas cheias de beleza, o fio de melodias
que outros instrumentos desenvolvem (Almirante, 1948c).
119
Embora a prtica do improviso no choro no esteja to evidenciada nos registros
fonogrficos das primeiras dcadas do sculo XX, alguns depoimentos, na forma de tradio
oral, apontam o caso de figuras que se destacaram como exmios virtuoses, e que certamente
contribuiram para incorporao desse estilo ao gnero. o caso do flautista Joaquim Callado
(1848-1880), que aparece no relato do carteiro e choro Alexandre Gonalves Pinto,
conhecido nas rodas pelo apelido de Animal.
[] Callado no era s msico para tocar de primeira vista, como tambm para compor
qualquer choro de improviso. Quantas vezes achava-se tocando em um baile de casamento,
batizado, aniversrio ou outra qualquer reunio, e se nesta ocasio qualquer dama ou
cavalheiro pedisse para escrever um choro em homenagem ao festejado, Callado no dizia que
no, passava a mo em qualquer papel, quando no trazia o prprio, riscava a lpis e zaz!,
punha-se a escrever. Da a momento entregava a um choro presente que, executando-a,
tornava-se um delrio para todos os convivas pela clareza e pela linda inspirao da mesma.
[] (Pinto, 1936:8)

tambm o caso do cavaquinista Mrio lvares (1861-1905), lembrado como um dos
maiores compositores e solistas de seu tempo. No depoimento para posteridade realizado para
o Museu da Imagem e do Som, Donga relata um episdio presenciado por ele, onde o
cavaquinista d uma demonstrao da sua capacidade de improvisao:
[] Houve um caso assistido por mim na Casa do Comandante Vinhais, em So Cristvo.
Isto importante. Foi quando o Ernesto Nazareth havia feito aquela composio, o Brejeiro.
O Catulo da Paixo Cearense, que sempre foi irnico, tambm compareceu. O Nazareth ia
tocar pela primeira vez a composio para a famlia do Comandante Vinhais. Pois bem. O
Mrio foi, o Quincas Laranjeiras tambm, a turma toda. E eu que tambm tive a felicidade de
comparecer, pois ainda era rapazinho. O Ernesto Nazareth tocou vrias vezes, porque a msica
era um sucesso na cidade. Vinha a esposa e pedia, vinha a filha, pedia tambm. E Ernesto
Nazareth repetia. O Catulo, depois de comer feijoada l no fim da casa, veio l de dentro e
soltou uma piada: Essa msica das mais brasileiras que eu conheo. Nunca mais esqueci
essa frase, porque depois observei que o Brejeiro no tem uma frase de ningum. muito
brasileira mesmo Pois bem, o Brejeiro estava sendo executado quando o Catulo jogou
aquela ironia. Ele gostava muito do Mrio e sabia que qualquer indireta feria sua sensibilidade
musical. Catulo ento acrescentou que queria ver quem conseguia parodiar essa msica
brasileira da forma como ela estava feita. Andou, virou e mexeu, tinha aqueles baixos
caractersticos da composio. Numa dessas passagens, o Mrio disse: Continuem os baixos.
E entrou com a dele. Ambas fizeram sucesso. Ao terminar a execuo da segunda parte, ele
entrou num trio [significa dizer que fez, de improviso, uma terceira parte, pois o tango
Brejeiro s tem duas partes] to bonito que quando acabou o Ernesto Nazareth o beijou
chorando. (Donga, 1969)

O conhecimento desse acontecimento pode ter influenciado Jacob do Bandolim a gravar o
tango Brejeiro de Nazareth com uma variao temtica em modo menor na re-exposio da
parte A, que aparece no disco Vibraes, lanado em 1967. A gravao de Jacob em 1950, da
120
polca Hilda de Mrio lvares registrada como Teu beijo, com o ttulo que passou a
receber com letra de Catulo da Paixo Cearense revela que a msica ou o estilo de Mrio
lvares tambm exerceu influncia sobre Jacob. Um ano depois a mesma pea figurou no
Pessoal da Velha Guarda, em arranjo de Pixinguinha para orquestra.
Uma passagem do depoimento de Donga merece ser destacada: quando menciona o
momento onde Mrio lvares pede para que a base continue, de forma que ele possa
encontrar inspirao para criar a sua variao instantnea. No trecho musical transcrito abaixo
esto os primeiros quatro compassos do tango Brejeiro, onde podemos observar, na terceira
linha, os baixos caractersticos mencionados por Donga. A combinao desses baixos com a
segunda linha, de acompanhamento, que marca o contratempo, o que caracteriza a levada, a
base ritmico-harmnica do gnero tango brasileiro.

Exemplo musical 2
H pelo menos trs casos de msicas que figuraram no programa O pessoal da velha guarda
nas interpretaes da dupla Pixinguinha e Benedito Lacerda no tango Amap (Costa
Jnior) e nos choros Jurity (Raul Silva) e Que perigo!(Ticio Cardoso) onde a partir
dessa base, desenvolvem-se performances virtuossticas e improvisadas. Outros choros
clssicos como Flamengo e Bonfiglio casa torna, do trompetista Bonfiglio de Oliveira,
Grana, de Joo Pernambuco, o Corta Jaca, de Chiquinha Gonzaga, so exemplos de
msicas cujas bases se construiram a partir desse padro rtmico, e que serviram como
espaos para prtica da improvisao, fenmeno que pode ser verificado em registros
fonogrficos em pocas distintas. Podemos observar, em inmeras gravaes contemporneas
121
de choros com essas caractersticas, que esse estilo de performance se mantm at os dias de
hoje.
Alm do popular Urubu malandro, o j mencionado samba de Louro, Moleque
vagabundo, aparece como um espao para o improviso. Aps a re-exposio do tema da
introduo, h um solo de improviso executado pelo trombone de Raul de Barros, pontuado
pelas levadas do cavaquinho em primeiro plano. Em segundo plano ouvem-se os gritos
comemorativos de colegas, incentivando o momento da improvisao. (Outro hbito que
ainda se verifica entre os msicos de hoje). Quando a sesso encerra, Raul de Barros entrega o
solo para a flauta de Benedito Lacerda.
Benedito trazia na sua musicalidade a nova rtmica do samba que comeou a surgir no
final dos anos 1920, no Estcio de S, bairro onde residiu na sua infncia. Participou dos
desfiles da primeira escola de samba, a Deixa Falar, tocando surdo de lata de manteiga
um intrumento inventado pelo percussionista Bide quando ainda era um flautista iniciante e
tocava nos ranchos carnavalescos (Franceschi, 2010). No incio dos anos 1930 criou o grupo
Gente do Morro onde atuou como flautista e cantor de sambas. As suas interpretaes
sambadas nos solos de flauta em duo com Pixinguinha carregam a marca dessa trajetria de
vida. Um momento muito especial no programa acontece quanto em uma irradiao
Pixinguinha e Benedito cantam o maxixe Cigana de Catumby (J. Rezende), um clssico dos
carnavais dos anos 1920. Almirante anuncia: Pela primeira vez, ouvintes de rdio do Brasil,
vo ouvir a voz de Pixinguinha cantando!. As vozes de Pixinguinha e Benedito surgem no
refro da msica, embora s apaream aps a execuo da msica na sua forma instrumental
AABAA, seguindo uma tradio que se apresenta nas gravaes dos primeiros sambas de
compositores do Estcio.
81
Na parte instrumental o solo na regio grave fica a cargo do sax de
Pixinguinha com intervenes, de efeito rtmico, da flauta de Benedito. No refro as posies

81
As gravaes do incio dos anos 1930, dos sambas Ironia e Nem bom falar (Nilton Bastos e Ismael
Silva) apsentam essa forma musical.
122
se invertem: a flauta de Benedito faz o solo e Pixinguinha o contraponto. No duo vocal de
Benedito e Pixinguinha, que surge no refro Cigana, cigana, ai cigana, tem d de mim /
Cigana, cigana, ai cigana no faa assim, a voz principal cantada por Benedito, fica em
evidncia. Benedito prossegue como solista cantando os versos As ciganas so gente boa /
usam saias de babado / Quando passam pelas ruas / Ficam todos admirados, seguidos pela
repetio do refro, dessa vez com reforo do coro que entra a partir do seu chamado: todo
mundo! e outra vez!, at o encerramento. O clima de festa, uma reproduo de um
carnaval dos anos 1920. preciso lembrar, no entanto, que a interpretao representa uma
atualizao da escuta do repertrio dos anos 1920 executado em fins dos anos 1940, incio
dos 1950. Comparando com a gravao instrumental feita pela Orquestra Ccero, do mesmo
maxixe, nos anos 1920, observa-se que a nova verso apresenta aumento no andamento, e
diferenas na mtrica, que ficam mais sambadas (ouvir CD, faixas 34 e 35 Anexo 4)
Paulo Arago observa que especialmente no universo do choro, passou a ser
relativamente corriqueira a assimilao de recursos rtmicos do samba, promovendo em
alguns casos transformaes na mtrica da melodia e no carter de msicas muito antigas
(Arago, 2010). No programa O pessoal da velha guarda h inmeros exemplos que
confirmam essa afirmao. Um caso curioso o da polca Flor de Liz de um compositor
nascido no sculo XIX, chamado Ccero Teles de Menezes, conhecido como Ccero dos
Telgrafos, segundo o livro de memrias de Alexandre Gonalves Pinto repertrio da dupla
Pixinguinha e Benedito,
82
mas que figura no programa com o ttulo Dinorah, com autoria
creditada a Benedito Lacerda. um caso claro de apropriao indevida, que pode ser
verificado a partir da comparao e anlise das partituras: duas cpias manuscritas de Flor de
Liz, uma pelo trombonista Candinho Silva (1879-1960) e outra pelo copista R. J. Costa; e
duas partituras editadas com o ttulo Dinorah (Ver partituras no Anexo 3). Ambas as

82
A informao da incluso de Dinorah no repertrio do programa O Pessoal da Velha Guarda foi colhida a
partir do acesso a um roteiro. Arquivo Almirante FMIS-RJ.
123
partituras apresentam a mesma melodia. A alterao que salta aos olhos a diviso rtmica da
melodia, que em Flor de Liz mais quadrada (para utilizar um jargo popular), mais de
acordo com o que se esperaria da execuo de uma polca no contexto do sculo XIX, e em
Dinorah mais sambada, com antecipaes caractersticas do samba. Mais do que
apontar um caso de plgio, o que importa aqui a identificao de uma inovao esttica, de
estilo sambado moda do Estcio, trazido por Benedito Lacerda. Um modelo que viria
influenciar geraes de flautistas brasileiros, dentre os quais se destaca Altamiro Carrilho.
83

Paulo Arago observa que Pixinguinha organizou seus arranjos de maneira a permitir
que a base conduzisse a levada das msicas. Vrias das msicas compostas no sculo XIX
soam de maneira sambada, tanto na base em si quanto em toda a construo da mtrica de
melodia e contracanto. Esse estilo sambado foi incorporado por Jacob do Bandolim e est
registrado em vrias de suas gravaes do repertrio antigo. Uma delas merece destaque: a
polca Saudaes, de Otvio Dias Moreno, que tambm foi includa no repertrio do O
pessoal da velha guarda, com arranjo de Pixinguinha para orquestra. O contraste estilstico
resultante dessa transformao mtrica pode ser observado na comparao de trs registros
fonogrficos da mesma polca: o primeiro feito pelo trombonista Cndido Pereira da Silva e
Grupo Carioca, nas primeiras dcadas do sculo XX, e os outros dois feitos pela Orquestra do
Pessoal da Velha Guarda e por Jacob, em 1957 (ouvir CD, faixas 30, 31 e 32 Anexo 4).
3.4.3) Orientao esttica da msica como retrato sonoro
Um dos recursos utilizados por Almirante para valorizao do repertrio instrumental
do programa foi o de orientar a escuta dos ouvintes no sentido de perceberem as performances
como retratos sonoros. Um ttulo sugestivo de um choro j era o suficiente para que ele
relacionasse o seu significado sintetizado em uma ao e/ou um sentimento a detalhes da
orquestrao de Pixinguinha ou forma de execuo tanto da orquestra quanto da dupla

83
Para exemplificar a inovao do estilo sambado de Benedito Lacerda no choro Dinorah, a gravao de
feita por ele em 1935 pode ser ouvida no site do IMS-RJ em
http://acervo.ims.uol.com.br/player/SophiaSLPlayer.asp
124
Pixinguinha-Benedito Lacerda. No repertrio da dupla merecem destaque os choros
Cochichando, Lingua de preto, Descendo a serra, Andr de sapato novo e Vou
vivendo.
No choro Cochichando (Pixinguinha), Almirante comenta que toda a habilidade
dos executantes est em procurar reproduzir com fidelidade o tom de segredos que caracteriza
o cochicho, e complementa instigando a ateno dos ouvintes: por outro lado, cabe aos que
ouvem, tambm mostrar a sua habilidade em entender o que uma flauta e um saxofone
cochicham. Nesse caso o instrumento reproduz o som da fala. Outro caso que envolve a
reproduo da fala est em Lngua de preto, choro de Honorino Lopes, que a partir de saltos
de oitavas, procura simular o som da fala caange. O dueto polifnico entre flauta e
saxofone, contrastando sons com caractersticas de timbres diferentes, em alternncia dos
registros grave e agudo, d a impresso de uma conversa. Na exemplificao da fala caange
feita por Almirante, sua fala saltada, com contrastes entre graves e agudos, tambm busca
reproduzir a maneira dos negros falarem.
[] Vocs j ouviram dois pretos velhos conversando, hmm? Um assim com a voz mais aguda
e spera, meio tati-bi-tati, expressando mais por meio de sons ininteligveis do que por palavras
claras, assim por exemplo: nhe, nhe, nhe, nhe [emisso vocal no registro mdio-agudo, soando
como um gemido]; e o outro, com o mesmo processo de fala, mas a de voz grave e bitonal,
cheia de inflexes cantantes assim: neg, neg, neg, neg [emisso mdio-grave]. Bem, reparem se
a voz do primeiro preto no fica bem imitada por estes sons que o Benedito vai tirar da sua
flauta? [Benedito toca os primeiros compassos do solo de Lngua de Preto]. E se a voz do
segundo no fica a calhar nesses sons do saxofone do Pixinga [Pixinguinha toca uma variao
temtica do choro na regio grave]. Bem, aqui est um choro em que ambos vo ter a
oportunidade de dialogar moda dos pretos velhos. O autor do choro, o saudoso pianista
Honorino Lopes, quando escreveu, teve a inteno de que a msica reproduzisse a fala caange
dos negros velhos, tanto que lhe deu um ttulo bem adequado: Lngua de Preto. Vocs,
ouvintes, agora entendam esta conversa de Benedito e Pixinguinha falando em Lngua de
Preto, hmm? (Almirante, 1947e)

No choro Descendo a serra, com base nos efeitos de cromatismos executados por
Benedito Lacerda, Pixinguinha e o conjunto regional, Almirante convida o ouvinte a fazer
uma viagem de trem, na companhia dos msicos, subindo e descendo montes e colinas. Em
Andr de sapato novo, choro do trombonista Andr Victor Correia, que falecera
recentemente, temos uma passagem humorstica que se apresenta como uma verdadeira
125
crnica: a agonia do autor em um dia que calou um sapato novo. A cena evocada a partir
de uma nica nota um mi grave tocada no saxofone, que soa no momento dos breques que
ocorrem em vrios momentos, representando as vrias paradas que uma pessoa faz quando
cala um sapato novo que lhe aperta o p.
No comentrio de apresentao do choro Vou vivendo (Pixinguinha), ouvimos
como pano de fundo da fala, um clarinete executar uma escala em modo menor, pretendendo
soar como um trecho de msica rabe. primeira vista, a msica rabe em nada se
relacionaria ao choro de Pixinguinha, entretanto, a percepo de Almirante, de que a msica
rabe carrega o estigma de fatalismo e indiferena, justificam a sua utilizao para evocar o
mesmo sentimento expresso no ttulo Vou vivendo.
[] A msica quase sempre um retrato sonoro de um povo. Povos alegres possuem msicas
alegres. Povos tristes possuem msicas tristes, lgico. Outras condies da alma humana
tambm l se vo fixar nos ritmos e nas melodias, e assim que vemos msicas que refletem
indeciso, ou amargura, apreenso, e tudo mais. A msica rabe, por exemplo, com a sua
forma caracterstica vaga, seu modo montono e impreciso, d bem uma idia do fatalismo da
raa que a criou. Bem, mas no quer isso dizer que s exclusivamente a msica rabe possa
trazer o estigma de um fatalismo marcante. Por vezes, um ou outro compositor de outras terras,
forado por um momentneo estado dalma, imprime tambm a uma ou outra msica sua o
mesmo tom de indiferena pelas coisas que se nota na msica rabe. E aqui temos disso um
bom exemplo ouvintes, nesse choro de Pixinguinha que vo ouvir agora. Seu ttulo vai como
uma luva nessa melodia impregnada de indiferena e de fatalismo, e que se chama Vou
vivendo. E to forte sua influncia nos que a executam, que vocs do auditrio podero
perceber aqui no Benedito e no Pixinguinha um dar de ombros que exprime bem a
indiferena costumeira com que, quando nos perguntam se a gente vai bem, a gente responde,
vencida pelo destino: Vou vivendo. (Almirante, 1947g)

Somado ao sentimento de fatalismo, ele sugere que os ouvintes relacionem a forma de
execuo de Pixinguinha e Benedito em um determinado momento da msica, com a imagem
de uma ao: o gesto coroporal da expresso dar de ombros, condizente com a resposta
vou vivendo, exprimindo indiferena, de quem perguntado se vai bem. A representao
desse exato momento est marcada na transcrio dos quatro primeiros compassos do choro,
situada no intervalo de 5J descendente, da nota d para nota f, entre o segundo e o terceiro
compassos. Observa-se que a nota d tocada com maior nfase, em um sforzando,
produzindo um efeito de impulso, que, ao cair, no intervalo de 5J, simula o gesto dar de
126
ombros.

Exemplo musical 3
No caso do ttulo Vou vivendo temos a produo de significado partindo de um
sentimento que se relaciona a uma ao. Na polca-choro Vou andando (Pixinguinha) vemos
o contrrio: a produo de significado do ttulo partindo de uma ao que se relaciona a um
sentimento, ou estado de esprito. Almirante chama ateno dos ouvintes para perceberem que
a sonoridade especfica de instrumentos se presta para evocar determinados estados de
esprito, um recurso utilizado por orquestradores. Ressalta a inteno expressa no arranjo, de
fazer o flautim personificar a imagem de uma pessoa que sai, alegre e saltitante, e se despede
dizendo vou andando.
[] Na vasta famlia dos instrumentos musicais existem aqueles cuja sonoridade presta-se de
maneira pasmosa para dar a idia de um pensamento ou de uma situao e at de um gesto.
Quando um orquestrador quer imprimir ao seu trabalho uma tonalidade tristonha, melanclica,
usa com destaque, por exemplo, o violoncelo. Basta sua plangncia para dar msica o carter
que ele deseja. Quando quer dar ao seu trabalho um aspecto marcial, usa, lgico, os metais,
os trompetes, os trombones. Para significar coisa saltitante, buliosa e agitada, um
instrumentador geralmente lana mo do flautim. este o caso de agora. Pixinguinha tem uma
polca-marcha que se chama Vou andando. O ttulo sugere logo movimento. Lembra algum
que se despede, algum que parte alegremente depois de se despedir. Para conjugar o que o
ttulo sugere com efeito musical bem condizente, Pixinguinha a usou o flautim. Vocs vo
ouvir a polca, e diante da primeira parte, confiada ao flautim, ho de ter a impresso daquela
cena do indivduo que se despede e sai caminhando apressadamente e alegre depois de ter dito
Vou andando. (Almirante, 1948f)

Da mesma forma, no arranjo da schottisch Passinho de moa (Henriquinho
Dourado) para orquestra, o uso do efeito tmbrico de pizzicato nas cordas, combinado ao solo
de flautim evoca a imagem do caminhar delicado de uma moa. (Neste solo tambm est
evocada a imagem do compositor que era um clebre flautim dos velhos tempos, segundo
Almirante).
84


84
O compositor Henrique Dourado uma das personalidades registradas no livro O choro, de Alexandre
Gonalves Pinto.
127
H uma srie de msicas onde a composio do retrato sonoro se d atravs de uma
onomatopia zoolgica: o caso dos choros Jurity, Os passarinhos da Carioca, Marreco
quer gua e T fraco. Em todos os casos, h uma explorao dos recursos tmbricos dos
instrumentos que buscam reproduzir o som de aves. Em Jurity Almirante chama ateno
dos ouvintes para execuo de Benedito Lacerda, produzindo em sua flauta curiosssimas
imitaes de gorjeios de arrulos que recordam com fidelidade os pios da conhecida pomba
jurity das nossas capoeiras. Em Os passarinhos da Carioca d destaque instrumentao
de Pixinguinha, em que aparecem os pipilos dos passarinhos da Carioca numa imitao
perfeita de violinos, flautim e flauta. Em Marreco quer gua Almirante lana mo do
recurso de cativar os ouvintes atravs do humor. Antes de iniciar a msica, os instrumentos de
sopro da orquestra, numa combinao de timbres diversos em alturas diferentes, tocam notas
repetidas, de forma aleatria e insistente, buscando reproduzir uma ambincia de aglomerao
de palmpedes. Almirante faz uma encenao com os msicos da orquestra, como se eles
fossem os prprios marrecos.
[] Ei! Sosseguem a, marrecos! Sosseguem marrecos a, sosseguem! Esperem um pouco que
a vez de vocs h de chegar! Esses marrecos que O pessoal da velha guarda contrata para
executar um certo nmero de Pixinguinha, ouvintes, eles so por demais impacientes. Mal a
gente os coloca aqui no palco, eles se pem logo a berrar, e a gente no pode dizer mais nada.
Calma a, marrecos! Hm!
Eles s sossegam um pouco quando vem o maestro levantar o brao pra dar incio msica.
A ento eles se acomodam, sentam-se nas suas cadeiras, e ficam atentamente lendo a msica
que tem a na estante. E a, por incrvel que parea, esses palmpedes, como que se
transformam em msicos, em professores de orquestra, vejam s...
Nessa polca-marcha que vo apreciar em seguida, quando vocs ouvirem grasnar, no pensem
que so os pistes, no... So os legtimos marrecos, que l esto firmes, grasnando na hora
exata. A msica dedicada a eles, pois o Pixinguinha denominou mesmo Marreco Quer
gua. A execuo est, como disse, confiada aos marrecos e Orquestra do Pessoal da Velha
Guarda. (Almirante, 1948d)

Em T fraco aponta o grito caracterstico da galinha-dangola: a lstima estridente, no
dizer de Afrnio Peixoto, da curiosa galinha de pescoo pelado, reproduzida aqui numa
onomatopia pitoresca que lhe atribui o significado de estou fraco. A reproduo se d
atravs do efeito de glissando utilizado nas cordas no arranjo de Pixinguinha.
128
3.4.4) Orientao esttica na caracterizao de gneros musicais
Com o intuito de fixar as caractersticas de gneros musicais que se encontravam em
extino na virada dos anos 1940 para os anos 1950, as falas de apresentao do repertrio do
O pessoal da velha guarda traziam informaes de contedo histrico e estilstico. Essas
informaes formam um retrato da concepo de identidade musical brasileira veiculada no
programa.
Cada gnero executado trazia uma peculiaridade apontada por Almirante e um
comentrio que dava uma idia aos ouvintes da posio temporal do gnero na histria. Na
apresentao da schottisch, sempre ressaltava as qualidades de graa e delicadeza. Vejamos
como exemplo a sua apresentao para a schottisch-gavota Jacy (Irineu de Almeida),
executada pela orquestra:
[] O pessoal da velha guarda abre esta audio com uma verdadeira surpresa. Trata-se de
uma schottisch-gavota. O gnero j constitua originalidade nos tempos em que a schottisch era
moda, e o que no se dir hoje em que a dana tornou-se obsoleta, e s nos aparece como
legtima curiosidade do passado? A unio de uma schottisch com uma gavota produz
musicalmente um reforo de graa que aumenta segundo a inspirao daquele que a compe.
(Almirante, 1950a)

Ao apresentar a polca-lundu Que da chave? (Jos Soares Barbosa), destaca que trata-se
de msica antiqussima. Um gnero j desaparecido h mais de cinqenta anos. Na
apresentao da canoneta Seu Anastcio chegou de viagem (Otvio Frana), interpretada
pelo cantor Frana acompanhado ao piano, d uma idia de como seria a receptividade dos
ouvintes, no s em pocas diferentes, mas variando de acordo com a classe social:
A canoneta foi um gnero curiosssimo que, no se sabe por que, caiu completamente de
moda. Foi nmero indispensvel no teatro, nas festinhas familiares, etc. At bailes eram
interrompidos para que em certa altura se formasse roda, e um declamador, acompanhado ao
piano pela indefectvel Dalila, ou um canonetista, acompanhado tambm ao piano, viesse
distrair um pouco a platia.
Se isso se desse hoje em dia, se um poeta ou um cantor cismado em interromper um baile para
declamar ou para cantar, no iria nem at o meio do nmero, no mesmo? Se o negcio se
passasse em casa gr-fina, quinze segundos depois de ele comear, j o salo estaria
completamente vazio. Se estivesse em casa de gente meio rstica, o camarada seria
impiedosamente vaiado e talvez mesmo apedrejado, hein? O mundo de hoje inteiramente
diverso do de ontem. O que se admitia ou que se apreciava ontem, hoje ningum mais admite
ou aprecia.[] (Almirante, 1948d)

129
A montagem do roteiro da audio a escolha da ordem das msicas, desde a abertura
at a finalizao, o equilbrio na variedade e alternncia de gneros parece ter sido feita de
forma a cativar a ateno dos ouvintes. Por exemplo, nota-se que o estilo alegre e vibrante das
polcas-marchas, com massa sonora orquestral, foi considerado uma boa escolha para as
aberturas. H pelo menos trs audies que iniciam com polcas-marchas (A Esquecida, I
moretti e Assim que
85
), onde Almirante observa o interesse despertado entre os
ouvintes a partir desse gnero.
Ns podemos quase que afirmar que O pessoal da velha guarda conseguiu ressuscitar um
gnero musical completamente esquecido: a polca-marcha. Entre as msicas executadas nesses
programas, j pudemos observar que so as polcas-marchas as que mais entusiasmo tem
despertado entre vocs ouvintes. (Almirante, 1947a)

Outro gnero apresentado, com caractersticas de despertar entusiasmo, foi o maxixe. Hoje
em dia o maxixe msica ou dana j inteiramente desaparecida. Mas h 20 anos atrs
andava ainda to em moda, que no havia revista teatral que no apresentasse entre seus
quadros, um que exibisse a dana ou a msica espetacular. Almirante faz uma retrospectiva
histrica das revistas teatrais no Rio de Janeiro dos anos 1920, destacando a revista Tudo
preto uma pea encenada por uma companhia toda composta por atores negros, e que teve
Pixinguinha como regente da orquestra que surgira no embalo do sucesso da companhia
francesa de revistas Ba-Ta-Clan, de Madame Rasimi. O maxixe Tudo preto, de Jlio
Casado, composto em homenagem revista, executado pela orquestra e Almirante chama
ateno dos ouvintes que todo o valor musical do maxixe de Jlio Casado est na curiosa
baixaria que ele desenvolve a melodia no estilo clssico do gnero. Na execuo do maxixe
Beb, de Paulino Sacramento, Almirante tambm destaca essa caracterstica:
A Orquestra do Pessoal da Velha Guarda quer mostrar a vocs, ouvintes, como que se toca
um legtimo maxixe brasileiro. Escolheu para esta exibio uma gostosssima pea de Paulino
do Sacramento. O maxixe denomina Beb, cuja terceira parte, numa violenta baixaria
confiada ao trombone, h de fazer com que vocs sintam vontade de cair no fandango,
querem ver? Ouam! (Almirante, 1947f)


85
A Esquecida - programa 01 - fx 01 (Collectors AER022 Lado A) em 08/10/1947; I moretti programa
05 - fx 01 (Collectors AER024 Lado A) em 12/11/1947; Assim que programa 12 - fx 01 (Collectors
AER027 Lado B) em 17/03/1948.
130
interessante observar que para instigar os ouvintes a se contagiarem pelo esprito danante
do maxixe, Almirante usa a expresso cair no fandango, e evoca um gnero muito mais
antigo, cultivado no Brasil e em Portugal no sculo XVIII.
A caracterstica de imoralidade, estigmatizada na coreografia da dana do maxixe, foi
apontada na apresentao do Corta-Jaca, de Chiquinha Gonzaga:
[] Em 1897, o ator Machado Careca tinha em cena num dos nossos teatros uma pea de
nome Zizinha Maxixe. A pea explorava muito o sucesso que ento fazia por aqui uma
dana de origem misteriosa que diziam ter vindo dos passos e dos movimentos escandalosos de
um indivduo apelidado Maxixe, habitu dos bailes da Cidade Nova. Para aquela pea,
Chiquinha Gonzaga comps um tango que denominou Gacho e que servia para acompanhar
uma dana conhecida como corta-jaca, popular em alguns lugares do Brasil.[] (Almirante,
1947b)

Nesta passagem onde aparecem trs nomes diferentes utilizados para caracterizar o mesmo
estilo maxixe, tango e corta-jaca podemos observar como pode ser tnue a classificao de
gneros. As classificaes variam no s pela forma de execuo, mas tambm de acordo com
o perodo histrico, o espao social e a formao instrumental.
Quando Almirante apresenta o tango Batuque (Henrique Alves de Mesquita), que
figura no repertrio do O pessoal da velha guarda na execuo da orquestra, em nenhum
momento o classifica como tango. Como pode ser observado na sua fala transcrita abaixo,
alm do ttulo da msica, ele define o prprio gnero como batuque, um gnero inspirado
pelo samba-de-roda de umbigada. Vrios autores apontaram o maestro Henrique Alves de
Mesquita (1830-1906) que compunha para o teatro de revista na segunda metade do sculo
XIX como o primeiro compositor de tangos brasileiros (Siqueira, 1970) (Vasconcelos,
1991) (Tinhoro, 2010). O tango Ali Bab, editado em 1871, ainda guarda forte influncia
da habanera, j o Batuque, classificado na partitura como tango caracterstico, apresenta
novos elementos rtmicos inspirados pela dana do batuque dos negros. Esse resultado rtmico
comea a configurar um novo estilo, que ao ser cultivado por compositores como Ernesto
Nazareth e Chiquinha Gonzaga, vai sendo identificado como um tango com caractersticas
nacionais.
131
[] No centro da escravido, os negros danavam aqui, entre outras, uma dana que se
denominava batuque. No fundo, era um legtimo samba-de-roda com a infalvel umbigada
danado ao som de tambores, alguns dos quais teriam provavelmente o nome de batuque,
donde teria vindo a denominao daquela coreografia.

A percusso brutal daquele acompanhamento inspirou inmeros compositores que escreveram
batuques notveis. Transformada em msica audvel, o batuque porm perdeu todas as suas
asperezas, e se tornou um gnero agradvel, em que um ritmo pertinaz apoia uma melodia de
carter geralmente lamentoso.

