Documentário e Antropologia
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Documentário e Antropologia
EDITORIAL
Editorial | Editors note | ditorial
Documentrio e Antropologia
ARTIGOS
Artculos | Articles | Articles
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NDICE
NDICE
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LEITURAS
Lecturas | Readings | Comptes Rendus
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DISSERTAES E TESES
Tesis | Theses | Thses
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Entreatos polticos
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NDICE
NDICE
ENTREVISTA
Entrevista | Interviews | Entretiens
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EDITORIAL
Documentrio e Antropologia
Marcius Freire, Manuela Penafria
Documentrio e Antropologia
ARTIGOS
Resumo: Procuramos em torno de duas conversas com Jean Rouch ocorridas em 1992 e 1995 organizar algumas notas para utilizao dos estudantes.
Posteriormente estas conversas foram editadas em DVD e utilizadas em mltiplos contextos, nomeadamente na 12a Mostra Internacional do Filme Etnogrfico do Rio de Janeiro. As contnuas solicitaes destes materiais levam-nos
a organizar e a apresentar estas notas. Estamos certos de que as conversas
com Rouch mereciam mais ampla reflexo e a participao de outros autores.
Deixaremos esta misso para uma ulterior publicao. Apraz-nos disponibilizar
aqui as lies de Rouch, referncia incontornvel do cinema etnogrfico.
Palavras-chave: Filme etnogrfico, Antropologia Visual, Jean Rouch.
Resumen: Para enmarcar el contenido de dos conversaciones que tuvimos con Jean Rouch en 1992 y en 1995, redactamos algunas notas para los
estudiantes. Ms tarde, estas conversaciones fueron editadas en DVD y utilizadas en mltiples ocasiones, como en la 12a Mostra Internacional do Filme
Etnogrfico do Rio de Janeiro. La continua demanda de estos materiales nos
ha llevado a organizar y presentar esas notas. Estamos seguros de que las
conversaciones con Rouch mereceran una discusin ms amplia y la participacin de otros autores. Pero vamos a dejar esa tarea para una posterior
publicacin. Estamos muy satisfechos de poner a disposicin las lecciones de
Jean Rouch, que es una referencia inevitable del cine etnogrfico.
Palabras clave: pelcula etnogrfica, Antropologa Visual, Jean Rouch
Abstract: From two interviews with Jean Rouch in 1992 and in 1995 we
organized some notes for the students. Later these conversations were edited
on DVD and used in multiple contexts, such as the 12a Mostra Internacional
do Filme Etnogrfico do Rio de Janeiro. Continued demand for these materials
led us to edit and publish those notes. We are convinced that the conversations
with Rouch deserve wider discussion and the appraisal of other authors. We
will leave that assignment for a later publication. We are are pleased to make
available Jean Rouchs lessons, a filmmaker who has become an inevitable
reference in ethnographic film.
Keywords: Ethnographic film, Visual Anthropology, Jean Rouch.
F ilme
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da viso (e, por conseguinte do conhecimento) mediatizada, distanciada, diferida, reavaliada, instrumentalizada (caneta, gravador, mquina
fotogrfica, cmara...) e, em todas as situaes, retrabalhada na escrita
ou nas imagens e nos sons. Ver imediatamente o mundo tal como ,
cujo corolrio consistiria em descrever exactamente o que aparece sob
os olhos, no seria realmente ver, mas crer e crer nomeadamente na
possibilidade de eliminar a temporalidade. Seria reivindicar uma estabilidade ilusria do sentido daquilo que se v e negar vista e ao visvel
o seu carcter inevitavelmente mutvel (Laplantine, 1996, p.15). A descrio etnogrfica, etapa fundamental para a Antropologia no consiste
apenas em ver, ou em ver e analisar, mas em mostrar, dizer ou escrever
o que se v, isto o transformar o olhar em linguagem (Laplantine,
1996). Os antroplogos tentaram compreender o olhar passando do visvel ao legvel. A Antropologia era uma disciplina verbal, dependente
das palavras (Mead, 1979) sobretudo quando o antroplogo contava
apenas com a memria dos informantes. O ver tornava-se indissocivel
do ouvir, do interagir, da inscrio local (notas de campo e registos visuais e sonoros) memria do observado e do observador, da anlise e
da interpretao, um continuum do terreno ao texto e ao pblico. A descrio etnogrfica, no s enquanto escrita do visvel mas tambm da
relao, da experincia de terreno, expe no s a ateno do investigador (ateno orientada e tambm ateno flutuante), mas tambm
uma preocupao particular de vigilncia relativamente linguagem, j
que se trata de mostrar com palavras [imagens e sons], que no podem
ser insubstituveis, sobretudo quando se tem por objectivo dar conta, da
forma mais minuciosa possvel, da especificidade das situaes, sempre inditas, com que somos confrontados. Na descrio etnogrfica
esto em jogo as qualidades de observao, de sensibilidade, de inteligncia e de imaginao cientfica do investigador. a que se prepara
o etnlogo (= o que faz emergir a lgica prpria de determinada cultura). , enfim, a partir deste ver organizado num texto, que comea a
elaborar-se um saber: o saber caracterstico dos antroplogos. Nesta
passagem do visvel, do multisensorial (multissemitico) ou da experincia linguagem h necessidade de estabelecer relaes entre o que
frequentemente era considerado como separado: a viso, o olhar, a
memria, a imagem e o imaginrio, o sentido, a forma, a linguagem.
Este empreendimento acima de tudo interdisciplinar apela a uma plu-
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truo da narrativa. O processo de reflexividade, apropriao das imagens pelas pessoas filmadas, constitui uma outra forma de recepo,
desencadeando frequentemente acesos debates como em Moi un Noir
e sobretudo em Chroniques dun t. Finalmente a apresentao dos
filmes em festivais Bilan du film ethnographique, ou nas sesses dos
Seminrios de Rouch na Cinemateca Francesa constituem contextos de
apropriao crtica dos filmes.
Actualmente a integrao de dispositivos crticos (notas, processo
de realizao, fotografias, etc..) na apresentao dos filmes em DVD
ou na Internet (guies de leitura) demonstram-nos a necessidade e o
interesse em passar do visionamento simples (ver) do filme para a apropriao (consulta) do filme. O visionamento repetido do filme permitir
um conhecimento mais ntimo (Truffaut), a passagem do espectculo
do filme na sala de cinema, ou de entretenimento na televiso ao conhecimento decorrente da consulta do filme, do visionamento repetido.
Jean Rouch refere o que Langlois dizia para fazer cinema preciso ter
visto 300 filmes. Eu posso-os obrigar a ver 300 filmes por ano, dispor de uma boa videoteca para consulta, para visionamento repetido;
uma condio essencial para a aprendizagem da realizao do filme
etnogrfico e da problemtica abordada no filme.
Marc Piault aponta para uma hipercenografia do provvel ou do possvel em que a experincia das imagens (procedimento/conhecimento
antropolgico) passaria a ser submetida interpretao permanente
dos espectadores e reinterpretao crtica dos seus protagonistas
atravs da universalizao dos instrumentos (Internet, media digitais)
e consequentemente das formas de discurso.
Vejamos um paralelismo possvel entre a Antropologia e o documentrio sugerido pelo texto de Elizabeth Sussex (1975) (v. tabela na pgina
seguinte).
Dziga Vertov e Robert Flaherty so considerados por Jean Rouch
"pais fundadores", "percursores geniais" do cinema etnogrfico, chamando-os de figuras totmicas.
A criao cinematogrfica para Flaherty, Nanook of the North (1922)
baseava-se em princpios semelhantes aos que orientavam, na mesma
poca, os trabalhos de Malinowski nas Ilhas Trobriand (1915-16, 191718): 1) Longa durao da experincia no local: o tempo do contacto
prvio, do conhecimento do objecto a filmar, da criao de laos de
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O segundo o da descoberta de
Flaherty de que se pode fazer um
filme sobre as pessoas no local, isto
, que se consegue uma compreenso dramtica, um padro dramtico, no local, com as pessoas. Mas
claro que ele fez isso com povos
longnquos e nesse sentido foi um
romntico.
O terceiro o nosso captulo, o que
descobre o drama vivido soleira
da nossa porta, o drama do quotidiano.
H um quarto captulo, o que
muito interessante, e esse seria
aquele no qual as pessoas comeam
a falar, no sobre como fazer filmes
sobre as pessoas, mas com as pessoas... [Antropologia partilhada de
Jean Rouch...]
No entanto, o captulo seguinte, o
de fazer filmes com indivduos para
isso treinadas, tem o problema de
se estar a fazer filmes com pessoas e depois partir de novo. Ora,
eu vejo o prximo captulo como o
de fazer filmes de facto no terreno,
e aqui sigo as ideias de Zavantini.
Uma vez Zavantini fez um discurso
muito engraado em que dizia que
seria ptimo se todas as aldeias italianas fossem equipadas com cmaras para que pudessem fazer filmes
sobre elas prprias e escrever cartas em cinema umas s outras, e isto
era para ter uma grande piada. Eu
fui a nica que no se riu, porque
me parece que o prximo passo no os aldees a mandaram cartas
de cinema uns aos outros, mas eles
prprios a fazerem filmes, onde coloquem questes polticas ou de outra natureza e at a expressarem-se
em termos jornalsticos ou noutros.
(Sussex 1973, p. 29-30)
Antropologia
No incio, tambm a Antropologia
se baseava no relato de viagens dos
exploradores, viajantes, missionrios ou comerciantes.
Malinowski, na mesma poca, anos
20 do sc. XX, desenvolve uma atitude semelhante, ou seja, de um investigador isolado empreende o trabalho de campo junto de povos longnquos, captando o ponto de vista
do nativo.
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para desvendar o real e para educar ou organizar o olhar do espectador. Finalmente a montagem: para Vertov cada plano nada valia por si,
isoladamente, como as palavras no texto ou na poesia, mas em funo
das conexes, da articulao com os outros planos no nada, em
si, fora de qualquer contexto, mas, na relao estabelecida entre ele e
os outros, torna-se expressivo do conjunto. Um pouco como um indivduo isolado de todo o universo seria reduzido ao insignificante social e
cultural e no se conceberia fora de determinaes puramente biolgicas, tornar-se-ia pelo contrrio representativo, exprimiria sua maneira,
original, irredutvel, um ou vrios conjuntos se a observao fosse susceptvel de o ligar a eles. Enfim, a sua prpria existncia s se situaria
necessariamente e ganharia sentido na relao constantemente estabelecida com este ambiente no qual s pode agir sendo a expresso
agida. A construo de um filme poderia ser considerada como um
empreendimento metafrico da produo do sentido pelo homem na dinmica da sociedade que exprime e sobre a qual exerce a sua aco
(Piault, 2000).
A montagem no cinema artstico , para Vertov, a colagem das
cenas rodadas separadamente em funo de um argumento mais ou
menos elaborado pelo encenador. montagem num filme sem actores
e sem argumento, atribuda uma significao diferente e uma importncia acrescida. a montagem que dar ao filme a sua estrutura e a
sua significao, que far emergir os temas do discurso flmico. A montagem acontece desde a primeira observao at ao filme definitivo: no
momento da observao, depois da observao, durante a rodagem,
depois da rodagem, organizao grosso modo daquilo que foi filmado
em funo dos ndices de base e das tomadas de vista para a pesquisa
das sequncias, montagem definitiva, reorganizao de todos os materiais na melhor sucesso salientando a ideia chave do filme. Vertov
apresentaria assim as seis etapas da montagem (Sadoul, 1971):
a) Montagem no momento da observao observao do olho desarmado em qualquer stio ou momento.
b) Montagem depois da observao organizao mental do que se viu
em funo de determinados indcios caractersticos (especficos).
c) Montagem durante a rodagem orientao da cmara para o lugar
inspeccionado (observado /analisado) na primeira fase e adaptao s
condies modificadas.
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Neste sentido The Man With a Movie Camera (1929) parece aproximar-se do
filme de Rutman, Berlim, Sinfonia de uma metrpole (1927), no entanto este filme
s visionado por Vertov dois anos depois de apresentado The Man With a Movie
Camera, em 1931 ano em que Manoel de Oliveira realiza Douro Faina Fluvial.
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Win Wenders em 2003 retoma a tecnologia dos anos 20, cmara de manivela
original no filme The soul of a man na reconstituio de material de arquivo.
6 A primeira entrevista da histria do cinema mundial com som sncrono foi realizada por Vertov entrevista com Belik - a mulher que falava com Bton no filme Trs
Cantos sobre Lenine (1934).
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Le beau navire
A bela nau
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Maputo. Esta formao foi realizada por um grupo de jovens cineastas - Philippe Constantini, Miguel Alencar, Nadine Wanono, Franoise
Foucault coordenados por Jean Rouch e Jacques dArthuys, ento nomeado conselheiro cultural em Maputo. Durante a sua estada em Moambique, Jean Rouch fez o filme Makwayela, composto de planossequncia. Este documento apresenta uma dana originria da frica
do Sul, onde vrios trabalhadores moambicanos trabalhavam nas minas de ouro. Este filme chamou a ateno de Jacques dArthuys e Jean
Rouch para a necessidade de fornecer aos moambicanos ferramentas
para o registo visual e sonoro da sua histria e da efervescncia que
reinou entre 1975-1980, durante os primeiros anos da independncia.
Jean-Luc Godard e Anne Marie Mieville juntaram-se ao projecto durante a difuso dos filmes realizados pelos estudantes nas aldeias e
interessaram-se pela forma como as imagens eram percepcionadas pelos camponeses. O projecto de Godard e de Mieville excedeu claramente o mbito de formao em que os jovens realizadores estavam
implicados. Eles negociavam com os lderes moambicanos a proposta
de uma televiso em Moambique. Este projecto,8 intitulado o nascimento de uma nao, questionava os modos de comunicao numa
televiso do Estado, previa uma colaborao entre a sua empresa de
produo Sonimage e o governo de Moambique e inspirava-se na experincias que Armand Mattelart junto de Salvador Allende. Este programa da televiso nunca se veio a realizar.