Um dos batuques mais clebres do passado foi o da autoria do maestro Henrique de Mesquita,
pistonista exmio, compositor de peras, missas e outras peas de grande envergadura. []
Pixinguinha escreveu para a Orquestra Pessoal da Velha Guarda um curioso arranjo do batuque
de Mesquita, em que vai ser ressaltada a beleza de sua melodia e a insistente percusso dos
tambores dos batuques africanos. (Almirante, 1948a)

Ao apresentar os recentes lanamentos em disco da dupla Pixinguinha e Benedito Lacerda, no
programa de 21 de janeiro de 1948, Almirante menciona o choro Urubatan (Pixinguinha), e
o classifica como uma espcie de jongo que Pixinguinha escreveu inspirado no ritmo de um
batuque de candombl. Alm disso destaca a origem africana do nome.
86
O choro Urubatan,
de fato apresenta uma srie de convenes rtmicas que o colocam fora de um padro
convencional. A rtmica caracterstica do batuque de candombl, conforme a descrio de
Almirante, pode ser percebida na marcao do acompanhamento, logo nos primeiros quatro
compassos (ouvir exemplo no CD, faixa 8 Anexo 4). Almirante tambm menciona a
dificuldade tcnica para se executar a msica, que se justifica por uma srie de convenes de
breques onde aparecem com destaque os floreios da flauta, e os contrapontos dos violes e do
saxofone. Apesar das convenes fora do padro, de forma geral, a rtmica que prevalece em
Urubatan a que caracteriza o gnero choro, e que se fixou nas geraes seguintes, a
exemplo da gravao de Altamiro Carrilho no CD Choros Imortais (ouvir CD, faixa 33
Anexo 4). Percebe-se, portanto, que a definio uma espcie de jongo no uma
classificao especfica, mas sim uma forma genrica, utilizada por Almirante apenas para
destacar a fonte de inspirao do autor. A influncia da cultura afro-brasileira se evidencia

86
Verificamos na prtica da umbanda, o culto de uma entidade chamada Caboclo Urubatan. Ver mais
informaes no site da Associao Espiritualista Caboclo Urubatan no bairro de Vila Esperana, So Paulo:
http://urubatan.com/
132
tambm na obra vocal de Pixinguinha, em msicas como Benguel, Ya e Chora na
macumba.
A dificuldade tcnica para execuo de choros tambm foi destacada em Sofres
porque queres (Pixinguinha):
Vamos iniciar a audio de hoje com um dos mais curiosos choros de Pixinguinha. Trata-se de
uma msica com obrigaes destacadas para todos os elementos que participam de sua
execuo.[] Ele portanto bom para a abertura de um programa como esse porque vai servir
para desenferrujar os dedos de todos esses bambas. [] (Almirante, 1947f)

As obrigaes mencionadas por Almirante so uma marca estilstica do gnero choro. So
convenes de execuo (frequentemente executadas pelos instrumentos de
acompanhamento), que ocorrem logo aps os breques e que no so facultativas, pois fazem
parte da prpria constituio da msica. Uma baixaria (frase de contraponto executada pelo
violo) pode se configurar de forma livre, facultativa, ou como uma obrigao.
Na apresentao do choro Soluos (Pixinguinha), vemos Almirante dar a sua verso
para a origem da denominao choro. Ao faz-lo, explicita uma crtica dirigida a
musiclogos, que na sua viso estavam equivocados ao tentarem explicar a origem da
denominao choro a partir de pocas mais remotas que o perodo onde se formaram os
pequenos conjuntos instrumentais compostos por flauta, cavaquinho, violo, bombardino,
oficleide, etc (Almirante, 1948e). A explicao que apresenta que esses grupos
instrumentais eram chamados de choros, e os executantes chamados de chores, pela forma
dolente como tocavam polcas, schottischs, valsas, mazurcas, pas-de-quatres, etc. S muito
mais tarde que a designao choro foi passando para as msicas de seu repertrio. Ao
apresentar essa explicao, como pano de fundo da sua fala, ouvimos o saxofone de
Pixinguinha tocando frases cromticas descendentes, simulando um choro. A criao de uma
ambincia sonora que contribua para validar a argumentao de Almirante, como j foi
demonstrado, foi uma estratgia comum no programa. No por acaso, a msica escolhida
como ponto de partida para meno da origem da denominao do gnero foi o choro
133
Soluos. Almirante a classifica como uma polca que hoje um choro [], um choro-
serentata, em que se sente claramente o soluar tristonho to ao gosto do O pessoal da velha
guarda.
Em uma audio anterior, Almirante j fizera um comentrio, na apresentao do
choro Serpentina (Nelson Alves), que o choro uma denominao recente que tomou a
velha polca. A execuo de Serpentina pela dupla Pixinguinha e Benedito Lacerda com
acompanhamento do regional, um exemplo tpico de choro executado com uma levada
sambada (ouvir exemplo no CD, faixa 3 Anexo 4). O nmero que acabara de ser
executado pela mesma formao instrumental o choro Treme-treme, com a participao
especial do autor, o jovem bandolinista Jacob do Bandolim tambm apresenta as mesmas
caractersticas interpretativas. Nos parece que a maneira sambada de se tocar choro
apresentada no programa, nas execues de Jacob, Pixinguinha, Benedito e o Grupo dos
Chores, se fixou como um estilo interpretativo marcante, que influenciou geraes de
msicos brasileiros que se seguiram. Nas gravaes contemporneas do gnero este estilo
pode ser verificado. Conclumos, portanto, que a velha polca, que passou a se chamar
choro, se uniu ao samba, mesclando suas rtmicas. Na frase a polca como o samba uma
tradio brasileira, do choro Alexandre Gonalves Pinto registrada em uma passagem do
seu livro de memrias O choro, editado em 1936 temos o exemplo do igual valor dado
por um msico representante da velha guarda, para ambos os gneros, considerados marcas da
identidade musical brasileira.
134
CONCLUSO

Nessas consideraes finais buscaremos apresentar uma sntese do desenvolvimento
deste trabalho com intuito de apontar as concluses alcanadas.
O programa radiofnico O pessoal da velha guarda produzido por Almirante sob a
direo musical de Pixinguinha entre 1947 e 1952 na Rdio Tupi teve dois objetivos
principais: despertar na sociedade brasileira o interesse pela valorizao da memria da
msica popular urbana do pas e criar um espao de referncia esttica onde determinados
padres seriam veiculados como representativos da identidade musical brasileira. A
justificativa de Almirante para existncia do programa foi a necessidade de promover um
movimento de reabilitao da msica popular brasileira, que na sua viso encontrava-se sob
a ameaa de descaracterizao diante do crescimento da indstria fonogrfica marcada pelo
cosmopolitismo no perodo do ps-guerra. Com a queda de Getlio Vargas, e da poltica
fortemente calcada no nacionalismo, o novo governo permitiu que empresas multinacionais se
estabelecessem no pas. Esse quadro provocou transformaes na sociedade que passou a se
abrir cada vez mais para a influncia da produo cultural estrangeira.
O contedo musical do O pessoal da velha guarda privilegiou o repertrio do perodo
de constituio da msica popular brasileira no Rio de Janeiro, na virada do sculo XIX para
o sculo XX (polcas, choros, valsas, tangos, schottischs, modinhas, etc), alm do repertrio
autoral de Pixinguinha e de alguns poucos compositores contemporneos alinhados esttica
musical do programa. As falas de Almirante que pontuavam as audies forneciam aos
ouvintes contextualizaes histricas e sociais das msicas, alm de orientaes estticas
sobre a forma como o repertrio deveria ser executado e apreciado. Pela primeira vez esse
repertrio foi veiculado atravs do rdio, com abrangncia nacional, e exposto como smbolo
135
da identidade da msica popular brasileira. At ento apenas o samba havia conquistado a
chancela de gnero representativo da nacionalidade, no seu processo de consolidao atravs
do rdio nos anos 1930.
No Captulo 1 expus o perfil biogrfico de Almirante como cantor e produtor
radiofnico no desenvolvimento da indstria fonogrfica e no estabelecimento da indstria do
rdio tendo como foco principal os anos 1930 e 1940, poca na qual o governo buscou
implementar uma poltica nacionalista no pas. Destaquei o pioneirismo de Almirante na
produo de programas com tcnica de montagem e roteiros pr-definidos desde a sua estreia
no Programa Cas, passando pela sua contratao pela rdio de maior potncia do pas, a
Rdio Nacional quando foi identificado como a mais alta patente do rdio. Procurei
demonstrar como a sua trajetria foi construda at se tornar uma autoridade cultural
respeitada por diversos setores da sociedade. Cartas e artigos de intelectuais e musiclogos de
renome evidenciaram esse reconhecimento. Sugeri que Almirante contribuiu, atravs da
produo de seus programas histricos, para que musiclogos passassem gradualmente a
reconhecer a msica popular urbana como objeto de estudos. Destaquei a sua iniciativa
empreendedora de gerar fontes primrias que se tornariam a base para constituio do seu
arquivo ao instigar os ouvintes a enviarem informaes sobre os assuntos abordados nos seus
programas. Seu arquivo acabaria sendo incorporado ao patrimnio do estado, reconhecido
como valioso patrimnio cultural, marcando a criao da Fundao Museu da Imagem e do
Som-RJ. Sua postura colecionista e a atitude de preservar a memria musical do pas serviram
como modelo para as novas geraes de pesquisadores e historigrafos da msica popular
urbana. Conclu que ao criar um arquivo, instigar a produo de vestgios histricos sobre a
msica popular brasileira e a ordenao desses vestgios, Almirante teve grande parcela de
responsabilidade pela transio da memria social oral para a memria social escrita da
msica popular brasileira.
136
No Captulo 2 busquei analisar as aes de Almirante que representaram uma busca
pelo resgate e pela construo da histria e da memria musical do pas, comeando por
programas anteriores ao O pessoal da velha guarda, como A histria das orquestras e
msicos e pelo projeto Dicionrio de msicos e compositores brasileiros, uma iniciativa
indita de fazer um livro de referncia que inventariasse msicos e compositores brasileiros.
A base para esta anlise partiu do princpio que o processo de memria no homem no s
representa uma ordenao de vestgios (o inventariamento de dados) mas tambm uma
releitura desses vestgios, segundo as teorias de Jacques LeGoff e da Escola dos Annales. Os
msicos da velha guarda que atuaram no programa de Almirante no s reviveram o passado
mas fizeram uma atualizao do seu olhar sobre esse passado, adaptado a um novo contexto
histrico e social.
O procedimento utilizado por Almirante para o resgate e construo da histria e da
memria musical do pas partiu da estratgia de incluir no repertrio do programa O pessoal
da velha guarda, msicas ligadas a acontecimentos histricos e sociais. A associao da
msica ao seu contexto histrico e social serviu como catalizador de memrias individuais e
coletivas e contribuiu para a fixao de padres de identidade cultural, conquistada atravs do
despertar da afetividade dos ouvintes em sentimentos de nostalgia. As falas de Almirante
pretenderam instigar nos ouvintes o reconhecimento de caractersticas da nacionalidade (na
incluso de msicas que evocavam o sentimento patritico); de caractersticas da cidade do
Rio de Janeiro (na lembrana de fatos histricos marcantes como as transformaes na
geografia da cidade, na extino de morros e praas pblicas); de caractersticas
antropolgicas (na evocao do temperamento espirituoso e gozador do cidado carioca); de
transformaes dos hbitos e dos espaos sociais (no destaque para mudanas na esttica das
danas e nos locais da sua prtica); de transformaes nos modos de transmisso e divulgao
do repertrio (na evocao do tempo onde no havia o rdio e os msicos precisavam se
137
deslocar para divulgar o seu repertrio). Um procedimento utilizado para catalizar
diretamente a memria musical dos ouvintes foi o recurso de atender a pedidos de msicas
sugeridas por eles.
Neste captulo tambm busquei localizar a origem da expresso velha guarda
procurando compreender a sua representatividade no contexto do programa. O conceito de
velha guarda simbolizando uma coletividade, um grupo social que busca preservar as
tradies, onde os seus integrantes cultivam sentimentos de nostalgia de um passado glorioso,
j era tradicional no Brasil nos anos 1940 e permanece vivo at os dias de hoje. Ele encontra-
se arraigado cultura das escolas de samba, de forma mais explcita, na identificao do
nome de grupos como a Velha Guarda da Portela, Salgueiro, Mangueira, etc, mas tambm
est presente em grupos instrumentais de choro como o Conjunto poca de Ouro, fundado por
Jacob do Bandolim nos anos 1960 e que permanece em atividade, imbudo do mesmo esprito
de preservao do seu fundador, que por sua vez foi influenciado pelo convvio com
Pixinguinha e Almirante e outros chores antigos desde o princpio da sua carreira
profissional.
luz das teorias de Pierre Nora, sugeri que o programa O pessoal da velha guarda
pode ser percebido como um lugar de memria, ao trazer tona as lembranas do passado
que proporcionam um reencontro com o pertencimento, princpio e o segredo da identidade.
As homenagens feitas nas audies, as lembranas de datas comemorativas de aniversrios ou
notas de falecimento de compositores, serviram como ponto de partida para criao de rituais
que cultuavam uma linguagem musical especfica, portadora de uma identidade veiculada
como representante da nacionalidade. O prprio repertrio figurado no programa que
continuou a ser executado e gravado nas geraes posteriores, em grande parte pelas mos de
jovens artistas convidados a fazerem participaes especiais no programa, como Jacob do
Bandolim e Altamiro Carrilho tambm pode ser percebido como um lugar de memria.
138
No Captulo 3 busquei identificar os elementos que caracterizaram um modelo de
referncia esttica na msica popular brasileira, refletidos na escolha do repertrio e nas
performances dos artistas que atuaram no programa O pessoal da velha guarda. Pretendi
mostrar como a atuao de Almirante contribuiu tanto para a fixao desses padres estticos
e para a criao de novos padres que ainda reverberam no cenrio artstico contemporneo.
A perspectiva terica para esta anlise baseou-se em conceitos formulados por Hennion, na
qual a esttica musical se constri a partir da atualizao permanente da escuta com base nas
relaes que envolvem a cadeia produtiva musical, em locais e momentos histricos
diferentes.
O componente estrangeiro nas matrizes dos gneros apresentados no programa
(polcas, schottischs, valsas, choros) foi evidenciado enquanto formador da identidade musical
brasileira no sculo XIX. H inclusive casos de msicas de autores estrangeiros que fizeram
sucesso no Rio de Janeiro no sculo XIX e que figuraram nas audies. O repertrio
estrangeiro da moda nos anos 1940 e 1950 (fox, rumba, bolero, etc), entretanto, foi
apresentado como um grande vilo. Na viso de Almirante, os artistas brasileiros que se
deixassem influenciar por este estilo estariam contribuindo para deturpar as caractersticas
autnticas da nossa msica. Conclu que para alm da oposio ao elemento musical
estrangeiro, o programa se ops ao modismo e ao comercialismo. Talvez esse fato explique a
ausncia do baio na programao, um gnero de caractersticas nacionais que gozava de
estrondoso sucesso na mdia. Por outro lado, constatamos o quanto O pessoal da velha
guarda sobreviveu ao longo de cinco anos graas a infra-estrutura comercial proporcionada
pela Rdio Tupi, de propriedade de Assis Chateaubriand, o empresrio que possuiu o maior
conglomerado de empresas de comunicao do pas e que mantinha relaes estreitas com
empresas multinacionais, como o patrocinador do programa, o sal de fruta ENO.
139
Ao apresentar e valorizar as caractersticas estticas da msica popular urbana como
representativas da nacionalidade, Almirante buscou equiparar o seu status ao da msica
erudita, na tentativa de combater o preconceito contra a msica popular arraigado na alta
sociedade brasileira. A inciativa de fazer o Dicionrio de msicos e compositores brasileiros,
incluindo msicos de toda classe e compositores de qualquer espcie, j revelava o seu
interesse em colocar ambas as msicas em p de igualdade.
No que se refere ao repertrio vocal, a orientao esttica de Almirante valorizou o
respeito pela manuteno de melodias originais e pelo fraseado caracterstico de cada gnero.
Avaliamos que a concepo do que seria a melodia correta foi uma construo idealizada
por Almirante visto que o processo de recepo de obras dificulta a determinao exata de
uma melodia. Sua orientao esttica tambm combateu a imitao do estilo vocal utilizado
nas msicas comerciais norte-americanas e a preservao de caractersticas da linguagem
regional sertaneja, mesmo que isso representasse um erro gramatical. Na anlise das
performances vocais de Almirante, identifiquei padres de entoao e dico prximas ao
registro da fala e um especial interesse pela interpretao de msicas com temtica
humorstica, marca da identidade carioca, conforme foi sugerido no captulo 2. Boa parte do
repertrio vocal foi composto por msicas de chores, concebidas originalmente para serem
executadas de forma instrumental. Almirante mencionou o fenmeno da popularizao dessas
msicas ao receberem versos dos poetas do tempo. Muitas delas representam desafios
tcnicos na execuo de saltos e desenhos meldicos arpejados para obteno de clareza de
articulao das palavras e preciso rtmica, caractersticas observadas nas performances de
cantores como Ademilde Fonseca e Onssimo Gomes.
No que diz respeito ao repertrio instrumental, destaquei que a formao da orquestra
representa um retrato sonoro das vrias experincias e linguagens musicais vivenciadas por
Pixinguinha ao longo da sua trajetria profissional como instrumentista, arranjador e maestro
140
em ambientes diversos. Isso pode ser observado na particularidade da instrumentao que
rene a sonoridade das bandas, das pequenas orquestras e dos regionais de choro. Destaquei a
valorizao da percusso e a assimilao de recursos rtmicos do samba nas suas
orquestraes atravs da comparao com gravaes das mesmas msicas feitas nas primeiras
dcadas do sculo XX.
Observei o quanto os arranjos e as interpretaes de Pixinguinha refletem um retrato
sonoro que corrobora as falas de apresentao de Almirante, na reconfigurao do passado
musical; na justificativa do significado de ttulos das msicas e na definio dos elementos
caractersticos de cada gnero musical. Na comparao com gravaes antigas, onde nem
sempre observam-se as mesmas caractersticas de estilo, constatamos que esse resultado
representa uma construo de Almirante e Pixinguinha e no um carter estrutural de cada
gnero. Na atualizao contempornea da escuta do mesmo repertrio, nem sempre as
classificaes coincidem com o que foi veiculado no programa. Um dos exemplos citados foi
a msica Urubatan, de Pixinguinha, que seria gravada e tocada como choro, mas no programa
foi identificada como uma espcie de jongo. Conclu que as classificaes de gneros
podem variar no s a partir da forma de execuo, mas tambm de acordo com o perodo
histrico, o espao social, a formao instrumental e a concepo do arranjador.
O dilogo musical entre Pixinguinha e Benedito Lacerda representa uma das
principais inovaes estticas trazidas no programa, conforme apontou o historiador Bryan
McCann. O contraponto de Pixinguinha ao saxofone foi incorporado como um forte elemento
estilstico do gnero choro. Ao tocar seu saxofone de forma contrapontstica, Pixinguinha
processava uma atualizao da sua escuta, re-elaborava uma linguagem musical retratada
nos seus primeiros registros fonogrficos, quando os contrapontos de seu mestre Irineu de
Almeida dialogavam com seus solos como flautista. Por sua vez, o novo fraseado rtmico e
improvisado da flauta de Benedito Lacerda, carregado de elementos estilsticos do samba,
141
tambm representa uma atualizao do estilo inovador trazido por Pixinguinha no
desenvolvimento da sua carreira como instruementista.
Concordando com a viso de McCann, se por um lado o programa trouxe inovaes
estticas, por outro, a nfase exacerbada na tradio e na preservao das riquezas culturais da
nao contribuiu para limitar o gnero choro. Um exemplo o cnone gerado em torno da
obra de Pixinguinha, com especial nfase no repertrio lanado pela dupla Pixinguinha e
Benedito Lacerda na poca do programa. Isso talvez explique a forma como o choro foi
percebido durante um perodo como um gnero conservador, se fixando em cultivar um
repertrio restrito, em torno da obra de poucos compositores emblemticos. Embora ainda
existam nichos de grupos conservadores, no quadro atual do gnero observam-se diversas
tendncias de artistas buscando experimentaes estilsticas inovadoras.
Constatamos que ao eleger a msica carioca como tema principal da msica popular
brasileira veiculada em seu programa, Almirante acabou por se aproximar perigosamente de
um etnocentrismo que elegia as prticas musicais da ento capital da repblica como smbolos
de nacionalidade, em detrimento de outras prticas musicais realizadas no pas. Tal postura
hegemnica (cujos resqucios ainda podem ser observados nos dias de hoje) vem sendo
crescentemente questionada a partir de outras prticas, discursos e polticas que revelam que o
espectro de representao do patrimnio musical brasileiro muito mais amplo.
Apesar dessa postura restritiva inegvel que o empreendimento de Almirante em
prol da constituio da memria e da histria da msica popular brasileira teve propores
gigantescas que foram determinantes para o patrimnio cultural brasileiro. No fosse o seu
comprometimento com a cultura musical do seu pas, a sua inquietao como pesquisador
obstinado e a sua extraordinria capacidade de trabalho como produtor radiofnico, talvez boa
parte da memria musical estivesse perdida. Na medida em que o seu arquivo vem sendo
valorizado pelo governo do estado do Rio de Janeiro em projetos de digitalizao e na
142
constituio de bancos de dados, de modo a torn-lo acessvel ao grande pblico, a tendncia
que o conjunto das suas aes seja cada vez mais evidenciado por pesquisadores. No
percurso de reconhecimento da msica popular urbana brasileira como objeto de estudos no
ambiente acadmico o Arquivo Almirante continuar sendo uma ferramenta valiosa para
futuras investigaes sobre a identidade musical brasileira e para a constituio de novas
perspectivas sobre a histria da msica popular brasileira.
143
FONTES

Cartas:
Carta de Elenira de Freitas para Almirante, sem data. Arquivo Almirante, FMIS/RJ.

Carta de Gaspar Melo para o programa O pessoal da velha guarda, Camet, 24 mar 1950.
Arquivo Almirante, FMIS/RJ.

Carta de Jos Cid para Almirante, Curitiba, 21 out 1949. Arquivo Almirante, FMIS/RJ.

Carta de Manoel Quirino Pereira Sobrinho para Almirante, Nilpolis, 7 ago 1947. Arquivo
Almirante, FMIS/RJ.

Depoimentos:

Depoimento de Pixinguinha ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, 1966 e 1968.
In: MOTA, M. Aparecida Rezende (coord.) Pixinguinha. Srie Depoimentos. Rio de Janeiro,
UERJ, Depto. Cultural, 1997.

Depoimento de Donga ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. In: As vozes
desassombradas do museu Pixinguinha, Donga e Joo da Baiana. Extrado dos
depoimentos para a posteridade realizados no Museu da Imagem e do Som. Rio de Janeiro:
MIS-RJ, 1970.

Encartes:

LP Catulo da Paixo Cearense / Cndido das Neves (ndio). Srie Msica Popular Brasileira.
Abril Cultural, 1971.

PAES, Anna. Violo, Bandolim e Cavaquinho. Encarte da coleo de 15 CDs Memrias
Musicais. Biscoito Fino, 2002.

Peridicos:
ALENCAR, Edigar de. O Fantstico e Extraordinrio Almirante. Matria publicada em
1981. Nome do jornal no identificado. Arquivo Almirante, FMIS-RJ.

CARDOSO Jr., Abel. Lembranas de Almirante: a maior patente do rdio. Matria
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Fotografia de Pixinguinha e Almirante Coleo Pixinguinha IMS-RJ.

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149
ANEXO 1 TABELA COM O REPERTRIO DE 20 PROGRAMAS O PESSOAL DA VELHA GUARDA DA COLLECTOR'S
STUDIOS LTDA, COM AUDIOS DISPONVEIS NO CD

N do Programa
Msica Referncia Data Msica Gnero Formao Autor
01 - 01
(Collectors
AER022 Lado A) 1947a 10/08/47 A esquecida
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
01 - 02
(Collectors
AER022 Lado A) 1947a 10/08/47 Cochichando choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
01 - 03
(Collectors
AER022 Lado A) 1947a 10/08/47
Supplication / No
quero mais teus beijos /
ltimo beijo valsa
Gilberto Alves e Grupo dos Chores com
Raul de Barros
W. J. Paans e
Eustrgio
Wanderley
01 - 04
(Collectors
AER022 Lado A) 1947a 10/08/47 Os 8 Batutas choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
01 - 05
(Collectors
AER022 Lado A) 1947a 10/08/47 Passarinho do m samba
Do, Coro e Grupo dos Chores com Raul
de Barros
Duque
(Antnio
Lopes de
Amorim
Diniz)
01 - 06
(Collectors
AER022 Lado A) 1947a 10/08/47 Concerto para bateria samba
Orquestra do Pessoal da Velha Guarda /
Benedito Lacerda e seu Regional / solo de
bateria de Sutinho Pixinguinha
02 - 01
(Collectors
AER022 Lado B) 1947b 15/10/1947 Morcego polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Irineu de
Almeida
02 - 02
(Collectors
AER022 Lado B) 1947b 15/10/1947
Eugnie / Meu Deus,
que noite sonorosa! polca
Onssimo Gomes e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Jos Belisrio
de SantAnna
150
02 - 03
(Collectors
AER022 Lado B) 1947b 15/10/1947 Saudades do Rio choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Zequinha
Reis
02 - 04
(Collectors
AER022 Lado B) 1947b 15/10/1947 Atraente polca
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Chiquinha
Gonzaga
02 - 05
(Collectors
AER022 Lado B) 1947b 15/10/1947 Lua branca cano
Moraes Neto e Grupo dos Chores com
Raul de Barros
Chiquinha
Gonzaga
02 - 06
(Collectors
AER022 Lado B) 1947b 15/10/1947 Gacho (Corta-Jaca)
tango
brasileiro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Chiquinha
Gonzaga
03 - 01
(Collectors
AER023 Lado A) 1947c 29/10/1947 Fecha, carrana! polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Aristteles de
Magalhes
Pery
03 - 02
(Collectors
AER023 Lado A) 1947c 29/10/1947 Mimosa cano
Paulo Tapajs, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Leopoldo
Fres
03 - 03
(Collectors
AER023 Lado A) 1947c 29/10/1947 Glria valsa
Jacob do Bandolim e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Bonfiglio de
Oliveira
03 - 04
(Collectors
AER023 Lado A) 1947c 29/10/1947 Treme-Treme choro
Jacob do Bandolim, Pixinguinha,
Benedito Lacerda e seu Regional
Jacob do
Bandolim
03 - 05
(Collectors
AER023 Lado A) 1947c 29/10/1947 Serpentina choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Nelson Alves
03 - 06
(Collectors
AER023 Lado A) 1947c 29/10/1947
Os passarinhos da
Carioca marcha
Almirante, Coro e Orquestra do Pessoal
da Velha Guarda
Lus Nunes
Sampaio, o
Careca
151
04 - 01
(Collectors
AER023 Lado B) 1947d 11/05/47 O Ferramenta
tango fado
portugus Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Ernesto
Nazareth
04 - 02
(Collectors
AER023 Lado B) 1947d 11/05/47 Casa de Caboclo cano
Paulo Tapajs, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Heckel
Tavares e
Luiz Peixoto
04 - 03
(Collectors
AER023 Lado B) 1947d 11/05/47 Seu Loureno no vinho choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
04 - 04
(Collectors
AER023 Lado B) 1947d 11/05/47 Implorando schottisch Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Anacleto de
Medeiros
04 - 05
(Collectors
AER023 Lado B) 1947d 11/05/47 Caridade samba
Almirante, Coro e Grupo de Chores com
Raul de Barros
Sebastio
Neves e
Ansio Mota
04 - 06
(Collectors
AER023 Lado B) 1947d 11/05/47 Urubu malandro choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
05 - 01
(Collectors
AER024 Lado A) 1947e 11/12/47 I. Moretti
polca-
marcha
italiana Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Cesare
Bonafous
05 - 02
(Collectors
AER024 Lado A) 1947e 11/12/47 Naquele tempo choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
05 - 03
(Collectors
AER024 Lado A) 1947e 11/12/47
Tu passaste por este
jardim polca
Gilberto Alves e Grupo dos Chores com
Raul de Barros
Alfredo Dutra
e Catulo da
Paixo
Cearense
05 - 04
(Collectors
AER024 Lado A) 1947e 11/12/47 Morro da favela polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Passos,
Borno e
Bernab
152
05 - 05
(Collectors
AER024 Lado A) 1947e 11/12/47 Minas Gerais! valsa
Do, Coro e Grupo dos Chores com Raul
de Barros
folclore
italiano e
letra de
Eduardo das
Neves
05 - 06
(Collectors
AER024 Lado A) 1947e 11/12/47 Lngua de preto choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Honorino
Lopes
06 - 01
(Collectors
AER024 Lado B) 1947f 19/11/1947 Sofres porque queres choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
06 - 02
(Collectors
AER024 Lado B) 1947f 19/11/1947 Cinco de novembro
choro-
cano
Roberto Silva e Grupo dos Chores com
Raul de Barros
Eduardo das
Neves
06 - 03
(Collectors
AER024 Lado B) 1947f 19/11/1947 Beb maxixe Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Paulino
Sacramento
06 - 04
(Collectors
AER024 Lado B) 1947f 19/11/1947 O pinhal cano
Moraes Neto, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Armando
Percival e
Maria da
Cunha
06 - 05
(Collectors
AER024 Lado B) 1947f 19/11/1947 gua do Vintm
tango
brasileiro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Chiquinha
Gonzaga
06 - 06
(Collectors
AER024 Lado B) 1947f 19/11/1947 Remelexo choro
Jacob do Bandolim, Pixinguinha,
Benedito Lacerda e seu Regional
Jacob do
Bandolim
07 - 01
(Collectors
AER025 Lado A) 1947g 26/11/1947 Vou vivendo choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
153
07 - 02
(Collectors
AER025 Lado A) 1947g 26/11/1947 Margarida vai fonte cano
Paulo Tapajs, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Motivo
popular
portugus
07 - 03
(Collectors
AER025 Lado A) 1947g 26/11/1947 Que da chave
polca-
lundu Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Jos Soares
Barbosa
07 - 04
(Collectors
AER025 Lado A) 1947g 26/11/1947 Jurity choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Raul Silva
07 - 05
(Collectors
AER025 Lado A) 1947g 26/11/1947 No bico da chaleira polca
Almirante, Coro e Orquestra do Pessoal
da Velha Guarda
Costa Jnior
(Juca Storoni)
07 - 06
(Collectors
AER025 Lado A) 1947g 26/11/1947
Partimos para Mato
Grosso
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Zeferino M.
Hourcades
08 - 01
(Collectors
AER025 Lado B) 1948a 21/01/1948 A esquecida
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
08 - 02
(Collectors
AER025 Lado B) 1948a 21/01/1948 Ceguinha valsa
Onssimo Gomes e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Uriel
Lourival
08 - 03
(Collectors
AER025 Lado B) 1948a 21/01/1948 Batuque tango Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Henrique
Alves de
Mesquita
08 - 04
(Collectors
AER025 Lado B) 1948a 21/01/1948 Tristeza do jeca toada
Moraes Neto, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Angelino de
Oliveira
08 - 05
(Collectors
AER025 Lado B) 1948a 21/01/1948 Proesas de Solon choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
154
08 - 06
(Collectors
AER025 Lado B) 1948a 21/01/1948 Urubatan choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
09 - 01
(Collectors
AER026 Lado A) 1948b 25/02/1948 Segura ele choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
09 - 02
(Collectors
AER026 Lado A) 1948b 25/02/1948 Na praia cano
Augusto Calheiros e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Raul C. de
Moraes
09 - 03
(Collectors
AER026 Lado A) 1948b 25/02/1948 Turuna
tango
brasileiro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Ernesto
Nazareth
09 - 04
(Collectors
AER026 Lado A) 1948b 25/02/1948 Mariana
polca-
choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Irineu de
Almeida
09 - 05
(Collectors
AER026 Lado A) 1948b 25/02/1948 J te digo samba
Almirante e Grupo dos Chores com Raul
de Barros
Pixinguinha e
China
09 - 06
(Collectors
AER026 Lado A) 1948b 25/02/1948 La Mattchiche
passo
doble
Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
(part. de Almirante e Coro)
Charles Borel
Clerc
10 - 01
(Collectors
AER026 Lado B) 1948c 03/03/48 Jocosa
polca-
choro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Pedro
Galdino
10 - 02
(Collectors
AER026 Lado B) 1948c 03/03/48
Brejeiro / Sertanejo
enamorado
tango
brasileiro
Onssimo Gomes e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Ernesto
Nazareth e
Catullo da
Paixo
Cearense
10 - 03
(Collectors
AER026 Lado B) 1948c 03/03/48 Os Oito Batutas choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
155
10 - 04
(Collectors
AER026 Lado B) 1948c 03/03/48
Ol seu Nicolau, quer
mingau?
canoneta
/ marcha
Almirante e Grupo dos Chores com Raul
de Barros / Orquestra do Pessoal da Velha
Guarda
Costa Jnior
(Juca Storoni)
10 - 05
(Collectors
AER026 Lado B) 1948c 03/03/48 Vou vivendo choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
10 - 06
(Collectors
AER026 Lado B) 1948c 03/03/48 Saudades de Ouro Preto valsa Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Balduno
Rodrigues do
Nascimento
11 - 01
(Collectors
AER027 Lado A) 1948d 03/10/48 Corroca
polca-
choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Luiz de
Souza
11 - 02
(Collectors
AER027 Lado A) 1948d 03/10/48 Marreco quer gua
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
11 - 03
(Collectors
AER027 Lado A) 1948d 03/10/48
Seu Nastcio chegou de
viagem canoneta Otvio Frana e piano Desconhecido
11 - 04
(Collectors
AER027 Lado A) 1948d 03/10/48 Buenos dias valsa Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Aurlio
Cavalcanti
11 - 05
(Collectors
AER027 Lado A) 1948d 03/10/48 Dorinha, meu amor samba
Jorge Veiga, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Jos
Francisco de
Freitas
11 - 06
(Collectors
AER027 Lado A) 1948d 03/10/48 Que perigo!
choro /
tango
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Ticio
Cardoso
12 - 01
(Collectors
AER027 Lado B) 1948e 17/03/1948 Assim que
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
156
12 - 02
(Collectors
AER027 Lado B) 1948e 17/03/1948 O pinhal cano
Paulo Tapajs, Coro e Grupo dos Chores
com Raul de Barros
Armando
Percival e
Maria da
Cunha
12 - 03
(Collectors
AER027 Lado B) 1948e 17/03/1948 Que perigo!
choro /
tango
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Ticio
Cardoso
12 - 04
(Collectors
AER027 Lado B) 1948e 17/03/1948 Soluos choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
12 - 05
(Collectors
AER027 Lado B) 1948e 17/03/1948 Caridade samba
Almirante, Coro e Grupo de Chores com
Raul de Barros
Sebastio
Neves e
Ansio Mota
12 - 06
(Collectors
AER027 Lado B) 1948e 17/03/1948 Tudo preto maxixe Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Jlio Casado
13 - 01
(Collectors
AER028 Lado A) 1948f 24/03/1948 T fraco choro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
13 - 02
(Collectors
AER028 Lado A) 1948f 24/03/1948 Ai, eu queria samba
Almirante, Coro e Grupo de Chores com
Raul de Barros
Pixinguinha e
Vidraa
13 - 03
(Collectors
AER028 Lado A) 1948f 24/03/1948 Andr de sapato novo choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Andr Victor
Correia
13 - 04
(Collectors
AER028 Lado A) 1948f 24/03/1948 Vou andando
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
13 - 05
(Collectors
AER028 Lado A) 1948f 24/03/1948 Morro da favela polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Passos,
Borno e
Bernab
157
13 - 06
(Collectors
AER028 Lado A) 1948f 24/03/1948 Passinho de moa schottisch Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Henrique
Dourado
14 - 01
(Collectors
AER028 Lado B) 1950a 07/06/50 Jacy
schottisch-
gavota Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Irineu de
Almeida
14 - 02
(Collectors
AER028 Lado B) 1950a 07/06/50 Descendo a serra choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Pixinguinha
14 - 03
(Collectors
AER028 Lado B) 1950a 07/06/50 Dom Quixote schottisch Lauro Arajo
J. M.
Azevedo
Lemos
14 - 04
(Collectors
AER028 Lado B) 1950a 07/06/50 Trs estrelinhas polca Gilberto Alves e Grupo dos Chores
Anacleto de
Medeiros e
Catullo da
Paixo
Cearense
14 - 05
(Collectors
AER028 Lado B) 1950a 07/06/50 Gadu namorando choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Lalau do
Bandolim
(Laudelino
Procpio da
Silva) e Alcyr
Pires
Vermelho
14 - 06
(Collectors
AER028 Lado B) 1950a 07/06/50 Conversa fiada
polca-
choro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
15 - 01
(Collectors
AER029 Lado A) 1950b 14/12/1950 Cabea de porco polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Anacleto de
Medeiros
158
15 - 02
(Collectors
AER029 Lado A) 1950b 14/12/1950 A menina do sobrado choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional
Zequinha
Reis
15 - 03
(Collectors
AER029 Lado A) 1950b 14/12/1950 Serena valsa Lauro Arajo
Aurlio
Cavalcanti
15 - 04
(Collectors
AER029 Lado A) 1950b 14/12/1950 Na casa branca da serra modinha Gilberto Alves e Grupo dos Chores
Miguel
Emdio de
Pestana e
Guimares
Passos
15 - 05
(Collectors
AER029 Lado A) 1950b 14/12/1950 Jurity choro
Pixinguinha, Benedito Lacerda e seu
Regional Raul Silva
15 - 06
(Collectors
AER029 Lado A) 1950b 14/12/1950 A mulher do bode polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Oswaldo
Cardoso de
Meneses
16 - 01
(Collectors
AER029 Lado B) 1951a 22/11/1951 Hilda / Teu beijo
polca-
choro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Mrio
lvares da
Conceio
16 - 02
(Collectors
AER029 Lado B) 1951a 22/11/1951 A lmpada valsa Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Luiz Gomes
da Silva
16 - 03
(Collectors
AER029 Lado B) 1951a 22/11/1951
Meu casamento / Olhos
de veludo schottisch Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Pedro
Galdino
16 - 04
(Collector)s
AER029 Lado B) 1951a 22/11/1951 As baianas modinha Alcides Gerardi
Jos de
Arago e Tito
Lvio
16 - 05
(Collectors
AER029 Lado B) 1951a 22/11/1951 Morro da favela
polca-
marcha Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Passos,
Borno e
Bernab
159
16 - 06
(Collectors
AER029 Lado B) 1951a 22/11/1951 Glria valsa Alcides Gerardi
Bonfiglio de
Oliveira e
Branca M.
Coelho
17 - 01
(Collectors
AER030 Lado A) 1952a 13/03/1952 A mulher do bode polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Oswaldo
Cardoso de
Meneses
17 - 02
(Collectors
AER030 Lado A) 1952a 13/03/1952 Perdo Emlia modinha
Gilberto Alves e Regional de Rogrio
Guimares
Jos
Henriques da
Silva
17 - 03
(Collectors
AER030 Lado A) 1952a 13/03/1952 Passinho de moa schottisch Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Henrique
Dourado
17 - 04
(Collectors
AER030 Lado A) 1952a 13/03/1952 Emlia mazurca Lauro Arajo Annimo
17 - 05
(Collectors
AER030 Lado A) 1952a 13/03/1952 Nnias
tango-
cano
Gilberto Alves e Regional de Rogrio
Guimares
Cndido das
Neves
17 - 06
(Collectors
AER030 Lado A) 1952a 13/03/1952
Da Urca ao Po de
Acar polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Amadeu
Taborda
18 - 01
(Collectors
AER030 Lado B) 1952b 20/03/1952 Flor do abacate maxixe Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
lvaro
Sandim
18 - 02
(Collectors
AER030 Lado B) 1952b 20/03/1952 Orao
tango-
cano
Gilberto Alves e Regional de Rogrio
Guimares
Oswaldo
Cardoso de
Meneses e
Zeca Ivo
18 - 03
(Collectors
AER030 Lado B) 1952b 20/03/1952 Salve o sol schottisch Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Eduardo
Violo
160
18 - 04
(Collectors
AER030 Lado B) 1952b 20/03/1952 O gs virou lamparina schottisch Lauro Arajo Annimo
18 - 05
(Collectors
AER030 Lado B) 1952b 20/03/1952 Cllia valsa