As experincias desenvolvidas no Porto e em Moambique sob a
influncia de de Jacques dArthuys contriburam definitivamente para o
nascimento em 1981, dos Ateliers Varan - Association Varan Ateliers,
membro do CILECT (Centre International de Liaison des coles de Cinma et de Tlvision) e consultora da UNESCO. Embora fundada em
Janeiro de 1981, a sua origem remonta a meados dos de 1970 em Portugal e em finais da mesma dcada em Moambique. Deveu-se sobretudo influncia de Jacques dArthuys, ao encontro com Jean Rouch e
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proposta feita por ambos a vrios cineastas para irem filmar o que se
passava em Moambique. Neste contexto propor que os moambicanos se filmem eles mesmos. Propondo-se formar os futuros cineastas
atravs da iniciao realizao de filmes documentrios. O desenvolvimento e a disperso pelo mundo desta primeira experincia, reuniu
algumas dezenas de profissionais (realizadores, montadores, operadores, engenheiros de som, etc.) que, mais tarde viriam a criar os Ateliers
Varan transmitindo suas prticas profissionais em estgios e ateliers
que organizam (Mariana Otero).
Philippe Constantini antes da estada em Moambique, tinha vindo
para Portugal em finais de 1974 decidido a ficar.Encontrara Jean Rouch9
na Universidade de Nanterre em 1969 quando este dirigia o curso de
Cinma et Sciences Humaines. Constantini estudava no Departamento de Sociologia e Etnologia daquela Universidade. Em Portugal
participou no filme Mscaras (1976) de Nomia Delgado como engenheiro de som e na Cinequipa trabalhou no filme Arcozelo: procura
dos restos das comunidades judaicas (1977) de Fernando Matos Silva.
Leu Jorge Dias e com apoio da Fundao Calouste Gulbenkian partiu
em 1976 para Vilar de Perdizes onde realiza com Anna Glogowsky Terra
de Abril (longa-metragem), INA, Frana, 1977; Les cousins dAmrique,
INA, Frana, 1984, Lhorloge du village, INA, Frana, 1989. Estes filmes
so rodados no interior norte de Portugal, Vilar de Perdizes, Montalegre,
nos Estados Unidos, Massachusetts e nos arredores de Paris - Meudon,
Hauts-de-Seine. Em Terra de Abril tem a inteno de filmar o Auto da
Paixo, realizado ao vivo com pessoas da aldeia que interpretam as personagens da Paixo de Cristo, ento realizado regularmente na altura
da Pscoa, e as primeiras eleies para a primeira Assembleia da Repblica realizadas em 25 de Abril de 1976 [PS 34,89, o PSD 24,35,
o CDS - 15,98 e o PCP 14, 39]. O filme Terra de Abril (Vilar de Perdizes) (1977) aborda a vida quotidiana da aldeia em tempo de eleies
que coincide com a preparao e representao do Auto da Paixo. O
segundo filme da trilogia de Philippe Constantini, realizado em Portugal,
Les cousins dAmrique (1984). O filme rodado em Vilar de Perdizes
onde um emigrante constri uma imensa manso, estilo americano, com
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uma enorme piscina interior e em Massachusetts onde pequeno empreiteiro. A casa confina a megalomania. O seu proprietrio afirma que
quando vem de frias trabalha muito para fazer a casa que sua mulher
ainda no conhece a no ser por fotografias. Em Massachusetts recriam a cultura local de Vilar de Perdizes - matana do porco, cultivo da
vinha, a rede de sociabilidade. Praticam clandestinamente, num terreno
vazio, certos actos proibidos como a matana do porco. Embora tenham trocado o mundo rural tradicional pelo mundo ps-industrial seus
comportamentos adaptam-se a esta situao conciliando no seu quotidiano prticas pertencentes a um e outro dos mundos em presena.
Esta conciliao uma constante na emigrao dos anos de 1960 e 70
para a Europa em que o nacional no medeia a ligao do local com o
transnacional. A emigrao como salto (Christian de Chalonge). Salto
era a histria da emigrao clandestina de emigrantes indocumentados,
mas tambm a separao e as rupturas brutais (sociais e culturais), a
desobedincia e a resistncia ou mesmo a fuga. Alguns emigrantes
apelidaram-se de fugitivos (Madeira), eram por vezes desertores, ou
como tal considerados, que precisavam de amnistia para regressarem
ao pas. Doze anos depois Philippe Constantini realiza Lhorloge du village, 1989. Neste filme o realizador filma um casal, originrio de Vilar
de Perdizes, no seu prprio pas, Frana regio parisiense. A mulher
empregada domstica em Meudon (comunidade na regio administrativa de le-de-France, no departamento de Hauts-de-Seine, na periferia
sudoeste de Paris) e seu marido taxista (chauffeur de txi). Constantini
alojara-se, durante as estadas no terreno e a realizao do filme, numa
casa enorme e bem mobilada que este casal construra em Vilar de Perdizes que contrastava com o exguo alojamento em Paris e mesmo com
os apartamentos onde fazia limpezas. O realizador assume um posicionamento de maior proximidade, filma a partilha e a relao construda
com o casal e a vinda destes a Portugal. Tambm o alemo Thomas
Harlan, na dcada de 1970, com Jacques dArthuys realizou um filme,
Torre Bela (1975) com o apoio da Agncia Francesa de Imagens sobre
o que ia acontecendo em Portugal, partindo de um caso aparentemente
nico em que exrcito colonial portugus parecia transformar-se no embrio de um exrcito popular. O filme aborda a ocupao da herdade
Torre Bela.
Por c havia alguns contactos dos exilados, jovens que recusavam
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manter o mais possvel na entrevista as marcas da oralidade e acrescentar notas que nos permitam entender melhor a densidade da lio de Jean Rouch.
11 Actualmente no Master recherche arts, lettres et langues; Mention cinema; Specialit: cinmas, arts et cultures 2007/2008 existe ainda o ensino das Techniques
corporelles du tournage la main (Caroline Lardy, Nadine Michau, Anja Hess) www.u-paris10.fr/servlet/com.univ.utils.
12 Descendente de judeus mortos em Auschwitz, Marcel Marceau elevou a mmica
a uma forma de arte suprema, o poeta do silncio que foi, aps a Segunda Guerra
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Respirar, estar estvel. . . Ter, num dado momento uma noo do espao, que se tem nos msculos. Por exemplo, o que ela nos mandava
fazer era pegar num copo, imagina que isto um copo, p-lo num outro
lugar e sem ver voltar a p-lo no antigo lugar. Ter esta noo instantnea de espao e isso est nos msculos. Mesmo um pequeno olhar, a
cmara v-lo-. V-lo-emos mais tarde.
No ficar embaraado com a tcnica. Conhec-la. a lio de
Vertov. Tive mestres como Vertov, que escreveram toda esta teoria e
que a aplicavam. Mas, a cmara isso. Foi ele o primeiro a fazer cinema sonoro em Entusiasmo (1929), a gravar o som real. Toda a gente
disse: um escndalo, uma porcaria, muito barulho, s Charles
Chaplin que lhe enviou um telegrama a dizer: Som industrial, som
maravilhoso! Por isso, foi algum que pegava na verdade tal como era
e com um mnimo de intermedirios [mediao], tentava grav-la em
imagens e/ou sons. A segunda personagem essencial, para mim, foi
Robert Flaherty. Robert Flaherty no escreveu nada como teoria. A
nica teoria que escreveu e que penso que ter sido suficiente, como
um livro inteiro. . . Dizia: Penso que o cinema do futuro ser feito pelos
amadores. Quer dizer, pessoas que gostam do que fazem. Creio que
um pouco a definio que posso aplicar a mim prprio. Flaherty desempenhou um papel muito importante para mim. O primeiro filme que vi
na minha vida foi Nanook of the North (1922),quando tinha cinco anos.
Por isso, entrei no cinema com Flaherty, mais tarde com Vertov, depois
descobri a cinemateca francesa, e todo o resto. . . .
Voc participou nos seminrios de Flaherty, na Califrnia.
Sim, a viva de Flaherty convidou-me para apresentar na Califrnia Moi, un noir (1958) e outros filmes, e a encontrei toda a equipa do
cinema canadiano: Michel Brault, Claude Jutra, todas as pessoas com
quem filmmos Chronique dun t. Se quiser, o cinema uma mfia internacional, a prova que estou aqui. Pessoas que esto apaixonadas
pelo que fazem, e sempre disponveis a aprender. Quando filmei Chronique dun t, um filme que fizemos com Edgar Morin, em 1960. O
Mundial, o artfice do renascimento da arte da pantomina. Durante muitos anos, com
uma sensibilidade tocante, a figura frgil e bela do arlequim denunciou tenazmente o
comodismo, o egosmo, a covardia, a mesquinhez, a misria e a prepotncia da espcie
humana, elevando a mmica a patamares nunca antes atingidos, e erguendo bem alto a
chama eterna e libertadora da expresso artstica.
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cinema comeava a ter som que podia ser sncrono, mas os aparelhos
no eram isolados, faziam barulho. No se sabia fazer isso muito bem.
Eu tinha tcnicos, excelentes tcnicos, e um dia pedi-lhes para andarem na rua com uma cmara e eles disseram-me: No aprendemos
isso. Ento chamei o Michel Brault. Michel Brault ensinou-nos a andar,
a utilizar as objectivas intermutveis as grandes angulares, etc. Estvamos assim prontos para filmar em qualquer espao, sem luz, em menos
de quinze segundos, e dizia: A luz real insubstituvel. Aprendemos
com ele a subir num autocarro [filmando]. Seguimos um operrio que
se levantava de manh, subia para um autocarro, ns subamos com a
cmara, descamos com a cmara e ele treinava, todas as manhs, isto
assim parece fcil [mas no ]. Morava, ainda mora, beira do rio Richelieu, perto de Montreal e todas as manhs fazia uma milha, um quilmetro e cinco, andando para a frente e para trs e, na ida, tinha visto,
dizia ele, uma pedra que era preciso evitar. Era a mesma coisa que nos
tinha ensinado a viva de Marcel Marceau. Isto , poder sentar-se numa
poltrona, sem olhar para ela. isso a arte do mimo. Fazamos tambm
um pouco de teoria [reflexo] sobre mmica. Reflectamos que as pessoas s tm o rosto para se exprimirem, por isso, devem deslocar-se
de um modo contnuo, calmo. Sem isso, se andarmos assim, ao fim de
cinco minutos, os espectadores esto cansados e j no podem seguir.
Ns andvamos de modo completamente anormal, pondo a ponta do p
antes do calcanhar para no... O outro elemento amortecer estes movimentos. Por isso pensamos: a cmara deve ser o rosto do mimo se for
levada na mo.13 Se fizermos uma ginstica de mmica para aprender
estas coisas isto torna-se completamente natural.
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Mario Ruspoli filmou em 1958 Les hommes de la baleine (24 min) nos Aores.
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e raramente se consegue. Penso que os melhores filmes que pude fazer e nos quais aprendi tudo o digo agora foram os primeiros filmes em
16 milmetros que Braunberger16 produziu, como Matres Fous (1955)
e outros que ampliou para 35mm. Nessa poca, em 1954, 55 no havia
mesa de montagem de 16mm. Ainda se colavam as imagens raspando
com uma grande navalha de barba, carregando com o polegar. A mesa
de montagem, moviola, s existia em 35. Por isso Braunberger ampliou
todos os filmes para 35 milmetros e pediu a uma montadora, Suzanne
Baron, que tinha sido a montadora de Jacques Tati, em Les Jours de
Fte (1949), para montar esse filme que parecia um filme sem ps nem
cabea [Matres fous], muito difcil de compreender. Eu tinha filmado em
dois dias um ritual que era muito difcil de compreender, tinha imagens
por vezes muito duras. O filme foi filmado em dois dias e montado em 3
meses. Primeiro, porque no era sncrono mas o som era real. Por isso,
a primeira coisa a fazer era tirar do som o momento em que se ouvia o
barulho da cmara, peg-lo um pouco antes ou um pouco depois. Era
preciso sincronizar, era o mesmo som mas no eram exactamente as
mesmas coisas que l estavam, que (eram) ditas. Segundo, porque se
contava uma histria louca e nessa histria as pessoas falavam uma lngua que ningum compreendia. Por isso era preciso ter uma traduo
to fiel quanto possvel [da fala] do que tinha sido filmado. Terceiro, era
preciso fazer um filme. De repente apercebi-me que a montagem est
quase distncia de uma imagem. A montadora Suzanne Baron, que
fazia a montagem, deixava colada, como sempre, sobre a mesa, as imagens de um plano de montagem. Voltava no dia seguinte, revia algumas,
acrescentava duas, suprimia uma e, a um dado momento, chega-se ao
tempo perfeito. Eu aprendi isso curiosamente com o prprio Jacques
Tati.
Quando fiz a montagem de Matres Fous, como era muito longo,
Jacques Tati tinha-me vindo perguntar se podia utilizar a sua mulher da
montagem e a minha mesa de montagem para um filme que estava a
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fazer. Bom, eu concordei e ele vinha todas as noites e eu pergunteilhe: Mas, Senhor Tati, qual o filme que est a terminar? E ele diz:
Les Vacances de Monsieur Hulot (As frias do Senhor Hulot). Les
Vacances de Monsieur Hulot (1953) estava nas salas h trs meses. Ele
com Suzanne Baron, tinham duas cpias, iam s salas, acrescentavam,
na minha mesa montagem, duas ou trs imagens, viam se as pessoas
riam mais (ainda riam) e, pouco a pouco, trs meses depois de ter sado
o filme, afinou-o [apresentou outra verso final]. Aqui est o que a
montagem do cinema. E isso, eu aprendi com esse homem maravilhoso
[Jacques Tati]. Ele dizia-me: O mais difcil no cinema o gag, o fazer
rir. Diz ele: pena que no haja uma meia imagem, era uma meia
imagem... No chegmos a tempo (falhmos). Estava a um centsimo.