Luiz de
Souza e
Catullo da
Paixo
Cearense
18 - 06
(Collectors
AER030 Lado B) 1952b 20/03/1952 Vou andando polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda Pixinguinha
19 - 01
(Collectors
AER031 Lado A) 1952c 27/03/1952 Ai Ai polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Valrio
Vieira
19 - 02
(Collectors
AER031 Lado A) 1952c 27/03/1952
Supplication / No
quero mais teus beijos /
ltimo beijo valsa
Gilberto Alves e Regional de Rogrio
Guimares
W. J. Paans e
Eustrgio
Wanderley
19 - 03
(Collectors
AER031 Lado A) 1952c 27/03/1952 Implorando schottisch Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Anacleto de
Medeiros
19 - 04
(Collectors
AER031 Lado A) 1952c 27/03/1952 Amor tem gelo habanera Lauro Arajo
Miguel A. de
Vasconcelos
19 - 05
(Collectors
AER031 Lado A) 1952c 27/03/1952 Quisera amar-te / Elvira schottisch
Gilberto Alves e Regional de Rogrio
Guimares Annimo
19 - 06
(Collectors
AER031 Lado A) 1952c 27/03/1952 I. Moretti
polca-
marcha
italiana Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Cesare
Bonafous
20 - 01
(Collectors
AER031 Lado B) 1952d 29/05/1952 Odalisca polca Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Felisberto
Marques
161
20 - 02
(Collectors
AER031 Lado B) 1952d 29/05/1952 Ai, Maria valsa Ernani Filho Di Capua
20 - 03
(Collectors
AER031 Lado B) 1952d 29/05/1952 Vale tudo choro Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Jacob do
Bandolim
20 - 04
(Collectors
AER031 Lado B) 1952d 29/05/1952 Cruzes, minha prima polca Lauro Arajo
Joaquim
Callado
20 - 05
(Collectors
AER031 Lado B) 1952d 29/05/1952 Cano de Caiuby cano Ernani Filho
Marques
Porto, Ary
Pavo, S
Pereira
20 - 06
(Collectors
AER031 Lado B) 1952d 29/05/1952 Subindo ao cu valsa Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
Aristides
Borges
162
ANEXO 2 TRANSCRIO DAS FALAS DE APRESENTAO DE ALMIRANTE
EM 20 PROGRAMAS O PESSOAL DA VELHA GUARDA DA COLLECTOR'S
STUDIOS LTDA

Programa N 1 em 8-10-1947 (Referncia: 1947a)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Quarta-feira, 21 horas, Champanhe Mnaco, Pessoal da Velha Guarda,
quatro elementos dispostos para oferecer aos ouvintes meia hora de recordaes preciosas e informaes
curiosas a respeito de jias da nossa msica popular, especialmente de tempos passados.
Em cada uma dessas noites de programa, temos, por um processo ou outro, chamado a ateno para a beleza e o
valor de nossas coisas, por outro lado, combatemos, na medida de nossas possibilidades, tudo que de ruim existe
nas composies populares, desde a pobreza de inspirao musical at os versos inexpressivos e de m
linguagem. Por menos influncia que tenham tido nossos comentrios, no ser lcito que se pense que eles no
tenham contribudo com uma parcela mnima que seja para que as obras brasileiras venham sendo vistas com
mais carinho e interesse pelos prprios brasileiros. Eis a por que a registramos com enorme entusiasmo o que
vem sucedendo nesses ltimos dias nos nossos meios musicais. Conforme investigao feita nas casas de piano e
discos, trs so as msicas de maior aceitao nesta cidade nas ltimas semanas, e com o maior prazer o
dizemos, estas trs so brasileiras: Fim de Semana em Paquet, Segredo e Se Queres Saber. Parabns aos
brasileiros, e pelo que toca a esses incansveis batalhadores que so os da Velha Guarda, que entraram com seu
gro de areia orientando a preferncia do povo, s lhes podemos agradecer aplaudindo com mais fora o seu
trabalho patritico. Aplaudindo Pixinguinha! [aplausos] Aplaudindo Benedito Lacerda com seu regional! [mais
aplausos] Raul de Barros e o Grupo dos Chores! [aplausos calorosos] E a orquestra formada exclusivamente do
Pessoal da Velha Guarda! [aplausos finais]

APRESENTAO DE A ESQUECIDA
Ns podemos quase que afirmar que o Pessoal da Velha Guarda conseguiu ressuscitar um gnero musical
completamente esquecido: a polca-marcha. Entre as msicas executadas nesses programas, j pudemos observar
que so as polcas-marchas as que mais entusiasmo tem despertado entre vocs ouvintes. Eis a porque, para que
vocs fiquem bem predispostos, vamos abrir essa audio com o gnero que vocs tanto apreciam. A de hoje
da autoria de Pixinguinha. Chama-se Esquecida, e seu nome est em franco desacordo com o que est lhe
acontecendo agora. Sim, pois como que pode ser esquecida uma msica de que ns nos estamos lembrando,
no mesmo? No arranjo de Pixinguinha que a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda vai tocar, prestem
ateno ao trabalho das flautas na segunda parte, e ao dos saxofones na terceira parte. Ento prontos? Vamos
lembrar A Esquecida, maestro?

1. A ESQUECIDA
APRESENTAO DE COCHICHANDO
Esses efeitos sonoros de vozes em surdina tem um nome muito bem aplicado, nome que se reproduz
onomatopaicamente esses sons: cochichando, cochichar, cochichos. Um dos choros de Pixinguinha procura
imitar esse efeito vocal, e isso que voc vo ouvir agora pela flauta de Benedito e pelo saxofone do autor. Toda
a habilidade dos executantes est em procurar reproduzir com fidelidade o tom de segredos que caracteriza o
cochicho. Por outro lado, cabe aos que ouvem, tambm mostrar a sua habilidade em entender o que uma flauta e
um saxofone cochicham. Ateno, pois, ouvintes, procurem entender o que vo conversar por meio de seus
instrumentos o Benedito e o Pixinguinha atravs desse choro que se chama Cochichando.

2. COCHICHANDO

APRESENTAO DE SUPPLICATION
Houve tempo, em que a influncia francesa foi muito grande em nossa terra. Sentia-se em tudo um interesse
pelas coisas da Frana. Nas artes, na linguagem, nos costumes, na msica, no teatro, nos letreiros das ruas, e at
nos ttulos das casas. Durante anos e anos, s era considerado bom o que vinha da Frana. No terreno musical,
era dificlimo vencer aquele convencionalismo especialmente com relao s canes ou canonetas, e s valsas.
Valsas francesas de autores franceses eram aqui mais conhecidas do que um nquel de tosto. Entretanto, uma ou
outra msica de outro pas conseguia varar a barreira francesa e tornar-se aqui to querida a ponto de ningum
mais cogitar em saber se era estrangeira ou nacional. Havia uma que vinha, creio que, da Inglaterra, pois chama-
se Supplication, e seu autor era um tal de W.J. Paans.*
Com o incrvel sucesso que alcanou aqui, principalmente depois que recebeu versos em portugus, a msica
passou a se chamar tambm O ltimo Beijo ou ento tambm No Quero Mais Teus Beijos. E to
163
aclimatada ficou, que eu sei que muitos de meus ouvintes ho de estranhar no ser brasileira essa notvel
melodia de valsa, que foi das msicas mais marcantes da nossa terra h bem uns 30 anos atrs.

3. SUPPLICATION

APRESENTAO DE OS OITO BATUTAS
A ida dos Oito Batutas a Paris em 1922 deu motivos ao aparecimento de um punhado de msicas inspiradas no
enorme sucesso do famoso conjunto. L em Paris, Pixinguinha e outros componentes do grupo foram obrigados
a compor msicas apropriadas para determinadas circunstncias. Por exemplo, para apresentar o grupo aos
parisienses frequentadores do Scheherazade, cabar onde os Oito Batutas se exibiram, foram feitas nada menos
que duas composies. Uma delas era para ser cantada, e a outra somente executada. esta ltima que vai ser
agora recordada pelo Benedito e pelo Pixinguinha. Seu nome mesmo Os Oito Batutas, e vocs vero que
um choro de bulir com frade de pedra.

4. OS OITO BATUTAS

APRESENTAO DE PASSARINHO DO M
A lembrana dos Oito Batutas em Paris faz tambm com que nos venha mente um artista brasileiro que
contribuiu enormemente para que a Europa viesse a conhecer alguns dos nossos costumes coreogrficos: o
famoso bailarino Duque. Quando os Oito Batutas se exibiram na capital francesa, l estava o Duque, j figura
acatadssima nos meios artsticos e sociais da cidade. J ele l estava h muitos anos, ou pelo menos tinha estado
por vrias pocas seguidas. Fora ele o lanador do tango brasileiro, e mais tarde do maxixe brasileiro na Europa.
Criador de uma tcnica de dana em que predominava a elegncia de movimentos, Duque firmou-se como
expoente na sua arte. Entretanto, no era s bailarino o simpaticssimo Antnio Lopes de Amorim Diniz, que
este o nome de Duque, era e poeta e compositor e entre suas composies algumas chegaram a constituir
legtimos xitos como foi o caso desta que vamos relembrar agora nessa passagem do Grupo dos Chores. Trata-
se de um samba que j tem uns 20 anos de idade. Apareceu em 1927, quando ento no houve quem no o
cantasse por toda a parte em festas nos teatros e pelas ruas. Seu nome Passarinho do M, e vamos apresent-
la ajudada aqui pelo nosso imenso coro de sempre.

5. PASSARINHO DA M

APRESENTAO DE CONCERTO DE BATERIA
Aquele que disse que no gosta dos nossos ritmos porque na verdade nunca ouviu nossos ritmos. No sabe a
gostosura que vem da juno da pancadaria dos pandeiros, dos ganzs, dos tamborins, dos reco-recos, das cucas,
dos surdos, dos omels, dos pratos, dos surdos, dos chocalhos, etc. Temos visto muita gente que diz detestar o
som brbaro desses instrumentos de percusso acompanhar horas e horas pelas ruas no carnaval os grupos ou
escolas de samba quando desfilam com o seu material completo tangido por mo de legtimos virtuoses. Foi para
provar a riqueza dos nossos ritmos, e a possibilidade de certos instrumentos de percusso que Pixinguinha
comps para orquestra a pea que ele denominou Concerto para Bateria. Depois que foi executada a primeira
vez, esta composio tem sido insistentemente pedida pelos ouvintes. Como se trata de um curso completo de
ritmos brasileiros, ela vai servir para encerrar a audio de hoje do Pessoal da Velha Guarda. Os temas
meldicos usados pelo Pixinguinha so de sambas legtimos de partido alto. Alm do arranjo, entra Benedito
Lacerda com o seu regional em variaes espetaculares do Urubu Malandro. A parte principal deste concerto
est confiada ao nosso baterista da Velha Guarda, o Sutinho, que vai ter a oportunidade de fazer solos a
descoberto em que poder mostrar todas as suas faculdades de ritmista. Ouam pois o notvel Concerto para
Bateria.

6. CONCERTO PARA BATERIA

ENCERRAMENTO:
E aqui se despede por hoje o Pessoal da Velha Guarda, que conta com a participao especial de Benedito
Lacerda e seu regional, e de Pixinguinha. Na audio de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha
para a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Os nmeros de bossa do Grupo de Chores que conta com o
bombardino de Raul, os acompanhamentos do famoso regional de Benedito Lacerda, os cantores foram Do e
Gilberto Alves, o locutor Reinaldo Dias Lemes. Na prxima quarta-feira s 21 horas, aqui estar novamente o
Pessoal da Velha Guarda. E novamente oferecido pelo Champanhe Mnaco, da organizao dos Vinhos nico!
164
Programa N 2 em 15-10-1947 (Referncia: 1947b)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo Brasil! Volta ao microfone da Tupi o Pessoal da Velha Guarda para satisfazer a
saudade de todos com mais um punhado de msicas genuinamente brasileiras.
H uma observao que me ocorre fazer agora nessa abertura de programa. Tenho c comigo que alguns de
nossos cantores so os culpados pela forma incaracterstica que vai tomando a nossa msica. Eu me explico
melhor. Msica, qualquer que seja, tambm se caracteriza pelo ritmo contido na sua linha meldica. A melodia
de uma msica qualquer, deve seguir passo a passo o movimento rtmico de seu acompanhamento. Isso tudo
ouvintes est sendo dito assim de forma bem popular para que todos compreendam facilmente. Somente pela
linha meldica deve ser reconhecido o ritmo, seja de um samba, de uma valsa, de uma marcha, etc. Pois bem, o
que acontece atualmente, com o nosso samba principalmente o seguinte: os cantores, na nsia de uma
interpretao que toca as raias do exagero, vivem se espremendo pelas melodias afora, numa forma gemente,
antecipando ou atrasando as frases musicais, fugindo completamente s regras de msica que determinam os
tempos fortes e os tempos fracos.
O resultado que, pela maneira como cantam a linha meldica, ningum reconhece se aquilo samba, ou
valsa, ou marcha. Vou dar um exemplo objetivo:
Um samba assim, cujo ritmo pode ser reconhecido somente pela sua melodia assim: Meu amor partiu, e me
deixou saudades [cantando]. Na voz desses cantores do balanceio, vamos dizer assim, no tem o menor carter
de samba. Pois quem que reconheceria como samba esta confuso de gemidos assim: Hmmmeu Amooorr
partiuuu e meee deixouu saudadess.
Cantores e cantoras de msica popular, o maior benefcio que vocs podem fazer msica brasileira cantar o
samba como samba, a marcha como marcha, a valsa como valsa, etc., etc.! Nada de andar imitando Bing
Crosbys e Frank Sinatras! Os efeitos que eles fazem nos fox-trots podem ser bons para os fox-trots, mas no para
as nossas msicas.
Nesse ponto, honra seja feita ao Pessoal da Velha Guarda, que toca as nossas msicas com a maior exatido e
maior respeito s suas caractersticas inconfundveis! Isso somente j boa razo para que a gente aplauda ainda
mais os que realizam essas audies: o Pixinguinha! [aplauso] O Benedito Lacerda com seu regional! [aplauso]
O Raul de Barros com o Grupo de Chores! [aplauso] e a orquestra formada s do Pessoal da Velha Guarda!
[aplauso]

APRESENTAO DE MORCEGO
Chama-se Irineu de Almeida o autor dessa linda schottichs que est sendo lembrada neste momento. Entre as
muitas msicas que Irineu deixou, uma delas tinha o nome de um famoso carnavalesco. O nome bem, no, mas o
apelido: Morcego.
Morcego era cronista carnavalesco, fazia parte da roda de chores, e era democrtico ferrenho. A polca que
Irineu de Almeida lhe dedicou, possui uma curiosidade: na terceira parte, a msica interrompe para que todos
gritem Morcego!. O arranjo que vo ouvir de Pixinguinha, e especial para a Orquestra Pessoal da Velha
Guarda.

1. MORCEGO

APRESENTAO DE MEU DEUS, QUE NOITE SONOROSA / EUGNIE
Antigamente quando uma msica fazia sucesso, durava anos e anos no cartaz. No havia os processos de
divulgao ampla como hoje, e cada msica, quando se tornava conhecida de toda a gente, tinha chegado quele
ponto graas aos chores e seresteiros, que viviam a divulgar pelas ruas ou pelos sales nos saraus familiares as
melhores composies do seu repertrio. Msicas havia cuja maior durao se devia ao fato de terem surgido a
princpio somente para serem tocadas, e depois para serem cantadas com os versos que lhes aplicavam os poetas
do tempo. Foi esse por exemplo, o caso de uma certa polca denominada Eugenie, Eugnia em francs, e que teria
surgido logo nos princpios deste sculo. Em 1903, num concurso realizado por um jornal humorstico chamado
O Tagarela, alcanou o quinto lugar. J era ento bem conhecida. Mais tarde, com os versos que recebeu, e
cujo autor hoje desconhecido, ganhou ainda mais popularidade passando a ser conhecida no mais s pelo seu
nome de Eugnia, mas pelo que foi tirado do primeiro verso de sua letra: Meu Deus, que noite sonorosa. Havia
at ento, nem tenho certeza se era uma pardia, ou mesmo outros versos outros cujo incio era assim: Meu
Deus, que noite sonorosa, sapato branco e meia cor-de-rosa! No sei o resto, nem mesmo se havia resto. Agora,
numa passagem do Grupo de Chores, vocs vo recordar a velha polca, sucesso de perto de cinqenta anos
atrs, cujo autor chamou-se Jos Belisrio de Santana.

2. MEU DEUS, QUE NOITE SONOROSA! / EUGNIE

165
APRESENTAO DE SAUDADES DO RIO
O autor desse popular estribilho carnavalesco, parceiro a de Assis Valente, um brilhante militar que se oculta
sob o pseudnimo de Zequinha Reis. O rigor da vida de caserna no lhe alterou a inspirao. Tanto que volta e
meia ele nos surge com uma outra melodia em que se reflete sua alma de artista. H algum tempo, obrigado por
imposies de sua carreira militar, viu-se afastado do Rio de Janeiro, cidade que ele tanto adora. O afastamento
da capital, encheu-lhe o corao de saudades sem conta, e elas se extravasaram numa linda melodia de choro que
Zequinha Reis comps e entregou a Benedito e a Pixinguinha para que gravassem. Para que tambm no ttulo de
sua msica ficasse o sentimento que a inspirou, Zequinha Reis deu-lhe um nome perfeito: Saudades do Rio.
isso que vocs ouviro em seguida pela flauta de Benedito e pelo saxofone de Pixinga com os acompanhamentos
do regional.

3. SAUDADES DO RIO

APRESENTAO DA HOMENAGEM CHIQUINHA GONZAGA
A famosa marcha de rancho, a marcha vov dos nossos carnavais, est prestes tambm a comemorar o seu
cinqentenrio, anuncia os momentos desse Programa da Velha Guarda em que nos associamos s
comemoraes da data aniversria da famosa compositora brasileira Chiquinha Gonzaga. Cem anos faria ela
depois de amanh se estivesse viva. Considerada, com a maior justia, como a maior e melhor de nossas
compositoras populares, Chiquinha Gonzaga vive ainda hoje na saudade daqueles que a conheceram
pessoalmente e tambm na daqueles que somente puderam sentir a pujana de sua inspirao atravs das jias
meldicas que ela nos deixou. pois, comovidamente, que o Pessoal da Velha Guarda dedica esta parte do seu
programa memria daquela criatura excepcional cujo talento ficou registrado nas incomparveis pginas
musicais que escreveu. Para abrir essa seo de saudades, Benedito e Pixinguinha escolheram uma das polcas
mais lindas de Chiquinha Gonzaga, to linda, que mereceu das que a ouviram pela primeira vez, o nome que a
autora aceitou e conservou logo: Atraente Escrita em 1877, conta hoje, pois, 80 anos. Foi o primeiro grande
sucesso de Chiquinha Gonzaga.

4. ATRAENTE

APRESENTAO DE LUA BRANCA
Comeando a compor muito cedo, j aos 10 anos de idade, Chiquinha apresentava s pessoas de sua famlia uma
cantiga que escrevera para os festejos de natal. Casando-se aos 13 anos, viu-se, no muito depois, afastada do
esposo e obrigada a manter-se, o que conseguiu valendo-se de aulas de piano e da venda de suas msicas que
mandava imprimir e vender de porta em porta pelas ruas pela mo de negros escravos. Com pertincia
invencvel, atravessou galhardamente o longo perodo em que o convencionalismo de amigos e pessoas de sua
famlia tentava ostensivamente no s impedir seu trabalho honrado, como ainda cercar seu nome de uma
aurola difamatria. Compondo incessantemente, e oferecendo periodicamente ao pblico msicas
saborosssimas de carter brasileirssimo, Chiquinha Gonzaga conservou em toda sua longa existncia a
faculdade inaltervel de imprimir s suas melodias um som enfeitiador que as levava, sem demora, ao fundo da
alma dos que as ouviam. Por isso, cada nova msica sua era um xito seguro. Vale lembrar at, como bom
exemplo, uma certa cano que apresentou numa revista de Luis Peixoto e Carlos Bittencourt chamada
Forrobod, e que foi a cano marcante de uma pea em que dezenas de outras msicas se destacavam de
modo especial. Mas a que perdurou por anos e anos foi essa Lua Branca de Chiquinha Gonzaga.

5. LUA BRANCA

APRESENTAO DE CORTA-JACA
Em 1897, o ator Machado Careca tinha em cena num dos nossos teatros uma pea de nome Zizinha Maxixe. A
pea explorava muito o sucesso que ento fazia por aqui uma dana de origem misteriosa que diziam ter vindo
dos passos e dos movimentos escandalosos de um indivduo apelidado Maxixe, habitu dos bailes da Cidade
Nova. Para aquela pea, Chiquinha Gonzaga comps um tango que denominou Gacho e que servia para
acompanhar uma dana conhecida como corta-jaca, popular em alguns lugares do Brasil. A msica alcanou
logo enorme sucesso e aumentou muito depois que recebeu uns curiosos versos que diziam:
[Neste ponto o piano comea a fazer o acompanhamento do Corta-Jaca da Chiquinha, e o Almirante canta a
primeira parte]
Neste mundo de misrias quem impera
quem mais folgazo
quem sabe corta-jaca nos requebros,
De suprema perfeio, perfeio
quem sabe corta-jaca nos requebros,
166
De suprema perfeio
Durante anos seguidos, a notvel msica foi a coqueluche nesta cidade, e em 1914, andava ainda to na moda,
que serviu para ser executada em solo de violo, numa recepo oficial no Palcio do Catete executado pela
esposa do ento presidente da Repblica [Hermes da Fonseca], fato que causou enorme escndalo no seio da
sociedade. com esta famosa composio de Chiquinha Gonzaga, que vamos encerrar esta audio de hoje do
Pessoal da Velha Guarda nestes momentos que dedicamos memria da clebre maestrina. Pixinguinha
escreveu para a orquestra um arranjo especial que valoriza detalhadamente cada passagem da clebre msica.
Ateno, pois, para o Gacho, o Corta-Jaca, de Chiquinha Gonzaga.

6. CORTA-JACA

ENCERRAMENTO:
E aqui se despede por hoje o Pessoal da Velha Guarda que conta com a participao especial de Benedito
Lacerda e seu regional e a de Pixinguinha. Na audio de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de
Pixinguinha para a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda, os nmeros de bossa do Grupo de Chores que conta
com o bombardino de Raul, os acompanhamentos do famoso regional de Benedito Lacerda. Os cantores foram
Onssimo Gomes, Moraes Neto, Paulo Tapajs e Coro. O locutor, Carlos Frias. Na prxima Quarta-feira, s 21
horas, aqui estar novamente o Pessoal da Velha Guarda!
Locutor: E novamente oferecido pelo Champanhe Mnaco, da organizao Vinhos nico.
167
Programa N 3 em 29-10-1947 (Referncia: 1947c)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Aqui est novamente o Pessoal da Velha Guarda com mais um punhado de
msicas encantadoras, msicas representativas de todas as pocas, e que ficariam perdidas inteiramente se esses
bambas como Pixinguinha e Benedito Lacerda no as fossem desencavar todas as semanas para a alegria
daqueles que as conheceram no passado.
Em outras irradiaes, comentamos aqui o modo como certos cantores desvirtuam as nossas msicas e os nossos
ritmos. Hoje queremos fazer um reparo quanto maneira como alguns cantam os versos. Temos notado que
muitos cantores, sem o menor respeito pela obra original, alteram as palavras, tirando o sentido exato dos versos,
e s vezes, at deturpando-os completamente.
H poucos dias ouvimos um cantor famoso interpretando a linda cano Guacira, e ao faz-lo, corrigia os versos
que so e devem ser em linguagem simples de caboclo do serto. Colocava Rs e Ss finais onde no devia
haver. Por exemplo, onde se deve cantar assim: Eu vou membora mas eu vorto nesse dia. Virge Maria, tudo h
de permiti, Ele a cantava permitiR claramente. Mais adiante, onde deve ser E se ela no quis, ele colocava o
R, dizendo E se ela no quiseRRRRR, bem claro. Ora, esquecia-se ele, de que s naquela linguagem sertaneja
a cantiga ficaria perfeita, por causa das rimas, que so: permiti para rimar com ti, e quis para rimar com f. Em
todo caso, ouvintes, dos males o menor, pois imaginem vocs se o artista resolve cantar correto, arranjando
rimas perfeitas para tudo que dizia. Neste caso ento, ele teria que cantar assim: Virgem Maria tudo h de
permitir, e se ela no quiser, eu vou morrer cheio de fR, pensando em tiR! [risadas]
O fato de ser arte popular no significa que no deva ser perfeita, quer na apresentao de sua parte musical,
quer na potica, no mesmo? Este cuidado, que o que preserva o nosso patrimnio artstico, todos
reconhecem, a preocupao constante desses batutas que realizam essas audies da Velha Guarda. E isto
somente j razo para que sejam aplaudidos cada vez com mais calor! O grande Pixinguinha! O alegre
Benedito Lacerda com seu regional! O animado Raul de Barros com o Grupo dos Chores! E os afinados
componentes da Orquestra do Pessoal da Velha Guarda!

APRESENTAO DE FECHA, CARRANA!
interessante como certas msicas agradam imediatamente a maioria dos ouvintes. Na semana passada
fechamos a audio do Pessoal da Velha Guarda com uma polca que na certa quase 100% dos ouvintes nunca
ouvira antes. Foi uma polca de Aristteles de Magalhes Pery denominada Fecha a Carrana, msica ligada a
acontecimentos deveras pitorescos de nossa cidade. Pois vocs no imaginam, meus amigos, a quantidade de
pedidos que recebemos para a repetio daquela interessantssima msica. Acreditamos que a msica tenha
agradado tanto, um pouco tambm devido histria que contamos explicando a sua origem. E nesse caso, para
aqueles que no ouviram a irradiao passada, agora que vamos repetir, atendendo a tantos pedidos, aquela
grande polca. Vamos dar uma explicao rpida. H alguns anos, o comrcio do Rio de Janeiro, que fechava as
suas portas s 8 horas da noite, foi obrigado a fechar s 7. Alguns comerciantes caturras acharam que no
deviam obedecer s posturas municipais, e no fechavam na hora marcada pela lei. Como no houvesse bastante
fiscalizao, nada lhes acontecia. E seus pobres empregados eram obrigados a permanecer trabalhando presos
por patres to desumanos. Foi quando um indivduo providencial apareceu intimando com um grito, que logo se
popularizou de Fecha a carrana, os patres recalcitrantes. Ele passava pelas portas das casas que no
fechavam s 7 e gritava para dentro agressivamente assim Fecha a carrana!. Aos poucos, outros empregados
do comrcio vieram em auxlio dos prisioneiros e, percorrendo as ruas depois das 7 horas, gritavam tambm o
Fecha a carrana de porta em porta. O processo deu resultado, tanto que, em pouco tempo, j no se ouvia
mais pelas ruas o grito providencial. Essa curiosa passagem da vida de nossa cidade ficou registrada numa polca
que tomou o nome de Fecha a Carrana. Pixinguinha instrumentou para O Pessoal da Velha Guarda, e isso que
vamos ouvir novamente. Ouvir e ajudar, gritando numas paradas que h na primeira parte um alegre Fecha a
Carrana!

1. FECHA, CARRANA!

APRESENTAO DE MIMOSA
Num desses programas, apresentamos a vocs o sambinha que agora ainda est sendo lembrado pelo coro.
Dissemos ento que seu autor era o famoso Leopoldo Fres. Naquela ocasio, fizemos referncia msica mais
clebre do saudoso ator: a Mimosa. Leopoldo Fres, se bem que isto hoje esteja completamente esquecido, foi
tambm compositor. Mimosa foi seu maior sucesso. Veio depois do sambinha que ouviram h pouco, cujo
nome Samba Choroso. Mas alm desses, Leopoldo Fres comps ainda um one-step shimmy chamado
Aime lAmour, uma canoneta chamada Quem No Tomou Ch Pequenino? e um lundu de nome Samba
Fidalgo. Creio que no deixa de ser uma curiosidade essa informao de que Leopoldo Fres comps tantas
msicas, no mesmo? Sua composio mais clebre, a Mimosa, no pode deixar de figurar numa dessas
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audies da Velha Guarda. E isso acontecer hoje mesmo, agora mesmo. Apreciem nesta passagem do Grupo de
Chores a imortal Mimosa, a cano, que no dizer de Alfredo Tom, bigrafo de Leopoldo Fres, de tal modo
evocava o seu autor, que mais parecia um hino sua pessoa.

2. MIMOSA

APRESENTAO DE JACOB DO BANDOLIM E DE GLRIA
Jacob Bittencourt, o nosso queridssimo Jacob do Bandolim, figura marcante da msica popular de nossos dias,
campeo de brasilidade, batalhador incondicional pelas nossas msicas de hoje e de ontem, acaba de fazer sua
primeira gravao ouvintes. Vocs que tanto procuraram em vo at hoje os discos das msicas com que Jacob
se exibe em seus programas semanais da Rdio Mau, agora podero satisfazer seu desejo. Jacob acaba de
gravar o seu primeiro disco. E ns o trouxemos hoje ao microfone da Velha Guarda para dar cincia a todos os
seus admiradores de que j o podem ter em suas casas graas ao discos que registram sua virtuosidade. Jacob o
novo da Velha Guarda. E pois com alegria sincera que desejamos o sucesso de suas gravaes. E para
conhecimento de vocs que o admiram, queremos anunciar as duas msicas que l esto no primeiro disco de
Jacob: de um lado, esta formosa valsa-serenata de Bonfiglio de Oliveira: Glria.

3. GLRIA

APRESENTAO DE TREME-TREME
E do outro lado, ouvintes, Jacob oferece o seu extraordinrio choro Treme-Treme que tanto agradou a vocs
todos quando aqui foi tocado j por duas vezes. Na gravao, Jacob se apresenta solando com um arranjo
prprio. Mas aqui na Velha Guarda, vai aparecer agora, acompanhado de Benedito e Pixinguinha, que, como
donos da casa que so, estaro aqui no papel de cicerones do hspede de honra. Ateno pois para o Treme-
Treme de Jacob.

4. TREME-TREME

APRESENTAO DE SERPENTINA
Um dos gneros mais encantadores da msica popular brasileira o que se chama choro. Denominao recente
que tomou a velha polca, o choro brasileiro j possui representantes que provam de sobejo a veia inspirada dos
que os compuseram. Entre os mais legtimos chores, compositores do gnero, contava-se o Nelson Alves,
exmio tocador de cavaquinho, e que j foi citado vrias vezes nesse programa da Velha Guarda. Aqui est hoje
mais uma vez seu nome como garantia da superioridade de um grande choro. Trata-se do alegre choro
Serpentina escrito para cavaquinho e que vocs ouviro pelo Benedito na flauta, pelo Pixinguinha no saxofone,
Canhoto, Dino e Meira em cavaquinho e violes.

5. SERPENTINA

APRESENTAO DE OS PASSARINHOS DA CARIOCA
A musa das ruas mostrava assim a sua tristeza quando correu a notcia de que iria desaparecer o reduto famoso
do povo no carnaval: a Praa Onze. A cantiga popular era um lamento, e encontrava eco em todos os coraes,
amantes das tradies dessa muito leal e herica cidade do So Sebastio do Rio de Janeiro. Era a conscincia do
povo que mostrava naquele verso triste, encaixado em melodia mais triste ainda. [Vo acabar com a Praa
Onze...] J no era a primeira vez que a gente das ruas revelava seu pesar pelas modificaes que os urbanistas
operavam ou pretendiam operar no corpo formoso desta cidade. Alguns anos antes, quando o [urbanista] francs
[Alfred] Agache aqui estivera, pondo em polvorosa os humildes moradores da favela com a ameaa de que ia
abaixo o morro histrico, tambm o povo cantou pela voz de Sinh todo o seu pesar pelo que se projetava.
[Minha caboca, a favela vai abaixo, quanta saudade tu ters deste torro].
Tudo isso, ouvintes, vem a propsito do seguinte fato: vai acabar o Largo da Carioca. O largo histrico do
chafariz, que desapareceu j h quase 20 anos. O largo onde existiu o quartel da Guarda Velha. O caminho
obrigatrio dos bomios e das elegantes que rumavam da zona norte para a zona sul ou vice-versa, quando ainda
no existia a Avenida Central. O largo de onde saa a Rua da Vala, e onde os crentes se aglomeravam antes de
subir as escadinhas do vetusto convento de Santo Antnio. Vai desaparecer o encantador refgio dos pardais.
Mquinas possantes j revolvem o asfalto, e arrancam do solo as velhas razes daquelas rvores cuja resistncia
em se despregar do solo prova a obstinao da alma daqueles vegetais que sabem que tm mais direito quela
terra que a sua terra natal, que todos esses barulhentos automveis estrangeiros que sero de agora em diante os
donos daqueles brasileirssimos pedaos de cho. J ningum mais ouvir pela tardinha o chilreio alegre dos
passarinhos que se aninham pelas rvores seculares. J ningum mais atravessar ali receioso das encomendas
que possam vir do alto e que pareciam ter preferncia especial pelas roupas brancas. Vai desaparecer o Largo da
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Carioca. E ser que nenhum dos nossos compositores no encontrar nesse fato inspirao o bastante para
escrever um lamento igual ao que j mereceram a Praa Onze e a Favela? Compositores do Brasil, a est um
tema magnfico ligado a acontecimento histrico! Vai desaparecer o Largo da Carioca. Tudo isso nos faz
lembrar uma clebre msica. Sucesso de h vinte e tantos anos atrs, que decantava os maus modos dos
passarinhos daquele largo. Foi escrito pelo Luiz Nunes Sampaio, o Careca, e vai aqui ser apresentada numa
curiosa instrumentao de Pixinguinha em que aparecem os pipilos dos passarinhos da Carioca numa imitao
perfeita de violinos, flautim e flauta. Para finalizar o arranjo, numa transio de marcha viva para lenta, marcha
de rancho, em forma saudosa, fica aqui toda a inteno de despedida do Pessoal da Velha Guarda ao tradicional
Largo da Carioca.