Era a centsima parte anterior que era necessria, infelizmente no a
temos.
Tive a sorte de trabalhar com pessoas como estas, que viam que
eu fazia filmes completamente diferentes deles e que eram seduzidos
(eram cativados) pelo facto de eu trabalhar com Suzanne Baron e com
um produtor como Braunberger que tinha produzido Buuel, Renoir, Godard, etc.. Por isso, evidentemente, eu estava muito orgulhoso, sim,
estava orgulhoso, verdade porque tive os melhores mestres que se
podia ter.
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mento em que vais levantar-te, tenho de esperar que num dado momento quando nos levantamos, olhamos um pouco para o ar. a que
se v. Por isso, a sequncia... Levanto-me, volto a captar-te. isso,
conhecer muito bem esta profisso. Comparo isto ao msico do verdadeiro jazz, ao msico que nunca tinha feito [estudado] solfejo. Pessoas como Louis Amstrong. . . Lembro-me de Duke Ellington, que o
campeo do improviso, que precisava de ter vrios msicos e que, no
momento certo, de repente, entrava na msica. O cinema isso. Num
determinado momento com uma cmara entramos num filme e mais
nada. No paramos seno quando j no h pelcula, no fim de um
momento.
Antigamente quando tinha uma pequena cmara com 25 segundos
de autonomia, no mximo, eu dizia que quando se faz a montagem
que se pensa. verdade. Mas a partir do momento em que obtivemos
cmaras que permitiam fazer planos de 10 minutos, isso acabou. Somos tentados pela ideia do plano-sequncia. Fiz mais ou menos 150
filmes, at hoje s consegui verdadeiramente trs planos-sequncia. E,
posso dizer, que dessas trs vezes foi minuciosamente preparado. Vou
dar os trs exemplos. O primeiro plano de sequncia [que fiz] era um ritual de possesso,17 quando um danarino vai ser possudo. Ora, o que
eu queria fazer era v-lo antes e que a possesso acontecesse pouco
mais ou menos ao meio do filme ou antes 5 minutos de terminar. A
preciso observar bem. preciso conhecer um pouco o acontecimento
que se vai passar, ver quando as pessoas comeam a entrar em transe.
Ests a ver, como se falasses com um bbado. Sabes que ele vai
cair em cima da mesa. Se queres filmar, preciso comear a faz-lo
5 minutos antes que ele tenha bebido de mais e caia. complicado
ver isso. Mas isso que se pede. Filmei um plano de sequncia deste
modo, com um homem que est possudo em frente da cmara e que
fazia este gnero de ritual. Fiz talvez dez experincias [tentativas, repeties]. Quando acontecia demasiado cedo ou demasiado tarde no
funcionava. O segundo, um filme de fico que se chama Gare du
Nord (1964) que fiz com uns colegas da Nouvelle Vague, como Godard,
Rohmer, Paris Vu par... (1964) A filmei um plano-sequncia de duas
vezes dez minutos. A ligao era feita no elevador, porque s tnhamos
dez minutos de autonomia. O primeiro plano, comemo-lo sete vezes
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e escolhemos a quinta. Ao fim de sete vezes as pessoas j no sabiam o que diziam, por isso acabou. E o plano no exterior comemo-lo
quatro vezes e ficmos com o primeiro, porque era o melhor. difcil
de fazer. . . O terceiro filme em que consegui um plano-sequncia um
filme de dois minutos sobre a Torre Eiffel. A ideia tinha partido de alguns
de realizadores para fazer um filme de dois minutos sobre a Torre Eiffel.
Eu tive a ideia, muito indecente, de ir ver o que se passava debaixo das
saias da senhora Torre Eiffel. Por isso, deitei-me em cima de um carro e
aproximei-me da Torre Eiffel ao lusco-fusco. O sol j se tinha posto mas
ainda no totalmente noite. O cu estava completamente azul e a iluminao fazia com que a torre, [em contraste com] cu to azul, ficasse
toda dourada. Tinha assim uma jia de ouro sobre um fundo azul. E
eu via a minha Torre Eiffel debaixo. Por isso filmei assim e rodei, e a
est Torre Eiffel... Vamos embora j tenho a Torre Eiffel ao contrrio,
em 2 minutos. Havia, no entanto, uma dificuldade, recomecei, mas no
consegui. A dificuldade que havia um pequeno passeio e tinha havido
um choque [passo em falso e abano, movimento brusco de cmara].
Por isso, tive a ideia de colocar por cima das imagens um poema de
que gosto muito. Um poema de Baudelaire a uma crioula que, cito de
cor: Quando andas varrendo o ar com o a tua saia larga (assim esta
resolvido o filme a Torre Eiffel.. Le beau navire, 19) Fazes-me pensar
num navio que se faz ao largo, e vai andando seguindo um ritmo de
serenos suaves e preguiosos balanos. Eu coloquei quando andas
no momento do choque [abano. . . ]. Assim a palavra tornava invisvel
o choque da cmara. Trs planos-sequncia em 50 anos de prtica no
muito. O plano-sequncia muito difcil. Evidentemente o exemplo do
filme La Corde (1948), de Hitchcock estava penosamente preparado.
Era um truque de encenao, em cada plano, todos os movimentos de
cmara estavam preparados. Isso uma grande arte.
39
A ligao da poesia ao cinema foi tambm referida por outros realizadores. Eisenstein formulava a sua prtica de montagem a partir do estudo dos ideogramas
japoneses que com traos aludem simbolicamente s coisas representadas. Eisenstein
assinalava que a justaposio do signo olho ao signo agua resultava o conceito
pranto (lgrimas). Aplicado ao cinema implicava toda uma dialctica, porque a
conjugao das duas imagens sucessivas poderia estabelecer uma relao causa efeito
entre elas. Paralelamente esse achados, que traziam ao espectador determinadas percepes dos elementos narrativos, no poder esquecer-se que a montagem tambm
por definio, uma forma, de dar ritmo ao relato como se tratasse de msica, ou dos
versos do poema. Frances Flaherty, para explicar a arte do seu marido, referia-se
poesia japonesa haikai: a forma como os velhos mestres do Haiku renem os trs
versos do seu poema seria semelhante do cineasta que junta as tomadas de vista do
seu filme. Num esprito idntico, Tarkovski invoca a poesia haikai: Os poetas japoneses sabiam exprimir a sua relao com a realidade. No observavam apenas, mas
sondavam com calma, sem v agitao, o sentido eterno. Quanto mais precisa a
observao, mais nica e mais se aproxima da imagem.
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analfabeto [em tcnicas narrativas], mas cada vez mais difcil, como
no se teve latim!... Aprender a carregar uma cmara, regul-la. Aprender a manipular a imagem. Se quisermos utilizar iluminao, aprender
a fazer iluminao, o que no fcil. . . Depois aprender a manusear
uma cmara, isto aprender a enquadrar, a improvisar um enquadramento... Pessoalmente penso que o realizador deve ser o seu prprio
operador de cmara. Um enquadramento improvisa-se ao longo de um
movimento. Por exemplo [mmica da situao de filmagem], se eu te
filmar aqui, h atrs uma janela, h outra de que mal me apercebo, por
isso, tenho de avanar muito lentamente para ver as duas janelas que
esto a com a iluminao. Esse momento o momento certo das coisas como decorrem... Devemos por isso ter os reflexos [capacidade]
de modificar o enquadramento no decorrer de uma aco e isso no
se pode fazer com um operador, no podemos dizer-lhe [dar-lhe instrues, indicaes acerca do enquadramento que desejamos]. Se ele
tiver o sentido da imagem, ter medo de o fazer.
O ltimo elemento correr todos os riscos e filmar mesmo se no
houver luz, filmar com a objectiva totalmente aberta, a boa abertura de
uma objectiva est um ponto acima da abertura total, por isso, preciso
conhecer essas mquinas e isso demora muito, e para isso preciso
ver os filmes dos outros, nos quais se descobrem esses elementos e
tentar fazer como eles. O que era a Nouvelle Vague? Era um grupo de
midos que era da Escola Buissonnire de Langlois que chegava Rua
de Ulm. Estvamos sentados na primeira fila, porqu? Porque na primeira fila podamos esticar-nos. Se o filme fosse mau, adormecamos
e adormecamos bem. Numa m cadeira aborrecido para os outros
[pelo incomodo para os outros]. Na primeira fila no h ningum nossa
frente. Langlois tinha-nos [Godard, Truffaut e Rohmer, toda essa gente e
no nos conhecamos] dito: Querem ser cineastas?, Bom, para fazer
cinema preciso ter visto 300 filmes. Eu posso-os obrigar a ver 300 filmes num ano. E num ano, obrigou-nos a ver 300 filmes. No incio, no
sabamos dizer para onde amos, mas pouco a pouco compreendemos
tudo. Esse , penso eu, o mtodo. Ter uma boa cinemateca, com todos
os filmes. Os filmes fracassados, os que no valem nada, tambm. Ter
uma boa manipulao da cmara, saber o que quer dizer, saber o que
um diafragma, saber a abertura, etc.. Aprender a montar, comeando
pelo fim. Obrigo as montadoras com quem trabalho a comear pelo fim.
41
Renard Ple. Ethnologie des Dogon (1965) uma obra pstuma escrita e publicada com Germaine Dieterlen.
20 Trata-se do filme Les fils de leau (1952) retomado mais tarde por Dominique
Dubosc em Jean Rouch - Premier film, 1947-1991 (1991).
42
permos que anoitecesse. A noite chegou os presentes aperceberamse do que estava l, que no era a cmara. Olharam e reconheceramse. Em menos de um minuto compreenderam a linguagem. Puseram-se
entretanto a chorar, porque uma das pessoas que viam tinha j falecido.
Tiveram uma reaco tal que (um drama tal, uma histria tal) que no
era necessrio comentrio ou mesmo o som do filme. Chegmos ao
fim. Eu estava um pouco aborrecido com a situao criada. Depois as
coisas acalmaram. Os participantes que tinham vindo ver o filme foram
buscar aldeia a viva de um das pessoas falecidas. Ps-se a chorar ao ver o seu marido quando ainda o vamos vivo. Depois fizemos
outras projeces nessa noite e ao fim da stima eles ouviram. Pela
primeira vez essas pessoas que eu estudava, que conhecia, h muito
tempo, criticaram-me. Disseram-me: No est bem! Eu tinha-lhes
enviado a minha tese, eles conheciam-me como engenheiro, constru
uma estrada na terra deles, e eles pensavam que, depois da guerra, eu
tinha enlouquecido, como os antigos combatentes. Tinha mquinas estranhas, tomava notas, mas afinal, no era m pessoa. Por isso, estava
tudo bem e de repente, eles compreenderam e disseram-me: No est
bem!. No se vem hipoptamos suficientes. O que eles me pediam
era para fazer como Cousteau - ir para debaixo da gua. Bom, tinham
razo. Segundo, disseram-me uma coisa que muito importante para
mim. Disseram-me: Mas, tu puseste msica, na caa? A eu defendime. Disse: Sim, uma msica que d coragem aos caadores. Eles
disseram-me: Ento mas tu no sabes que o hipoptamo debaixo de
gua ouve, e se ouve msica vai-se embora. Dizendo de outro modo: a
msica de acompanhamento que eu tinha posto era como as do western
americano, quando a 7a . de cavalaria carrega (ataca). Eu tinha posto
uma msica como essa, foi o cinema que me tinham ensinado. Mas
no, por isso, o cinema o nico meio de comunicao que permite a
pessoas de uma outra cultura compreender a forma como as vemos e
compreender a Etnografia que antes disso no compreendamos nada e
foi a partir desse momento que Damour21 me disse: Vamos fazer um
filme de fico. Entrmos num grupo de cinema e comeamos a fazer
toda a srie. H um caador de lees que chegou e disse-me: A caa
ao hipoptamo, isso no nada, venha nossa terra muito melhor!
E fizemos durante 7 anos um filme sobre a caa aos lees - La Chasse
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FILMOGRAFIA
Como Realizador
2003, Le rve plus fort que la mort; 2002, La vache merveilleuse;
1997, Faire-part: Muse Henri Langlois; 1996, Moi fatigu debout, moi
couch ; 1996, Une poigne de mains amies (Portugal) (co-realizado
com Manoel de Oliveira); 1993, Madame LEau; 1990, Libert, galit, fraternit, et puis aprs... ; 1990, Cantate pour deux gnraux;
1989, Boulevards dAfrique ; 1988, Enigma; 1987, Brise-glace; 1986,
Folie ordinaire dune fille de Cham; 1986, Dionysos; 1983, Portrait de
Raymond Depardon; 1982,Yenendi Gengel; 1981, Les deux chasseurs;
1981, Les crmonies soixantenaires de Sigui; 1981, Le renard ple
(co-realizado com Germaine Dieterlen); 1980, Captain Omori; 1980,
Cin-mafia (cin-rencontre de Joris Ivens, Henri Storck et Jean Rouch);
1978, Simi Siddo Kuma; 1977, Cin-portrait de Margaret Mead;1977,
Fte des Gandyi Bi Simiri; 1977, Le griot Badye; 1977, Hommage
Marcel Mauss por Germaine Dieterlen; 1977, Hommage Marcel
Mauss por Paul Levy; 1977, Makwayela (Moambique, co-realizado com
Jaques dArthuys); 1977, La mosque du Chah Ispahan; 1976, Babatu, les trois conseils; 1976, Mdecines et mdecins; 1976, Rythmes de travail; 1977, Fara Tondi; 1975, Initiation; 1975, Souna Kouma;
1974, La 504 et les foudroyeurs (filme publicitrio); 1974, Cocorico !