6. OS PASSARINHOS DA CARIOCA
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Programa N 4 em 5-11-1947 (Referncia: 1947d)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil. A postos a turma que aprecia o Pessoal da Velha Guarda. Gratos pelas
manifestaes de vocs aos comentrios com que sempre iniciamos as nossas audies, comentrios que s tem
a finalidade de ajudar um pouco a nossa desprezada msica popular. nesse intuito que vimos hoje chamar a
ateno de vocs para a maneira como certos cantores deturpam algumas melodias. Ao invs de cantarem as
melodias exatamente como os compositores as escreveram, eles cantores, ou por serem duros de ouvido ou por
acharem de colaborar, alteram as notas que o autor imaginou. Uma nica nota que se altera em uma melodia
tanto erro como a mudana de uma letra numa palavra. Faamos aqui uma demonstrao com uma palavra
qualquer, por exemplo, a palavra estrela. Se algum, por esprito inovador, achar que em vez de e inicial deva
ser a, j a palavra no ser mais estrela, no mesmo? E sim astrela. Se mudar o l para b fica estreba, e
assim por diante, assim como qualquer letra que fosse mudada por outra. Pois isso mesmo acontece com as
melodias. O cantor no deve de maneira alguma trocar as notas originais. por isso que muitas vezes ouvem-se
pelo rdio versos que a gente conhece como sendo das melodias tais e quais, mas cantados dentro de msicas
inteiramente diversas. Diversas daquelas que a gente conhece. Foi ouvintes, o cantor que cismou de cantar a
melodia que resolveu de inventar naquela hora. Por esse processo um dia vocs ainda vo ouvir msicas clebres
apresentadas assim. Vo ouvir a Baixa do sapateiro, e vem o cantor e canta uma coisa assim [Almirante canta
os versos de Baixa do sapateiro com outra melodia]:

Na baixa do sapateiro encontrei um dia a morena mais frajola da Bahia

Aqui na Velha Guarda vocs notaro sempre que h um respeito absoluto pelas melodias originais. E isto faz
com que a gente deva aplaudir mais vivamente esses bambas que por todos os meios preservam o nosso
patrimnio artstico. O grande Pixinguinha! O Benedito Lacerda com o seu regional! O Raul de Barros com o
Grupo de Chores! E a orquestra formada exclusivamente do Pessoal da Velha Guarda.

APRESENTAO DE O FERRAMENTA

Coro: A Europa curvou-se ante o Brasil, e clamou parabns em meio tom

Os mais importantes acontecimentos aviatrios de brasileiros, ou ocorridos no Brasil, tiveram a marc-los uma
ou outra msica popular. A mais famosa de todas foi sem dvida a que Eduardo das Neves apresentou para
cantar a glria de Santos Dumont quando contornou a Torre Eiffel em 1901. Um quarto de sculo depois,
registrando o feito herico de outros patrcios, popularizava-se por aqui outra marchinha alegre, esta de Salvador
Correia:

Coro: Salve o Jah, guia altaneira, as tuas asas representam a bandeira brasileira!

Muitas outras msicas porm surgiram para exaltar os nossos feitos aeronuticos. Nenhuma, entretanto, teve a
felicidade daquelas duas. Mas como todas correspondiam a um registro histrico, no deixavam de ter por isso
um grande valor. A msica que vai abrir a audio de hoje do Pessoal da Velha Guarda, foi uma homenagem que
Ernesto Nazareth prestou a um dos primeiros aeronautas que subiram em balo nesse Rio de Janeiro. O capito
portugus Antnio da Costa Bernardes, o famosssimo Ferramenta, que riscou os nossos ares com o seu falado
balo Nacional. Tanto sucesso fez, e to popular ficou, que logo mereceu da musa annima das ruas um
estribilhozinho pitoresco que andou de boca em boca, e que era a sua definitiva glorificao: Ol seu
Ferramenta, voc sobe ou arrebenta! O capito Ferramenta tinha esprito yankee de propagandista. Em sua
primeira ascenso, em maio de 1905, mal o seu balo se elevou depois de se soltar das amarras, os espectadores,
que eram as milhares ali no Campo de Santana, comearam a ver que da barquinha se desprendiam uns objetos.
Ei, que seria aquilo hein? Eram prospectos de propaganda de uma casa de guarda-chuvas em forma de pra-
quedas. Eram balas s centenas, e eram partes de piano impressas em papel de seda. , pois, msica de grande
valor histrico essa de Ernesto Nazareth que vocs vo ouvir agora pela Orquestra do Pessoal da Velha Guarda.
o tango-fado portugus denominado O Ferramenta.

1. O FERRAMENTA

APRESENTAO DE CASA DE CABOCLO
Os assuntos sertanejos sempre influram na inspirao dos nossos poetas e dos nosso compositores. Tema
infinito em encantamento, o serto forneceu aos compositores e poetas das cidades algumas de suas melhores e
mais enternecidas obras. Dentre as muitas produes musicais que decantaram a terra, a gente e os costumes do
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interior, destaca-se uma cano considerada hoje a mais famosa cano do gnero, da autoria de Heckel Tavares
e Luiz Peixoto, denominada Casa de Caboclo. Essa notvel cano brasileira ser recordada agora para matar as
saudades de inmeros de vocs, ouvintes.

2. CASA DE CABOCLO

APRESENTAO DE SEU LOURENO NO VINHO
Vocs, de certo, j identificaram esse choro que Benedito e Pixinguinha e o regional esto lembrando agora, no
mesmo? o Andr de sapato novo, ! Ele aparece aqui a propsito de um outro choro que vocs iro ouvir
daqui a pouco.
muito velho entre os chores o hbito de dar s msicas um ttulo que signifique bem a amizade que os ligava
a certos indivduos.
Os ttulos, por vezes, na sua gaiatice, revelavam as circunstncias em que tinham surgido as msicas. Eram
ttulos assim: Sustenta a nota, seu Bandeira!, Agenta, seu Fulgncio!, Nascimento, segura ele!, Gadu
Namorando, Andr de sapato novo, etc, etc.
Pixinguinha e Benedito h tempos foram recebidos na casa de um amabilssimo negociante de vinhos. Ali
provaram mil e uma qualidades de vinhos numa deliciosa mistura que fez com que ambos, em poucos instantes,
passassem a verificar o acerto da famoso frase latina In vino veritas. O querido anfitrio lhes ofereceu uma to
profusa variedade de bebidas que Benedito e Pixinguinha acabaram iluminados pela verdade. Pela verdade que
lhes ditava que a nica maneira de agradecer quela amabilidade nica* era por meio de uma msica que fixasse
o que eles viam naqueles momentos alegres.
essa composio que tem um significado de um agradecimento que vocs iro ouvir agora, e o seu nome :
Seu Loureno no Vinho.

3. SEU LOURENO NO VINHO

APRESENTAO DE IMPLORANDO
Longe vo os tempos em que proliferavam nesta cidade as academias de dana. Ouvindo falar em academias de
dana, muitos podero pensar que tinham alguma semelhana com isso que hoje se chama escola de dana. No,
ouvintes, eram completamente diferentes. Escola de dana hoje lugar onde vo as pessoas, isto , s vo os
homens, porque as damas j esto l, s vo os homens que j sabem danar e querem danar um pouco. As
antigas academias, porm, eram inteiramente diferentes. Eram verdadeiros cursos onde cavalheiros e damas iam
para aprender a danar. Para exibir depois suas artes coreogrficas, havia os bailes, as festas, etc. Naquelas
academias ou tambm com os professores particulares, que eram muitos, os danarinos aprendiam os passos e os
meneios de todas as danas da poca. Em tamanha conta eram tidos os professores de dana, que segundo os
cronistas do tempo, os alunos mandavam busc-los s suas casas em carruagens luxuosamente atreladas e lhes
pagavam pingues ordenados.
Os professores e as academias tinham grande influncia nos ritmos danantes. Se eles ainda existissem at hoje,
procurando influir na preferncia de seus alunos, talvez no tivessem desaparecido dos sales os ritmos
encantadores da mazurca, da polca e da schottisch. Este ltimo ento lamentvel que tenha desaparecido de
todo no Brasil.
Vamos exibir aqui, executada pela Orquestra, uma das esplndidas schottischs que nos deixou Anacleto de
Medeiros, a de nome Implorando, para que todos, ouvindo-a, possam avaliar que bons momentos repletos de
graa e delicadeza teriam os bailes de hoje se ainda fossem danadas msicas como esta.

4. IMPLORANDO

APRESENTAO DE CARIDADE
Ns vamos trazer agora para vocs uma msica que surgiu numa poca muito pitoresca desta cidade. Era uma
crtica s inmeras instituies da caridade que, a partir de 1925, mandavam para as ruas centrais, senhoras e
senhoritas a vender flores munidas de um cofre onde o pblico ia colocando os seu bolos.

A coisa comeou com a venda das margaridas, vieram depois outras flores, cada instituio de caridade
inventava um dia dedicado a uma flor. Depois, por originalidade, vieram uns dias de medalhinhas, de emblemas,
de penas, e at houve o dia do po. Tudo muito louvvel, mas que o povo j andava escabriado de tanto
peditrio e j ningum mais enfrentava de boa vontade as amveis, e por vezes lindas vendeuses. Foi como
crtica de tantos dias de flores e de legumes e como um eco das suposies que o povo fazia a respeito daquelas
coletas, que surgiu um samba chamado Caridade da autoria de Sebastio Neves e Ansio Mota. isso que
vamos relembrar agora nessa passagem do Grupo dos Chores, e para o qual eu peo que seja auxiliado pelo
imenso coro do nosso auditrio.
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5. CARIDADE

APRESENTAO DE URUBU MALANDRO
No tem conta os ouvintes que pedem para que o Benedito e Pixinguinha executem nesses programas as
formidveis variaes que o Pixinguinha um dia escreveu sobre o popular Urubu Malandro. Nesse nmero, em
que a flauta e o saxofone se defrontam medindo foras como num legtimo desafio, vocs vo poder apreciar
demoradamente a virtuosidade e a presena de esprito e a audcia desses dois queridssimos artistas. Em certa
altura das variaes, quando a luta mais acesa, vocs iro apreciar um curiosssimo dilogo entre a flauta e o
saxofone. Eu daqui convido vocs a fazerem um esforo para entender o que que um instrumento est dizendo
ao outro. Sero desaforos, hein? Sero nomes? Sero amabilidades? Sei l, vocs que entendam essa linguagem
sonora!

6. URUBU MALANDRO
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Programa N 5 em 12-11-1947 (Referncia: 1947e)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Boa noite fs da Velha Guarda, e que esperam com impacincia estes
programas das quartas-feiras. Trazemos hoje para comentar com vocs um assunto que tem andado muito em
foco nesses ltimos dias, e que diz respeito msica popular brasileira, essa msica que nos traz aflies tal o
cuidado que temos para que ela no se desvirtue mais, no se foxtrotize mais, no se bolerize mais. Por proposta
do nosso companheiro, o vereador Ary Barroso, na sua cmara, a msica estrangeira deveria ser acrescida de um
imposto que a tornasse de mais difcil aquisio em discos, o que viria a favorecer a nossa msica, que ento
teria as suas gravaes mais em conta. No vamos entrar no mago da questo, remetendo razes pr ou contra,
se bem que seja claro que ns estaremos ao lado de qualquer medida que beneficie a nossa msica. Vamos
somente tirar do fato umas tristes concluses que ele nos sugere. que na realidade a nossa pobre msica anda
to abandonada, to desprestigiada, que at so necessrias medidas como essas para que ela no sucumba de
vez. Se o nosso povo se interessasse mais pelas suas msicas e pelos seus autores, nunca ningum iria pensar em
processos de defesa como o que se anuncia. Mas a macaqueao um fato incontestvel. Entre o magnfico
disco brasileiro, bem gravado, bem orquestrado, e bem cantado, e um swing ou bolero qualquer, o mal brasileiro,
sem entender s vezes nquel do que ouve no disco, prefere o swing ou o bolero. Tudo por snobismo, por
macaqueao. Isso porque a garota de Copacabana, ftil e desinteressada de sua terra, deu de cantar em farrapos
as palavras inglesas ou cubanas daquela msica, e o coi ento compra o disco para aprender de orelhada os
versos, pra depois mostrar que sabe mais do que ela. E estamos no Brasil, hein...
Bem, mas vamos esquecer esses fatos lamentveis e vamos nos refugiar na reconfortante brasilidade dessa meia
hora entregue a Pixinguinha com seu saxofone! A Benedito Lacerda com sua flauta e seu regional! A Raul de
Barros, seu bombardino e o Grupo dos Chores, e a orquestra toda formada do Pessoal da Velha Guarda.

APRESENTAO DE I MORETTI
Escolhemos para abrir esta que a 35 audio do Pessoal da Velha Guarda uma polca-marcha, gnero que
conforme j percebemos agrada imensa maioria dos nossos ouvintes. Esta que vo ouvir tornou-se brasileira
por popularidade e por suposio. Quando por aqui se divulgou, e isso seguramente h uns 50 anos, foi editada
vrias vezes. Algumas de suas edies no traziam nome de autor, da o fato de muitos acreditarem ser ela
brasileira. E o nome do autor, se tivesse se tornado sempre conhecido, todos saberiam logo que a polca era
italiana, de um tal Bonafous Cesare, chama-se ela I moretti, que significa o mourinho ou pequeno mouro.
Polca de to grande popularidade no passado merece figurar nas audies da Velha Guarda. Eis porque vocs a
iro apreciar agora. Reparem especialmente nos curiosos enfeites com que Pixinguinha adornou o seu arranjo
fazendo ressaltar a extraordinria beleza da segunda e da terceira partes da grande polca.

1. I MORETTI

APRESENTAO DE NAQUELE TEMPO
Poucas sero as msicas que pelo seu feitio ou pelo seu ttulo tenham tal expressividade como um conhecido
choro de Pixinguinha chamado Naquele Tempo. Melodia to evocadora como seu nome, o choro Naquele
Tempo uma das mais valiosas pginas que Pixinguinha j escreveu at hoje. Sua melodia nos transporta
queles tempos em que ningum sonhava com bombas atmicas, em que 30 km/h j era velocidade de estarrecer,
e em que a luta pela vida, pelo po, pelo leite, pelo feijo, no sulcava as fisionomias com o rastro fundo que
deixam as preocupaes de hoje. O notvel choro de Pixinguinha nunca foi executado neste programa. Vocs o
conhecem de ouvi-lo tocado em outros programas. At pelo prprio Benedito e pelo Pixinguinha e at em
gravaes. Agora porm que ele aparece aqui, e pode-se dizer por isso, em primeira audio na Velha Guarda,
vocs iro ter uma nova sensao. O arranjo e a interpretao so especiais, so novos. E obedecem inteno
de ressaltar o saudosismo que despertam a melodia e o ttulo deste formoso choro que Naquele Tempo de
Pixinguinha.

2. NAQUELE TEMPO

APRESENTAO DE TU PASSASTE POR ESTE JARDIM
A clebre marchinha A Jardineira foi uma das muitas composies brasileiras que exploraram nos versos o
assunto flores. Pertencente a um ciclo carnavalesco em que as flores faziam motivo central, A Jardineira
punha em evidncia somente a triste camlia. Milhares de outras composies, milhares de versos tambm que
inspiraram nas flores e ficaram constitudos exemplos marcantes na poesia e na msica de nossa terra. Um dos
mais valiosos, entretanto, anda muito esquecido da gente dos nossos dias. Trate-se de uma lindssima polca de
Alfredo Dutra que recebeu uns maravilhosos versos de Catulo da Paixo Cearense e que se denominou Tu
passaste por este jardim. Prestem ateno na beleza da melodia e apreciem o curioso desenvolvimento dos
174
versos que seguram o passeio do poeta por entre os canteiros de um jardim onde cada flor lhe sugere uma
comparao, cada perfume lhe recorda uma emoo, e cada cor lhe desperta uma saudade. Aqui est, amantes da
Velha Guarda, a clebre polca de Alfredo Dutra e Catulo Tu passaste por este jardim.

3. TU PASSASTE POR ESTE JARDIM

APRESENTAO DE MORRO DA FAVELA
Algumas aves domsticas tem sido usadas insistentemente pelos compositores, citadas pelos seus nomes ou
mesmo contribuindo com efeitos sonoros que reproduzem em suas vozes, obrigando aos cantores a habilidades
verdadeiramente zoolgicas. No de hoje, entretanto, o sistema. J h muitos anos, bem uns trinta, a msica de
maior sucesso nesse Rio de Janeiro era uma certa polca lanada pela Orquestra Pickman no falado Clube dos
Polticos e que logo se divulgou por todo o Brasil. Seu nome era Morro da Favela. Mas o que lhe deu fama
foram os versinhos annimos desviados completamente do sentido do ttulo. Os versinhos faziam aluso a uma
ave domstica que vocs sabero logo qual , ou ouvindo a melodia da primeira parte, ou ao ouvir o breque que
o Pixinguinha fez na segunda parte, e no qual vai aparecer uma imitao do tal bicho. Ao reconhecerem qual era
a ave, muitos de vocs vo se lembrar logo pelo menos da picaresca quadrinha que foi o que mais contribuiu
para que a polca se espalhasse logo. Muitos de vocs vo rir por a lembrando os versos, e tomara que ningum,
vendo vocs rindo, e percebendo neste riso a certeza de que vocs sabem a letra, tomara que ningum venha
pedir que vocs a recitem em voz alta. Ateno pois, amigos, que a vai uma msica que marcou poca no Brasil.
A polca Morro da Favela de Passos, Bornu e Bernab.

4. MORRO DA FAVELA

APRESENTAO DE OH! MINAS GERAIS
Curioso como certas msicas estrangeiras se aclimatam perfeitamente entre ns, chegando quase a perder sua
nacionalidade tal a maneira como o povo as adota. Algumas, por terem ficado ligadas a acontecimentos de nossa
vida social, poltica ou histrica, entraram definitivamente para a coleo nacional, e hoje so citadas com a
maior segurana como nossas, havendo mesmo quem as atribua a este ou aquele autor brasileiro. Est nesse caso
uma clebre valsa muito antiga e que j era conhecida por aqui em 1910 quando um acontecimento de grande
influncia na vida da cidade veio fazer com que ela recebesse versos em portugus, o que contribuiu para
espalhar pelos tempos adiante a idia de que a msica tambm nascera sob estes cus. Em 1910, chega Baa de
Guanabara o imponente vaso de guerra que recebeu o nome de Minas Gerais. O povo, que naquele tempo se
manifestava entusiasticamente quando era beneficiado com qualquer novidade do progresso, recebeu o
Drednaus com festas e demonstraes de regozijo. A melhor prova da alegria de que todos se acharam
possudos, ficou numa pardia que o clebre palhao negro, o Eduardo das Neves, fez para a valsa Vieni sul mar
e que no houve quem no soubesse e no cantasse ento entusiasticamente como se aquilo fosse um hino ao
vistoso barco. Com o tempo, sem saber que a pardia se referia ao couraado, o povo a foi atribuindo ao grande
estado montanhs, e a letra do estribilho foi simplificada entrando nela somente o nome de Minas Gerais
repetido vrias vezes. Mas a verdadeira letra, a da autoria de Eduardo das Neves e que exalta o vaso de guerra,
esta que vai ser recordada agora nesta passagem do Grupo dos Chores. O auditrio poder fazer coro conosco,
cantando essa pgina patritica dos tempos em que o povo se orgulhava tanto de seus progressos materiais, e at
os glorificava em suas cantigas populares.

5. OH! MINAS GERAIS

APRESENTAO DE LNGUA DE PRETO
Vocs j ouviram dois pretos velhos conversando? Um assim com a voz mais aguda e spera meio tati-bi-tati,
expressando mais por meio de sons ininteligveis do que por palavras claras, assim por exemplo: nhec, nhec,
nhec, nhec, e o outro, com o mesmo processo de fala, mas a de voz grave e bitonal cheia de inflexes cantantes
assim neg, neg, neg, neg. Bem, reparem que a voz do primeiro preto fica bem imitada por estes sons que o
Benedito vai tirar da sua flauta [o Benedito toca o tema do choro Lngua de Preto]. E se a voz do segundo no
fica a calhar nesses sons do saxofone do Pixinga [Pixinguinha faz umas graves saltitantes]. Bem, aqui est um
choro em que ambos vo ter a oportunidade de dialogar moda dos pretos velhos. O autor do choro, o saudoso
pianista Honorino Lopes, quando escreveu, teve a inteno de que a msica reproduzisse a fala caange dos
negros velhos, tanto que lhe deu um ttulo bem adequado: Lngua de Preto. Vocs, ouvintes, agora entendam
esta conversa de Benedito e Pixinguinha falando em Lngua de Preto.

6. LINGUA DE PRETO
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Programa N 6 em 19-11-1947 (Referncia: 1947f)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Boa noite amigos da tradio e das boas coisas de nosso passado.
Especialmente da msica, que o que apresenta esse Pessoal da Velha Guarda. Ao iniciarmos essa audio,
queremos um minuto para fazer um pequeno comentrio sobre um hbito mau, que pe em cheque nossa atual
msica popular, deixando a impresso de que ela inferior de outras terras. o seguinte: costumam os
fanticos pela msica estrangeira comparar a nossa produo com a de outras terras baseando-se no que aqui
aparece gravado em discos. Esquecem-se, porm, de que ns recebemos, digamos, mais ou menos 50 discos de
fora a cada ms. Estes 50 so o que existe de melhor pelo mundo afora. So a nata de perto, talvez, de 1.000
discos editados no estrangeiro, e que no vem todos para c. Para c s nos mandam o que l consideram o
melhor. No s como msica, mas tambm como gravao, como tcnica e como qualidade sonora. Pelo nosso
lado aqui, as trs fbricas que aqui existem apresentam tambm a cada ms uns 50 discos de msica brasileira.
Ora, esses 50 so o total. Total de coisas boas e de coisas ruins. A rigor, e nem podia deixar de ser, hein, s umas
4, 5, 6 ou 8 no mximo gravaes estariam em condies de ser comparadas quelas 50 boas estrangeiras que
nos chegam cada ms. Essa que a lgica. Se ns aqui recebssemos de fora todos aqueles 1.000 discos que l
se imprimem, vocs viriam quanta porcaria tambm existe por l por esses pases, onde muitos pensam que tudo
perfeito. Mas o que acontece isso: comparam aqueles 50 discos brasileiros, dos quais ns mesmos sabemos
que s 5, 6 ou 8 se podem prestar a confrontos, com os 50 excelentes que nos chegam da estranja. Ora, assim
como diz a anedota: no h bicho que resista.
Mais benevolncia exagerada aos fanticos da msica de fora. Mais amor s coisas de sua prpria terra, olhando
com olhos mais patriticos para os que ns aqui produzimos. Tomem umas aulas de brasilidade com esses
bambas como Pixinguinha (muitos aplausos), como Benedito Lacerda com o seu Regional (aplausos calorosos),
com Raul de Barros com o Grupo dos Chores (muitos aplausos e gritos), e a orquestra toda do Pessoal da Velha
Guarda (aplausos).

APRESENTAO DE SOFRES PORQUE QUERES
Vamos iniciar a audio de hoje com um dos mais curiosos choros de Pixinguinha. Trata-se de uma msica com
obrigaes destacadas para todos os elementos que participam de sua execuo. E como sua execuo est
confiada ao Benedito na flauta, ao Pixinguinha no saxofone, ao Dino e Meira nos violes, ao Canhoto no
cavaquinho, ao Gilson no Pandeiro e ao Pedro no Ganz, isso que vale dizer que todos vo ter muito trabalho
nesse choro. Ele portanto bom para a abertura de um programa como esse porque vai servir para desenferrujar
os dedos de todos esses bambas. Apreciem as misrias que todos vo ter que fazer nesse notvel choro que se
chama Sofres Porque Queres.

1. SOFRES PORQUE QUERES

APRESENTAO DE CINCO DE NOVEMBRO
H 50 anos atrs, uma morte trgica ocorrida no antigo arsenal de guerra enchia de consternao essa cidade.
Estvamos a 5 de novembro de 1897, era Presidente da Repblica, Prudente de Moraes, e seu Ministro da Guerra
o Marechal Carlos Machado Bittencourt. Naquele dia, ia o Presidente fazer uma visita de inspeo a tropas que
chegavam da Bahia. Quando desembarcava do escaler no arsenal de guerra, de volta de sua misso, ao se
encaminhar para seu carro, repentinamente o soldado Marcelino Bispo de Melo avana apontando-lhe uma arma.
Prudente de Moraes desviou o corpo ao mesmo tempo que com o chapu alto fazia um movimento instintivo
para afastar o cano da arma. Pessoas que acompanhavam o presidente avanaram para o agressor, que no pde
logo ser dominado tal a ferocidade de que estava possudo. Depois de lutar encarniadamente, em certo instante
sorrateiramente sacou de uma faca e golpeou aqueles que o tentavam subjugar. O Marechal Bittencourt, o
Coronel Mendes de Moraes, e os alferes Mendes de Faria e Oscar de Oliveira. S o Ministro da Guerra foi ferido
mortalmente. Socorrido logo, no resistiu porm aos golpes, e morreu instantes depois. Foi sentidssima sua
morte. E como naquele tempo todos os acontecimentos que impressionavam o carioca acabavam infalivelmente
registrados por uma cantiga qualquer, o assassinato do Marechal Bittencourt no fugiu regra. O palhao negro,
Eduardo das Neves cantou o doloroso acontecimento numa composio que marcou poca. Os versos descrevem
a cena trgica, e do uma idia do que foi o pesar de toda a gente. Ouam.

2. CINCO DE NOVEMBRO

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APRESENTAO DE BEB
Ei! Ei! Ou! Ei, pessoal! Pera, calma. Ora essa, que pressa essa? Calma! Vocs esto tocando sem esperar que
eu anuncie o que vai, esperem um pouco! Eu sei que vocs esto com vontade de aparecer, Pessoal da Velha
Guarda, esperem, mas calma!
Mas fcil, ouvintes, a gente compreender por que que vocs a esto atacando assim a msica que tm nas
estantes. Meus ouvintes quando souberem ho de os compreender tambm. que a msica que a orquestra tem
para tocar de tal modo animada, to saborosa como melodia e como ritmo, que aqui os professores da orquestra
ficam aflitos enquanto no transportam para seus instrumentos, vivas e movimentadas, as notas que ali esto
imobilizadas nas pautas. Mas calma gente, calma porque os ouvintes precisam ser avisados do que vem por a.
Assim eles podero apreciar melhor a execuo de vocs todos, ora essa!
A Orquestra do Pessoal da Velha Guarda quer mostrar a vocs, ouvintes, como que se toca um legtimo maxixe
brasileiro. Escolheu para esta exibio uma gostosssima pea de Paulino do Sacramento. O maxixe denomina
Beb, cuja terceira parte, numa violenta baixaria confiada ao trombone, h de fazer com que vocs sintam
vontade de cair no fandango, querem ver? Ouam!

3. BEB

APRESENTAO DE O PINHAL
Eis a o estribilho famoso de uma famosa cano brasileira. Poucos sero aqueles que no Brasil no conheam a
melodia e os versos buclicos da linda cano chamada O Pinhal. O Grupo dos Chores e o Pessoal da Velha
Guarda escolheu para hoje essa notvel cano de msica de Armando Percival e versos da poetisa Maria da
Cunha. Cano que foi coqueluche durante muito tempo, tem andado esquecida, apesar do que ela representa
para o nosso populrio. Confiados em que todos os brasileiros devem conhecer a tradicional cantiga, os versos
foram distribudos pelo auditrio para que todos aqui cantem o pequeno estribilho que se segue a cada estrofe.
Ouam pois, e cantem O Pinhal.

4. PINHAL

APRESENTACO DE GUA DE VINTM
Quem vive nos dias de hoje nesse regime fcil de encanamentos que levam gua a domiclio, no pode imaginar
o que era essa cidade no tempo em que a proviso do precioso lquido era feita por meio de aguadeiros que
percorriam as ruas transportando carrinhos dentro dos quais iam vasilhas, pipas, barricas, e tudo mais que se
prestasse ao abastecimento da gua. Aqui e ali, pela cidade, nas bicas, nas fontes, nas nascentes, uma multido
formigava constantemente recolhendo a gua que ia s vezes ser entregues nos pontos mais longnquos, a
compradores que possuam a assinatura daquele indispensvel servio. Havia ento organizaes completas para
o fornecimento de gua a domiclio, e dentre elas, ficou clebre, e durou at relativamente h pouco tempo, a que
empresava a venda da gua da Chcara do Vintm, que era situada no fim da Rua Aguiar, perto do Largo da
Segunda-Feira.

A gua daquela chcara era posta venda pelas ruas em carroas que, a partir de janeiro de 1876, traziam nas
pipas que transportavam, um dstico negro sobre um fundo branco onde se lia: gua do Vintm. Magalhes
Corra em seu notvel livro Terra Carioca, Fontes e Chafarizes, registra o boato que corria sobre tal gua, e
que dizia que o lquido vinha menos da chcara do que das bicas e fontes pblicas da cidade. Os aguadeiros, para
se fazerem anunciar, usavam o grito de Vai gua!, e na sua prosdia lusitana soava como Baigua, baigua,
grito que at hoje perdura entre o pessoal do Corpo de Bombeiros, simplificado somente para Ii, que
lanado no quartel, mal soa o alarme de incndio. A gua da Chcara do Vintm foi coisa popularssima nessa
cidade, e certamente acabaria completamente esquecida se no fossem as crnicas dos historiadores e se no
fosse a msica popular. Sim, ouvintes, a msica popular. E como prova do valor histrico da msica popular
brasileira, que eu venho apresentar a vocs aquela que fixou esse curioso aspecto da vida carioca dos velhos
tempos. Chiquinha Gonzaga, registrando o aparecimento e a popularidade da gua da Chcara do Vintm,
comps um tango brasileiro que dedicou quele importante servio. Chama-se o tango gua de Vintm, e
isso que vocs iro apreciar agora num curioso arranjo de Pixinguinha para a Orquestra Pessoal da Velha
Guarda.

5. GUA DE VINTM

APRESENTAO DE REMELEIXO
Sim, ouvintes! Aqui est de novo ao nosso lado figurando na Velha Guarda o grande Jacob. Diversas vezes
Jacob j esteve aqui entre ns. Ou para atender o nosso desejo, ou para atender o de vocs, ouvintes. Dessa vez
ele aqui est porque vocs novamente o exigem. E quanta alegria isso ns d porque assim ns no temos que
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gastar os nosso argumentos para fazer com que ele saia da sua quietude para nos vir aturar aqui. Nestes ltimos
tempos, recebemos um bom nmero de pedidos por carta, por telefone, por telegrama, ameaando-nos, sim
ouvintes, ameaando-nos com a perda daqueles ouvintes se no trouxssemos aqui o Jacob para que ele
executasse um novo choro de sua autoria e que acabar fazendo tanto ou mais sucesso do que esse bulioso
Treme-Treme que ele comeou a tocar a. Chama-se o novo choro Remeleixo, e aqui vai ser apresentado
pelo autor aparteado pela flauta de Benedito, e pelo saxofone de Pixinguinha. O nome Remeleixo, ele o tirou
dos gestos que viu umas pessoas fazendo numa das primeiras vezes que tocou o choro em pblico. que
ningum pode ficar insensvel, ningum pode deixar de fazer remeleixos ouvindo este Remeleixo do Jacob.

6. REMELEIXO
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Programa N 7 em 26-11-1947 (Referncia: 1947g)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo Brasil! Boa noite, amigos do Pessoal da Velha Guarda! Tenho hoje para vocs uma
notcia que h de interessar grandemente a todos. Ouam s. Vem a o Natal. Vem a as festas. Vem a uma
poca de comemoraes e reunies familiares. Nada melhor para essas festas e essas comemoraes do que uma
saborosa bebida, no mesmo? Pois bem. A organizao dos Vinhos nico, desse incomparvel produto
brasileiro que permite que todas as quartas-feiras vocs recebam em suas casas essas msicas privilegiadas do
passado, fazendo vocs rememorarem momentos bons de um tempo que se foi Pois bem, a organizao dos
Vinhos nico resolveu distribuir festas entre todos os ouvintes. J nenhum de vocs poder dizer que o Vinho
nico ou Champagne Mnaco, no se lembrou de mostrar sua gratido pela maneira como vocs escolhem e
preferem seus produtos magnficos e brasileirssimos, hein? A maneira como o pblico tem passado a preferir os
vinhos da marca nico tem um honroso significado. Prova que os brasileiros j tm confiana nas coisas que
outros brasileiros produzem. J tm conscincia de que nossa indstria j superou de h muito a de inmeras
estrangeiras. Bem, mas voltemos ao que dizia sobre as festas, hein? Os Vinhos nico vo oferecer aos ouvintes
quinze caixas, hein? Quinze caixas contendo, cada uma delas, nada menos que o seguinte: trs garrafas de
Champagne Mnaco, uma garrafa de Vermuth Doce nico, uma garrafa de Quinado nico, duas garrafas de
Grande Vinho nico, duas garrafas de Vinho Tinto Mnaco, duas garrafas de Clarete nico e uma garrafa de
Moscatel nico. Que coisa, hein? Que tal, hein ouvintes? No um presente de Natal magnfico? Pois qualquer
um de vocs poder ganhar qualquer uma daquelas quinze caixas. Vocs no tero que gastar um nquel. Tero
somente que escrever, respondendo seguinte pergunta, muito fcil: qual o nmero de caixas Vinho nico
consumidas no Rio durante o ano de 1946. Vou repetir: qual o nmero de caixas de Vinho nico consumidas no
Rio durante o ano de 1946. Mas aqui tem um acrscimo para facilitar tudo isso. Ns podemos auxiliar a vocs
dizendo que a quantidade exata est entre 90.000 e 120.000 caixas. Da vocs escolham um nmero, no
mesmo? No haver sorteio, hein? As quinze caixas sero distribudas entre os 15 ouvintes que mais se
aproximarem da quantidade exata. Tudo entendido? Fiquem matutando sobre esse principesco presente de Natal
enquanto ouvem esses bambas, enquanto ouvem e aplaudem esses bambas que realizam a Velha Guarda! Aqui o
Pixinguinha com seu saxofone! O Benedito Lacerda com seu regional! O Raul de Barros com o Grupo dos
Chores e o bombardino! E a orquestra toda do Pessoal da Velha Guarda!

APRESENTAO DE VOU VIVENDO
A msica quase sempre um retrato sonoro de um povo. Povos alegres possuem msicas alegres. Povos tristes
possuem msicas tristes, lgico. Outras condies da alma humana tambm l se vo fixar nos ritmos e nas
melodias, e assim que vemos msicas que refletem indeciso, ou amargura, apreenso, e tudo mais. A msica
rabe, por exemplo, com a sua forma caracterstica vaga, seu modo montono e impreciso, d bem uma idia do
fatalismo da raa que a criou. Bem, mas no quer isso dizer que s exclusivamente a msica rabe possa trazer o
estigma de um fatalismo marcante. Por vezes, um ou outro compositor de outras terras, forado por um
momentneo estado dalma, imprime tambm a uma ou outra msica sua o mesmo tom de indiferena pelas
coisas que se nota na msica rabe. E aqui temos disso um bom exemplo ouvintes, nesse choro de Pixinguinha
que vo ouvir agora. Seu ttulo vai como uma luva nessa melodia impregnada de indiferena e de fatalismo, e
que se chama Vou Vivendo. E to forte sua influncia nos que a executam, que vocs do auditrio podero
perceber aqui no Benedito e no Pixinguinha um dar de ombros que exprime bem a indiferena costumeira com
que, quando nos perguntam se a gente vai bem, a gente responde, vencida pelo destino: Vou Vivendo.

1. VOU VIVENDO

APRESENTAO DE MARGARIDA VAI FONTE
Houve poca no Brasil em que a msica portuguesa figurava irmamente ao lado da nossa, e influenciando-a com
a sua forma meldica ou com o seu ritmo. No era considerada estrangeira a msica portuguesa. E pelas
afinidades existentes entre os dois povos, era aqui to querida, e fazia s vezes tanto ou mais sucesso do que as
da terra. Portugal mantinha conosco um ponto de contato permanente atravs de alguns de seus produtos,
principalmente do vinho. Hoje, graas excelncia dos vinhos nacionais, especialmente desse brasileirssimo
Vinho nico, que oferece a vocs esses programas da Velha Guarda, j no h mais aquela predominncia
lusitana.
Para implantar aqui os seus produtos, os vinicultores portugueses distribuam anualmente aos seus fregueses
lbuns com canes populares. Isso espalhava por aqui as melodias da terra irm que encontravam um eco muito
fcil na alma de nossa gente.
Inmeras daquelas cantigas alcanaram grande popularidade entre ns. E uma curiosidade, ouvintes, que
estejamos aqui a mostrar, como vamos fazer agora, neste programa do melhor vinho brasileiro da atualidade,
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uma cantiga mandada ao Brasil pelo melhor vinho portugus de h cinqenta anos. Seu nome Margarida Vai
Fonte.

2. MARGARIDA VAI FONTE

APRESENTAO DE QUE DA CHAVE?
A vai agora uma velha polca que h de encher de saudades muitos de nossos ouvintes. Trata-se de msica
antiqussima. Um gnero j desaparecido h mais de cinqenta anos, isto , a polca-lundu. Essa que a vai ficou
muito popular graas a uns versinhos que lhe foram aplicadas no seu tempo. Uma quadrinha era assim (e o
Almirante canta acompanhado do piano):

Que a da chave que eu te dei para guardar
T no fundo do ba se quiser v l buscar

E havia os outros, umas outras quadrinhas, cantadas numa clebre pea teatral chamada A Filha de Maria
Angu, levada nesta cidade no ano de 1876. E uma das quadrinhas dali era assim:

Qued o nquel quinda pouco estava aqui
o tratante de um moleque foi tomar seu parati

Lembram-se ouvintes? Pois essa a famosa msica brasileira, coqueluche dos nossos avs, que vocs vo ter o
prazer de recordar agora, numa instrumentao especial de Pixinguinha para a Orquestra do Pessoal da Velha
Guarda. Ateno, pois, para a polca-lundu de Jos Soares Barbosa Que da Chave?

3. QUE DA CHAVE?

APRESENTAO DE JURITI
Entre os nmeros mais pedidos do repertrio de Benedito e Pixinguinha, est um choro denominado Juriti, da
autoria de Raul Silva. Compositor inspirado, Raul Silva, alm de uma batelada de peas carnavalescas, dos mais
variados estilos, escreveu uma srie de choros curiosssimos, entre os quais se destaca este, em cuja melodia
aparece volta e meia os trinados e gemidos caractersticos da pomba juriti.

4. JURITI

APRESENTAO DE NO BICO DA CHALEIRA
Agora que j nos vamos aproximando do carnaval, e quando as cantigas prprias j comeam a aparecer, ocorre-
nos lembrar alguma coisa do que foram os carnavais nesse Rio de Janeiro. No ser possvel lembrar tudo num
nico programa, e por isso iremos daqui em diante, em cada audio, relembrando um sucesso carnavalesco
antigo, e um pouco de sua histria ou de seu significado. Para hoje teremos a curiosa origem de uma clebre
msica do passado, e da qual vocs todos, moos e velhos, se lembraro de ter ouvido pelo menos alguma vez.
Chama-se ela No Bico da Chaleira e nasceu de uma gria muito pitoresca cuja origem, dizem, foi a seguinte:
Um certo presidente da repblica, nas suas viagens durante a campanha para sua eleio, costumava levar
consigo uma pequena chaleira de prata porque ele mesmo gostava de preparar no sei se o seu caf ou o seu ch.
Cercado como andava por indivduos interessados em cair nas suas boas graas, era freqente ver-se quando um
ou outro, em requintes de amabilidade, se esforava para poupar ao futuro presidente o trabalho de preparar ou
de servir a sua bebida preferida. Os mais afoitos, mal o ilustre homem manifestava o desejo de saborear a sua
bebida, avanavam para a pequena chaleira, e na nsia de serem os primeiros, a seguravam por onde calhasse, ou
pelo cabo ou pelo bojo e at pelo bico. Com isso, naturalmente, queimavam os dedos. Nasceu da o dito popular
chaleira para designar adulador e a expresso pegar no bico da chaleira para indicar aquela ao de adular.
O dito da moda deu motivo a uma cano carnavalesca da autoria de um famoso mestre de banda que se ocultava
sob o pseudnimo de Juca Storoni, e foi o maior sucesso do carnaval de 1909. isso que vamos lembrar agora
com este nmero clebre que se inicia com os clarins tpicos do carnaval daquele tempo, hein? O auditrio, se
quiser, poder cantar conosco, pois os ouvintes de suas casas na certa vo fazer o mesmo, seduzidos pela
saudade que h de despertar essa brejeirssima polca No Bico da Chaleira.

5. NO BICO DA CHALEIRA

APRESENTAO DE PARTIMOS PARA MATO GROSSO
com enorme alegria que vemos o interesse que muitos ouvintes tomam por algumas das msicas que temos
apresentado nesses programas. Uma das polcas-marchas que lanamos aqui, velha polca vov, no sai da
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lembrana de muitos de vocs. aquela animadssima Partimos para Mato Grosso. Msica escrita em poca
de grande movimentao patritica, quando se tornou necessrio o envio de tropas para a provncia de Mato
Grosso, a msica tomou para si um pouco do ambiente militarista que por aqui imperava. Por isso, sua segunda
parte se aproveita de toques militares e da marcha batida. Naquele tempo, bem quele tempo que eu digo, h uns
60, 70, ou 80 anos, hein? Quando essa msica era tocada nos sales, os pares, durante a segunda parte, se
desenlaavam, e cavalheiro e dama marchavam lado a lado militarmente. Os homens com a mo na testa em
atitude de continncia. Para dar maior realce e maior aspecto marcial execuo dessa msica, um de nossos
pistes ir para o meio do auditrio para tocar, de l de longe, as respostas que figuram os diversos clarins num
campo de batalha. Ateno pois para a celebrrima polca-marcha de Zeferino Hourcades Partimos para Mato
Grosso, num arranjo de Pixinguinha para a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda!

6. PARTIMOS PARA MATO GROSSO

Locutor: A organizao dos Vinhos nico, apresentando a linha de seus produtos, apresenta o que h de melhor
na indstria vincola brasileira. Uma srie de vinhos excelentes que todos preferem. Clarete, grande vinho branco
doce, moscatel licoroso, mal vazia tipo porto, espumante tinto, e muitos outros vinhos notveis da famosa marca
nico. E como excelncia entre os champanhes excelentes, est o Champanhe Mnaco, o melhor champanhe
nacional. To bom quanto os melhores estrangeiros. E faam jus ao grande presente de Natal dos Vinhos nico
respondendo seguinte pergunta: qual o nmero de caixas de Vinhos nico consumidas no Rio durante o ano de
1946? Podemos adiantar que o nmero de caixas consumidas est entre 90.000 e 120.000. Os que acertarem, ou
que mais se aproximarem do nmero exato, recebero uma caixa com 12 garrafas dos melhores Vinhos nico
incluindo trs garrafas do Champanhe Mnaco. As cartas devem ser endereadas para
ALMIRANTE - Rdio Tupi
Av. Venezuela 43.
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Programa N 8 em 21-01-1948 (Referncia: 1948a)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Novamente aqui esto, prontos para atacar, esses bambas que se renem
semanalmente sob o ttulo de O Pessoal da Velha Guarda. Hoje, meus amigos, no venho falar contra coisa
alguma. Por estranho que parea, venho falar a favor. Por estranho que parea, com relao msica popular, h
alguma coisa que vai bem, muito bem mesmo. que nas investigaes que podemos fazer semanalmente sobre
as preferncias de nosso pblico, estamos verificando que no presente momento quatro msicas so as mais
procuradas. Quatro msicas so as mais vendidas em partes de papel e em discos para gramofone. Quatro
msicas esto sendo as mais escolhidas pelos cantores. E ouvintes, o que nos faz estranhar, e nos traz aqui neste
alarde, que essas quatro msicas so todas brasileiras! So quatro sambas. A saber: Marina, Segredo,
Nervos de Ao e Incerteza. Parece incrvel, hein? Pelo caminho que ns vnhamos indo, muito estranhvel
que isto esteja acontecendo. Chega a dar a impresso de que no estamos no Brasil! No possvel! Logo quatro
msicas brasileiras fazendo sucesso no Brasil! E nenhuma estrangeira? Nenhum fox-trot? Nenhum bolero?
Nehuma conga? Papagaio! Isto um bom exemplo ouvintes. Se o povo se dispuser a apreciar o que nosso,
saber descobrir e dar valor s produes boas que sempre aparecem. Bastar um movimento de simpatia pelas
nossas msicas populares para que sejam notadas as boas entre as ruins.
A constatao desse fato, fiquem certos hein, encheu de alegria o Pessoal da Velha Guarda. Pois isto f-los sentir
que no esto batalhando em vo. E ainda h ouvintes e ainda h amigos de nossas msicas. Ns aqui sabemos
perfeitamente que esses bambas tm contribudo para conduzir a preferncia de todos para as nossas msicas. E
vocs tambm sabem disso, ouvintes. Por isso maiores devem ser os aplausos de todos a esses batutas, como
Pixinguinha, o maestro da Velha Guarda, como Benedito Lacerda e seu famoso regional, como Raul de Barros,
seu bombardino e o Grupo de Chores, e como esses da Orquestra do Pessoal da Velha Guarda.

APRESENTAO DE A ESQUECIDA
Temos hoje para abrir essa audio do Pessoal da Velha Guarda uma msica de um gnero que tanto tem
agradado nossos ouvintes: uma polca-marcha. A de hoje, tambm da autoria de Pixinguinha, tem seus trinta
anos, e recebeu o seu nome s muito depois de composta. Pixinguinha a escreveu e em seguida a guardou entre
outras msicas suas. Muito mais tarde a encontrou e ento batizou-a com um nome bem significativo: A
Esquecida. Vale a pena notar nesse novo arranjo de Pixinguinha o solo de flauta da segunda parte e o do
saxofone da terceira parte. Vamos pois, ouvintes, comear lembrando A Esquecida, pela Orquestra do Pessoal
da Velha Guarda.

1. A ESQUECIDA

APRESENTAO DE CEGUINHA
Vocs de certo conhecem essa linda valsa, que um sucesso relativamente recente, no mesmo? Os seus
versos, se vocs esto lembrados, chamaram a ateno de todos pelo rebuscar de suas palavras, e tambm pelo
conflito astronmico que eles anunciavam descobrindo um eclipse do Sol, no com a Lua, mas com o prprio
luar.
O autor dessa msica, ouvintes, Uriel Lourival, pode ser considerado como um dos mais curiosos compositores
dos gneros de versos rebuscados. Quando era modesto funcionrio da Estrada de Ferro Central do Brasil,
comps seu primeiro grande sucesso, uma triste cano que correu o Brasil inteiro, e cujo nome era Ceguinha.
isso que vocs vo ouvir agora, recordado pelo Grupo de Chores do Pessoal da Velha Guarda.

2. CEGUINHA

APRESENTAO DE BATUQUE
No centro da escravido, os negros danavam aqui, entre outras, uma dana que se denominava batuque. No
fundo, era um legtimo samba de roda com a infalvel umbigada danado ao som de tambores, alguns dos quais
teriam provavelmente o nome de batuque, donde teria vindo a denominao daquela coreografia.
A percusso brutal daquele acompanhamento inspirou inmeros compositores que escreveram batuques
notveis. Transformada em msica audvel, o batuque porm perdeu todas as suas asperezas, e se tornou um
gnero agradvel, em que um ritmo pertinaz apoia uma melodia de carter geralmente lamentoso.
Um dos batuques mais clebres do passado foi o da autoria do maestro Henrique de Mesquita, pistonista exmio,
compositor de peras, missas e outras peas de grande envergadura. Na msica do batuque de Mesquita, foram
aplicados uns versos que popularizaram bastante e que tinha um estribilho que no deve ter sido esquecido, esse
assim: Marta, meu amor, ouve o seu cantor. Lembram? Pixinguinha escreveu para a Orquestra Pessoal da
Velha Guarda um curioso arranjo do batuque de Mesquita, em que vai ser ressaltada a beleza de sua melodia e a
insistente percusso dos tambores dos batuques africanos.
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3. BATUQUE

APRESENTAO DE TRISTEZA DO JECA
J me referi aqui vrias vezes ao tempo em que nossa msica popular andou grandemente influenciada pelos
assuntos sertanejos, que ento predominavam principalmente nos meios teatrais e nos meios musicais. Nos
teatros, a exaltao do que nosso era insistente em peas famosas como Terra Natal, O Marroeiro, Onde Canta
o Sabi, e tantas outras. Na msica, inmeros sucessos tambm se destacaram O Matuto, A Rolinha do
Serto, Vamo Maruca, Vamo, Que Sodade, e mil outras.
uma toada que apareceu durante aquela efervescncia sertanista, msica que constituiu um sucesso marcante,
que vai ser relembrada agora pelo Grupo dos Chores. Seus versos e sua msica, da autoria de Angelino de
Oliveira, constituem um hino de saudade s paragens sossegadas de nosso interior. Enfim, uma verdadeira ode
ao serto brasileiro. O nosso auditrio, como j de hbito, vai colaborar cantando o estribilho intercalado entre
as estrofes. Ouam, pois, Tristeza do Jeca, a linda toada de Angelino de Oliveira.

4. TRISTEZA DO JECA

APRESENTAO DE PROESAS DE SOLON
Ora essa, hein? Benedito e Pixinguinha ainda no deram o ar de sua graa hoje, hein. , mas que eles se
reservaram para esse final porque pretendem dar a todos os ouvintes uma informao que ao mesmo tempo
uma resposta a centenas de perguntas que os fs lhes fazem diariamente. Ouvintes que apreciam os choros
executados por Benedito e Pixinguinha vivem a perguntar se esta ou aquela msica est gravada e onde que
pode ser encontrada, etc. Eu aproveito ento, agora que eles vo tocar as msicas que compem o seu ltimo
disco, que saiu hoje, para fazer um retrospecto das gravaes dessa dupla brasileirssima. H um ano que os dois
se uniram num movimento defensivo das jias de nossa msica popular, e de ento para c, j conseguiram
eternizar em discos, em execues notabilssimas, choros e valsas que representam o que ns temos de melhor
no gnero. No primeiro disco que eles gravaram, vocs, se tiverem interesse, vo encontrar o alegre 1x0
[trecho], e o lindo Sofres Porque Queres [trecho]. No segundo disco l est a melodia saudosa do Naquele
Tempo [trecho], combinada com irrequieto Segura Ele [trecho]. H um terceiro disco em que vocs tero o
bulioso Cheguei [trecho], ao lado daquele tristonho Vou Vivendo [trecho]. A coleo de vocs, porm, no
ficar completa sem o quarto disco, onde de um lado est gravado o Descendo a Serra [trecho], ao lado de
outro, j universal, o Tico-Tico no Fub, em arranjo original [trecho]. Num quinto disco, Benedito e
Pixinguinha gravaram o movimentado choro Pago [trecho], e a queridssima e brasileirssima Saudades de
Mato [trecho]. Vocs, que gostariam de ter essas jias da Velha Guarda no precisam ter mais dvidas nem
perguntar, tudo isso est gravado em discos, e estes discos, nem preciso que eu diga, esto por a, esto por a.
Ainda hoje, os que freqentam essas casas de discos tiveram a surpresa de encontrar ali uma novidade do
Pixinga e do Vito. Vito o Apelido familiar do Benedito. Como eu no quero que vocs deixem de ter as
primazias nas audies desses dois bambas, trago-os agora aqui para que toquem as duas msicas desse seu
ltimo disco, uma delas chama-se Proezas de Solon, e um gostoso choro que Pixinguinha dedicou a um seu
amigo, um dentista chamado Solon. Ouam.

5. PROESAS DE SOLON

APRESENTAO DE URUBATAN
E a outra msica, ouvintes, o outro lado do disco tem um nome africano. uma espcie de jongo que o
Pixinguinha escreveu inspirado no ritmo de um batuque de candombl. msica de execuo difcil, tanto para
flauta como para saxofone, como tambm para violes e cavaquinhos, e como at para o prprio ritmo. No se
trata de novidade, pois at j foi executada aqui pela nossa orquestra. Mas o arranjo para a gravao sim que
novo. Seu nome, ouvintes, Urubatan.

6. URUBATAN
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Programa N 9 em 25-02-1948 (Referncia: 1948b)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Aqui est de novo o Pessoal da Velha Guarda. Como em todas as quartas-
feiras, aqui est reunido o grupo seleto de chores dos velhos tempos para conduzir vocs ao pas dos sonhos e
da saudade nas asas de msicas imortais do tempo de nossos avs.
Num tempo em que quase tudo swing, quase tudo bolero, conga ou rumba, deve ser consolador um
programa como este para os que gostam de evocar os bons tempos que se foram. Bem ouvintes, essa frase aqui
no nossa, hein? Tirmo-la de uma carta de um ouvinte. Naturalmente fazemos votos para que no s ele pense
assim, para que muitos outros estejam tambm de acordo com aquela opinio. Queremos agora aproveitar esse
intrito para um agradecimento especial queles que tm nos enviado msicas velhas. Podem estar certos de que,
mesmo velhas e maltratadas pelo tempo, como se acham algumas, elas constituem por vezes verdadeiras
preciosidades. Por isso tudo muito obrigado, hein? Convido agora a vocs todos, os do auditrio e os que se
acham em casa a aplaudir, os daqui com palmas e os de casa com o esprito e o corao, esses bambas que
realizam essas audies: o Pixinguinha com o seu saxofone! O Benedito Lacerda com o seu famoso regional! O
Raul de Barros com o seu bombardino e o Grupo de Chores! E a orquestra toda formada do Pessoal da Velha
Guarda!

APRESENTAO DE SEGURA ELE
H um estudo ainda por fazer nos ttulos de nossas msicas populares. Fixando por vezes expresses que o povo
consagrou, os nomes de certas msicas so como que um registro de maneiras de falar de cada poca. Como
todos sabem, o povo afinal de contas que faz a lngua. As corruptelas das palavras na construo gramatical, na
prosdia, etc., acabam sendo registradas pelos lxicos e depois so admitidas por toda gente sem a menor repulsa
ou preconceito. Todas essas consideraes vm a propsito do ttulo desse choro do Pixinguinha: Segura ele.
S esse ttulo determina uma poca. Pois mais que certo que se o seu batismo se desse uns 10 ou 20 anos antes,
em vez dessa forma popularssima de Segura ele, o choro se chamaria castiamente e empoladamente Segura-
o. Felizmente na poca em que Pixinguinha o comps, j o povo adoara tanto a lngua, que foi possvel ao
autor batiz-lo daquela forma popularssima: Segura ele. Pois isso que vocs vo apreciar agora na flauta do
Benedito e no saxofone do Pixinguinha. Segura ele!

1. SEGURA ELE

APRESENTAO DE NA PRAIA
Foi de todo o corao e espontaneamente que fizemos na semana passada a defesa do grande cantador nordestino
Augusto Calheiros muito justificadamente apelidado de o Patativa do Norte. Calheiros, que da Velha
Guarda, e que no perde um desses programas, conforme nos confessou hoje, ouviu cheio de surpresa e mesmo
comovido o que ns dissemos dele, e veio aqui trazer-nos seu abrao de agradecimento. Mas, porm, estamos
resolvidos a s aceitar agradecimento de Calheiros por meio de msica. Ele ter que cantar, ns o prendemos
aqui para cantar, provando assim, no s a ns, como aos ouvintes, quanta razo tivemos naquele comentrio.
pois com enorme alegria que o Pessoal da Velha Guarda recebe aqui o grande cantor, o Patativa do Norte, que
vai recordar na sua maneira personalssima uma famosa cantiga que ele lanou em 1927 quando aqui chegou
com os Turunas de Mauricia. A linda Na Praia, de Raul C. de Moraes. Calheiros!

2. NA PRAIA

APRESENTAO DE TURUNA
Nunca ser demais que em todos os programas da legtima msica brasileira, que prestem homenagem ao grande
pianista e compositor que foi Ernesto Nazareth. Sua obra vastssima ainda no foi integralmente desvendada para
as gentes da gerao atual. Ainda na sua imensa bagagem, um sem nmero de tangos, polcas, valsas, etc., esto
praticamente inditas para a gente de hoje. Ns aqui no Pessoal da Velha Guarda j temos desencavado inmeras
composies de Nazareth que andavam completamente esquecidas. Hoje queremos confiar orquestra a
execuo de um tango brasileiro que vocs j teriam apreciado de vrias formas, em solo de piano, em flauta, em
violo, etc. O tango, cujo nome Turuna, aparecer aqui num arranjo especial de Pixinguinha para a Orquestra
do Pessoal da Velha Guarda.

3. TURUNA

ARESENTAO DE MARIANA
Quantos de vocs, ouvintes da Velha Guarda, no estaro lembrados dessa msica? Quantas saudades ela no
estar despertando por a, hein? Seu nome, lembram-se? Era Os Olhos Dela. E seu autor, um saudoso choro
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do oficleide chamado Irineu de Almeida. Irineu deixou poucas msicas, mas todas elas de enorme beleza e
inspirao. Irineu de Almeida vai ser agora mais uma vez evocado nesses programas. Aqui esto Benedito e
Pixinguinha para executar uma de suas polcas-choro a que se chamou Mariana.

4. MARIANA

APRESENTO DE J TE DIGO
Sinh foi uma figura impressionante no nosso cenrio musical do passado. Sua vida andou marcada por
episdios curiosssimos, muitos dos quais ficaram registrados nas composies da poca. Antes de ser pianista e
violonista, Sinh aprendeu flauta. Dizem, os que o conheceram naquele tempo, que foi um pssimo flautista.
Sinh era feio, era magro e era alto. E houve poca em que deu para janota, e como o padro de elegncia era o
colarinho alto, ele, at se habituar moda sofreu o diabo. Toda essa descrio vem aqui para que vocs
compreendam o esprito dos versos que iro ouvir em seguida. Trata-se de um samba de Pixinguinha e de seu
falecido irmo China. O samba, aparecido em 1919, foi a resposta que os dois deram a Sinh, quando este os
desafiou num ttulo de um samba seu chamado Quem So Eles?. A pergunta era motivada pela fervura que os
adeptos do samba naquele tempo faziam, repetindo na cara de Sinh que ele no era o rei do samba como o
chamavam todos. Que havia pela cidade outros tambm merecedores daquele ttulo. Orgulhoso, Sinh quis saber
quem eram aqueles outros. E para dar maior curso sua curiosidade, deu a uma de suas msicas aquele ttulo
interrogativo Quem So Eles?. Sim, quem eram os tais outros que mereciam tambm naquela poca o ttulo
glorioso de reis do samba, hein? O desafio, ouvintes, no ficou sem resposta, tanto que logo depois, como j
disse, Pixinguinha e China lanaram a rplica num samba que se chamou J te digo. Sinh perguntava Quem
so eles?, no? E os dois respondiam J te digo!. E nos versos, conforme vocs vo ouvir, mesmo sem estar o
nome do Sinh, ficou a crtica feroz de sua figura. E esse interessante exemplo de composio satrica que
vamos oferecer aos ouvintes da Velha Guarda nesta rpida passagem do Grupo dos Chores. J te Digo.

5. J TE DIGO

APRESENTAO DE LA MATTCHICHE
Se hoje em dia algum se aproveitasse de um trecho assim dO Guarani para uma adaptao musical numa pea
popular, todo mundo protestaria, no mesmo? Haveria logo quem dissesse, como comum a gente ouvir, que
antigamente ningum fazia dessas coisas no. Pois olhem que estariam todos muito enganados dizendo isto. A
grita que fizeram recentemente porque Benedito adaptou o minueto de Beethoven para a marcha carnavalesca,
fez com que muitos dissessem, sem nenhum motivo, como vocs vero adiante, que antigamente eram
respeitadas as msicas consideradas srias. Ora que j esse negcio de msica sria uma maneira muito extica
e despropositada de classificar qualquer gnero. Como se um samba ou uma marcha no pudesse ser to srios
quanto uma sinfonia, ora essa. O hbito de utilizar trechos de msicas clssicas para certas peas populares,
ouvintes, no de hoje. mesmo muito velho. que antigamente havia da parte de todos mais compreenso
nesse sentido. Todos sabiam perfeitamente que no seria o inocente aproveitamento de qualquer trecho clssico
que iria inutilizar a obra original. Pois bem, ouvintes, h quase 50 anos, fizeram aqui uma adaptao dO
Guarani, e ningum esbravejou, no. E no entanto, a adaptao fez furor e correu o mundo. Ela foi feita por um
compositor francs de nome Borel Clerc, que pretendendo compor um maxixe brasileiro, foi se utilizar de um
dos temas mais populares de Carlos Gomes. E na falta de melhores dados sobre ritmos brasileiros, ele utilizou o
ritmo do passo-doble espanhol. Viu-se ento essa impropriedade, uma msica classificada como maxixe
brasileiro e em ritmo de passo-doble espanhol. Bem, mas fosse como fosse, a pea fez um enorme sucesso at
mesmo entre ns. Sua popularidade foi muito ajudada pelos versinhos populares que aplicaram aqui, e que
registravam o tenebroso crime de Carleto e Roca, lembram-se?

Durante o arranjo que vocs vo apreciar agora pela orquestra, sero cantados alguns dos versinhos mais
populares feitos para a clebre msica, inclusive os originais em francs. Ataca a mais La Mattchiche!

6. LA MATTCHICHE









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Programa N 10 em 03-03-1948 (Referncia: 1948c)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Boa noite amigos incondicionais da Velha Guarda, o que equivale dizer
amigos incondicionais das nossas coisas, da nossa terra, da nossa gente. No incio de mais esta audio
brasileirssima, quero dizer uma rpida palavra sobre as declaraes do grande patrcio maestro Villa-Lobos em
Londres. Numa recepo em que foi o convidado de honra, Villa-Lobos falou do seu grande sonho: a pacificao
do mundo por intermdio da msica. Seria de fato uma realizao grandiosa. Mas bom que a gente considere
que a msica mesmo uma linguagem universal. E como a lngua no foge ao imperativo do sotaque, este em
msica pode se dizer que seria o ritmo, no mesmo?
A gente reconhece um estrangeiro pela fala, e pelo sotaque a gente identifica o seu pas de origem. Se tal sonho
de Villa-Lobos se realizar, oxal no haja o predomnio de forma musical peculiar de nenhum pas. A grande
pacificao poderia ser feita de maneira que todos os povos identificassem os demais pelas suas canes, pelas
suas msicas nativas. Nesse caso, cada pas deveria se empenhar para que bom nmero de suas canes
atravessasse todas as fronteiras, levando aos outros povos a certeza de sua existncia, e o meio de reconhecer
suas criaturas. Mas tais msicas deveriam ter penetrao nas massas, e para isso, ouvintes, s mesmo a msica
popular. Envidemos, pois, esforos desde j, para que nossas msicas sejam conhecidas em todo o mundo, e um
dia, quando algum viajante brasileiro chegar aos mais longnquos pases, no precisar dizer de boca, com
palavras, a sua nacionalidade, bastar assobiar ou cantarolar uns poucos compassos do Tico-Tico no Fub, ou
do Carinhoso, ou do Copacabana, e todos sabero que ali est um patrcio nosso.
E h quem h muito esteja se empenhando para que esse ideal seja alcanado, ouvintes, somos ns aqui do
Pessoal da Velha Guarda. Isso j motivo bastante para que vocs aplaudam com mais vigor hoje o Pixinguinha
com o seu saxofone! O Benedito Lacerda com o seu regional! Raul de Barros e o Grupo dos Chores! E a
Orquestra toda formada do Pessoal da Velha Guarda!

APRESENTAO DE JOCOSA
Uma boa msica o melhor carto de visitas de um compositor. Esta a razo por qu muitas vezes, para
apresentar uma msica menos conhecida de um determinado autor, fazemos com que vocs se lembrem de
alguma outra do mesmo autor e que tenha sido um autntico sucesso. Sabendo que certa composio deve-se a
um indivduo que j teve msicas de grande popularidade, o ouvinte fica naturalmente com o seu estado de
receptividade em boa predisposio.
A msica que abriu este comentrio aqui, aquela famosa Flausina, que tinha esses versos: Anda vem c, vem
ver meu pobre corao como est o carto de visitas do autor da pea que vai tambm abrir o programa de
hoje. Mas se ns quisssemos, ns poderamos usar outro carto de visitas para o mesmo autor, como a sua
schottisch que foi clebre, aquela que se cantava com os versos Quando na luz desses teus olhos de veludo,
lembram-se? Pois o autor que produziu tais maravilhas nunca poderia ter sido medocre, no certo? Eis por qu
vocs devem agora apreciar bem para sentir tambm bem toda a beleza de uma polca-choro daquele mesmo
Pedro Galdino, e que aqui vai ser apresentada pela orquestra do Pessoal da Velha Guarda num novo arranjo de
Pixinguinha. Trata-se de Jocosa, que tem na melodia e no ritmo toda a justificativa de seu nome: Jocosa.

1. JOCOSA

APRESENTAO DE SERTANEJO ENAMORADO / BREJEIRO
Nazareth foi de fato uma expresso da nossa msica popular. A melhor prova disso est no fato de inmeras de
suas obras terem vencido a indiferena e a fora dos tempos, tornando-se em cada poca to atuais como as
msicas mais modernas e mais em voga. Um bom exemplo disso o velho tango Brejeiro, que tem
atravessado anos e anos em situao de decidido destaque perdurando inclume, enquanto outras msicas mais
novas vo momentaneamente ao pinculo da fama, mas tambm no tardam logo em cair no mais completo
esquecimento.
Usar, pois, o Brejeiro em qualquer audio radiofnica equivale a estar apresentando uma msica sempre
nova. Entretanto, se a melodia conseguiu se manter assim at hoje, to fresca e jovem, o mesmo no se deu com
os versos que recebeu de Catulo. Versos que se denominaram Sertanejo Enamorado, e que muitos indicavam
somente por Ai, Ladrozinho!. isso que o Pessoal da Velha Guarda vai relembrar agora, o tango Brejeiro de
Nazareth, com os primitivos versos de Catulo da Paixo Cearense, que lhe valeram o nome de Sertanejo
Enamorado.

2. SERTANEJO ENAMORADO

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APRESENTAO DE OS OITO BATUTAS
Les Batutas! Les Batutas! Hmm! Era assim, ouvintes, com esses gritos insistentes que a platia parisiense exigia
no cabar Shhrazade, a presena no palco de um grupo tpico brasileiro que ali esteve em 1921. Chamava-se o
grupo Os Oito Batutas. E foi o conjunto de nossa terra que maior consagrao recebeu por aqueles tempos na
velha Europa. O maxixe andava em moda, e o bailarino Duque era ento o homem do dia na capital francesa. A
ida dos Oito Batutas a Paris contribuiu para uma feliz movimentao em torno do nome do Brasil, nome que
aqueles msicos, como embaixadores sonoros de nossa terra, conseguiram elevar de maneira honrosa para ns.
Para apresentar seu companheiros, para abrir seus espetculos, o grupo atacava sempre um choro da autoria do
Pixinguinha e que tomou o nome do conjunto: Os Oito Batutas. O choro uma pgina vibrante de entusiasmo.
E vocs que o vo ouvir em seguida, pela flauta do Benedito e pelo saxofone do Pixinguinha, podero avaliar
pela sua melodia e pelo seu ritmo gostosssimo como no danariam os franceses nas cadeiras do Scheherazade
todas as noites quando Os Batutas iniciavam a sua execuo.

3. OS OITO BATUTAS

APRESENTAO DE OL, SEU NICOLAU, QUER MINGAU?
Eis a ouvintes, uma frase que foi coqueluche nesse Rio de Janeiro. Foi dito to ou mais popular que muitos que
surgem hoje em dia, e que logo se propagam. Parece que ela nasceu de uma canoneta, de um tal Frederico
Jnior, de quem infelizmente no consegui at hoje a menor informao. Provavelmente a canoneta pertenceu a
alguma pea teatral, e dali caiu no domnio pblico. Depois de popularizada, tornou-se at dobrado militar, tendo
sido nmero infalvel nos repertrios de nossas bandas. O Pessoal da Velha Guarda foi desencavar a conhecida
canoneta, e ela aqui vai ser relembrada de duas formas bem diversas: uma s cantada com o Grupo de Chores,
e a outra logo em seguida, tocada pela orquestra num arranjo especial de Pixinguinha. A terceira parte, vocs
ouviro, uma adaptao que seu autor, Frederico Jnior, fez de uma valsa popularssima naquele tempo, e que
aqui todos conheciam, creio que como A Borboleta Gentil, vocs vo ouvi-la e vo reconhec-la
imediatamente. Ateno pois para a velhssima canoneta Ol Seu Nicolau, Quer Mingau?.