Monsieur Poulet; 1974, Pam Kuso Kar ; 1974, Toboy Tobaye; 1974,
Le Dama dAmbara (co-realizado com Germaine Dieterlen); 1973, Sigui 73: Lauvent de la circoncision; 1973, Yenendi de Boukoki; 1973,
Dongo Hori; 1973, Lenterrement du Hogon 1973, Hommage Marcel Mauss: Taro Okamoto 1973, Scheresse Simiri 1973, V.W.Voyou
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Linventaire de Jean Rouch (1993) Guillaume Casset et Julien Donada,
Mosso Mosso : Jean Rouch comme si (1998) Jean-Andr Fieschi
Paroles - entretiens avec Jean Rouch,Germaine Dieterlen e Brice
Ahounou (2006) Ricardo Costa,
Rouch in Reverse (1995) Manthia Diawara, New York.
Rouch on the future of Visual Anthropology - http://www.youtube.
com/watch?v=ZFNgL_ Wrsp8.
Rouchs Gang (1993) Steef Meyknecht, Dirk Nijland and Joost Verhey,
Holanda
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Television e Center of Visual Arts de Harvard, EUA.
Vingt petites tours 20 - Jean Rouch cinaste vrai (1989) Philippe
Truffault et Michel Gondry.
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Marcius Freire
en Jaguar -la pelcula resultante de la experiencia mencionada- Rouch muestra sujetos que se construyen como personajes a lo largo del registro flmico y
que actan sobre una realidad, que a su vez resulta tambin construda. Con
eso, procuraba la "verdad provocada", expresin que utilizaba para definir el
procedimiento por el que la libertad que daba a los personajes para crear o
recrearse ellos mismos, podra conducir a la verdad de la pelcula. El objetivo
de este artculo es hacer una breve reflexin sobre este procedimiento y su
evolucin en el documental contemporneo.
Palabras clave: Documental, Jean Rouch, pelcula etnogrfica.
Abstract: In 1954, Jean Rouch, who at the time was studying the migration
system in West Africa, invited three Nigerian friends - Lam, Illo and Damour to undertake an excursion up to the Gold Cost (presently Gana) the same way
as thousand of young men did during the drought months. Rouch filmed that
experience, mixing documentary with fiction, thereby introducing a whole new
element in the relation movie maker/observed citizens. In fact, until then these
subjects were under the gaze of the camera and urged to show aspects of their
reality in the most natural possible way. In contrast, in Jaguar, the film resulting
from the afore mentioned experience, Rouch shows subjects who constructed
themselves through the flmic record and act upon a likewise constructed reality.
In this way, he sought an "induced-truth", an expression he used to define the
procedure through which the freedom he gave to the characters to create or
to create themselves could lead to the truth of the film. The aim of this article
is to reflect on this procedure and its unfolding in the field of contemporary
documentary.
Keywords: Documentary, Jean Rouch, ethnographic film.
Rsum: En 1954, Jean Rouch, au temps o il tudiait les phnomnes
de migration en Afrique de lOuest, invita trois amis nigriens - Lam, Illo et
Damour - entreprendre un voyage jusqu la Cte de lOr (ou Gold Coast,
aujourdhui Rpublique du Ghana), lexemple des milliers de jeunes africains
qui sexpatriaient chaque anne pendant les mois de la saison sche. Rouch a
film cette exprience, en mlangeant documentaire et fiction, et a introduit un
lment entirement nouveau dans les relations entre le cinaste et les sujets
observs du documentaire ethnographique. En effet, si jusqualors, les sujets
se soumettant au regard de la camra taient incits montrer des aspects
de leur ralit de la manire plus naturelle possible, dans Jaguar, film rsultant de lexprience mentionne, Rouch montre des sujets qui se construisent
tout au long de lenregistrement flmique et agissent sur une ralit galement
construite. Ainsi, il a mis en oeuvre une "vrit provoque", expression quil a
utilis pour dfinir le procd grce auquel il a donn la libert aux personna-
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Nichols, em seu livro Ideology and the Image, comea o captulo intitulado Documentary, criticism, and the ethnographic film,
afirmando que "a questo central colocada pelo filme documentrio :
What to do with people?". Em seguida, partindo da premissa de que
o filme documentrio nos informa sobre situaes ou eventos histricos e freqentemente representa pessoas que esto envolvidas nessas
situaes e eventos, Nichols faz as seguintes perguntas: Como essas
pessoas devem ser representadas? Que investimentos em nvel de desejo vo ser trazidos tona e que posies vo ser demarcadas para
o espectador? At que ponto nosso reconhecimento de uma realidade
pr-flmica, externa, mas descrita pelo filme, pode ser contrabalanado
por nosso conhecimento de que essa realidade permanece um construto, uma aproximao e re-apresentao, qual no temos verdadeiramente direto e livre acesso? O que pode proporcionar o documentrio
em termos de entendimento sobre como as pessoas se organizam em
coletividades, como estabelecem sentido e valores, como conduzem e
compreendem as interaes sociais em curso? (Nichols, 1981,p. 237).
O filme etnogrfico, ou o documentrio tout court, criou, ao longo de
sua histria, muitas estratgias para responder a essas perguntas. Evidentemente, no se trata aqui de passar em revista essas estratgias,
mas, conforme anunciado no ttulo deste artigo, tratar daquela que tem
em Jean Rouch o seu iniciador e defensor. Antes, porm, de ir ao ponto
que nos interessa, parece-me importante situar rapidamente sua obra
no contexto deste artigo.
Jean Rouch considerava que para registrar as coisas do mundo em
imagens em movimento fazia-se necessrio reatar com Muybridge e
Marey, para quem o cinema era, antes de mais nada, um instrumento
cientfico. Mas Rouch, que alm de engenheiro e antroplogo, era um
amante da pintura que havia praticado na juventude e da poesia,
e vivera a efervescncia parisiense dos anos 30 (notadamente o movi-
I ll
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Marcius Freire
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nunca sei o que vai acontecer no fim, logo no me entedio. Sou forado
a improvisar, para o bem ou para o mal (Fulchignoni, 1981).
Tal estratgia, no entanto, no nasceu junto com o primeiro filme
de Jean Rouch. Ao contrrio. Ela o resultado de suas primeiras experincias com o registro etnocinematogrfico de aspectos de algumas
sociedades africanas. Foi a partir dessas experincias que sua forma
de interagir com as pessoas observadas e seu estilo flmico, seus procedimentos de mise en scne, comearam a se construir. Esse processo pode ser mais bem compreendido com esta sua revelao: Em
1951, voltei ao Nger para fazer um segundo filme sobre a caa ao hipoptamo, pois estava realmente envergonhado com o primeiro. O filme
em questo, Au pays des mages noirs, foi meu primeiro filme. Ele foi
rodado em preto-e-branco e era mudo. As filmagens duraram nove meses (1946-1947), o tempo de descida do rio Nger numa piroga. As
Actualits Franaises o compraram e reduziram a dez seus trinta minutos. Na falta de som real, foram acrescentados uma msica imbecil
e um comentrio lido por um comentarista do Tour de France com sua
voz caracterstica. O ttulo foi dado por eles. Comercialmente, o filme
funcionou muito bem (Rouch, 1988).
Rouch continua: Aps esse filme minha reao foi dizer no, no
possvel!. Essa msica nula, o tom do comentrio insuportvel.
Trata-se realmente de um filme extico, um filme que no deve ser feito.
Eu no o projetei na frica, pois teria vergonha. Hoje eu no concordo
com nada neste filme, a narrao, a msica e assim por diante. Antes
eu tinha filmado em preto-e-branco, mas no sou um fotgrafo muito
bom, assim mudei para o Kodachrome. Filmar/enquadrar em cores
muito mais fcil! Trs anos depois voltei ilha dos pescadores Sorko,
mostrei-lhes o novo filme colorido (Bataille sur le grand fleuve, 19511952) e, pela primeira vez, eles entenderam o que eu estava fazendo
com aquela mquina estranha que estava sempre em minhas mos.
Eles viram sua prpria imagem no filme, descobriram a linguagem flmica, reviram o filme vrias vezes, e de repente comearam a fazer
crticas, me dizendo o que tinha de errado com ele. Esse foi o comeo
da anthropologie partage, a antropologia partilhada: de repente partilhamos um relacionamento. Dei a eles minha tese de doutorado, e os
livros que tinha escrito sobre sua cultura, mas eles no tinham o que
fazer com eles. Mas se voc tem a possibilidade de voltar s pessoas
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criada por Jean Rouch h mais de meio sculo e da qual Jaguar, Moi,
un Noir e Chronique dun t so os exemplos mais representativos.
fato que o barateamento e a consequente facilidade de acesso
aos instrumentos de registro e edio em imagem e som a que temos
assistido nos ltimos anos, aliados proliferao de canais de televiso por assinatura, tm provocado experimentaes de toda sorte no
universo do documentrio. Da disponibilizao de cmeras aos sujeitos
tradicionalmente observados para que realizem seus prprios registros,
como em O prisioneiro da grade de ferro (2003), de Paulo Sacramento,
distribuio de cmeras em determinados ambientes para a observao dos sujeitos como nos reality shows, passando por gravaes em
celulares e cmeras fotogrficas digitais, o filme de no-fico se perde
e se encontra na sociedade do espetculo.
Est se tornando cada vez mais comum a realizao de documentrios cujo objetivo se situa muito mais na mobilizao do aparato que
vai lhe dar forma, na estratgia de organizao do mundo histrico a ser
registrado e no apelo a outros suportes de imagem e som, como a internet, durante sua realizao, do que propriamente em dar a conhecer,
em levar o espectador a ter contato e penetrar mais profundamente na
realidade do outro.
Um bom exemplo desse perfil de documentrio, pelo menos no que
diz respeito s duas primeiras caractersticas, o filme A pessoa para
o que nasce (2005), de Roberto Berliner. Esse filme tenta retratar o
dia-a-dia de trs irms cegas que ganham a vida cantando e tocando
ganz nas ruas de Campina Grande, na Paraba. At um determinado
momento, o filme efetivamente nos mostra esse quotidiano, de uma maneira que no vem ao caso aqui pois haveria muito a dizer sobre a
estratgia de mise en scne do diretor em relao aos ngulos, enquadramentos e outros recursos tcnicos utilizados para pintar o mundo
das trs personagens. Mas o que nos interessa nesse momento dizer
algumas palavras sobre o aspecto cinema-verdade que o filme adquire
na sua segunda parte, aquela em que uma legenda anuncia dois anos
depois.
A partir daqui o objeto de registro j no o quotidiano dos personagens. Esse quotidiano fabricado para a cmera, com a participao
do prprio diretor e de membros de sua equipe nas imagens e sons. As
trs irms vo participar do festival de percusso da Bahia. Antes elas
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Marcius Freire
j tinham sido aladas, pela mdia de sua Campina Grande natal, condio de estrelas de cinema. Agora esto vivendo seus dias de glria,
seus dias de estrelas da MPB. O filme passa ento a retratar o contato
dos personagens com uma realidade que no conheciam. Cmeras
so colocadas no quarto do hotel para revelar a sua estranheza diante
de um mundo com o qual no estavam habituadas. Cenas cmicas
abundam no filme, como quando uma das irms no consegue utilizar o
telefone, invertendo a posio do aparelho, e precisa ser ajudada para
utiliz-lo corretamente. A produo leva as irms para passear pelas
ruas de Salvador e, carregadas no colo at a escadaria de uma igreja,
cantam e tocam seu ganz para a cmera.
De Salvador elas vo para So Paulo, e o espanto diante da cidade
grande vira o tema do filme. A cmera invade o quarto do hotel sem
cerimnia, escuta as conversas sobre problemas de famlia, grava o
sono das trs irms. Essa cmara no registra uma improvisao, como
em Jaguar, que revela ao espectador a cultura dos personagens e sua
relao com a cultura do Outro, tampouco penetra o mundo interior, os
desejos e frustraes dos imigrantes de Moi, un Noir. Em A pessoa
para o que nasce os personagens so apenas peas de situaes
criadas para a cmera, situaes essas que no tem outro objetivo que
no elas prprias. As trs irms se do em espetculo para a cmera,
nada mais que isso. Personagens simples diante de situaes que no
dominam, que no entendem, que nem mesmo enxergam, j que so
cegas.
Estamos bem longe de Jean Rouch! No se trata aqui, como nos
seus filmes, de filmar a fico engendrada por seus personagens como
se filmasse o mundo histrico, mas de filmar a fico criada pelo diretor como se fosse, efetivamente, um filme de fico. Essa a grande
diferena. No h, como dizia Chris Marker, uma verdade no caminho, no h, como diz Jean Rouch, a verdade do filme. Nesse filme,
h apenas um exerccio explcito de voyeurismo, voyeurismo esse que
culmina com a cena em que as trs irms tiram a roupa e entram no
mar, numa das ltimas sequncias do filme que resume o seu esprito
e objetivo: o espetculo. E, como dizia Guy Debord, o espetculo no
deseja chegar a nada que no seja ele mesmo (Debord, 1997,p. 17).
65
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Resumo: Jean Rouch explorou o acaso, assim como os sonhos e a imaginao de seus atores para construir seus filmes. Caractersticas que ajudam a
identific-lo como um dos herdeiros do Surrealismo. Este artigo analisa como
os filmes dialogam com as idias do movimento que agitou a Frana dos anos
20. Para tanto, apresenta o discurso construdo pelos analistas da obra de
Rouch sobre as relaes entre essa e o Surrealismo. Em seguida, analisa os
filmes La Punition, de 1960 e Gare du Nord, de 1965. Esse artigo parte da
idia de que Rouch no se guia pelas mais famosas imagens surrealistas, empenhadas em desnaturalizar o cotidiano. Antes, ele criar outro tipo de imagem
surrealista.