4. OL, SEU NICOLAU, QUER MINGAU?

APRESENTAO DE VOU VIVENDO
Depois de nmero to alegre e vivo, um pouco da tristeza que sempre temperou nossa msica popular. Um
pouco de saudade no faz mal a ningum, principalmente quando esse sentimento despertado pelo encanto de
msicas muito nossas, muito brasileiras. Benedito e Pixinguinha trazem agora para vocs um choro que se pode
classificar como impregnado de fatalismo. Pelo menos o que se deduz de seu ttulo: Vou Vivendo. H nesse
ttulo um indiferentismo verdadeiramente herico: Vou vivendo... Mas h nele tambm uma sublime
despreocupao: Vou vivendo. Eis a uma frase bem achada, que serve de resposta para aqueles que estejam
nos mais diversos estados dalma. Um triste que deva responder ao nosso Como vai? dir em tom de voz
desconsolado: Vou vivendo..., n?. Um cara alegre, bem de vida, que deva nos responder ao mesmo Como
vai?, dir j com a inflexo de quem vai mesmo muito bem: Vou vivendo! A execuo de Benedito e de
Pixinguinha nesse choro tende para o sentimentalismo e para o fatalismo. Eis por qu vocs do auditrio
percebero em ambos em certos trechos, um dar de ombros que significa o desconsolo do triste respondendo
Vou Vivendo...

5. VOU VIVENDO

APRESENTAO DE SAUDADES DE OURO PRETO
Pixinguinha, esse imenso choro que o nosso companheiro da Velha Guarda, esse impressionante negro, que
uma glria autntica da msica popular de nossa terra, h muito que trocou a flauta pelo saxofone. Se na flauta
ele j fazia misrias, imaginem agora o que ele no tem feito no saxofone que ele domina com segurana
absoluta, hein? Uma curiosidade no Pixinguinha como saxofonista est na incrvel faculdade que ele tem para
improvisar, para cercar de harmonias imprevistas mas cheias de beleza, o fio de melodias que outros
instrumentos desenvolvem.
Geralmente o que ele faz quando toca somente com o Benedito, mas agora queremos que vocs o apreciem
mais destacadamente, e para isso vamos usar uma clebre valsa brasileira, a famosa Saudades de Ouro Preto,
de Balduno Rodrigues do Nascimento. A valsa ser executada pela orquestra, e durante a execuo, vocs
ouviro o saxofone do Pixinga em contracantos curiosssimos e todos de improviso, hein?. Ateno, pois, em
ao o grande Pixinguinha!

6. SAUDADES DE OURO PRETO
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Programa N 11 em 10-3-1948 (Referncia: 1948d)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Fs da Velha Guarda, boa noite. Preparem-se mais uma vez para voltar ao
passado nas asas dessas melodias cheias de encantamento. Preparem-se para evocar os bons tempos em que no
havia filas, nem comandos, nem a pressa assassina dos nossos dias. Ao organizarmos cada uma dessas audies,
nosso pensamento vai todo para vocs, que nos devem estar ouvindo agora.
Cada msica que escolhemos, objeto de consideraes especiais. E por fim, s inclumos nessas meias horas
aquelas que nos deixam a certeza de que ho de despertar saudades, que ho de encher vocs de pensamentos
bons e de lembranas amveis.
Naturalmente que no podemos adivinhar a preferncia de todos, mas por isso, repetimos sempre o convite para
que vocs nos orientem, nos digam que msicas desejam ouvir. Se no houver alguma dificuldade
intransponvel, podem estar certos de que todos os pedidos de vocs sero atendidos. E quando vocs estiverem
se deleitando com as msicas que vocs mesmos nos indicaram, no se esqueam de aplaudir, mesmo da de
suas casas, como fazem os que aqui se acham nesse auditrio, os bambas dessas audies: o Pixinguinha, com o
seu saxofone! O Benedito Lacerda sua flauta e o seu famoso regional! O Raul de Barros, seu bombardino e o
Grupo dos Chores! E a Orquestra toda formada do Pessoal da Velha Guarda!

APRESENTAO DE CORROCA
Principiava assim uma das mais queridas cantigas de seresteiros da Velha Guarda. Seu autor, Luiz de Souza, foi
um pistonista que pertenceu famosa Banda do Corpo de Bombeiros no tempo do saudoso Anacleto. Luiz de
Souza principiou sua vida como msico do Exrcito. Pertenceu ao Ameno Resed, para o qual escreveu nmeros
de grande sucesso. Foi mais tarde diretor da Orquestra do cinematgrafo Palais, que ficava ali na avenida Rio
Branco, lembram-se?
pois de um choro de respeito a polca-choro que vai abrir essa audio. Trata-se de uma que se chamou
Corroca, e que vocs ouviro pela flauta de Benedito e pelo saxofone do Pixinga e acompanhamento do
regional.

1. CORROCA

APRESENTAO DE MARRECO QUER GUA
Ei! Sosseguem a, marrecos! Sosseguem marrecos a, sosseguem! Esperem um pouco que a vez de vocs h de
chegar! Esses marrecos que o Pessoal da Velha Guarda contrata para executar um certo nmero de Pixinguinha,
ouvintes, eles so por demais impacientes. Mal a gente os coloca aqui no palco, eles se pem logo a berrar, e a
gente no pode dizer mais nada. Calma a, marrecos! Hm!
Eles s sossegam um pouco quando vem o maestro levantar o brao pra dar incio msica. A ento eles se
acomodam, sentam-se nas suas cadeiras, e ficam atentamente lendo a msica que tem a na estante. E a, por
incrvel que parea, esses palmpedes, como que se transformam em msicos, em professores de orquestra,
vejam s...
Nessa polca-marcha que vo apreciar em seguida, quando vocs ouvirem grasnar, no pensem que so os
pistes, no... So os legtimos marrecos, que l esto firmes, grasnando na hora exata. A msica dedicada a
eles, pois o Pixinguinha denominou mesmo Marreco Quer gua. A execuo est, como disse, confiada aos
marrecos e Orquestra do Pessoal da Velha Guarda.

2. MARRECO QUER GUA

APRESENTAO DE SEU ANASTCIO CHEGOU DE VIAGEM
A canoneta foi um gnero curiosssimo que, no se sabe por que, caiu completamente de moda. Foi nmero
indispensvel no teatro, nas festinhas familiares, etc. At bailes eram interrompidos para que em certa altura se
formasse roda, e um declamador, acompanhado ao piano pela indefectvel Dalila, ou um canonetista,
acompanhado tambm ao piano, viesse distrair um pouco a platia. Se isso se desse hoje em dia, se um poeta ou
um cantor cismado em interromper um baile para declamar ou para cantar, no iria nem at o meio do nmero,
no mesmo? Se o negcio se passasse em casa gr-fina, 15 segundos depois de ele comear, j o salo estaria
completamente vazio. Se estivesse em casa de gente meio rstica, o camarada seria impiedosamente vaiado e
talvez mesmo apedrejado, hein? O mundo de hoje inteiramente diverso do de ontem. O que se admitia ou que
se apreciava ontem, hoje ningum mais admite ou aprecia.
O nmero de agora servir como bom teste. Vai ser recordada agora uma clebre canoneta de mais de 50 anos.
Seu nome Seu Nastcio Chegou de Viagem. Os versos exploram as aperturas de um coronel do interior que
veio visitar a capital federal e voltou para o seu vilarejo assombrado, contando como os seus olhos viram e
entenderam certas coisas dessa grande cidade daquele tempo. Os moos no conhecero a canoneta, certo.
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Mas eu duvido que qualquer ouvinte mais avanado em anos no se recorde, e at no cantarole da mesmo esses
versinhos ingnuos do Seu Nastcio Chegou de Viagem, que vo ouvir na voz do Frana.

3. SEU NASTCIO CHEGOU DE VIAGEM

APRESENTAO DE BUENOS DIAS
curioso observar-se a influncia que a nossa msica veio sofrendo periodicamente dos ritmos e das melodias
estrangeiras. A valsa, por exemplo, j depois de aclimatada entre ns, j depois de se ter fixado por aqui sob uma
forma nitidamente nacional, possuindo modalidades s nossas, s brasileiras; a valsa, h uns 30 ou 40 anos,
comeou a revelar uma forte influncia Ibrica. Os compositores daquele tempo, especialistas em valsas,
esmeravam-se em produzir por aqui peas com todas as caractersticas das que nos chegavam da Espanha com a
sua forma bimbalante, festiva, em cuja melodia e em cujo ritmo andava todo o rebolio e estridor das
castanholas. desse perodo a clebre valsa que iro ouvir em seguida. Seu autor foi um popularssimo pianista
desta cidade, o Aurlio Cavalcanti. Reparem quanto salero conseguiu ele introduzir nessa valsa que denominou
Buenos Dias, e que aqui vai ser executada por El Personal de la Vieja Guardia, Ol!

4. BUENOS DIAS

APRESENTAO DE DORINHA, MEU AMOR
O samba, a notabilssima forma musical brasileira, que teve, a bem dizer, seu incio nessa cidade h trinta anos
atrs, j tem sua existncia marcada por milhares de exemplos que provam sua riqueza de possibilidades. No
gnero j surgiram verdadeiras jias, que ficaram marcando etapas na existncia da gostosssima modalidade
musical. E um exemplo famoso do passado que trazemos agora para vocs. Tem somente vinte anos, pois
surgiu em fins de 1928. Tendo sido o maior sucesso do Carnaval do ano seguinte, seu autor j era ento
compositor consagrado, seu nome, Jos Francisco de Freitas. Fora autor da celebrrima Zizinha, da Eu vi
voc beliscar Lili, etc., etc., etc.
Para relembrar o samba que se segue, fomos buscar um novo choro, o Jorge Veiga. Quando apareceu o samba
em questo, ele foi gravado pelo Mario Reis. Sua inconfundvel maneira de cantar ser aqui, num pequenino
trecho, lembrada pelo Jorge Veiga. Ateno, pois, ouvintes, vai passar o Grupo de Chores recordando o
lindssimo samba Dorinha, Meu Amor de Jos Francisco de Freitas.

5. DORINHA, MEU AMOR!

APRESENTAO DE QUE PERIGO!
O autor desse notvel hino que ouvem, um advogado campista de nome Ticio Cardoso. Compositor inspirado,
Dr. Tiecio Cardoso tem escrito tambm outras msicas que, por modstia, por despreocupao, por desinteresse
em mesmo em mover questes fora da sua verdadeira atividade, vo ficando desconhecidas do grande pblico,
uma vez que o autor no as ?????.
Felizmente, temos agora a possibilidade de dar a vocs uma prova da inspirao do competente advogado.
Quando Pixinguinha esteve em Campos em 1917, conseguiu escrever uma de suas msicas, um choro alegre que
se denominava Que Perigo. No se sabe bem se o ttulo uma advertncia aos acompanhadores ou aos
prprios solistas. O choro realmente um perigo, e exige de todos um declarado virtuosismo. Com esse choro
fica provado o ecletismo de seu autor. Que tanto compe vibrantes canes patriticas, como escreve choros
brejeiros para flauta e violo. Vamos l, Pessoal da Velha Guarda. Vamos l, Benedito e Pixinguinha e regional.
Vamos msica do autor do Dobrado Brasil, vamos ao Que Perigo!

6. QUE PERIGO!

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Programa N 12 em 17-03-1948 (Referncia: 1948d)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! Amigos incondicionais da Velha Guarda aqui estamos. E aqui estamos com
mais um bom punhado de melodias e ritmos brasileirssimos e que reafirmam mais uma vez bem alto o propsito
desses programas, que exaltar a nossa boa msica de ontem e de hoje, e provar o alto valor potico e musical
de nossa arte popular. H quem pense, com um partidarismo absurdo, que toda e qualquer msica popular no
presta, e que s as grandes obras clssicas, as sinfonias, os quartetos, as sonatas, etc., etc., que prestam. Pois
esto redondamente enganados. H muita sinfonia por a que no vale um caracol. H muita obra de grande autor
considerada at legtima droga. Por outro lado, sabemos tambm que boa parte da msica popular tambm no
vale grande coisa, mas em compensao, h no gnero legtimas obras-primas, que como perfeio, como
expresso de arte, nada ficam a dever s obras tidas como clssicas no repertrio musical de todo o mundo.
O Pessoal da Velha Guarda se empenha em revelar sempre as jias de nossa msicas popular. Tudo que houver
de bom em samba, em choro, em polca, em schottisch, em valsa, etc., passar aqui por esse programa. Se vocs
quiserem fazer uma manifestao de agradecimento a quem realiza obra to louvvel e de profundo
brasileirismo, ento sim batam palmas com fora para Pixinguinha, o maestro e instrumentador 100% brasileiro!
Para Benedito Lacerda e seu regional brasileiro at debaixo dgua! Para Raul de Barros que revive com seu
bombardino a tradio dos chores dantanho! E para esta orquestra em que s se v gente da Velha Guarda!

APRESENTAO DE ASSIM QUE
Msicos conscientes que so, estes elementos da Orquestra do Pessoal da Velha Guarda j afinam seus
instrumentos para a execuo do nmero de abertura. Alguns deles, ouvintes, tocam hoje nos mesmos
instrumentos com que h 30, 40 anos vm ganhando honradamente a sua vida, executando msicas dos estilos
mais diversos. Desde as simples cantigas populares at as peas sinfnicas mais complexas. Nota-se, porm, um
fenmeno curioso nesse instrumental do Pessoal da Velha Guarda. Quando toca msica brasileira, da boa, seu
som se torna mais vibrante, mais alegre, mais entusistico, e por incrvel que parea, cada instrumento parece
vibrar mais, irradiando uma claridade condizente com a sua sonoridade. exatamente que se vai dar agora com
o Pessoal da Velha Guarda, que vai tocar uma velha polca-marcha de Pixinguinha, uma que se chama Assim
Que , e que foi instrumentada e que vai ser regida pelo seu autor.

1. ASSIM QUE

APRESENTAO DE O PINHAL
com imensa alegria que vemos ressurgirem velhas cantigas que j iam caindo completamente no
esquecimento. Soubemos h poucos dias que o grande cinematografista patrcio Humberto Mauro est
realizando um pequeno filme natural em que exaltada a imensa riqueza florestal dos nossos estados sulinos. a
glorificao do pinheiro, uma forma sugestiva em que ressalta toda a beleza dos pinherais poticos de Paran e
Santa Catarina. A msica de fundo para o pequeno filme no podia ser mais apropriada, pois Humberto Mauro
escolheu a mais condizente com as cenas que vai exibir. Trata-se da famosssima e tradicional cantiga brasileira
O Pinhal, da autoria de Armando Percival e Maria da Cunha. como um aplauso ao cineasta ao seu gesto de
patriotismo realizando mais um filme que ir contribuir para tornar o Brasil mais conhecido dos brasileiros, que
o Pessoal da Velha Guarda vai fazer desfilar agora o Grupo dos Chores lembrando a linda cantiga do passado.
Ateno, pois, ouvintes, O Pinhal.

2. O PINHAL

APRESENTAO DE QUE PERIGO
Foi assim, ouvintes, pedindo bis que os apreciadores do legtimo choro brasileiro se manifestaram depois que
Benedito e Pixinguinha executaram aqui na semana passada o notvel Que Perigo da autoria do nosso bom
amigo, o Dr. Ticio Cardoso. Vamos recordar ligeiramente o que dissemos antes sobre o Dr. Ticio Cardoso. Ele
um advogado campista que vive l na sua cidade, olhando o Brasil inteiro com um imenso amor que se reflete
nas iniciativas que leva a cabo para glorificar o seu torro natal. Ele o autor do conhecido dobrado patritico
denominado Marcha-Brasil. Foi dele a idia do impressionante monumento ao expedicionrio campista que se
ergue na praa So Salvador naquela cidade erigido por subscrio popular e com a cooperao da Associao
de Imprensa Campista. Ticio Cardoso como compositor tem escrito um bom nmero de pequenas peas
deliciosas. Foi uma delas, a que Pixinguinha aprendeu em 1917 com o prprio autor, que foi executada aqui na
audio passada. E foram tantos os pedidos de bis que recebemos, que no pudemos deixar de inclu-la hoje
novamente. No ser preciso que se diga nada para justificar essa repetio. Vocs mesmos ouvindo a grande
msica, que um choro chamado Que Perigo, vocs mesmos compreendero logo que esse bis era
190
indispensvel. Ateno, pois, aqui vm Benedito e Pixinguinha e o regional para enfrentar o Que Perigo, de
Dr. Ticio Cardoso.

3. QUE PERIGO

APRESENTAO DE SOLUOS
A denominao de choro, que hoje comunssima, apesar de pensarem o contrrio inmeros musiclogos,
relativamente recente. O nome veio da designao de chores que foi dada no passado aos grupos de flautas,
cavaquinhos, bombardinos, oficleides, violes, etc., que percorriam as ruas, fazendo serenatas. Como tocassem
msicas muito dolentes, em andamento arrastado, num plangncia tocante, chorando nas melodias e nos
contracantos, receberam o nome de chores. O grupo era o choro, e os tocadores, os chores.
Mas as msicas que eles tocavam eram polcas, eram schottischs, eram valsas, mazurcas, eram pas-de-quatres,
etc. S muito mais tarde foi que a designao daqueles grupos foi se passando para as msicas de seu repertrio,
e uma dessas msicas de um desses gneros, a polca, foi se passando a chamar tambm choro. Uma das msicas
de Pixinguinha pode muito bem nos dar hoje uma idia de como era aquela forma de execuo que deu origem
curiosa denominao. Trata-se de uma polca, que hoje um choro, cujo nome vem a calhar para tal pea.
Soluos. um choro-serenata, em que se sente claramente o soluar tristonho to ao gosto do Pessoal da
Velha Guarda. A execuo aqui est a cargo de Benedito na flauta, de Pixinguinha no saxofone e do regional.
Ouam.

4. SOLUOS

APRESENTAO DE CARIDADE
Cada pedido dos ouvintes uma ordem para ns. Eis a por que voltamos a contar aqui uma passagem pitoresca
da vida de nossa cidade e que ficou registrada por uma famosa msica popular. Ns vamos trazer agora para
vocs, uma msica que surgiu numa poca muito especial dessa cidade. Era uma crtica s inmeras instituies
de caridade que a partir de 1925 mandavam para nossas ruas centrais senhoras e senhoritas a vender flores,
senhoras e senhoritas munidas de um cofre onde o pblico ia colocando os seus bulos. A coisa comeou com a
venda de margaridas. Vieram depois outras flores. Cada instituio de caridade inventava um dia dedicado a uma
flor. Depois, por originalidade, vieram dias de medalhinhas, de emblemas, de penas, e houve at o dia do po, e
creio que da banana. Tudo muito louvvel. Mas que o povo j andava escabriado com tanto peditrio, e j
ningum mais enfrentava de boa vontade as amveis, e por vezes mesmo lindas vendeuses. Foi como uma crtica
de tantos dias de flores, e de legumes, e como um eco das suposies que o povo fazia a respeito daquelas
coletas, que surgiu um certo samba chamado Caridade. Era da autoria de Sebastio Neves e de Ansio Mota.
isto que vamos relembrar agora nessa passagem do Grupo dos Chores. Ouam.

5. CARIDADE

APRESENTAO DE TUDO PRETO
Hoje em dia o maxixe msica ou dana j inteiramente desaparecida. Mas h 20 anos atrs andava ainda to
em moda, que no havia revista teatral que no apresentasse entre seus quadros, um que exibisse a dana ou a
msica espetacular. O nmero que vai ser executado em seguida est ligado a um acontecimento teatral muito
falado nessa cidade. Em 1922, recebamos aqui a visita de uma estrondosa companhia francesa de revistas que
revolucionou o Rio de Janeiro. Era a famosa companhia Ba-Ta-Clan de Madame Rasimi, com um repertrio
empolgante de peas vistosas, com mulheres lindssimas que enlouqueciam o carioca, com recursos cnicos
nunca vistos at ento, e com msicas de um novo estilo, com fox-trots parisienses inspirados numa curiosssima
coreografia que aqui se implantou imediatamente que era o shimmy. O sucesso da Ba-Ta-Clan atraiu para c
outras grandes companhias. Junto com ela apareceu a Velasco, em anos seguintes ns tivemos a escandalosa
Companhia do Casino de Paris, cujos quadros considerados pouco decentes provocavam bengaladas dentro do
teatro entre os que queriam que o negcio parasse, e a maioria que queria ver as coisas at o fim.
O interesse pelas companhias teatrais exticas fez nascer aqui a idia da formao de uma trupe toda de pretos. E
foram arrebanhados todos os valores negros que possuamos na arte da representao. A companhia estreou no
Teatro Rialto em agosto de 1926 com a pea Tudo Preto. Foi esse ttulo, ouvintes, que um dos nossos
compositores, o maestro Jlio Casado, instrumentador da Casa Edison, escolheu para uma de suas msicas. Foi
um maxixe que no pertenceu revista negra, mas que lhe prestava uma homenagem no ttulo, que era tambm
Tudo Preto.
Todo o valor musical do maxixe de Jlio Casado est na curiosa baixaria que ele desenvolve a melodia no estilo
clssico do gnero. Ouvindo-a, garanto que muitos dos ouvintes ho de lamentar o fato dos compositores terem
abandonado gnero to atraente.

191
E como a msica se presta a comparaes, reparem se a maioria das composies modernas, dessas
inexpressivas que hoje surgem aos montes, poder-se-ia comparar em atrao, em vivacidade, ou em gostosura a
maxixes iguais a esses que os autores escreviam a vinte e poucos anos atrs!

6. TUDO PRETO
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Programa N 13 em 24-03-1948 (Referncia:1948e)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes de todo o Brasil! A turma da Velha Guarda aqui est de novo reunida. Pixinguinha e
Benedito j rebuscaram os velhos arquivos, e de l tiraram para hoje um bom punhado de msicas que ho de
satisfazer a todos os paladares: msicas tristes, msicas alegres, msicas romnticas, e msicas que so
verdadeiras crnicas do passado. Cada uma ter seu valor especial, cada uma portanto dever ser apreciada pelo
que representa. De uma coisa todos vocs devem estar certos. que se foram escolhidas por Benedito e
Pixinguinha, porque de fato so todas exemplos bem representativos do que ns possumos de melhor em cada
gnero. E acontece tambm o seguinte: como a maioria dos nmeros que aqui so executados nunca aparecem
em outro qualquer programa de rdio, natural que muitos ouvintes os queiram ouvir muitas vezes. E ento
chegam pedidos sobre pedidos. Isto somente prova quanto acertado o critrio que preside a escolha do
repertrio da Velha Guarda. Um artista, como vocs sabem, vive do estmulo que lhe d o seu pblico.
Felizmente, este estmulo no tem sido negado aos que realizam estas audies. E eu pessoalmente fico
satisfeitssimo percebendo que cada vez vocs aplaudem com mais entusiasmo Pixinguinha com o seu saxofone
(aplausos), Benedito Lacerda, sua flauta e seu regional (aplausos), Raul de Barros e seu bombardino e o Grupo
de Chores (aplausos mais entusiasmados), e esta orquestra toda formada de Pessoal da Velha Guarda
(aplausos).


APRESENTAO DE T FRACO
Os animais tm servido como bom assunto para a fecunda inspirao do nosso Pixinguinha. Vocs em
programas passados j puderam observar como ele transportou para a msica o grasnar dos marrecos e o coachar
dos sapos. Seguindo uma srie zoolgica, vamos apresentar hoje uma manifestao sonora familiar aos nossos
ouvidos: o grito caracterstico da galinha-dangola, conhecida de muitos como capote. A lstima estridente, no
dizer de Afrnio Peixoto, da curiosa galinha de pescoo pelado, reproduzida aqui numa onomatopia pitoresca
que lhe atribui o significado de estou fraco. H de certo um contraste entre a estridncia e o volume do grito e
o que ele representa. que ningum que esteja realmente enfraquecido tem foras bastantes para andar
afirmando a toda hora, alto e bom som, que est naquele estado de fraqueza. O grito do t fraco at me faz
lembrar uma cena que eu assisti num teatro, em que o ator, por necessidade de interpretao, j que figurava um
moribundo, dizia sempre num murmrio: Ai, no posso mais, t fraco, estou perdendo as foras. Mas um
expectador l dos fundos, como no ouvisse bem, reclamou. Isto obrigou o ator a recitar um pouco mais alto a
sua frase. Mas aquele volume ainda no contentou o expectador que continuou a reclamar. Diversas tentativas
ento foram feitas para atender o homem da platia, que teimava em dizer que no ouvia nada. E por fim o ator
moribundo teve que representar o seu papel de homem na ltima lona, numa voz tonitruante assim: AI! NO
POSSO MAIS! ESTOU PERDENDO AS FORAS!! [risos]. Tudo isso, ouvintes, vem a propsito do nmero
que vo ouvir em seguida pela Orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Trata-se de um choro de Pixinguinha em
que a orquestra vai imitar o grito da galinha-dangola. Ateno, pois, para o choro T Fraco.

1. T FRACO

APRESENTAO DE AI EU QUERIA
No de hoje, ouvintes, que muita gente quer saber o que que a baiana tem. A Bahia no Brasil, pelo seu passado
histrico, pelo interesse etnogrfico e etnolgico que desperta, enfim, por tudo que ela representa na tradio do
pas, tem feito com que a ateno geral se volte insistentemente para a boa terra. A msica popular tem
registrado um interesse pelas coisas da Bahia por meio de cantigas que marcaram poca, e que fizeram aumentar
a curiosidade por tudo que acontecia no grande estado do norte. Em 1918, por exemplo, referindo-se ao intenso
movimento poltico da poca, Sinh punha em foco a Bahia num notvel samba de que todos vocs se lembram.

Coro: A Bahia boa terra, ela l e eu aqui, iai.

Almirante: Dois anos depois era ainda Sinh que em outro samba fazia voltar a Bahia ordem do dia graas
quele estribilho famoso.

Coro: A Bahia no d mais cco para botar na tapioca.

Almirante: E no ano seguinte, isto , em 1921, era tamanha a influncia dos costumes baianos nesta cidade, que
nas vsperas do carnaval, nas inmeras batalhas de confete, tornaram-se notados os indivduos que se travestiam
de mulher usando de preferncia o traje tpico das baianas. Isto fez nascer um samba que ironizava a moda
assim.
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Coro: Todo homem quer, quer, quer, quer, saia de baiana pra vestir-se de mulher.

Almirante: A Bahia tornava-se um assunto querido entre os compositores, e para confirmar a tendncia pouco
depois, o maior sucesso das ruas, nos bailes e nos teatros era um certo samba da autoria de Cirino que exaltava a
Bahia de maneira originalssima assim.

Coro: Dizem que Cristo nasceu em Belm, a histria se enganou. Cristo nasceu na Bahia, meu bem, e o baiano
criou.

Almirante: Tanto alarde em torno das coisas daquele estado fizeram crescer a curiosidade de toda a gente.
Pixinguinha no se livrou dessa curiosidade. Tanto que a confessou num samba que escreveu de parceria com
Vidraa. Samba que o Grupo dos Chores vai relembrar agora. Ouam pois e ajudem se quiserem da o Ai, Eu
Queria de Pixinguinha e Vidraa.

2. AI EU QUERIA

APRESENTAO DE ANDR DE SAPATO NOVO
Poucas msicas tero o privilgio de poder ser identificadas por uma nota, hein? E entre estas poucas est o
grande choro Andr de Sapato Novo. Basta que Pixinguinha extraia do seu saxofone este Mi grave para que
todos reconheam logo que msica vem por a. Aquele grave, como todos sabem, representa a parada que faz a
todo momento o indivduo que cala o sapato novo que lhe aperta o p. O calo est gritando dentro do calado, e
o jeito fazer umas paradas para ajeitar os dedos comprimidos. O choro Andr de Sapato Novo do saxofonista
Andr Victor Corra, falecido recentemente, segura as agonias do autor num dia em que calou um sapato novo.
A execuo estar a cargo de Benedito na flauta e Pixinguinha no saxofone. Cada nota assim (Pixinguinha toca
um Mi 2) no saxofone do Pixinguinha representa uma daquelas paradas providenciais. Ouam.

3. ANDR DE SAPATO NOVO

APRESENTAO DE VOU ANDANDO
Na vasta famlia dos instrumentos musicais existem aqueles cuja sonoridade presta-se de maneira pasmosa para
dar a idia de um pensamento ou de uma situao e at de um gesto. Quando um orquestrador quer imprimir ao
seu trabalho uma tonalidade tristonha, melanclica, usa com destaque, por exemplo, o violoncelo. Basta sua
plangncia para dar msica o carter que ele deseja. Quando quer dar ao seu trabalho um aspecto marcial, usa,
lgico, os metais, os trompetes, os trombones. Para significar coisa saltitante, buliosa e agitada, um
instrumentador geralmente lana mo do flautim. este o caso de agora. Pixinguinha tem uma polca-marcha que
se chama Vou Andando. O ttulo sugere logo movimento. Lembra algum que se despede, algum que parte
alegremente depois de se despedir. Para conjugar o que o ttulo sugere com efeito musical bem condizente,
Pixinguinha a usou o flautim. Vocs vo ouvir a polca, e diante da primeira parte, confiada ao flautim, ho de
ter a impresso daquela cena do indivduo que se despede e sai caminhando apressadamente e alegre depois de
ter dito Vou andando. Ouam a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda.

4. VOU ANDANDO

APRESENTAO DE MORRO DA FAVELA
J tivemos hoje um exemplo zoolgico, e aqui vai outro, ouvintes. Algumas aves domsticas tem sido usadas
insistentemente pelos compositores, citadas pelos seus nomes, ou mesmo contribuindo com efeitos sonoros que
reproduzam suas vozes, obrigando os cantores a habilidades verdadeiramente zoolgicas. No de hoje,
entretanto, o sistema, hein? J h muitos anos, bem uns 30, a msica de maior sucesso neste Rio de Janeiro era
uma certa polca lanada pela Orquestra Pickman no conhecido Clube dos Polticos, e que logo se divulgou por
todo o Brasil. Seu nome era Morro da Favela, mas o que lhe deu fama foram os versinhos annimos desviados
completamente do sentido do ttulo. Os versinhos faziam aluso a uma ave domstica que vocs logo sabero
qual . Ou, ouvindo logo a melodia da primeira parte, ou ao ouvir o breque que Pixinguinha fez na segunda
parte, e no qual vai aparecer uma imitao do bicho. Ao reconhecerem qual era a ave, muitos de vocs vo
lembrar logo, pelo menos a picaresca quadrinha que foi o que mais contribuiu para que a polca se espalhasse
logo. Muitos de vocs vo rir lembrando os versos. Mas tomara que ningum, vendo vocs rindo, e percebendo
neste riso a certeza de que vocs sabem a letra, tomara que ningum venha pedir a vocs que a recitem, hein?
Ateno pois, amigos, que a vai uma msica que marcou poca. A polca Morro da Favela, de Passos, Borneo
e Barnab.

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5. MORRO DA FAVELA

APRESENTAO DE PASSINHO DE MOA
O Pessoal da Velha Guarda atende agora ao pedido do ouvinte Olavo C. Guimares de Santa Nsia que pede
para ouvir de novo a linda schottisch Passinho de Moa, de Henriquinho Dourado. O belo arranjo que vo
ouvir de Pixinguinha.

6. PASSINHO DE MOA
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Programa N 14 em 06-07-1950 (Referncia: 1950a)

ABERTURA
Boa noite, ouvintes do meu Brasil. Aqui est novamente o Pessoal da Velha Guarda, o mais autorizado grupo de
chores jamais reunido no Brasil. Verdadeira concentrao de valores da msica popular de nossa terra, e que h
muitos e muitos anos vem pugnando pela preservao do nosso patrimnio musical. Honra pois ao Pessoal da
Velha Guarda.

INTERVENO DO PATROCINADOR
Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente semanal do Sal de Fruta Eno aos ouvintes da Rdio Tupi do
Rio de Janeiro.

Locutor: Sal de Fruta Eno, laxante ideal, apresenta a cano do bom humor!

[em ritmo de polca rpida]
Tudo azul, tudo bem, tudo calmo e sereno
Ns tomamos Sal de Fruta, Sal de Fruta Eno
Alegria ao deitar, bom humor ao despertar
Com Sal de Fruta Eno tudo bem!
Cante assim tambm

Em vidros gigantes [?], grande ou pequeno
Sal de Fruta Eno, Sal de Fruta Eno
Em vidros gigantes[?] grande ou pequeno
Sal de Fruta Eno, Sal de Fruta Eno

Locutor: Os amigos ouvintes j podem se preparar para identificar as melodias do sexto concurso Eno. Quando
ouvirem este diapaso, fiquem atentos [trio vocal cantando E, N, O].

APRESENTAO DE JACY
O Pessoal da Velha Guarda abre esta audio com uma verdadeira surpresa. Trata-se de uma schottisch-gavota.
O gnero j constitua originalidade nos tempos em que a schottisch era moda, e o que no se dir hoje em que a
dana tornou-se obsoleta, e s nos aparece como legtima curiosidade do passado? A unio de uma schottisch
com uma gavota produz musicalmente um reforo de graa que aumenta segundo a inspirao daquele que a
compe. Nesse caso, a delicadeza e o bom gosto esto presentes do princpio ao fim porque o autor aqui foi o
famoso Irineu de Almeida. Pixinguinha transportou a schottisch-gavota para os instrumentos dO Pessoal da
Velha Guarda e aqui vamos apresent-la agora. Seu nome Jacy.

1. JACY

INTERVENO DO PATROCINADOR
Locutor: Tenha cuidado com a sua alimentao, tenha mais cuidado ainda com a sua boa digesto. Distrbios
aps as refeies encontram seu remdio no Sal de Fruta Eno. E-N-O. E j que falamos em Eno, ateno: [trio
vocal cantando E, N, O]. A primeira melodia desta audio, a melodia dos nossos dias, classificada como
melodia E, dar 200 cruzeiros a um dos acertadores do seu nome.

[samba-cano]

APRESENTAO DE DESCENDO A SERRA
Vamos por a a fora fazer uma viagem em companhia de Benedito Lacerda, Pixinguinha e o Regional. Nosso
trem esse instrumental batuta, e o itinerrio ser traado por um bulioso choro que nos levar por vales e
montes, num delicioso passeio sonoro. A impresso de subir e descer montes e colinas perfeita graas a efeitos
cromticos da flauta e do saxofone que deram ttulo ao choro: Descendo a Serra.

2. DESCENDO A SERRA

Locutor: Bem-estar Sal de Fruta Eno. Boa disposio aps o almoo ou jantar, Sal de Fruta Eno. E-N-O chama
mais uma vez a ateno dos ouvintes [trio vocal cantando E, N, O]. Identifiquem, ouvintes, esta melodia N,
msica de ontem.

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[pianista toca um tango habanera lento]

APRESENTAO DE DOM QUIXOTE
A msica faz o papel de cronista de uma cidade como o Rio de Janeiro. Pela sua forma, seu ritmo, suas
caractersticas meldicas, seu ttulo, uma msica torna-se um retrato fiel de sua poca ou dos acontecimentos de
seu tempo. Aqui temos por exemplo esta velha schottisch que se chama Dom Quixote. A homenagem que
presta velha revista de mesmo nome vem lembrar o sucesso literrio da obra de Cervantes. E tudo isso, como
percebem, evocao histrica, registro de uma poca. Vamos ouvir a schottisch Dom Quixote de J.M. de
Azevedo Lemos.

3. DOM QUIXOTE

APRESENTAO DE TRS ESTRELINHAS
Quando os ouvintes da velha guarda ouvem o nome de Anacleto de Medeiros, ficam imediatamente em
expectativa interessada. Isso porque todos sabem que msica de Anacleto, saudoso fundador da Banda do Corpo
de Bombeirosbanda que alis completou h quatro dias seu 94 aniversriomas como dizamos, msica de
Anacleto sempre um prazer sonoro. Pois a vai para os ouvintes da velha guarda uma das mais famosas polcas
de Anacleto: a Trs Estrelinhas, que recebeu versos de Catulo da Paixo Cearense.