Palavras-chaves: Surrealismo, Jean Rouch, Gare du Nord, La Punition,
Cultura de massa.
Resumen: Jean Rouch explor la casualidad, as como los sueos y la
imaginacin de sus actores para construir sus pelculas. Estas caractersticas
permiten identificarlo como uno de los herederos del Surrealismo. Este artculo
analiza cmo sus pelculas dialogan con las ideas del movimiento que agit
la Francia de los aos 20. Por tanto, presenta el discursoconstrudo por los
analistas de Rouch sobre las relaciones entre su obra y el Surrealismo. A
continuacin, se analizan las pelculas La Punition, de 1960 y Gare du Nord, de
1965. Este artculo parte de la idea de que Rouch no se gua por las imgenes
ms famosas de los surrealistas, empeadas en desnaturalizar lo cotidiano.
Antes bien, crear otro tipo de imagen surrealistas.
Palabras clave: Surrealismo, Jean Rouch, Gare du Nord, La Punition, Cultura de masas.
Abstract: Jean Rouch explored the fortuitous, as well as dreams and the
imagination of his actors in creating his films. These features identify him as
one of the heirs of Surrealism. This article analyzes how his films tackle the
ideas of the movement that agitated France in the 1920s. Thus, it presents the
discourse constructed by Rouches analysts on the relations between his work
and Surrealism. It then proceeds to analyse the films La Punition, 1960, and
Gare du Nord, 1965. This article proposes that Rouch is not guided by the
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most famous surrealist images denaturalizing daily life. On the contrary, he will
create another kind of surrealist images.
Keywords: Surealism, Jean Rouch, Gare du Nord, La Punition, Mass culture.
Rsum: Jean Rouch a explor loccasionnel et le hasard, ainsi que les
rves et limagination de ses acteurs pour construire ses films, caractristiques
qui pourraient permettre de lidentifier comme un des hritiers du Surralisme.
Cet article analyse comment les films dialoguent avec les ides du mouvement
qui a agit la France dans les annes 1920. Ainsi, il prsente le discours construit par ceux qui ont analys lIJuvre de Rouch du point de vue des relations
entre son travail et le surralisme. Ensuite, il analyse les films La Punition
(1960) et Gare du Nord (1965). Cet article part de lide que Rouch nest pas
guid par les images surralistes les plus clbres, images avec lesquelles a
t entrepris de dtourner les codes de la vie quotidienne. Au contraire, il va
crer un autre type dimages surralistes.
Mots-cls: Surralisme, Jean Rouch, Gare du Nord, La Punition, culture
de masse.
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Cf. Jean Rouch, Lautre et le sacr: jeu sacr, jeu politique. in C. W. Thompson(Org.), LAutre et le Sacr: surralisme, cinma, ethnologie, Paris: LHarmattan,
1995, p. 410.
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tarde ele procuraria no Museu do Homem e seria seu orientador de doutorado; mesmos Dogons (povo africano) aos quais Rouch dedicaria uma
srie de filmes. A partir desta iluminao de sol se pondo, eu segui o
caminho inicitico ao longo de toda a minha adolescncia. Descobrindo
a pintura de Chirico, depois aquela de Salvador Dal, depois o prprio
Dal. [...] Meu primo Andr Gain, pintor-fotgrafo e poeta, levava-me
s vezes noite para descobrir os monstros sagrados.4 Simpatizante
confesso do surrealismo, ele publicou um poema na revista Les Rverbres, em 19395 . Por acaso, como gosta de dizer, ou aproveitando
os ventos de uma cidade que era a capital cultural da Europa, Rouch
freqentou as festas de Jazz, os debates em torno do Surrealismo, os
cineclubes onde se via e se falava de cinema.
O amigo de faculdade Jean Sauvy conta sobre o esprito que tomava conta de Paris na poca. Ele e Rouch ouviam a msica americana, freqentavam uma sala de cinema onde projetavam filmes de
vanguarda e visitaram a Exposio Surrealista Internacional.6 Entre
1938-1939, os dois fizeram o curso preparatrio militar. A guerra se
aproximava contrastando com o desejo dos jovens de aproveitar a vida
e expandir os conhecimentos. Na mesma poca, Rouch comeou a
freqentar as sesses de cinema organizadas por Henri Langlois nas
noites de sexta-feira. Estas sesses esto na origem da atual Cinemateca Francesa. Mas Rouch era ento um jovem que no pensava em
fazer cinema.
Mais tarde, j como engenheiro no Nger, Rouch descobriria os rituais de possesso. Em entrevista a Esnault, ele rememora o perodo
de trabalhos no Nger. Segundo suas declaraes, seus compatriotas
estavam dispostos a colaborar com os alemes e, para o trabalho de
engenharia, faltavam condies materiais. Diante da escassez de gasolina e cimento, ele lidava com homens que carregavam areia na cabea,
numa poca de trabalhos forados. Eu estava muito mais interessado
nestes homens que no trabalho propriamente dito. [...] E assim eu
fui levado a observar alguns eventos e a escrever os primeiros textos
4 Jean
Rouch, Lautre et le sacr: jeu sacr, jeu politique, op. cit., p. 411.
Cf. Michel Faur, Les Rverbres in Histoire du Surralisme sous lOccupation,
Paris: La table ronde, 1982, p. 36.
6 Cf. Jean Sauvy, Jean Rouch tel que je lai connu, Paris: LHarmattan, 2006, p.
10-11.
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Cf. Edgar Morin, Cultura de Massa no Sculo XX: o esprito do tempo I - neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1990.
23 Cf. Edgar Morin, Cultura de Massa no Sculo XX, op. cit.
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na materialidade da cidade, do bairro que d nome ao filme. Neste momento, Gare du Nord abandona o tom cotidiano da cena de briga de
casal para mergulhar em um mundo mais prximo dos sonhos. Esta
juno de dois mundos estranhos um ao outro parece satisfazer idia
de imagem surrealista descrita por Breton aquela que apresenta o
mais alto grau de arbitrariedade.28
O encontro entre Odile e o homem de Auteuil parece fornecer elementos da imagem surrealista. Como explicar o encontro improvvel?
Que noo de verossimilhana guiaria a cena? A descida do elevador
conduziria Odile a um lugar onde tudo possvel e a faria mergulhar em
um mundo onde suas personagens ganham vida. O tom amigvel da
conversa contrasta com o contedo das frases ditas. A absurdidade da
cena surge da combinao de conversa banal com a reproduo, quase
palavra por palavra, das frases ditas por Odile em sua briga com o marido. Mas agora as palavras esto na boca de outra pessoa e a moa
no as reconhece.
Esses seres desconhecidos, que aparecem de repente e de repente
somem e dizem coisas sem sentido aparente parecem personagens de
sonhos. Assim, no seria possvel analisar a segunda metade do filme
partindo dos mesmos parmetros de seu incio. As duas partes de Gare
du Nord parecem unir, no escuro do elevador, o tempo da viglia e o
tempo do sono. Encontro ao gosto do Surrealismo com suas imagens
improvveis. O alto grau de arbitrariedade, prprio ao tempo do sono,
justificaria a juno destas personagens socialmente discordantes. Seria este homem fruto das alucinaes de Odile ou a vida ria-se dela
ainda uma vez? Personagem de alma livre que parece apenas procurar
outras almas, disponveis como ele, para errarem juntos pelo mundo.
Odile que renega a vida medocre ao lado do marido no pode dizer
sim ao homem de Auteuil. O raccord perfeito no escuro do elevador
esconderia uma quebra profunda na narrativa e nos conceitos trabalhados no filme. A sociedade de consumo, tratada com realismo na cena
inicial substituda por um mundo onrico de personagens fantsticas
surgidas no se sabe da onde. Nesse mundo o espectador apenas advinha acontecimentos, entrev cenrios e deixa-se guiar pela cmera.
As duas metades de Gare du Nord mergulham o filme em uma das
caractersticas caras a Breton: a mistura de realidade e irrealidade, de
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Entre surpresa e assustada ela nega essa vida que se oferece a ela.
Nesse filme, a desconfiana surrealista transfigura-se na dupla morte.
O homem de Auteuil nega a vida e Odile diz no porta que se abriu
para seus sonhos.
O sonho com uma vida como a dos olimpianos parece, ento, constituir amarras para a vida de Odile, vida vivida ou imaginada. Assim, o
filme de Rouch parece nos dizer que quando o esprito perde espao
para os sonhos de consumo, chega ao fim o tempo de sonhar com a
liberdade. O ltimo vestgio desse tempo sonhado se entrega aos trilhos de trem. O homem de Auteuil ainda tinha a esperana de viver
um louco amor, uma vida de mistrios, mas v seu sonho dissipar-se
quando Odile lhe diz no. Em Gare du Nord, os sonhos so tolhidos e
a imaginao pouco se rebela. Assim como se imagina pouco, pouco se
realiza. No se representa o gangster, no se tenta ser artista, no h
espao para a realizao dos sonhos pregados pela cultura de massa.
Tambm no h mais espao para o homem de esprito livre em busca
de seus pares, o homem surrealista. Percebemos ento, que o alto
grau de arbitrariedade desse encontro no se deve apenas a esse trnsito improvvel entre os dois bairros de Paris. Mas, como Jean-Pierre,
o marido, permanecia ligado cidade em demolio, tambm o homem
de Auteuil no est adequado ao esprito do tempo. E Odile que largou
o marido e se negou a fugir com o homem de Auteuil , ento, abandonada pela cmera.
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S urgimento
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documento fotogrfico visto como espelho da realidade e a sua semelhana com o referente lhe d uma verosimilhana que o transforma em
cone (representao por semelhana), a capacidade de testemunho
fiel do mundo provm em grande parte do processo mecnico (cientfico) de produo da imagem.
Repare-se que a questo dos modos de representao do real passa
inevitavelmente pela relao especfica que existe entre o referente externo e a mensagem produzida pelo medium utilizado. Quando esses
modos so transparentes, como agora o caso, o mimetismo evidente
do real d origem ao que se designa por Realismo, um modo de representao que exige do observador a utilizao das mesmas capacidades para reconhecer o contedo do representado e para reconhecer
os objectos ou os tipos de objectos no contexto do real. O estilo ento
utilizado no tratamento e na construo da imagem apaga a diferena
entre o signo e o referente, dessa forma apelando denotao e sentido
unvoco da situao retratada e explorando o seu contedo de modo a
objectiv-lo e reific-lo. A insero da imagem no discurso antropolgico desse perodo , portanto, enquadrada pelos paradigmas mimtico
e realista, mas o seu efeito estende-se com mais ou menos pujana
para alm dele e at actualidade.
J em pleno sculo XX, com nfase a partir dos anos 1930 e prolongando-se at aos anos 1980, d-se um refluxo das imagens na Antropologia, inclusive como instrumentos de trabalho-de-campo. A instalao
desse desencanto com a imagem acontece, paradoxalmente, em simultneo com a progressiva difuso de novas tecnologias audiovisuais e
com a imposio da comunicao por meios visuais em todo o mundo,
pois durante este perodo que se assiste massificao do cinema,
chegada e rpida difuso da televiso, ao pulular das cmaras de
fotografar e filmar portteis e consequentes usos caseiros.
Confrontada com um dos seus fantasmas recorrentes, a Antropologia v-se ento na necessidade de distinguir o seu discurso (as suas
imagens) relativamente a outros afins ou paralelos. O uso cientfico da
imagem como instrumento dessa distino produz, contudo, um efeito
perverso duplo, pois se, por um lado, e internamente, se discute a sua
evidente e excessiva possibilidade de interpretao, por outro lado, a
apropriao do seu conhecimento pela sociedade em geral, aquilo que
dele se revela em esferas como, por exemplo, os meios de comunica-
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de os registar para posterior anlise ou mesmo reavaliao. Estes argumentos, por sua vez, encaixam no avano da teoria da imagem para
um discurso do cdigo e da desconstruo, em que a fotografia (Dubois,
1983) logo, o filme vista como instrumento de anlise, de interpretao, mesmo de transformao do real ou, dito de outro modo, como
um smbolo (representao por conveno geral).
A relutncia cientfica excessiva possibilidade de interpretao
das imagens ento encarada como uma mais valia, pois precisamente porque estas possuem a possibilidade de leitura mltipla que o
registado num dado momento pode ser (re)interpretado posteriormente.
As imagens passam a ser tratadas como factos e, como eles, admitem
diferentes explanaes. A defesa do rigor cientfico dessas apreciaes
fundamenta-se na capacidade de identificao, preciso e objectividade
no detalhe que o uso da cmara, um artefacto mecnico, garante. As
imagens por ela produzidas, com a possibilidade objectiva de medida,
contagem e comparao que lhes foi reconhecida desde os primrdios
da sua existncia permitem mesmo ultrapassar o carcter incompleto
e impressionista da observao directa realizada sem qualquer tipo de
aparelhos tecnolgicos. O olho e a memria humanos so, assim, encarados como limitadores da necessidade do antroplogo em apresentar
os relatos da cultura da forma mais objectiva e racional possvel, pelo
que a obrigao em colmatar to grave lacuna leva esse perito a recorrer a todas as oportunidades cientficas disponveis, e nesse sentido a
cmara [de fotografar ou de filmar] pode gravar com preciso uma infinidade de detalhes (...) no subjectiva, no se confunde com o que
no familiar e no se fatiga (Collier, 1976, p. 224). O prprio guio de
um filme de investigao respeita o mtodo cientfico, pois aquilo que
se regista em pelcula uma seleco sistemtica de dados que resulta
de uma anterior definio de procedimentos, de estrutura e categorias,
tendo como objectivo suportar as anlises posteriormente construdas.
Esta tentativa de englobar o visual na Antropologia, contudo, apenas
justifica aquilo que Sarah Pink (2001) apelidou de abordagem cientficorealista da imagem. A sua submisso aos princpios metodolgicos
e analticos cientficos estabelecidos e dominados pela palavra escrita
est bem patente na afirmao de que o desafio da Antropologia Visual
deslocar-se da finalidade visual para a verbal e conceptual, para a escrita e a criao de ideias (Collier, 1976, p. 223). Nesta abordagem,
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a recolha de dados baseada em imagens a nica capacidade fidedigna reconhecida ao filme. Os mtodos visuais continuam, portanto,
a ser demasiado subjectivos, exiguamente representativos e pouco sistemticos, ou seja, nada cientficos, pelo que embora a antropologia j
produza imagens, continua a consumi-las.
Ser necessrio esperar pelos anos 1980 para que surjam as condies precisas para que uma nova perspectiva (produtora) do visual
no conhecimento antropolgico abra caminho a um influxo de imagens
e este comece a embeber os agora revelados solos arenosos da sua
representao escrita. no seio da prpria disciplina que surge ento
um movimento terico alertando para o facto do saber antropolgico se
basear em formas diversificadas de pensar, falar e representar a realidade, provenientes dos discursos indgena, de minorias, das disporas
e empregando na sua construo estruturas narrativas semelhantes s
utilizadas na literatura ou na montagem cinematogrfica. A dificuldade
em distinguir os escritos antropolgicos da literatura de viagens, por
exemplo, provm exactamente das suas recorrentes descries profundamente vivas e visuais, tanto mais aliciantes quanto mais recorriam ao
literrio metfora, figurao e narrativa.
O assumir deste postulado conflui na proposta de uma nova Etnografia, que abordagem positivista e realista da produo do conhecimento antropolgico, vinculada ao acesso verdade e objectividade,
ao racional e universal, contrape o nfase na fico no no sentido
de falsidade, antnimo da verdade, mas no sentido de fingimento, tal
como proveniente da sua etimologia latina e definida pelos estudos literrios e na subjectividade desse conhecimento. James Clifford, um
dos proeminentes antroplogos desse movimento crtico, vem afirmar
que a escrita etnogrfica uma construo narrativa fundada no numa
sistemtica selectividade, mas sim numa sistemtica e problemtica
excluso de partes da realidade, assumindo-se esta como impossvel
de reportar na sua plenitude, sendo precisamente nesse metdico processo de seleco/excluso, nessa economia da verdade, que o poder
e a histria trabalham de forma que acaba por escapar ao controlo dos
prprios autores (1986a, p. 7). Clifford assevera mesmo que uma vez
que todos os nveis de sentido de um texto, inclusive teorias e interpretaes, sejam reconhecidos como alegricos, torna-se difcil ver um deles
como privilegiado (1986b, p. 103). O fundamento Ps-Moderno deste
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No original, em francs, Barthes joga com o triplo sentido da palavra jouer (jogar), que ela no possui em portugus, a saber: o mecnico (funcionar), o ldico
(jogar, brincar) e o musical (tocar, interpretar).
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Regnault foi um Mdico que se destacou como membro da Sociedade de Antropologia de Paris.
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A expedio organizada por este Zologo tambm contou com a presena dos
antroplogos C. G. Seligman e W. H. Rivers.
5 Embora estes o considerassem um acidente de percurso, tendo mesmo vaticinado
ser o cinema um espectculo sem futuro, numa frase curiosamente transcrita por JeanLuc Godard para um cenrio do seu filme Le Mepris (1963).
6 Nomeadamente com Nanook do Norte (1922).
7 Tabu (1931), de Friedrich W. Murnau, em que Flaherty esteve envolvido, e King
Kong (1933) de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, por ambos tambm se
terem destacado na realizao de filmes de viagens, so dos casos mais representativos
e maturos dessa linhagem.
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divulgados a partir dos anos 1950, mas com base em material filmado nas
dcadas anteriores.
9 Estdio de filmes etnogrficos associado Universidade de Harvard, fundado nos
anos 1960 por Timothy Asch e os Marshal (Laurence, Lorna e Elizabeth).
10 Por esses mesmos anos tambm na designada Arte Conceptual, nomeadamente
atravs do colectivo Art & Language (uma das plataformas mais produtivas desse
movimento artstico, fundada por Michael Baldwin e Mel Ramsden e de que fez parte
Joseph Kosuth), os trabalhos artsticos eram acompanhados por publicaes onde se
expunham por escrito (da o nome que liga, mas separa, a arte e a linguagem) as
questes tericas na origem dessas obras.
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logia Visual. Para Jay Ruby (Loizos, 1995), um dos seus distintos estudiosos, o filme etnogrfico ideal dever: i) enunciar o lugar e o tempo
em que decorre; ii) ser realizado ou coordenado por um antroplogo; iii)
ter como objecto uma cultura integral ou parte dela, bem definida; iv) ter
uma estrutura informada por uma ou mais teorias da cultura; v) explicitar os mtodos de pesquisa e filmagem empregues; vi) recorrer ao uso
do lxico antropolgico; vii) ter o som sincronizado, no podendo este
ser acrescentado; e viii) enquadrar corpos inteiros e seguir contextos e
aces do princpio ao fim.
Projectos como o da Enciclopdia Cinematogrfica do Institut fr
den Wissenschaftlichen de Gttingen11 apuram ainda mais estes preceitos e, ao contrrio de Ruby, insistem na impossibilidade de separao
do texto escrito de uma documentao etnogrfica em filme, o qual, de
acordo com o aludido por Peter Fuchs12 em 1988, deve preservar, para
alm da unidade de espao, de tempo e de grupo, a obedincia estrita
cronologia da aco na verso final do filme, no sendo tambm admissvel qualquer manipulao artificial na filmagem ou na montagem
(. . . ). O filme cientfico torna impossvel a encenao (Banks, 1992, p.
119).
Considerando todos estes aspectos, resumidos por Karl Heider como
filmes que revelam corpos integrais e povos integrais, em aces integrais (Loizos, 1995), notria a preocupao em diferenciar os filmes
etnogrficos do Documentrio ou mesmo da Fico. Adicionalmente
(Banks, 1992), neles explcita a prevalncia do filme (o objecto) em
relao ao cinema (o conceito), valorizando-se o material flmico pelo
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seu contedo etnogrfico e cientfico e no por consideraes cinematogrficas ou estticas. O que se pretende evitar, portanto, que a
introduo destas ltimas interfiram na inteno etnogrfica original, sobrepondo outros critrios e valores ideolgicos, como os do cinema ou
da televiso. Por isso se estabelece o apego do filme ao lugar e realidade que o habita, associado ao apelo a uma objectividade e valor
cientfico incompatvel com tcnicas de filmagem ditas subjectivas ou
expressivas o grande plano ou qualquer sonoridade introduzida posteriormente , tudo numa tentativa de contornar as divergncias anteriormente referidas neste estudo entre Cinema e Cincia, no afastando
o Filme Etnogrfico das bases cientficas que a prpria escrita etnogrfica procurava manter.
Estabelecendo o paralelo do que acontece neste movimento interno
Antropologia com a teoria e esttica do Cinema, possvel detectar a
tenso provocada pelo binmio estabelecido entre duas das correntes
que tm dominado as suas discusses, uma relacionada com o cinema
mudo outra com o cinema sonoro. Neste sentido, existe uma certa conformidade entre os filmes etnogrficos mais fragmentados, de registo
de tecnologias e rituais, com os pequenos trechos de filmes cientficos
dos primeiros tempos, ambos conformados ao paradigma terico da relao das partes com o todo proveniente do cinema mudo. Assim, tal
como os fragmentos de um filme por montar so apenas reprodues
mecnicas da realidade (Monteiro, 1996, p. 65), tambm os filmes
etnogrficos so, inclusive por razes cartesianas, partes de um todo
apenas susceptvel de ser apreendido atravs do conhecimento terico
da Antropologia da a necessidade do documento escrito.
Contudo, tambm possvel supor um momento em que a propsito de registar tecnologias e rituais, se passa a incorporar um discurso
flmico cuja inteno revelar as interaces e os contextos sociais e
psicolgicos em que estes se manifestam, criando-se um espao geogrfico e social imaginrio no qual se tenta envolver o espectador.
ento que o Filme Etnogrfico adere ao paradigma terico da relao da
realidade com o cinema, mais associado ao cinema sonoro, e comea
a mostrar as influncias da renovao do realismo verificada no cinema
(de fico) a partir dos anos 1940, em particular a exercida pela sua vertente europeia, liderada em termos tericos por Andr Bazin e iniciada
na prtica pelo Neo-Realismo italiano. Assumindo a ascendncia nos
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relacionadas com as mudanas tecnolgicas, que talvez sejam as principais responsveis pela transformao de gneros e estilos. Presumese tambm ter sido esse o entendimento de Loizos quando estabeleceu
o ano de 1955 como o incio do perodo escolhido para sistematizar
as inovaes atrs enunciadas, um intervalo de tempo suficiente para
tornar evidentes as repercusses das alteraes tecnolgicas ocorridas
com a Segunda Guerra Mundial, o acontecimento histrico que estabelece a fronteira entre a realidade dos materiais pesados e volumosos,
associados cmara de 35 milmetros, e o incio da era da miniaturizao, com a adopo da cmara de 16 milmetros.
De facto, difcil entender essas inovaes conceptuais se no se
tiver em considerao as mudanas prticas associadas substituio
de uma equipa tcnica numerosa e dos custos elevados (tpica dos 35
mm), pela leveza, maleabilidade e custo acessvel, ou ainda pela introduo do som magntico e sincrnico e pela criao de uma pelcula
mais sensvel luz e captao da cor, tudo novidades das novas
tecnologias. O resultado prtico, ento, foi a introduo de um discurso
directo mais tarde aprofundado com a legendagem que dispensa a
voz narradora (off ou over ), bem como a possibilidade de filmar sem
recurso luz artificial em contextos pouco iluminados e mais ntimos,
permitindo, talvez paradoxalmente, uma discrio (da parafernlia) e intruso (do realizador/espectador) nunca antes alcanveis na realizao das filmagens.
Ou seja, o desenvolvimento das tecnologias de filmagem implicou
uma transformao crucial dos modos de filmar que, por sua vez, conduziu a uma cobertura mais aproximada e intensa do real e a uma maior
verosimilhana dos filmes etnogrficos. E aquilo que alguns entenderam como uma desvalorizao dos valores cinematogrficos e estticos que a cmara de 35 mm implicava, agora subjugados ao interesse
cientfico que a agilidade das novas cmaras tambm contemplava,
acabou por se revelar num novo paradigma do Filme Etnogrfico. Este
paradigma, o do realismo observacional, radicando numa das correntes
mais fortes que atravessa o tempo e os modos de representao visual
(o realismo), sofreu um impulso ainda maior com a introduo do vdeo
e do digital, assim se propagando at actualidade.
A aplicao desta prolfica combinao de inovaes conceptuais
e prticas com os cdigos do Realismo, no entanto, vo acabar por
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imediato com os lugares mais arreigados das identidades culturais, tambm esta nova qualidade etnogrfica da imagem vai criar os seus prprios espaos de revelao. Neste sentido, a transposio da reflexividade para os filmes etnogrficos e documentrios talvez a via mais
significativa para a configurao desse espao onde a praticabilidade
dessa desmaterializao possvel, seja, como realou Peter Loizos
(1997), na forma de identificao prpria (com a presena no plano)
dos realizadores ou autores, demonstrando assim como o filme feito
por indivduos e no impessoal; seja com a manifestao expressa e
visvel do fora de campo, de indcios do aparato cinematogrfico como
a tbua de marcao da filmagem ou a insero da cmara de filmar
no plano; seja, ainda mais significativamente, com o filme a revelar as
negociaes do seu prprio processo de intenes e criao, quer entre
os autores, quer com os prprios sujeitos filmados.
A reflexividade mostra-se, de facto, apropriada manifestao dessa
desmaterializao da qualidade etnogrfica na medida em que o processo reflexivo herdeiro da ideia modernista de uma concentrao
da ateno no texto da obra em si mesmo e nos signos que serviram
sua construo (Wollen, 1984, p. 161), o que conduz ao questionamento do prprio trabalho e do seu prprio cdigo, criando-se desta
forma uma separao, uma suspenso do contedo em relao ao sinal
apenas superada com o envolvimento do leitor na produo de mensagem. Assim, a concretizao dessa desmaterializao processa-se,
salvo o paradoxo, pela materializao da obra e consequente trabalho
sobre a mesma,17 pelo que em ltima instncia na obra (tambm
barthesiana) que se estabelece o espao exterior da sua ocorrncia,
por ela que se fornecem as condies de significao que cabe aos
sujeitos/leitores (seu espao interior) desenvolver.
Os limites cristalizados que o tempo, o uso e a apropriao acabam
por impor a todos estes mecanismos exigem, portanto, uma constante
renovao e uma busca de novas condies que os alarguem e expandam. A reflexividade parece ter sido suficientemente vulgarizada desde
a sua utilizao no Cinema de Observao, se no no seu modo mais
directo, em que a cmara/autor mais passiva e os eventos falam
por si prprios, pelo menos no seu modo mais verdadeiro, cuja cmara/autor intervm activamente no processo de filmar e naquilo que
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Antropologia e Documentrio...
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Resumo: O presente trabalho prope uma reflexo sobre algumas estratgias de mise en scne utilizadas na realizao do filme antropolgico. O cinema documentrio ser abordado, tanto do ponto de vista histrico quanto
terico-metodolgico, atravs de trs experincias em antropologia flmica,
sendo a primeira realizada junto ao grupo indgena Wasusu (famlia lingstica
Nambiquara, Mato Grosso-Brasil), a segunda com o grupo afro-descendente
Mal Debal (Salvador, Bahia-Brasil) e a ltima em colaborao com alguns representantes Inute vivendo em Nuuk-Groenlndia. Atravs destes trs exemplos flmicos sero analisadas as variadas tcnicas de filmagem e as estratgias flmicas adaptadas s diferentes temticas e sujeitos observados instrumentalmente, ou seja, com a cmera, ao longo de uma pesquisa utilizando-se
o aporte metodolgico da antropologia flmica.