4. TRS ESTRELINHAS

INTERVENO DO PATROCINADOR
Locutor: Foras combalidas pelas gripes ou outras enfermidades so recuperadas facilmente com a Emulso de
Scott. Emulso de Scott o fortificante das geraes.

APRESENTAO DE GADU NAMORANDO
Almirante: Um choro mais que famoso no Brasil. Choro de nome curioso, de ritmo sacolejante e de melodia de
enorme beleza: Gadu Namorando. Gadu Namorando, ouvintes, velho choro de Estanislau Silva, o Lalau,
que Benedito Lacerda, Pixinguinha e o regional oferecem agora aos ouvintes da Velha Guarda.

5. GADU NAMORANDO

APRESENTAO DE CONVERSA FIADA
Almirante: O Pessoal da Velha Guarda vai mostrar como se pode tornar interessante uma conversa fiada,
especialmente quando ela conduzida por um mestre como Pixinguinha e executada por bambas como esses
professores que aqui se renem. O tom da conversa, prestem ateno, a est claro neste arranjo de Pixinguinha,
em ritmo de polca-choro. Pronto, maestro. Pode comear a sua Conversa fiada com o Pessoal da Velha
Guarda.

6. CONVERSA FIADA

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente semanal do Sal de Fruta Eno e da Emulso de Scott.

[Jingle em ritmo de polca]:

Eu sou forte, tu s forte
Somos fortes todos ns
Emulso de Scott
Ns gostamos de tomar
No almoo e no jantar
To bom tomar
Emulso de Scott

Emulso de Scott constitui a mais perfeita combinao do melhor leo de fgado de bacalhau com clcio e
fsforo. Emulso de Scott em todas as pocas e idades. Emulso de Scott, o tnico das geraes.

To bom tomar
Emulso de Scott

Locutor: Mandem suas cartas para os concursos Eno dirigindo-as Rdio Tupi do Rio de Janeiro.
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[Vinheta final]

Almirante: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi O Pessoal da Velha Guarda em mais uma audio de
saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha para a Orquestra do Pessoal da
Velha Guarda, os nmeros de bossa do Grupo dos Chores, os acompanhamentos do famoso Regional de
Benedito Lacerda, o pianista Lauro Arajo, o cantor Gilberto Alves. O locutor foi Osvaldo Luiz. Na prxima
quinta-feira, s 20 horas, aqui estar novamente O Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno!

[Trmino da vinheta final]

Locutor: Esto ouvindo a Rdio Tupi, o Cacique no ar, PRG3 ondas mdias, ZYC9 ondas curtas
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Programa N 15 em 14-12-1950 Referncia: 1950b

PROPAGANDA DA PASTA DENTAL MACLEIN

ABERTURA
Almirante: Boa noite amigos de todo o Brasil. Hoje quinta-feira, e, como sempre acontece nesse dia da
semana, ns aqui estamos com O Pessoal da Velha Guarda. Este um programa brasileirssimo, em que vocs
ouvem msicas que nenhum outro programa lhes permite ouvir. um trabalho digno este de restaurao da
nossa genuna msica popular. A msica brasileira do passado. honra, pois, ao Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente da emulso de Scott e do Sal de Fruta Eno aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro. [jingle em compasso ternrio, da pasta dental McClean]. E desde agora alertamos
a nossos ouvintes para os trs detalhes meldicos que sero apresentados no concurso Eno de hoje, e que sero
sempre precedidos deste diapaso [trio vocal cantando E, N, O].

APRESENTAO DE CABEA DE PORCO
Almirante: Vai hoje inicialmente o Pessoal da Velha Guarda evocar uma curiosa cena do Rio Antigo, e que ser
de certo lembrada pelos mais velhos. Havia aqui, na rua do Riachuelo, certa casa de cmodos, verdadeira
cidadela, reduto de desordeiros, onde se desenrolavam as cenas mais degradantes, motivo por que choviam as
reclamaes da vizinhana. Era uma enorme moradia coletiva, onde se abrigavam criaturas de toda a espcie, a
nata da ral do tempo, e onde a polcia jamais conseguira penetrar. Era uma verdadeira Canudos encravada na
zona do Senado nesta capital. Um prefeito, porm, Barata Ribeiro, conseguiu destruir o j clebre arraial a que
toda a gente conhecia pela designao popular de Cabea de Porco. Para registrar o fato espetacular que foi a
liquidao da Cabea de Porco, surgiu certa polca cujo autor nunca nos foi possvel descobrir, e que constituiu
legtimo sucesso no seu tempo. Pixinguinha vai apresent-la agora em arranjo especial para O Pessoal da Velha
Guarda. Ateno gente antiga, a vai para que vocs sintam saudades do velho Rio, a Cabea de Porco.

1. CABEA DE PORCO

Locutor: Beber todos bebem, mas preciso que se saiba, para beber bem, preciso ter em casa o Sal de Fruta
Eno, que evita a ressaca. Sal de Fruta Eno. E j que falamos em Eno, ateno: [trio vocal cantando E, N, O].
Aqui est a melodia E, msica de nossos dias no concurso de hoje. O nome certo vale 200 cruzeiros.

[Orquestra toca trecho de um samba]

APRESENTAO DE A MENINA DO SOBRADO
Almirante: Vm agora ao microfone Benedito, Pixinguinha e o Regional para executar mais um encantador
choro de Zequinha Reis, autor de tantas peas repletas de brasileirismo. Esta tem um nome, tem um som de
namoro. Da o nome que recebeu de: A Menina do Sobrado.

2. A MENINA DO SOBRADO

Locutor: A vida lhes sorri depois de uma dose de Sal de Fruta Eno, laxante e anticido estomacal. E no vero, o
Sal de Fruta Eno refresca o organismo. E por falar em Eno, ateno: [trio vocal cantando E, N, O]. Eis aqui a
melodia N, msica de ontem, em nosso concurso de hoje. O nome exato da melodia N vale 300 cruzeiros.

[Orquestra toca trecho de O Teu Cabelo No Nega (Lamartine Babo)]

APRESENTAO DE SERENA
Almirante: Sobre Aurlio Cavalcanti j falamos inmeras vezes nesses programas. Compositor fertilssimo.
Especialista em valsas, Aurlio Cavalcanti fornece-nos sempre motivo de saudade com a lembrana de qualquer
de suas msicas. A vai por exemplo sua valsa intitulada Serena.

3. SERENA

Locutor: Um abuso na comida natural. S no natural que voc passe mal depois deste abuso. Por isso tome
uma dose do Sal de Fruta Eno, que normaliza as funes digestivas. E j que falamos em Eno, ateno: [trio
vocal cantando E, N, O]. Ouam atentamente a melodia O, do nosso concurso de hoje. a msica de
anteontem, cujo nome certo lhes d 500 cruzeiros.

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[orquestra toca trecho a identificar]

APRESENTAO DE NA CASA BRANCA DA SERRA
Almirante: Se h modinha que se possa considerar tradicional no Brasil, esta chamada Na Casa Branca da
Serra, da autoria de Miguel Emdio Pestana, com versos de Guimares Passos. H dezenas de anos que Na
Casa Branca da Serra tem sido ao mesmo tempo do repertrio dos seresteiros de rua como das mais graciosas
senhoritas exibindo-se nos elegantes saraus, j em desuso. com prazer, pois, que O Pessoal da Velha Guarda,
por intermdio do Grupo de Chores, recorda a Casa Branca da Serra.

4. A CASA BRANCA DA SERRA

APRESENTAO DE JURITY
Almirante: Os pssaros do Brasil so freqentemente lembrados pelos compositores, especialmente por aqueles
que escrevem para solos de flauta. Raul Silva, o saudoso Raul Silva, escreveu, entre outros, o choro intitulado
Jurity. Em sua execuo, Benedito se esmera, produzindo em sua flauta curiosssimas imitaes de gorjeios de
arrulos que recordam com fidelidade os pios da conhecida pomba jurity das nossas capoeiras.

5. JURITY

Almirante: No sorteio, ouvintes, que acabamos de fazer das cartas dos concorrentes do ltimo concurso Eno,
saram vencedores os seguintes ouvintes que acertaram os nomes exatos das melodias em questo. A melodia E
era a marcha Pindamonhangaba, msica de hoje, Pindamonhangaba, vai dar 200 cruzeiros a Francisco
Vieira de Arajo de Itatiaia, estado do Rio. A melodia N, msica de ontem, era a marcha Histria do Brasil,
dar 300 cruzeiros a Jos Gonalves Dias, rua 8 de setembro, 95, em Cachambi. Melodia O, msica de
anteontem, era o Vem C, Mulata, prmio de 500 cruzeiros para Clia Xavier Ramos, rua Francisco da Serra,
388, Vrzea, Recife, Pernambuco.

Locutor: Os prmios desse concurso Eno seguem todos pelo correio. E agora, para que vocs possam conferir o
nome das trs melodias e-ene-o, Eno, apresentadas neste programa, vamos repeti-las rapidamente [trio vocal
cantando E, N, O; cada uma das trs msicas no-identificadas repetida pela orquestra].

Envie os nomes das trs msicas do concurso Eno em trs folhas de papel separadas. D-em o nome exato das
msicas, o nome absolutamente exato. O prazo para a chegada das respostas Rdio Tupi at quinta-feira
prxima ao meio-dia. A remessa dos prmios feita pelo correio.

APRESENTAO DE A MULHER DO BODE
Almirante: A respeito da msica que se segue, correm uma srie de histrias, todas elas interessantssimas. Uma
delas, por exemplo, conta que o autor dessa msica, que era o saudoso pianista Cardoso de Menezes, se inspirou
em certo cavalheiro portador de um vistoso cavanhaque e cuja esposa se fazia notar por excelentes atributos
fsicos que logo davam na vista. A histria bem pode ser verdadeira, pois se ajusta perfeitamente ao ttulo que
Cardoso de Menezes deu a sua msica: A Mulher do Bode. Seja como for, a clebre polca das mais
interessantes do repertrio da Velha Guarda, e por isso aqui vai num arranjo de Pixinguinha.

6. A MULHER DO BODE

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da emulso Scott aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

Anncio comercial: Sal de Fruta Eno, laxante ideal apresenta a cano do bom humor!

Tudo azul, tudo bem, tudo calmo e sereno
Ns tomamos sal de fruta, Sal de Fruta Eno
Alegria ao deitar, bom humor ao despertar
Com Sal de Fruta Eno, tudo bem
Cante assim tambm
Em vidros gigantes, grande ou pequeno
Sal de Fruta Eno, Sal de Fruta Eno [bis]

Locutor: Mande suas cartas para os concursos Eno endereando-as Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

200
Vinheta final

Almirante: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi do Rio de Janeiro O Pessoal da Velha Guarda, em
mais uma audio de saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha para o
Pessoal da Velha Guarda, os nmeros de bossa do Grupo dos Chores, os acompanhamentos do Regional de
Benedito Lacerda, o cantor Gilberto Alves e o pianista Lauro Arajo. O locutor foi Carlos Frias. Na prxima
quinta-feira s 20 horas aqui estar novamente O Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno!
201
Programa N 16 em 22-11-1951 (Referncia: 1951a)

Almirante: Boa noite, ouvintes do meu Brasil. Aqui estamos novamente com O Pessoal da Velha Guarda para
mais uma audio revivendo xitos do passado. Este talvez o programa musical mais brasileiro do rdio, pois
nele s entram msicas ou genuinamente brasileiras, ou aclimatadas aqui de tal forma que so consideradas
brasileiras. Honra, pois, ao Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: Depois da farra, depois de noitadas, onde se comeu demais, bebeu demais, fumou demais, tome Eno, e
amanhecer pronto para outra farra. E-N-O.

APRESENTAO DE TEU BEIJO / HILDA
Almirante: Mrio Alves foi um to exmio choro no cavaquinho, que seus amigos acabaram o designando
menos pelo sobrenome do que pelo instrumento. Assim o nome de Mrio Cavaquinho projetou-se pelos tempos
a fora, trazendo at nossos dias a fama e a inspirao daquele modesto executante, que deslumbrava os amigos
com o seu virtuosismo. Mrio Cavaquinho tinha uma memria prodigiosa, e disso deu prova quando um dia,
ouvindo pela primeira vez Ernesto Nazareth executar uma de suas msicas, pegou o seu cavaquinho, e logo aps
comps uma verdadeira parfrase, em que volta e meia perpassavam frases ou lembretes da melodia de
Nazareth. Entre as muitas composies que Mrio Cavaquinho nos deixou, vale ressaltar a polca-choro que ele
intitulouTeu Beijo, que vai aparecer aqui agora pelo Pessoal da Velha Guarda num arranjo de Pixinguinha.

1. TEU BEIJO / HILDA

Locutor: Uma comida boa sempre fcil de comer, mas s vezes difcil de digerir. Ajude a sua digesto com
uma dose do Sal de Fruta Eno digestivo, anticido e laxativo. Sal de Fruta Eno [trio vocal cantando E, N, O].
Quando o diapaso Eno soar novamente fiquem atentos. Logo em seguida sero mostradas as melodias E-N-O
de nosso concurso Eno de hoje. Portanto, lpis, papel e boa memria.

APRESENTAO DE A LMPADA
Almirante: Est aqui uma msica, ouvintes, que vem bem a propsito para os tempos de hoje. Trata-se de uma
valsa de Luiz Gomes da Silva, valsa quase cinqentenria, e que recebeu o nome de A Lmpada. Pela gravura
que se v na parte impressa, ao lado do ttulo v-se que aquela lmpada que inspirou a valsa no foi uma
lmpada como as que ns hoje conhecemos, isto , uma lmpada eltrica, mas sim um legtimo lampio de
querosene dos bons tempos. A msica vem hoje a propsito devido gravssima situao em que se encontra o
Rio de Janeiro, prestes a ficar s escuras com a falta dgua no Ribeiro das Lajes. Tem a Light toda a razo
quando recomenda a economia de luz e de fora. Se no houver um pouco de sacrifcio de todos, todos estaro
depois sofrendo males imprevisveis. Economizem portanto luz e fora. Neste particular, no sejam do contra.
Tomem o Sal de Fruta Eno, e apaguem as luzes desnecessrias. Mas ouvintes, voltemos valsa. Ela aqui vai
como uma homenagem queles que j desencavaram seus velhos lampies de querosene e j esto diminuindo as
possibilidades da calamidade pblica. E quem sabe, ouvintes, se por falta de ajuda dos elementos no tenhamos
todos de voltar aos tempos do lampio de querosene, hein? Por enquanto, vamos ao lampio, por meio da valsa
de Luiz Gomes da Silva executada aqui pelo professor Lauro Arajo.

2. A LMPADA

Locutor: Nada de complicaes, vamos facilitar as coisas. Se a sua digesto no est se processando
normalmente, tome o Sal de Fruta Eno. Toda a digesto fcil quando h Sal de Fruta Eno [trio vocal cantando
E, N, O]. O diapaso Eno soou pela segunda vez no Pessoal da Velha Guarda anunciando as melodias E-N-O
do nosso concurso Eno de hoje. Como sabem, a melodia E, msica de hoje, d um prmio de 200 cruzeiros. A
melodia N, msica de ontem, d um prmio de trezentos cruzeiros, a melodia O, msica de anteontem, d
um prmio de quinhentos cruzeiros. E agora, vamos ver como andam as memrias de vocs. Melodia E
[orquestra toca um samba]. Melodia N [saxofone sola uma valsa acompanhado por piano]. Melodia O [violinos
tocam uma seresta].

Aguardem novamente o diapaso Eno para confirmar as melodias E, Ene, O.

APRESENTAO DE MEU CASAMENTO / OLHOS DE VELUDO
Almirante: A memria dos mais antigos fixou um nmero bastante grande de msicas de seu tempo. Se
pedirmos a algum que j tenha passado dos 50 que nos relembre as msicas que mais o impressionaram em sua
meninice, teremos uma enquete curiosa, revelando a predominncia de certas melodias. Uma msica que
fatalmente h de aparecer em todas as respostas a que se chamou inicialmente Meu Casamento. Seu autor foi
202
um modesto flautista que morreu tragicamente a por 1929 sob as rodas de um trem na estao do Engenho Novo
numa tarde em que se dirigia para casa depois de sair do seu emprego de tecelo na fbrica Confiana de Vila
Isabel. A msica de Pedro Galdino, destinada inicialmente s execuo, recebeu, logo que ganhou
popularidade, uns versos de Gutenberg Cruz. E foram esses versos, ouvintes da Velha Guarda, que a fizeram
chegar ao mximo da fama, difundindo-a por todo o Brasil. E ainda mais, versos que tiveram a influncia
decisiva de mudar inteiramente o seu nome. Pois de Meu Casamento, a schottisch passou a ser conhecida
principalmente por Olhos de Veludo. Olhos de Veludo, de Pedro Galdino, j foi ouvida aqui com os versos.
Agora, para atender a ouvintes, aqui vai ela, em arranjo especial de Pixinguinha para O Pessoal da Velha
Guarda.

3. MEU CASAMENTO

APRESENTAO DE AS BAIANAS
Almirante: Antigamente, em cada lugar, em cada cidade por esse imenso Brasil, iam surgindo canes que, ou
ficavam restritas terra natal, ou se difundiam pelo resto do territrio, levando a outros cantos as belezas
meldicas daqui e dali. Aqui no Rio, por exemplo, os chores e os seresteiros tinham em seu repertrio melodias
do norte ou do sul, que eram sempre indicadas com a evocao respeitosa de seus lugares de origem. Com que
encanto por exemplo eram evocadas aqui modinhas e canes de Pernambuco, do Rio Grande do Sul, de Minas,
da Bahia, etc. Aqui est, como prova, certa modinha que foi encanto de vrias geraes pelo Brasil afora. Ter
mais de 70 anos, e durante todo esse tempo, jamais foi esquecida. Tanto assim que pode ser hoje lembrada aqui
no Pessoal da Velha Guarda. Seu nome As Baianas, e seus autores, da msica Jos de Arago, e dos versos
Tito Lvio.

4. AS BAIANAS

Almirante: Grande interesse, ouvintes, despertou, como sempre, o nosso concurso Eno da semana passada.
Fizemos a costumeira apurao das respostas certas e h pouco realizamos o sorteio, tendo sido premiados os
seguintes ouvintes concorrentes. A melodia E, msica de hoje, era o samba de Haroldo Barbosa No se
Aprende na Escola, que dar 200 cruzeiros a Slvio Mesquita de Souza, rua Pereira Leito, 6, em Turiau, aqui
no Distrito Federal. Este prmio seguir pelo correio. A melodia N, msica de ontem, era o Chiribiribi Qu
Qu, marchinha de Ary Barroso. Prmio de 300 cruzeiros para Jurandir Coelho, rua Sargento de Milcias,
1.176, Pavuna, Distrito Federal. Este prmio seguir pelo correio. A melodia O, msica de anteontem, era o
Fub, samba de Romeu Silva, prmio de 500 cruzeiros para Esprtaco Catani, rua Amazonas 75, Sorocaba,
So Paulo. Tambm este prmio seguir pelo correio.

APRESENTAO DE MORRO DA FAVELA
Aqui vai, ouvintes, agora uma msica que tambm teve sua poca. Pelo ttulo, ningum a reconhecer, mas pela
melodia, ela h de despertar lembranas cheias de encantamento. Ser bom dizer que antes que tal msica
mereceu em seu tempo uns versinhos picarescos que contriburam grandemente para a sua mais rpida
popularidade. Eram quadrinhas que se iniciavam com um versinho, em que se repetia trs vezes o nome peru.
evidente que ns no poderamos nem de longe pensar em recitar aqui qualquer um daqueles versinhos. Mas
tambm certo que muitos ouvintes, ouvindo a melodia, ho de reconstituir integralmente e de memria qualquer
uma daquelas quadrinhas. No h porm nada to inocente como qualquer melodia. Razo por que nada nos
constrange em relembrar aqui a famosa msica. Era uma polca-marcha, e teve a melodia compilada por msicos,
que faziam ento parte de uma orquestra de renome. Eram eles Passos, Borneo e Barnab. A msica se chamou
Morro da Favela e a instrumentao de agora de Pixinguinha para O Pessoa da Velha Guarda.

5. MORRO DA FAVELA

APRESENTAO DE GLRIA
Almirante: H msicas que os nossos ouvintes no se cansam de ouvir. H msicas do passado que ficaram
como marcos no seu gnero, o que equivale imortalidade. Uma dessas foi a valsa escrita pelo Bonfiglio de
Oliveira, o saudoso autor do choro Flamengo, chama-se ela Glria, e recebeu versos de Branca M. Coelho.
Uma carta de Araguari, em Minas, da ouvinte Glria Bacelar nos intima a relembrar aqui a msica que tem o seu
nome. E ns indagamos curiosos, ser ela a Glria da msica de Bonfiglio?

6. GLRIA
Locutor: Tudo em ordem com o Sal de Fruta Eno, intestino, fgado e estmago, tudo em ordem com o Sal de
Fruta Eno [trio vocal cantando E, N, O]. Vamos conferir as melodias E, N, O, do nosso concurso Eno de hoje.
Prmio de 200, 300 e 500 cruzeiros respectivamente para quem acertar os seus nomes exatos. Ateno. Melodia
203
E, msica de hoje, [samba tocada pela orquestra], Melodia N, msica de ontem, [saxofone sola uma valsa
acompanhada de piano], Melodia O, msica de anteontem [violinos tocam uma seresta]. O Pessoal da Velha
Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da Emulso Scott aos ouvintes da Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

Jingle em ritmo de polca:

Eu sou forte, tu s forte
Somos fortes todos ns
Emulso de Scott
Ns gostamos de tomar
No almoo e no jantar
To bom tomar
Emulso de Scott
To bom tomar

Emulso Scott constitui a mais perfeita combinao do melhor leo de fgado de bacalhau com clcio e
fsforo. Emulso de Scott, em todas as pocas e idades. Emulso Scott, o tnico das geraes.

Mandem suas respostas para o concurso Eno numa folha de papel para cada resposta, endereando-as
Rdio Tupi, Rio de Janeiro.

[Vinheta final]

Almirante: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi do Rio de Janeiro O Pessoal da Velha
Guarda em mais uma audio de saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha
para O Pessoal da Velha Guarda, o cantor Alcides Gerardi, o pianista Lauro Arajo, o locutor Luis Brando. Na
prxima quinta-feira, s 20 horas, aqui estar novamente O Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno.
204
Programa N 17 em 13-03-1952 (Referncia: 1952a)

Locutor: Sal de Fruta Eno apresenta O Pessoal da Velha Guarda, um programa para oferecer msicas do Brasil
de ontem e de hoje em arranjos especiais de Pixinguinha para a orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Polcas,
schottischs, valsas, modinhas, choros, enfim, as msicas tradicionais das serenatas aqui aparecero tocadas
tambm por um legtimo grupo de chores, formado de bombardinos, flautas, violes, saxofones e cavaquinhos,
e entoadas por legtimos seresteiros. Tambm aqui vocs tero o trfego saxofone de Pixinguinha, que tambm
dirige o Pessoal da Velha Guarda. Tudo isso ouvintes, organizado pela mais alta patente do rdio.

Almirante: Boa noite, ouvintes do meu Brasil. Aqui, no grandioso teatro-auditrio da Rdio Tupi, j est reunido
o Pessoal da Velha Guarda, emritos professores que relembram semanalmente msicas do passado. Aqui os
ouvintes encontram ainda as informaes mais exatas sobre os autores e as datas de velhas melodias. Honra,
pois, ao Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da Emulso de Scott aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

Jingle em ritmo de foxtrot lento:

Sal de Fruta Eno
Sal de Fruta Eno
Alegria e bem-estar
Tira o mau-humor
laxante de valor
Sal de Fruta Eno
Vamos tomar

No seja do contra, mantenha o seu bom-humor dirio tomando diariamente Sal de Fruta Eno.
Anticido, laxante ideal, alcalinizante eficaz, E-N-O.

Sal de Fruta Eno
Sal de Fruta Eno

Locutor: noite ao deitar e de manh ao levantar, E-N-O.

APRESENTAO DE A MULHER DO BODE
Muitos de nossos ouvintes conheceram pessoalmente vrios daqueles msicos que citamos aqui freqentemente.
Muitos conheceram por exemplo o querido pianista que foi Cardoso de Menezes, cujo virtuosismo dentro de sua
classe foi motivo de admirao no seu tempo. Esta a razo por que recebemos insistentes pedidos de msicas
de Cardoso de Menezes. E a razo por que a vai, pelo Pessoal da Velha Guarda, uma de suas composies mais
conhecidas e mais curiosas. Trata-se de A Mulher do Bode, charge em que o autor fixou certa criatura que
freqentava um de nossos cinemas acompanhada de um cavalheiro de cavanhaque. Querem ouvir esta msica
nesta audio, dois amveis ouvintes do Rio: Raul Queiroz e Pedro Rosa, sendo que este se declara velho
companheiro do saudoso pianista. Pois, ouvintes, a vai num belo arranjo de Pixinguinha: Mulher do Bode de
Cardoso de Menezes.

1. A MULHER DO BODE

Locutor: O vero a est com seus dias quentes sufocantes. Refresque o organismo e mate a sede excessiva com
uma boa dose de Sal de Fruta Eno. Eno laxante ideal, eficiente anticido e alcalinizante saboroso. Mas no
confunda. Sal de Fruta s Eno, E-N-O [trio vocal cantando E, N, O]. Ateno ouvintes da Velha Guarda. O
diapaso Eno vibrou pela primeira vez neste programa. Quando o ouvirem novamente, fiquem atentos, pois logo
em seguida sero mostradas as melodias E-N-O do concurso Eno de hoje. Fiquem atentos.

APRESENTAO DE PERDO EMLIA
Almirante: Entre as velhas e mais plangentes modinhas do Brasil figura a clebre Perdo Emlia, soturna
cantiga que foi furor pelo Brasil afora nos tempos das serenatas. Jamais se apurou quem a escreveu.
Aproveitando-se dessas circunstncias, um cantor paulista apossou-se dela, gravando-a em discos com o seu
nome. uma desfaatez, que foi uma ndoa na decncia da profisso de autor e de cantor nessa terra. Perdo
Emlia, segundo informaes de antigos ouvintes, informaes a que dou curso sem apoiar ou desapoiar, foi
205
composta por um portugus chamado Jos Henriques da Silva, que residiu longo tempo em So Joo da Barra.
Foi escrita h 63 anos, em 1889, quando o seu autor contava 24 anos de idade. Isto, repito, a informao de um
ouvinte que nos deu por carta, e que jamais pudemos apurar. A velha modinha que vai agora para atender ao que
nos pedem D. Jerusa Carvalho e sua irm D. Mariana Carvalho.

2. PERDO EMLIA

Locutor: Cuidado com os alimentos do vero quando a fermentao se d mais facilmente. Previna-se com Sal
de Fruta Eno toda vez que fizer alimentao mais pesada. Eno elimina a priso de ventre, combate a azia e corta
a acidez do estmago. Mas no confunda, Sal de Fruta s Eno. E-N-O [trio vocal cantando E, N, O]. O
diapaso Eno vibrando pela segunda vez no O Pessoal da Velha Guarda anuncia agora as melodias E, msica de
hoje, prmio de 200 cruzeiros, N, msica de ontem, prmio de 300 cruzeiros, e O, msica de anteontem, prmio
de 500 cruzeiros no concurso Eno de hoje. Ateno.

Almirante: Melodia E, msica de hoje [Orquestra toca um samba-cano]
Almirante: Melodia N, msica de ontem [Orquestra toca um samba]
Almirante: Melodia O, msica de anteontem [Orquestra toca um schottisch]

Locutor: Aguardem no final deste programa a confirmao das melodias E-N-O.

APRESENTAO DE PASSINHO DE MOA
Almirante: O encantador ritmo da schottisch volta, como sempre, ao O Pessoal da Velha Guarda para fazer a
delcia de inmeros ouvintes, inclusive e principalmente daquele que a pediu, ou melhor, daquele que pediu
especialmente a que vocs iro ouvir agora. Chama-se o ouvinte Dr. Geraldo de Campos Braga, residente em
Sorocaba. Ele nos pede a delicada schottisch de Henriquinho Dourado, clebre flautim dos velhos tempos, e
inspirado autor dessa Passinho de Moa, preparada em forma brasileirssima pelo Pixinguinha para O Pessoal
da Velha Guarda.

3. PASSINHO DE MOA

Locutor: No h poca para as crianas se fortificarem. Em qualquer tempo as crianas necessitam tratamento
para que se desenvolvam bem com ossos firmes e organismo sadio, evitando resfriados e enfraquecimentos
perigosos. Emulso de Scott, trs colheres ao dia, o remdio indicado. Emulso de Scott rica em vitaminas,
clcio, e fsforo.

APRESENTAO DE EMLIA
Almirante: Inmeras vezes nossos ouvintes se interessam por msicas que exibimos na Velha Guarda e nos
pedem informaes sobre elas, inclusive cpias das mesmas. A esse respeito queremos responder a um pedido de
informaes sobre a linda mazurca Emlia que aqui foi executada no ms passado.Emlia foi uma mazurca
escrita a por 1871 em homenagem grande atriz portuguesa Emlia Adelaide que ento nos visitava.
realmente muito bonita a sua msica, e o nosso ouvinte Maurlio Lefebre, da Estrada de Brs de Pina, 1.539,
aqui na Penha, nos pergunta como pode ouvi-la novamente e como pode conseguir tal msica. Ouvi-la
novamente vai ser fcil, vai ser agora mesmo. Quanto a obter a msica, s se o ouvinte se dispuser a mandar tirar
uma cpia do original rarssimo que possumos. Ao piano, Lauro Arajo.

4. EMLIA

APRESENTAO DE NNIA
Almirante: Cndido das Neves, o ndio, o filho do celebrrimo palhao negro e cantor Eduardo das Neves,
deixou uma legio de admiradores e de fanticos por suas msicas. Especializou-se no tango-cano, e deixou no
gnero exemplares de rara beleza. A maioria de suas msicas foi divulgada na voz preciosa de Vicente
Celestino. E ns aqui estamos agora com Gilberto Alves, o seresteiro da Velha Guarda, para atender ao pedido
da srta. Isabel Ribeiro de Ilhus na Bahia, que deseja ouvir o lindo tango-cano Nnias, que Cndido das
Neves comps h uns 25 anos.

5. NNIA

Almirante: Como sempre, foi grande o nmero de cartas que recebemos para o concurso Eno da semana passada.
Como sabem, aqui em pleno teatro-auditrio, feito o sorteio entre as cartas cujas respostas vieram certas, e aqui
ns podemos anunciar hoje o seguinte: a msica de hoje na semana passada, a melodia E, era o samba Uma
206
Loura, que vai dar o prmio de 200 cruzeiros ouvinte Nilva Ferreira Leita, rua Marechal Falco da Frota 299
no Realengo.

Locutor: Este prmio seguir pelo correio.

Almirante: A melodia N na semana passada, msica de ontem, era o samba Mangueira, que vai dar um
prmio de 300 cruzeiros Leci Carracena, Rua Bela Floresta, 10, em Mag, no estado do Rio.

Locutor: Este prmio seguir pelo correio.

Almirante: A melodia O, a msica de anteontem, na semana passada, foi o tango Do sorriso da mulher
nasceram as flores, que vai dar um prmio de 500 cruzeiros ouvinte aqui do Rio, de Santa Teresa, que nos
mandou um telegrama, sem nos mandar o seu endereo. O telegrama diz Ina, mas talvez seja In Pimentel
tambm. Pedimos Ina, ou In Pimentel, que nos mande o seu endereo porque este prmio, como sabem, segue
pelo correio tambm.

APRESENTAO DE DA URCA AO PO DE ACAR
Os ouvintes da Velha Guarda manifestam uma preferncia especial pelas msicas que registram episdios do
passado, e que fazem meno a coisas desta cidade. este por exemplo o caso de uma alegre polca chamada Da
Urca ao Po de Acar, que foi escrita em 1913 para comemorar a inaugurao do famoso bondinho do Po de
Acar. Vamos agora, para atender a pedidos de D. Jesuna Gonalves, de Iraj, faz-la ouvir pelo Pessoal da
Velha Guarda, o arranjo de Pixinguinha sobre a gostosa polca de Amadeu Taborda Da Urca ao Po de Acar.

6. DA URCA AO PO DE ACAR

Locutor: Refresque o organismo, neutralize a acidez, limpe o intestino com Sal de Fruta Eno. No sendo em
vidros no o legtimo Sal de Fruta Eno.

Jingle em ritmo de foxtrot:

Vivo no trabalho noite e dia sem parar
Tome Emulso de Scott
Na escola eu dou um duro mesmo de amargar
Tome Emulso de Scott

Na anemia profunda, nas convalescenas, Emulso de Scott rica em vitaminas, clcio e fsforo.

Quem trabalha muito, ou faz bastante esporte
Criana ou velho ou moo, precisa ser mais forte
Tome emulso de Scott, tome emulso de Scott

Locutor: Mandem suas cartas para o concurso Eno. Uma folha de papel para cada resposta
endereando-as Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

[Vinheta final]

Almirante: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi do Rio de Janeiro O Pessoal da Velha Guarda em mais
uma audio de saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha para O Pessoal da
Velha Guarda, os acompanhamentos do regional de Rogrio Guimares, cantor Gilberto Alves, pianista Lauro
Arajo e locutor Luiz Brando. Na prxima quinta-feira, s 20 horas, aqui estar novamente O Pessoal da Velha
Guarda.

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno.
207
Programa N 18 em 20-3-1952 (Referncia: 1952b)

Locutor: Sal de Fruta Eno apresenta O Pessoal da Velha Guarda, um programa para oferecer msicas do Brasil
de ontem e de hoje em arranjos especiais de Pixinguinha para a orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Polcas,
schottischs, valsas, modinhas, choros, enfim, as msicas tradicionais das serenatas aqui aparecero tocadas
tambm por um legtimo grupo de chores, formado de bombardinos, flautas, violes, saxofones e cavaquinhos,
e entoadas por legtimos seresteiros. Tambm aqui vocs tero o trfego saxofone de Pixinguinha, que tambm
dirige o Pessoal da Velha Guarda. Tudo isso ouvintes, organizado pela mais alta Patente do Rdio!

Almirante: Boa noite, ouvintes do meu Brasil. O Pessoal da Velha Guarda est reunido aqui no magnfico teatro-
auditrio da rdio Tupi para mais uma audio de saudades relembrando grandes sucessos musicais brasileiros
do passado. Desenvolve-se aqui um trabalho digno em prol da restaurao da legtima msica popular brasileira.
Honra pois ao Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da Emulso de Scott aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

Jingle em ritmo de foxtrote lento:

Sal de Fruta Eno
Sal de Fruta Eno
Alegria e bem-estar
Tira o mau-humor
laxante de valor
Sal de Fruta Eno
Vamos tomar

Locutor: No seja do contra, mantenha o seu bom-humor dirio tomando diariamente Sal de Fruta Eno.
Anticido, laxante ideal, alcalinizante eficaz, E-N-O.