Palavras-chave: antropologia flmica, documentrio, insero, descrio
etnocinematogrfica.
Resumen: El presente trabajo propone una reflexin sobre las diversas
estrategias de puesta en escena empleadas en la realizacin del documental
antropolgico. El cine documental se abordar, tanto desde el punto de vista
histrico como desde sus aspectos terico-metodolgicos, a travs de tres experiencias de antropologa flmica. La primera es la realizada junto a un grupo
indgena Wasusu (de la familia lingstica Nambiquara, Mato Grosso). La segunda junto al grupo de ascendencia africana Mal Debal (Salvador, Baha),
y la ltima en colaboracin con algunos representantes de los Inuite que viven
en Nuuk, Groenlandia. A travs de estos tres ejemplos flmicos sern analizadas las diferentes tcnicas de filmacin y las estrategias flmicas, adaptadas a
las diversas temticas y sujetos observados instrumentalmente: es decir, con
una cmara, a lo largo de una investigacin y utilizando la metodolgia de la
antropologa flmica.
Palabras clave: Antropologa flmica, documental, insercin, descripcin
etnocinematogrfica.
Abstract: The present article discusses the different strategies of mise-enscne used in anthropological documentary film. Documentary film will be exa-
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Introduo
trabalho busca refletir sobre algumas caractersticas de
mise en scne utilizadas na realizao do filme documentrio antropolgico e apresenta alguns resultados de trs pesquisas realizadas
inicialmente junto ao grupo indgena Wasusu, a segunda com o grupo
afro-descendente Mal Debal (Salvador, BA), e a terceira junto aos
Inute de Nuuk (Groelndia).
Observamos que, desde os primrdios da antropologia, certos pes-
P resente
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Bateson e Mead realizaram igualmente alguns filmes dos quais podemos citar Karbas First Years e Learning to Dance in Bali (1936-1939).
Neste sentido, Marcius Freire observa a importncia desta experincia
sublinhando que: ... o fato de os autores de Balinese Character terem
voltado do campo com mais de 25.000 negativos fotogrficos e quase
7.000 metros de filme cinematogrfico e que este material tenha assumido o papel que assumiu na publicao de seus resultados, confere a
essa experincia seu carter inusitado. Pela primeira vez, a coleta de
dados de uma investigao antropolgica de flego foi quase toda ela
realizada em imagens, .... (2003, p. 52).
Nesta mesma poca, o antroplogo francs Claude Lvi-Strauss realizou sua pesquisa de campo junto a alguns grupos indgenas do interior do Brasil utilizando tambm os instrumentos de registro visual (fotografia e filme). Em uma de suas primeiras obras, La vie sociale et
familiale des Indies Nambikwara (1948), o autor insere um anexo fotogrfico mostrando diferentes momentos e situaes da vida indgena no
Brasil. Em 1994 o autor publicou uma obra fotogrfica Saudades do
Brasil sobre o perodo em que viveu no Brasil.
Nos anos 1970, a pesquisadora Claudine de France, da Formation
de Recherches Cinmatographiques (FRC) da Universidade Paris X
Nanterre, estabeleceu as bases de uma nova disciplina, a antropologia flmica, cujo objeto assim por ela definido: o homem tal como
ele apreendido pelo filme, na unidade e na diversidade das maneiras como coloca em cena suas aes, seus pensamentos e seu meio
ambiente (France, 2000, p. 17). Alguns anos depois, Annie Comolli,
igualmente pesquisadora da FRC, realizou um estudo aprofundado sobre os diferentes aprendizados humanos atravs da imagem em movimento (1995, 2000). Nesse estudo, parte integrante da antropologia
flmica, so apresentadas as possveis formas de interao entre a mise
en scne do cineasta e as diversas maneiras atravs das quais os processos de aprendizagem se manifestam ao observador.
Nosso trabalho e reflexo se apoiam sobre esse conjunto terico e
metodolgico: a antropologia flmica.
O pesquisador desejoso de utilizar este instrumental em suas pesquisas deve, antes de tudo, refletir sobre as possibilidades tcnicas de
que dispe e, igualmente, sobre a questo tica que est sempre presente na relao que se estabelece entre os sujeitos que sero estu-
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cineasta. Tal faceta concerne a capacidade que tem esse registro de,
ao apreender um determinado processo, apreender igualmente outros
elementos, digamos, secundrios; o que pode levar a uma saturao
da imagem. Ou seja, esta ltima tem este poder de, ao mesmo tempo
em que apreende um determinado processo, desvenda outros simultaneamente, podendo estes se apresentar tanto no campo visual quanto
sonoro. Segundo Claudine de France, essa saturao no outra coisa
seno a expresso particular de uma lei cenogrfica geral, que qualificaremos de lei da saturao da imagem, segundo a qual mostrar uma
coisa mostrar outra simultaneamente (France, 1998, p. 43).
Prticas espetaculares, como alguns rituais, por exemplo, em que
esto presentes um grande nmero de agentes e um grande nmero
de atividades simultneas, so reveladoras desse poder das imagens
em movimento. Jean Rouch observa que "Quando um ritual comporta
um grande nmero de aes simultneas, certo nmero de gestos pode
parecer sem interesse, enquanto que outros parecem mais importantes;
ora, na anlise, percebe-se que dentre esses gestos, o mais inaparente, o mais discreto, que o mais importante"(Rouch, 1968, p. 463).
Um outro importante aspecto da etnocinematografia diz respeito aos
instrumentos de registro do som e das imagens utilizados. Atualmente,
com o progresso tecnolgico atingido pelas cmeras videogrficas,
possvel coletar uma grande quantidade de material sem a necessidade
de trocas de bobinas de material sensvel, pois o suporte magntico
autoriza um nmero extremamente elevado de horas de gravao de
boa qualidade e sem interrupo. Permitem, ainda, que o pesquisador
possa estar sozinho no campo, uma vez que no exigem a presena
de outros especialistas para que suas potencialidades sejam exploradas plenamente. Para tanto, necessrio apenas que o antroplogocineasta tenha sido formado s tcnicas de gravao da imagem e do
som.
No que concerne estratgia de apreenso flmica das atividades
estudadas, os princpios da antropologia flmica nos ensinam que uma
das mais conseqentes opes de mise en scne consiste em adotar
como fio condutor do registro a dominante2 dessas atividades. Ou seja,
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a mise en scne do cineasta decorre da auto-mise en scne das pessoas filmadas, pois que esta toma forma, construda para levar a bom
termo a tarefa que o agente do processo se deu como objetivo; que
essa tarefa se caracterize como uma tcnica ritual, corporal ou material. Quando esta regra obedecida, temos mais chances de ter um
produto final praticamente pr-editado que segue, preferencialmente, a
cronologia do processo observado. Esses atributos imprimem no artefato flmico a marca da inteligibilidade. Dito de outra forma, ao tomar
contato com os sons e imagens assim gerados, o espectador capaz
de seguir sem dificuldades e compreender sem sacrifcios - os meandros da tcnica observada.
importante observar, tambm, que, para que isto ocorra, fundamental que outros princpios tenham sido igualmente obedecidos. Dentre estes, podemos apontar aqueles que dizem respeito mais especificamente antropologia flmica e aqueles, de carter mais geral, que
concernem cinematografia documental tout court. Dentre os primeiros sublinhamos aquele que determina que, nos trs tipos de tcnicas
acima referidas (rituais, corporais e materiais), a ao do agente se
aplica a um objeto. Do ponto de vista do antroplogo-cineasta, a noo
de objeto (que torna-se paciente no caso de um ser humano) concerne
tanto as matrias primas ou brutas de um processo de trabalho qualquer quanto o produto ou o resultado da ao desse agente a cada momento.(. . . ) Seguir atentivamente o destino desse objeto da ao que
ele o agente procura transformar, deslocar, perseguir ou solicitar seria, para o cineasta, ir ao encontro da chave do processo observado e,
ao mesmo tempo, do principal fio condutor de sua descrio. (France,
1998, pp. 36-37).
Isso significa que, para restituir to fielmente quanto possvel cada
uma dessas maneiras de os seres humanos se relacionarem uns com
os outros e com o mundo que o envolve, estratgias de mise en scne
especficas devem ser desenvolvidas, uma vez que, em cada uma devimento se efetua, na maioria dos casos, em proveito de um desses trs aspectos. No
somente um desses aspectos domina os outros, mas tambm, se estabelecem entre
eles relaes de subordinao hierarquizadas em que cada um, excetuado o aspecto
dominante, ao mesmo tempo fim de um e meio de outro. O aspecto dominante do
processo afinal aquele que exprime sua finalidade principal, e cujo programa comanda a auto-mise en scne do conjunto. (1998, p.55).
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raiz menor que as outras ela pra, no sabendo mais como proceder.
Hesitando, levanta os olhos em direo me que, sem nada dizer,
aponta o dedo em direo do fogo para que Nahira deposite a raiz ao
lado das outras. o que a menina faz. As razes so dispostas uma
ao lado da outra, em camadas. Nas imagens, a hesitao e a indicao
gestual desvelam a situao de aprendizagem.
Sentada no cho e adotando a postura e os gestos das outras mulheres, Nahira sopra as chamas para ativar o fogo.
Uma seqncia ulterior do mesmo filme mostra Ada retirando as razes do fogo e virando-as para que sejam uniformemente cozidas. Enquanto as mandiocas cozinham, me e filha se deitam sobre um colcho
ao lado do fogo. Nahira coloca suas pernas entre as de sua me numa
postura muito comum entre um adulto e uma criana. Pouco tempo depois, Ada retira as razes do fogo com as mos nuas. Nahira a imita,
mas, logo percebendo que as mandiocas esto muito quentes, faz um
gesto com a mo enquanto diz que est muito quente. A fim de verificar
se as razes j esto cozidas, Ada apalpa uma a uma com as mos e
depois as recoloca nas chamas. Aps ter observado sua me, Nahira
efetua as mesmas operaes. Assim, a menina apalpa uma raiz, primeiramente com os dedos, depois, fechando-os, d pequenos socos e,
finalmente, desfere piparotes com o polegar e o indicador na raiz antes
de recoloc-la no fogo.
Enquanto as mandiocas cozinham (pausa nas atividades dos agentes), Nahira brinca l fora com sua prima Nadir que carrega seu irmozinho de cinco meses escanchado em seus quadris. A seqncia seguinte mostra Nahira brincando com Sandri. A menina segura o beb
por um brao e tenta fazer com que ele fique em p para andar. Tal
seqncia revela uma dupla aprendizagem: a da menina que exercita
uma tcnica de maternagem, e a do beb, que convidado a ficar em
p e andar (tcnica que ele ainda no possui).
Depois da pausa, o filme apresenta o interior da casa: as mandiocas
esto ainda no fogo. Ada e Nahira esto sentadas no cho, a segunda
come um pedao de mandioca cozida acompanhada de restos de carne
de um cervo caado dois dias antes. Ada apalpa uma raiz e Nahira a
imita. Como o fogo est muito forte, Ada enfia as mandiocas na areia
quente e depois, com a ajuda de um basto de madeira, recobre-as com
cinzas. Nahira, comendo um pedao de mandioca, olha a me efetuar
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essas operaes e, em seguida, retira uma das razes das cinzas e lhe
d alguns golpes com os dedos. Com a ajuda de um basto, tenta retirar
as razes enfiadas na areia enquanto sua me come mandioca.
A seqncia seguinte mostra a me e a filha deitadas consumindo
mandioca. fcil perceber, durante toda essa seqncia, que elas
agem em total cumplicidade. Finalmente, Nahira coloca um outro pedao de carne no fogo a fim de amolec-lo, enquanto sua me, com a
ajuda de um basto, retira as mandiocas enterradas na areia. Voltandose para mim, Ada me oferece espontaneamente um pedao de mandioca, o que traduz minha boa insero no seio desse grupo domstico.
As regras de boa educao utilizadas pelos Wasusu dizem que durante
uma refeio a pessoa deve oferecer a uma outra (parente ou amigo)
uma parte de sua alimentao. Ada, que nos considera um amigo, respeita essa regra.
A sesso de aprendizagem se desenrolou no interior da casa tradicional do Capito Yaw, que possui apenas uma porta como abertura.
O fogo, lugar privilegiado das atividades, se localiza em frente a essa
abertura. Tivemos ento de ocupar postos de observao situados no
eixo da abertura ou prximos porta de tal maneira que pudssemos
nos beneficiar da luz do dia. Mas, nesse caso, no podamos nos servir do ngulo de vista oposto, j que, se assim fizssemos, estaramos
orientando a cmera em direo porta e correndo os riscos inerentes contraluz. Dispondo apenas de um pequeno recuo, tivemos de
utilizar enquadramentos em planos mdios que possibilitassem o sublinhamento da situao de aprendizagem. Por exemplo, delimitamos de
maneira coincidente a menina que observava sua me realizando uma
das operaes que compunham a tarefa, antes de realiz-la ela mesmo.
Em seguida, nos servimos de planos mdios, enquadrando alternadamente tanto a menina, ou seja, a aprendiz, quanto sua me, ou seja, a
mestre.
O filme coloca em evidncia a aprendizagem de uma tcnica de
cozimento da mandioca na qual a aprendiz iniciada por sua me. Tivemos, aqui, uma situao de filmagem quase ideal, j que, diferentemente dos outros filmes que realizamos junto aos Wasusu, esse um
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dos raros nos quais o meio eficiente e o meio marginal4 no so saturados por agentes estranhos ao processo.5
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distribuio de alimentos para a comunidade carente da regio, distribuio de fantasias, festas, shows, desfile do carnaval etc.