Sal de Fruta Eno
Sal de Fruta Eno

Locutor: noite ao deitar e de manh ao levantar, E-N-O.

APRESENTAO DE FLOR DO ABACATE
Almirante: Agora que adotamos aqui nO Pessoal da Velha Guarda o sistema de atender a quaisquer pedidos de
nossos ouvintes, podemos avaliar perfeitamente a decidida preferncia que h por certas msicas. Uma das que
so mais pedidas a mais que famosa Flor do Abacate, de lvaro Sandim. lvaro Sandim foi um trombonista
de mrito. E por esse razo, como uma homenagem ao autor, que Pixinguinha entregou partes destacadas desse
arranjo que escreveu aos trombones da Velha Guarda. Flor do Abacate aqui vai agora, por insistentes pedidos
de ouvintes, entre os quais queremos citar D. Almerinda Rocha, Cel. Artur Borges, Dr. Ricardo Stutz, Mrio
Mendona e Helosa Fonseca, aqui do Rio.

1. FLOR DO ABACATE

Locutor: Nos dias de calor que se d o verdadeiro valor ao Sal de Fruta Eno. Uma dose de Sal de Fruta Eno
refresca o organismo, neutraliza a acidez, facilita a digesto. Sal de Fruta Eno! [trio vocal cantando E, N, O].
Fiquem atentos, ouvintes. Dentro de alguns instantes soar novamente o diapaso Eno anunciando as melodias
E-N-O do concurso Eno de hoje.

APRESENTAO DE ORAO
Almirante: J l se vo uns vinte e poucos anos desde que toda esta cidade vivia no encantamento de certa
msica muito dolente com tonalidades msticas que trazia as assinaturas de Oswaldo Cardoso de Menezes e de
Zeca Ivo. Tratava-se de um tango-cano que recebeu o nome de Orao. E que aqui vai agora atendendo a
pedidos de Luiz Batista de Vitria no Espirtio Santo.

2. ORAO

208
Locutor: No vero os alimentos fermentam mais facilmente, e por isso a sua digesto se faz mais dificilmente.
Tome o Sal de Fruta Eno portanto toda vez que fizer alimentao mais pesada. Eno elimina a priso de ventre,
combate a azia e corta a acidez no estmago. Eno, Sal de Fruta Eno [trio vocal cantando E, N, O]. Ateno,
ouvintes, vamos agora s melodias do concurso Eno de hoje.

Almirante: Melodia E, msica de hoje, prmio de 200 cruzeiros. [Orquestra toca um samba-cano]

Almirante: Melodia N, msica de ontem, prmio de 300 cruzeiros. [Saxofone sola uma melodia,
acompanhado de piano]

Almirante: Melodia O, msica de anteontem, prmio de 500 cruzeiros. [Orquestra toca uma valsa
lenta]

APRESENTAO DE SALVE O SOL
Almirante: Uma ouvinte que se indica somente pelas iniciais I.N.O., de Salvador na Bahia, pede-nos
encarecidamente uma schottisch qualquer. Pare ela, tal a delicadeza do gnero, que a bem dizer pouco lhe
importa a melodia. O ritmo por si de tal modo encantador que embeleza qualquer melodia que nele se apie.
Diante de tais argumentos, coube-nos a tarefa de escolher uma schottisch pra satisfazer curiosa ouvinte. E a
escolha recaiu sobre uma linda melodia de Eduardinho Violo, que Pixinguinha instrumentou pro O Pessoal da
Velha Guarda. Chama-se ela Salve o Sol, e aqui vai como um presente para I.N.O.

3. SALVE O SOL

Locutor: Sade nas crianas alegria no lar. Trs colheres de Emulso de Scott diariamente e se assegura a
sade, evitando resfriados constantes. Emulso de Scott fortifica por nutrio. a mais completa combinao do
leo de fgado de bacalhau, com clcio e fsforo.

APRESENTAO DE O GS VIROU LAMPARINA
Almirante: Nosso bom amigo Jesuno Barbosa de Belo Horizonte, entre as msicas que nos enviou, o que
agradecemos bastante, mandou uma polca de nome O gs virou lamparina. Talvez ele mesmo, o ouvinte
Jesuno Barbosa, que encontrou a msica em velhos guardados de sua av, no conhea o que de pitoresco l se
encontra escondido no ttulo extico da polca O gs virou lamparina. Ns porm que rebuscamos curiosidades
do passado, podemos oferecer aos ouvintes a verdadeira histria do intrigante ttulo. A histria remonta aos
tempos em que o benemrito Baro de Mau tomava a seu cargo a empreitada de dotar o Rio de Janeiro da
iluminao a gs. O servio que se inaugurou a 25 de maro de 1854, h 98 anos, portanto, apresentava suas
naturais deficincias. Coincidiu que naquele tempo andava entre ns certa cantora lrica chamada Casaloni, cujos
mritos vocais se tornaram muito discutidos. A insuficincia do gs dera motivo a uma frase de crtica: o gs
virou lamparina. E foi essa frase que se misturou aos comentrios, que em quadrinhas gaiatas o povo fazia da
cantora. Eis aqui as quadrinhas:

O canto da Casaloni at nos produz runa
Ela a causa por que o gs virou lamparina
Se a senhora Casaloni do teatro a mais fina
Pra mal do povo tambm o gs virou lamparina
S se fala em duas coisas mesmo em qualquer esquina
Canta mal a Casaloni, o gs virou lamparina

A est, pois, ouvintes a curiosa histria dessa msica-vov de quase 100 anos, que O Pessoal da Velha
Guarda vai reviver agora no piano de Lauro Arajo: O Gs virou Lamparina.

4. O GS VIROU LAMPARINA

APRESENTAO DE CLLIA
Almirante: com prazer que anunciamos agora, ouvintes, outro nmero que vai ser repetido para atender a
pedidos. Isto prova quantos ouvintes se interessam pela Velha Guarda. Luclia Prazeres de Assis, moradora do
Engenho Novo no Distrito Federal, pede-nos a imortal valsa Cllia de Luiz de Souza e Catulo. Pois a vai.

5. CLLIA

209
Almirante: Como sabem os ouvintes, fazemos aqui em pleno teatro-auditrio o sorteio das cartas que vm para
os concursos E-N-O de cada semana. Na semana passada foram trs msicas propostas aqui nesse programa. E
vamos dar aqui o resultado, segundo o sorteio feito das cartas certas aqui no teatro-auditrio. A ouvinte Maria
Aparecida Giliano, da rua Baro de Ponte Alta n 10, em Uberaba, foi das que acertaram na melodia E, cuja
msica era Meu Sonho Voc. Vai receber o prmio de 200 cruzeiros. O ouvinte Amadeu Henrique, da rua
Coronel Madeira n 103, em So Jos dos Campos, do estado de So Paulo, foi dos que acertaram o nome certo
da melodia N, msica de ontem, que era o samba Menina que Tem uma Pose, e a ouvinte Laurivalda Duarte
Moreira, da Praa Alfredo Mono, em Marab, no estado do Par foi das que acertaram na melodia O, na
msica de anteontem, que era a velha schottisch Quisera Amar-te, tambm chamada Elvira.

Locutor: Os prmios seguiro pelo correio.

APRESENTAO DE VOU ANDANDO
Almirante: Pixinguinha, ouvintes, o mais brasileiro dos msicos brasileiros, um dos rarssimos instrumentadores
que conservam pureza e brasilidade em seus trabalhos, o autor de nmeros em que no sabemos o que mais
admirar, se a fora da inspirao meldica, se a graa da trama instrumental. Os ouvintes da Velha Guarda no
ficam indiferentes a essas qualidades, tanto que nos pedem sempre msicas do grande Pixinga. Vamos atender
agora a Joo Losada, antigo contrabaixista e choro do Rio, e a Ricardo M. de Souza, da cidade de Castro, no
Paran, fazendo executar pelo Pessoal da Velha Guarda sob a batuta do prprio Pixinguinha, a sua alegre polca
Vou Andando.

6. VOU ANDANDO

Locutor: Refresque o organismo, neutralize a acidez, limpe o intestino com o Sal de Fruta Eno. No sendo em
vidros, no o legtimo Sal de Fruta Eno.

Jingle em ritmo de foxtrot:

Vivo no trabalho noite e dia sem parar
Tome Emulso de Scott
Na escola eu dou um duro mesmo de amargar
Tome Emulso de Scott

Locutor: Na anemia profunda, nas convalescenas, Emulso de Scott rica em vitaminas, clcio e
fsforo.

Quem trabalha muito, ou faz bastante esporte
Criana ou velho ou moo, precisa ser mais forte
Tome emulso de Scott, tome emulso de Scott

Locutor: mandem suas cartas para o concurso Eno, uma folha de papel para cada resposta,
endereando-as Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

[Vinheta final]

Almirante: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi do Rio de Janeiro O Pessoal da Velha Guarda em mais
uma audio de saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha para O Pessoal da
Velha Guarda. Os acompanhamentos do Regional de Rogrio Guimares, cantor Gilberto Alves, pianista Lauro
Arajo, locutor Luiz Brando. Na prxima quinta-feira s 20 h, aqui estar novamente O Pessoal da Velha
Guarda.

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno.
210
Programa N 19 em 27-3-1952 (Referncia: 1952c)

Locutor: Sal de Fruta Eno apresenta O Pessoal da Velha Guarda, um programa para oferecer msicas do Brasil
de ontem e de hoje em arranjos especiais de Pixinguinha para a orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Polcas,
schottischs, valsas, modinhas, choros, enfim, as msicas tradicionais das serenatas aqui aparecero tocadas
tambm por um legtimo grupo de chores, formado de bombardinos, flautas, violes, saxofones e cavaquinhos,
e entoadas por legtimos seresteiros. Tambm aqui vocs tero o trfego saxofone de Pixinguinha, que tambm
dirige o Pessoal da Velha Guarda. Tudo isso ouvintes, organizado pela mais alta patente do rdio!

ABERTURA
Almirante: Boa noite, ouvintes do meu Brasil. O Pessoal da Velha Guarda rene-se mais uma vez aqui no
grandioso teatro-auditrio da Rdio Tupi para recordar msicas de sucesso dos velhos tempos. Assim fazendo
est colaborando para a divulgao nos tempos de agora de msicas que so o que h de mais brasileiro, e
fornecendo ao mesmo tempo informaes preciosas sobre autores e datas. Honra pois ao Pessoal da Velha
Guarda.

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da Emulso de Scott aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

Jingle em ritmo de foxtrote lento:

Sal de Fruta Eno
Sal de Fruta Eno
Alegria e bem-estar
Tira o mau-humor
laxante de valor
Sal de Fruta Eno
Vamos tomar

Locutor: No seja do contra, mantenha o bom-humor dirio tomando diariamente Sal de Fruta Eno.
Anticido, laxante ideal, alcalinizante eficaz, E-N-O.

Sal de Fruta Eno
Sal de Fruta Eno

Locutor: noite ao deitar e de manh ao levantar, E-N-O.

APRESENTAO DE AI, AI
Almirante: Este programa, pelo que podemos verificar por nossa correspondncia, muito ouvido em Minas
Gerais. H ali nas Minas Gerais ouvintes atentos a essas audies. Naturalmente h de ser pra eles uma alegria
maior sempre que exibimos aqui melodias de seus conterrneos. Minas Gerais na verdade est muito bem
representada na Velha Guarda. E como boa prova disso, aqui vai para os mineiros e em ateno especial ao
pedido de D. Honorina dos Passos Miranda, da cidade de Campanha, no sul de Minas, uma delicada polca que o
compositor mineiro Valrio Vieira dedicou s moas de sua terra. A msica tem um som de um suspiro de amor.
E para lhe acrescentar tal inteno, Valrio Vieira, numa pausa, introduziu um suspiro falado , um Ai, ai. Um
Ai, ai sentido, que foi servir tambm para dar nome sua msica. Ateno, pois, ouvintes da Velha Guarda, e
suspirem conosco durante este lindo arranjo de Pixinguinha para a polca Ai, Ai de Valrio Vieira.

1. AI, AI

Locutor: Quer o tempo seja frio ou quente, comida pesada faz sempre mal gente. E se voc abusar dos
alimentos pesados, no se esquea do Sal de Fruta Eno para recuperar o bem-estar. Sal de Fruta Eno, anticido
saboroso, refrescante e laxativo [trio vocal cantando E, N, O]. Quando soar novamente o diapaso Eno fiquem
atentos, pois logo em seguida apresentaremos as melodias E-N-O do concurso Eno de hoje.

APRESENTAO DE NO QUERO MAIS TEUS BEIJOS / SUPPLICATION
Almirante: Durante muito tempo, aqueles que se interessavam pelas coisas de msica neste Rio de Janeiro
tiveram a impresso, e quase a certeza, de que certa msica era puramente brasileira. que todos a conheciam
simplesmente pelo ttulo brasileirssimo de No quero mais teus beijos. A verdade porm que a linda valsa,
pois que era uma valsa, que no Brasil se tornara conhecida por tal nome, tinha na Inglaterra o seu pas de origem,
211
e o expressivo nome de Splica (Supplication). Era no tempo em que o gnero chamado valsa Boston
alcanava grande popularidade, e Supplication, alm de ser divulgada pelos pianos passou tambm a ser
preferida pelos chores, que repetiam pelas ruas afora, nas noites de lua, os sentidos versos que um poeta
annimo adaptara sua linda melodia. Como pouqussimos foram os que souberam que tal msica era da autoria
de um tal de A. Paans, a msica passou a ser considerada brasileira. E tanto assim, que ainda agora quando a
nossa ouvinte Maria Rosa de Cerqueira, de Copacabana, nos pede a No quero mais teus beijos, faz meno
em sua carta linda valsa brasileira. A valsa porm, ouvintes, inglesa.* Os versos sim so brasileiros. Mas ela
a vai.

2. NO QUERO MAIS TEUS BEIJOS / SUPPLICATION

Locutor: Uma roupa leve refresca o corpo. Sal de Fruta Eno refresca o organismo. No calor, de vez em quando,
tome uma dose de Sal de Fruta Eno. Alm de refrescar, combate a fermentao dos alimentos, laxa suavemente,
evita a acidez. Sal de Fruta Eno! [trio vocal cantando E, N, O]. Ateno, ouvintes, vamos agora s melodias do
concurso Eno de hoje.

Almirante: Melodia E, msica de hoje, prmio de 200 cruzeiros. [Clarineta sola uma pea lenta
acompanhada de piano]

Almirante: Melodia N, msica de ontem, prmio de 300 cruzeiros. [Naipe de violinos sola um tango
lento acompanhado de piano]

Almirante: Melodia O, msica de anteontem, prmio de 500 cruzeiros. [Flauta sola a valsa Primeiro
Amor de Pattapio Silva, acompanhada de piano]

APRESENTAO DE IMPLORANDO
Almirante: Tnhamos razo quando dissemos aqui na semana passada que os ouvintes tinham decidida
predileo pelas schottischs. A afirmativa se comprova depois de cada um desses programas. que so sem
conta os ouvintes que nos telefonam mostrando o seu entusiasmo pelas schottischs que aqui so apresentadas.
Toca agora a vez de ser atendido o ouvinte Rubem Grilo, da rua Miguel Ferreira, 128, na Penha, que nos pede
encarecidamente para ser executada aqui a mais que linda schottisch Implorando, de Anacleto de Medeiros, da
qual Pixinguinha escreveu este lindo arranjo para a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda.

3. IMPLORANDO

Locutor: Sade nas crianas e alegria no lar. Trs colheres de Emulso de Scott diariamente e se
assegura a sade, evitando resfriados constantes. Emulso de Scott fortifica por nutrio. a mais completa
combinao do leo de fgado de bacalhau, com clcio e fsforo.

APRESENTAO DE AMOR TEM GELO
Almirante: O Pessoal da Velha Guarda vai poder agora exibir pros seus ouvintes uma legtima curiosidade
musical. Trata-se nada mais nada menos do que uma habanera. Provavelmente o nome habanera esteja
imediatamente fazendo com que vocs lembrem da mais clebre de todas as habaneras, que hoje em dia, sem
dvida, a que aparece na famosa pera Carmen de Bizet. A incluso de tal gnero na pera perfeitamente
justificvel. que sendo de origem espanhola, por ser proveniente de Havana, de Cuba, o gnero musical era
bem apropriado para dar cor local a uma das cenas da pera. Habanera foi um gnero musical muito do gosto do
nosso povo tambm. Foi mesmo ancestral do tango brasileiro, e portanto do nosso atual samba. Pois desse
gnero de tal importncia para a nossa formao musical que O Pessoal da Velha Guarda vai dar agora um bom
exemplo. Aqui vai para vocs uma habanera chamada Amor Tem Gelo, escrita por Miguel A. de Vasconcelos
em resposta a uma outra msica chamada Amor Tem Fogo. Vamos ouvi-la no piano de Lauro Arajo.

4. AMOR TEM GELO

APRESENTAO DE ELVIRA / QUISERA AMAR-TE
Almirante: O Pessoal da Velha Guarda atende agora aos pedidos de Carlos Barreto e D. Maria de Brito, que
desejam ouvir msica que tanto ouviram no passado. Trata-se da triste schottisch Quisera amar-te, to velha
que j mais ningum sabe o seu ou os seus autores. Quisera amar-te, tambm chamada Elvira, foi o cavalo
de batalha de inmeros seresteiros, e hoje revive aqui nO Pessoal da Velha Guarda.

5. ELVIRA
212

Almirante: Aqui, ouvintes, em pleno teatro-auditrio foi feito agora o sorteio das cartas que trouxeram as
respostas certas para o concurso Eno da semana passada. Vamos dar aqui o resultado das cartas sorteadas aqui
no nosso auditrio. A melodia E da semana passada era o samba Nunca, que vai dar um prmio de 200
cruzeiros a M.M. Leite, da rua Baronesa de Goytacazes, 25, em Barreto, Niteri, no estado do Rio. Acertou a
melodia E. A melodia N, muitos acertaram, era a Flor do Asfalto, mas foi sorteada aqui no auditrio a carta de
Joo de Deus do Nascimento, rua Regente Feij, 54, 2 andar, aqui no centro, no Distrito Federal. Este vai
receber o prmio de 300 cruzeiros. A melodia O, tambm muitos acertaram, mas foi sorteada aqui no auditrio a
carta que trazia como certo o nome de Na casa branca da serra, e que era de Castorina Fonseca Frana, rua
Capito Sena 52, Praia Formosa, Distrito Federal. Muitos evidentemente acertam nos nomes dessas melodias,
mas ns fazemos aqui no auditrio o sorteio e anunciamos assim publicamente aqueles que so vencedores e
cujos prmios...

Locutor: ...seguiro pelo correio.

APRESENTAO DE I MORETTI
Almirante: Qualquer ouvinte pode agora pedir qualquer msica ao Pessoal da Velha Guarda, que O Pessoal da
Velha Guarda atende logo. Como podem ter notado, estes ltimos programas tm sido feitos todos a base de
msicas pedidas pelos nossos amveis ouvintes. Agora, por exemplo, vamos atender ao que nos pede o Dr.
Grson de Matos, de Catanduva, em So Paulo, que faz questo de ouvir aqui, como diz ele na carta, para
recordar os tempos em que andei pelo Rio de Janeiro estudando, isto a por 1907 ou 8, para recordar portanto a
alegre polca-marcha de Cesare Bonafous chamada I Moretti. A postos Pixinguinha e o Pessoal da Velha
Guarda.

6. I MORETTI

Locutor: Refresque o organismo, neutralize a acidez, limpe o intestino com o Sal de Fruta Eno. No
sendo em vidros, no o legtimo Sal de Fruta Eno.

Jingle em ritmo de foxtrot:

Vivo no trabalho noite e dia sem parar
Tome Emulso de Scott
Na escola eu dou um duro mesmo de amargar
Tome Emulso de Scott

Locutor: Na anemia profunda, nas convalescenas, Emulso de Scott rica em vitaminas, clcio e
fsforo.

Quem trabalha muito, ou faz bastante esporte
Criana ou velho ou moo, precisa ser mais forte
Tome emulso de Scott, tome emulso de Scott

Locutor: Mandem suas cartas para o concurso Eno, uma folha de papel para cada resposta,
endereando-as Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

[Vinheta final]

Almirante: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi do Rio de Janeiro O Pessoal da Velha
Guarda em mais uma audio de saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha
para O Pessoal da Velha Guarda. Os acompanhamentos do Regional de Rogrio Guimares, cantor Gilberto
Alves, pianista Lauro Arajo, locutor Luiz Brando. Na prxima quinta-feira s 20 h, aqui estar novamente O
Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno.
213
Programa N 20 em 29-5-1952 (Referncia: 1952d)

Locutor: Sal de Fruta Eno apresenta O Pessoal da Velha Guarda, um programa para oferecer msicas do Brasil
de ontem e de hoje em arranjos especiais de Pixinguinha para a orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Polcas,
schottischs, valsas, modinhas, choros, enfim, as msicas tradicionais das serenatas aqui aparecero tocadas
tambm por um legtimo grupo de chores, formado de bombardinos, flautas, violes, saxofones e cavaquinhos,
e entoadas por legtimos seresteiros. Tambm aqui vocs tero o trfego saxofone de Pixinguinha, que tambm
dirige o Pessoal da Velha Guarda. Tudo isso ouvintes, organizado pela mais alta patente do rdio! Apresentao
de Carlos Frias.

Apresentador Carlos Frias: Boa noite, ouvintes de todo o Brsil. Mais uma vez est aqui reunido O Pessoal da
Velha Guarda para mais uma audio de lembranas e de brasileirismos. Ainda desta vez no temos a presena
de Almirante, que continua a servio das associadas na Bahia. Mas aqui temos o maestro Pixinguinha, que nos
conduzir pelos caminhos musicais dos velhos tempos, revivendo antigos sucessos musicais. Honra pois ao O
Pessoal da Velha Guarda.

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da Emulso de Scott aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

APRESENTAO DE ODALISCA
Apresentador Carlos Frias: O Pessoal da Velha Guarda prossegue no seu intuito de atender grande multido de
ouvintes que nos escrevem pedindo esta ou aquela msica de tempos que j vo longe. Explica-se esta grande
afluncia de pedidos pelo fato de que nada como a msica se liga to intimamente aos nossos instantes felizes.
Quanta recordao no h de trazer, por exemplo, ao Sr. Cludio A. Viegas de Pirapora esta polca de Felisberto
Marques, que ele nos pede para ser executada pelo Pessoal da Velha Guarda. A polca Odalisca.

1. ODALISCA

Locutor: Vamos resolver o seu caso. Tome uma dose do Sal de Fruta Eno e ver como sua digesto se processar
normalmente. Sal de Fruta Eno. No confunda, Sal de Fruta s Eno. E-N-O [trio vocal cantando E, N, O].
Ouvintes, este o diapaso Eno. Quando ele soar novamente, estar anunciando as melodias E, N, O do nosso
concurso Eno de hoje. Portanto, fiquem atentos.

APRESENTAO DE AI, MARIA!
Carlos Frias: H muito tempo atrs andou em grande moda aqui no Brasil certa cano, valsa italiana de Di
Capua, que logo recebeu versos de um poeta cujo nome no pudemos apurar ainda. Carlos de Andrade, que nos
escreveu pedindo que fosse exibida aqui a msica, tambm no esclareceu o nome do autor dos versos
brasileiros, embora se referisse ao autor da melodia, que Di Capua. Mas aqui est o grupo dos chores para
relembrar a clebre Ai, Maria.

2. AI, MARIA!

Locutor: Coma bem, beba bem, e depois digira bem como Sal de Fruta Eno. No h digesto difcil quando h
Sal de Fruta Eno para facilit-la. Sal de Fruta Eno! [trio vocal cantando E, N, O]. Fiquem bem atentos s
melodias do concurso Eno de hoje. Lpis e papel na mo, e toda ateno. Vai haver dinheiro. Melodia E,
msica de hoje, prmio de 200 cruzeiros.

[Naipe de violinos toca uma valsa acompanhado de piano]

Locutor: Melodia N, msica de ontem, prmio de 300 cruzeiros.

[Orquestra toca um maxixe]

Locutor: Melodia O, msica de anteontem, prmio de 500 cruzeiros.

[piano toca O Despertar da Montanha]

Locutor: Escrevam o nome de cada uma dessas melodias numa folha separada e enviem suas cartas
para Almirante- Concurso Eno - Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

214
APRESENTAO DE VALE TUDO
Apresentador Carlos Frias: Vamos atender a mais um pedido aqui dos ouvintes da Velha Guarda. Trata-se do Sr.
Lcio de Alcntara, residente da Tijuca, que nos pede o choro de Jacob Bittencourt Vale Tudo. Vamos atend-
lo mostrando Vale Tudo num arranjo muito especial do maestro Pixinguinha.

3. VALE TUDO

Locutor: A Emulso de Scott faz desenvolver as crianas dando-lhes dentes sos e ossos fortes. Emulso de
Scott vitaminiza e calcifica. Emulso de Scott constitui a mais perfeita combinao do melhor leo de fgado de
bacalhau com clcio e fsforo. Adquira hoje mesmo um vidro de Emulso de Scott.

APRESENTAO DE CRUZES, MINHA PRIMA!
Carlos Frias: No so raros os casos de ouvintes que nos mandam partes de msicas pedindo que sejam elas
executadas no Pessoal da Velha Guarda. E isto muito bom, porque h de aparecer msicas que no tenhamos
no arquivo da Velha Guarda. Assim, porm, no aconteceu com o ouvinte Antonio Carlos da Silva, que nos
enviou a parte de piano de Cruzes, Minha Prima!, uma polca de Joaquim Antonio da Silva Callado. Esta polca
j estava devidamente fichada em nosso arquivo sob o nmero 8.820. Mas nem por isso vamos deixar de ouvi-la,
atendendo assim ao nosso amigo. A vai Cruzes, Minha Prima! no piano do professor Lauro Arajo.

4. CRUZES, MINHA PRIMA!

Apresentador Carlos Frias: Na presena do pblico aqui presente foi feito agora o sorteio das cartas remetidas
para o concurso Eno da semana passada. Saram vencedores os seguintes concorrentes. A melodia E, msica de
hoje, era o baio Maria da P Virada. Prmio de 200 cruzeiros para Paulino Ceares, rua Manoel Vitorino,
511, fundos, na Piedade, nesta capital. A melodia N, msica de ontem, era o samba Iia, Fruta de Conde.
Prmio de 300 cruzeiros para Jos Ascenso Reqena. No estamos muito certos da ltima assinatura, da Fbrica
Santa Roslia, em Sorocaba, So Paulo. E finalmente, a melodia O, msica de anteontem, era a cano A
Malandrinha, prmio de 500 cruzeiros para Tiers Venceslau Rocha, rua So Rafael,138, fundos, Belo
Horizonte.

Locutor: Os prmios do concurso Eno seguem todos pelo correio enviados pela Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

APRESENTAO DE CANO DE CAIUBY
Carlos Frias: A entre os nossos, ouvintes, muitos ho de se lembrar de uma burleta que fez muito sucesso em
nossos teatros: Cabocla Bonita. Nessa burleta aparecia uma cano de Marques Porto, Ary Pavo e S Pereira
chamada Cano de Caiuby. O nosso ouvinte Pedro Cardoso vai ficar satisfeito ouvindo a Cano de Caiuby
nesta passagem do Grupo dos Chores.

5. CANO DE CAIUBY

Locutor: Uma noite perdida na farra no deve importar num dia tambm perdido. Recupere a boa disposio
tomando logo ao amanhecer uma dose do Sal de Fruta Eno.

APRESENTAO DE SUBINDO AO CU
Apresentador Carlos Frias: Muita razo teve o Sr. Salviano Pereira, que nos escreveu dizendo que desejava ouvir
pelo Pessoal da Velha Guarda uma das valsas mais bonitas que ele conhece. E menciona ento o nome de
Subindo ao Cu, valsa de Aristides Borges. Vamos satisfazer a esse nosso amigo cedendo a vez ao Pessoal da
Velha Guarda para que seja executada em arranjo de Pixinguinha a famosa Subindo ao Cu.

6. SUBINDO AO CU

Locutor: O Pessoal da Velha Guarda um presente do Sal de Fruta Eno e da Emulso de Scott aos ouvintes da
Rdio Tupi do Rio de Janeiro.

Jingle em ritmo de foxtrot:

Vivo no trabalho noite e dia sem parar
Tome Emulso de Scott
Na escola eu dou um duro mesmo de amargar
Tome Emulso de Scott
215

Locutor: Na anemia profunda, nas convalescenas, Emulso de Scott rica em vitaminas, clcio e fsforo.

Quem trabalha muito, ou faz bastante esporte
Criana ou velho ou moo, precisa ser mais forte
Tome emulso de Scott, tome emulso de Scott

Locutor: Mandem suas cartas para o concurso Eno. Uma folha de papel para o nome de cada melodia.

[Vinheta final]

Apresentador Carlos Frias: E aqui se despede dos ouvintes da Rdio Tupi O Pessoal da Velha Guarda em mais
uma audio de saudades. Na noite de hoje vocs tiveram os arranjos especiais de Pixinguinha para O Pessoal da
Velha Guarda, os acompanhamentos do regional de Rogrio Guimares, o cantor Ernani Filho, o pianista Lauro
Arajo, o locutor foi Luiz Brando. Na prxima quinta-feira s 20h aqui estar novamente O Pessoal da Velha
Guarda..

Locutor: E novamente oferecido pelo Sal de Fruta Eno.

[Trmino da vinheta final]
216
ANEXO 3 ROTEIROS DE PROGRAMAS O PESSOAL DA VELHA GUARDA,
CARTAS, RECORTE DE JORNAL, PARTITURAS E FOTOS

Figura 1 - Roteiro de uma audio O pessoal da velha guarda (plano geral)


217
Figura 2 Roteiro da audio inaugural do O pessoal da velha guarda em 19 de maro de
1947 (prefixo)



218
Figura 3 Roteiro de uma audio O pessoal da velha guarda (abertura)


219
Figura 4 Roteiro de uma audio O pessoal da velha guarda (apresentao de nmero
musical)


220

Figura 5 Carta de rico Verssimo a Almirante em 23 de junho de 1950


221
Figura 6 Carta do ouvinte Gaspar Melo Rdio Tupi em 24 de maro de 1950


222
Figura 7 Recorte de jornal divulgando o programa O pessoal da velha guarda






223
Figura 8 Partitura de Flor de Liz, de Ccero Telles de Menezes. Copista: Candinho Silva




224
Figura 9 Partitura editada de Dinorah, de Benedito Lacerda





225
Figura 10 Fotografia de Almirante e Pixinguinha




Figura 11 Fotografia de Pixinguinha e Almirante


226
ANEXO 4 CD DE AUDIO (MP3) E RELAO DOS FONOGRAMAS
ANALISADOS


Faixa 01 Programa 01 Collectors AER022 Lado A referncia: 1947a
Faixa 02 Programa 02 Collectors AER022 Lado B referncia: 1947b
Faixa 03 Programa 03 Collectors AER023 Lado A referncia: 1947c
Faixa 04 Programa 04 Collectors AER023 Lado B referncia: 1947d
Faixa 05 Programa 05 Collectors AER024 Lado A referncia: 1947e
Faixa 06 Programa 06 Collectors AER024 Lado B referncia: 1947f
Faixa 07 Programa 07 Collectors AER025 Lado A referncia: 1947g
Faixa 08 Programa 08 Collectors AER025 Lado B referncia: 1948a
Faixa 09 Programa 09 Collectors AER026 Lado A referncia: 1948b
Faixa 10 Programa 10 Collectors AER026 Lado B referncia: 1948c
Faixa 11 Programa 11 Collectors AER027 Lado A referncia: 1948d
Faixa 12 Programa 12 Collectors AER027 Lado B referncia: 1948e
Faixa 13 Programa 13 Collectors AER028 Lado A referncia: 1948f
Faixa 14 Programa 14 Collectors AER028 Lado B referncia: 1950a
Faixa 15 Programa 15 Collectors AER029 Lado A referncia: 1950b
Faixa 16 Programa 16 Collectors AER029 Lado B referncia: 1951a
Faixa 17 Programa 17 Collectors AER030 Lado A referncia: 1952a
Faixa 18 Programa 18 Collectors AER030 Lado B referncia: 1952b
Faixa 19 Programa 19 Collectors AER031 Lado A referncia: 1952c
Faixa 20 Programa 20 Collectors AER031 Lado B referncia: 1952d
Faixa 21 Prefixo do programa O pessoal da velha guarda
Faixa 22 Tricolor (maxixe) de Romeu Silva executado pelos Oito Batutas em 1923
(coleo Memrias musicais, Biscoito Fino, 2002)
Faixa 23 Linda morena (marcha) de Lamartine Babo executada pelo Grupo da Guarda
Velha em 1932
Faixa 24 Meu casamento (schottisch) de Pedro Galdino executado por Pedro Galdino e o
Pessoal do Bloco 1910 (coleo Memrias Musicais, Biscoito Fino, 2002)
Faixa 25 Cinco companheiros (choro) de Pixinguinha executado por Altamiro Carrilho,
Antnio de Souza e Benedito Lacerda em 1947 (fitas de rolo Arquivo Jacob do Bandolim)
Faixa 26 Faustina (choro) de Gad cantado por Almirante em 1956
227
Faixa 27 Moleque vagabundo (samba) de Louro cantado por Ademilde Fonseca e
Garotas Tropicais em 1947? (fitas de rolo Arquivo Jacob do Bandolim)
Faixa 28 Rato-Rato (polca) de Casemiro G. Rocha cantada por Ademilde Fonseca em
1947? (fitas de rolo Arquivo Jacob do Bandolim)
Faixa 29 Nininha (polca) de Irineu de Almeida executada pelo Choro Carioca em 1912
(coleo Memrias musicais, Biscoito Fino, 2002)
Faixa 30 Saudaes (polca) de Otvio Dias Moreno executada por Cndido Pereira da
Silva e Grupo Carioca (s.d) (A Casa Edison e seu Tempo CD 2 Ilustraes musicais,
Sarapu, 2002)
Faixa 31 Saudaes (polca) de Otvio Dias Moreno executada pela Orquestra do Pessoal
da Velha Guarda em 1947? (fitas de rolo Arquivo Jacob do Bandolim)
Faixa 32 Saudaes (polca) de Otvio Dias Moreno executada por Jacob do Bandolim
em 1957 (CD Choros Evocativos)
Faixa 33 Urubatan (choro) de Pixinguinha executado por Altamiro Carrilho em 1964
(CD Choros imortais)
Faixa 34 Cigana de Catumby (maxixe) de J. Rezende cantado e executado por
Pixinguinha e Benedito Lacerda em 1947? (fitas de rolo Arquivo Jacob do Bandolim)
Faixa 35 Cigana de Catumby (maxixe) de J. Rezende executado pela Orquestra Ccero
(s.d) (A Casa Edison e seu Tempo CD 2 Ilustraes musicais, Sarapu, 2002)

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