Percebemos rapidamente a grande dificuldade que teramos em mostrar as diferentes alas do bloco de uma forma aprofundada, e, no final
desta primeira fase estvamos bastante descontentes com o resultado
obtido. Iniciamos ento uma segunda fase, centralizando as filmagens
nas atividades de duas alas do grupo. Pudemos assim explorar visualmente diferentes questes que nos pareceram importantes enfatizar: os
diversos aprendizados envolvidos num ensaio de cada uma das alas, a
forma como se desenvolviam estes aprendizados, a relao entre gesto
e oralidade (palavra), a relao espacial entre os diversos agentes envolvidos no ensaio, a relao e imbricao existentes entre profano e
sagrado etc.
Privilegiamos, durante as filmagens, as atividades corporais, materiais e rituais passveis de serem apreendidas pela imagem em movimento sem necessariamente a complementao do comentrio oral. O
som ambiente e as vozes dos agentes esto presentes na imagem, mas
s esporadicamente nos servimos do depoimento ou da entrevista.
Uma das questes que nortearam este trabalho foi encontrar a estratgia suscetvel de dar conta, atravs da imagem em movimento, da
diversidade de atividades desta ala bem como da grande quantidade de
agentes envolvidos na preparao da festa. importante observar que,
no momento do carnaval, o Mal composto por 3 000 indivduos divididos em 13 alas, sendo que, durante os ensaios da ala de Givanildo
(a ala escolhida como fio condutor da pesquisa), participam aproximadamente 40 pessoas. Tentamos, assim, filmar esta ala sublinhando os
mesmos agentes a fim de que pudssemos ter alguns elementos comparativos no que concerne s etapas dos aprendizados e que, assim,
o espectador pudesse identific-los ao longo dos diferentes registros.
Durante a realizao da pesquisa conseguimos captar um total de 35
horas de material bruto que foram decupados e editados, formando um
conjunto de trs filmes que tentam mostrar as diferentes facetas dos
bastidores do carnaval vivenciadas pelo grupo Mal Debal.
Durante os 18 meses de durao da pesquisa de campo filmamos
tambm os dois desfiles de carnaval, de 2002 e 2003. Pudemos, assim, diversificar as tomadas, opes e estratgias de mise en scne em
cada um dos desfiles. Por exemplo, no caso do primeiro desfile, era
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Concluso
guisa de concluso, gostaria de deixar em evidncia esta extraordinria capacidade que tm as imagens em movimento de poderem restituir com fidelidade os processos observados e, ao mesmo tempo, poderem ser mostradas e compreendidas, tanto pelas pessoas filmadas
quanto pelos espectadores. Para tanto, necessrio que certos princpios metodolgicos tenham sido respeitados quando das filmagens.
Alguns destes princpios foram expostos ao longo do presente texto,
pois que aplicados aos trs processos dos quais prestamos contas. Ao
faz-lo, procuramos mostrar o potencial cognitivo da antropologia flmica
desenvolvida por Claudine de France e sua equipe de cinema documentrio da Universidade Paris X - Nanterre, e, tambm, colocar em prtica
aquela noo to cara a Jean Rouch de antropologia partilhada. Com
efeito, foi ele quem, seguindo os passos de Flaherty, sistematizou o
envolvimento das pessoas observadas no processo de realizao do
documentrio antropolgico. Os trs casos acima estudados so devedores desses marcos conceituais.
Referncias bibliogrficas
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COMOLLI, Annie, Cinmatographie des Apprentissages. Fondements et Stratgies, Paris : Editions Arguments, 1995
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(ed.), Do filme Etnogrfico Antropologia Flmica, Campinas: Editora da
Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, 2000
FRANCE, Claudine de, Cinema e Antropologia, Campinas: Editora
da Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, 1998
______ Antropologia flmica Uma gnese difcil, mas promissora,
in Claudine de France (Ed.), Do filme etnogrfico antropologia flmica,
Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas-Unicamp,
2000
FREIRE, Marcius, A descrio visual em antropologia: o exemplo
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Filmografia
BATESON Gregory e MEAD, Margaret
Karbas First Years (1936-1939)
Learning to Dance in Bali (1936-1939)
SERAFIM, Jos Francisco
- Kalaanilat Terre des personnes (Nuuk, Groenland), video, 20 min.,
2004
- Mal Debal, vdeo, 50 min., 2003
- Ensaios II (Mal Debal), video, 65 min., 2003
- Ensaios I (Mal Debal), video, 77 min., 2002
- Bains, video, 10 min., 2000
- Fltes sacres, Super 8 mm, 19 min., 2000
- Les bains de Sandri, Super 8 mm, 17 min., 2000
- Kayatisu, le mas, video, 40 min., 2000
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Rsum: Ce travail discute lemploi de la photographie dans le regard ethnographique. Il retrace historiquement limportance que prend progressivement
limage au sein des tudes anthropologiques. Il propose galement une liste
de photographes et danthropologues, y compris des brsiliens, qui utilisent
la photographie pour porter un regard sur les peuples et les groupes sociaux.
Sappuyant sur la bibliographie disponible ainsi que sur des textes indits, il
conclut que, la longue, la photographie a t progressivement incorpore
comme moyen de recherche dans les tudes ethnographiques.
Mots-cls: Photographie, photoethnographie, anthropologie visuelle, ethnographie.
Introduo
uma forma de obter registros que servem como fonte
documental. Este artigo ressalta o uso e a importncia da fotografia como instrumento de resgate de grupos da sociedade.
Primeiro, apresenta o conceito de fotoetnografia e a ligao desta
vertente fotogrfica com a Antropologia; vantagens e formas de executar
um trabalho que utilize a imagem para representar o grupo em estudo e
tenha carter de documentao histrica e cientfica.
Num segundo momento, resume a histria da fotoetnografia, seu
surgimento, personagens relevantes e exemplos de trabalhos fotogrficos que partiram do pressuposto etnogrfico. Relata o desenvolvimento
da fotografia etnogrfica, particularmente no Brasil, e destaca casos que
evidenciam sua importncia como mecanismo de resgate etnogrfico.
Por fim, refora a idia de que a utilizao da imagem contributiva
para o registro histrico das culturas e da sociedade.
F otografia
Fotoetnografia
A Etnografia estuda os grupos da sociedade, suas caractersticas antropolgicas, sociais e culturais. Quando a fotografia utilizada como
instrumento principal na realizao de um trabalho etnogrfico, esta se
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o que o outro tem a dizer para outros que querem ver, ouvir e sentir.
(Andrade, 2002, p.110-111).
O trabalho fotoetnogrfico, no que se refere produo, deve contar com um profissional que garanta qualidade no registro imagtico. A
preocupao com a captao da imagem um importante pr-requisito
para quem ir gerar o material fotogrfico, seja este realizado por um
profissional da fotografia, por um etnlogo ou pesquisador que siga os
preceitos antropolgicos. Todos devem ter como ponto de partida o
estudo da comunidade a ser retratada. Se o trabalho for realizado individualmente, algumas preocupaes so bsicas: o fotgrafo deve
munir-se de conhecimento etnogrfico e antropolgico da comunidade
em questo e os etnlogos e pesquisadores devem buscar conhecimento tcnico sobre fotografia para irem a campo. Segundo Achutti
(...) esse domnio tcnico aliado ao olhar treinado do antroplogo pode
levar construo de um trabalho fotoetnogrfico que venha a ser relevante, no s como mais uma das tcnicas de pesquisa de campo, mas
tambm como uma outra forma narrativa, que somada ao texto etnogrfico, venha enriquecer e dar mais profundidade difuso dos resultados
obtidos. (1997, p.64)
importante ressaltar, tambm, os deveres dos etnlogos diante do
uso de fotografias em seus estudos. Darbon destaca: Observar-se-
evidentemente que sua captao da imagem no quadro de suas pesquisas no se limita aos documentos que ele mesmo produz por ocasio
de sua presena no campo: pode tambm aplicar-se anlise das imagens produzidas por outros. (1998, p.103). Neste caso, o fotgrafo
tem suas imagens analisadas por um pesquisador. Uma vantagem do
uso da fotografia pelo antroplogo, segundo Collier Junior (1973), a
possibilidade de anlise das imagens para perceber detalhes de uma
cena, que podem evitar a necessidade do pesquisador voltar a campo
ou mesmo que ele perceba informaes que no poderiam ter sido capturadas em forma de entrevista ou que no foram anotadas.
Em campo, o pesquisador deve ter algumas preocupaes, lembra
Achutti (1998), quando se trata dos pontos de aproximao entre a fotografia e a Antropologia: ele deve procurar um bom posicionamento
dentro da comunidade estudada, pois o conhecimento que produzir depende dessa insero. Conforme o autor, necessrio se voltar aos
interesses artsticos como fonte de conhecimento e estar atento aos
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detalhes empricos da vida cotidiana, que no so imediatamente perceptveis e devem ser buscados por trs das aparncias.
A ateno para tais detalhes contribui para que o resultado imagtico seja crvel no momento em que for analisado, publicado ou apresentado, pois valorizar o estudo da etnia retratada, apresentado-a o
mais prximo possvel do real. Inclusive, importante que, ao dar incio
ao trabalho fotoetnogrfico, o pesquisador tenha em mente o formato
em que ir apresentar seu resultado, a que finalidade se destinar e as
possveis formas de acesso.
A linguagem deve ser de fcil compreenso para que o receptor entenda e absorva as informaes imagticas e textuais. Independente
da mdia utilizada para sua apresentao exposio, revista, livro as
linguagens escrita e fotogrfica devem ser utilizadas de forma independente e complementar. Independente, pois cada uma deve construir
seu discurso utilizando recursos prprios, imagens ou palavras, sem
que uma seja subordinada outra. Complementar, porque as duas formas de apresentao oferecem margem para interpretaes subjetivas
errneas, o que pode ser minimizado quando ambas as linguagens so
utilizadas em conjunto.
Achutti (2004) destaca a importncia de apontar a finalidade do material fotoetnogrfico. Para ele, inclusive, o pesquisador deve ter claro
um planejamento de como executar tais fotografias. Se desde o princpio do trabalho de campo, o pesquisador-fotgrafo no tiver em mente
a paginao final (ou montagem da exposio fotogrfica, conforme o
caso), o resultado de seu trabalho sofrer desta falta de planificao,
pois uma narrativa visual que pretenda utilizar a fotografia deve ser fruto
de um longo processo de construo, a construo de uma descrio
visual. As fotografias no resultado final devem formar um todo. Por esta
razo, uma obra que utilize a fotografia dever ser construda com mtodo, da mesma maneira que um filme, um texto ou uma dissertao.
Fotografias obtidas de maneira aleatria e desorganizada tornar-se-o,
no melhor dos casos, uma fonte de informao que terminar por encontrar talvez um dia seu lugar em alguma fototeca, mas que no podero
vir a ser uma obra completa, uma narrativa fotoetnogrfica. (Achutti,
2004, p.3-4).
Uma das vantagens do material fotoetnogrfico que ele expe ao
receptor a etnia em seu momento atual, bem como suas aculturaes
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e transformaes. Por exemplo, ao presenciar a exposio fotoetnogrfica sobre os ndios Xavantes, da fotgrafa Rosa Gauditano, no se
v indgenas totalmente nus.1 No imaginrio social, no entanto, ainda
persiste a idia de que os ndios vivem nus. Esse imaginrio se deve
educao escolar, televiso e aos registros fotogrficos mais antigos, que construram o significado de como eram e como so algumas
comunidades indgenas. Nas fotografias da comunidade retratada por
Rosa Gauditano se v ndios com shorts e ndias com sutis.
Os caminhos da fotoetnografia
A fotografia foi um dos inventos da modernidade que revolucionou a
forma do homem se representar e se relacionar. Desde seu nascimento,
em 1826, associou-se s cincias antropolgicas e trouxe para a humanidade uma possibilidade de registrar o passado e resgatar a histria.
Andrade (2002, p.31-32) lembra que (...) a fotografia mudou o comportamento do mundo! Assim como a antropologia, a fotografia tem um
observador participante que escava detalhes e fareja com seu olhar o
alvo e o objeto de suas lentes e de sua interpretao.
Achutti (1997) destaca que a fotografia surgiu num momento bastante propcio, pois nesse perodo os tericos estavam preocupados em
estudar a evoluo humana, do ponto de vista das variedades culturais
e etnolgicas. Kossoy (2001, p.55) destaca a importncia da fotografia
para o estudo de diversas reas do conhecimento. (...) as imagens
que contenham um reconhecido valor documentrio so importantes
para os estudos especficos nas reas da arquitetura, antropologia, etnologia, arqueologia, histria social e demais ramos do saber, pois representam um meio de conhecimento da cena passada e, portanto, uma
possibilidade de resgate da memria visual do homem e do seu entorno
sociocultural. Trata-se da fotografia enquanto instrumento de pesquisa,
prestando-se descoberta, anlise e interpretao da vida histrica.
Os primeiros indcios da fotoetnografia surgiram por volta de 1870,
com o trabalho de John K. Hillers que, contratado pelo Departamento
1
Exposio Razes do Povo Xavante: tradio e rituais, de Rosa Gauditano. Galeria da Caixa Econmica Federal, em Curitiba Paran, de 26 de maro a 29 de abril
de 2007.
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A fotoetnografia no Brasil
O trabalho fotoetnogrfico levou dcadas, aps suas primeiras manifestaes nos Estados Unidos, para consolidar-se no Brasil. Na dcada
de 30, chegaram ao pas etngrafos que iniciaram os primeiros trabalhos fotoetnogrficos e contriburam para registrar a memria de etnias
brasileiras.
Na tese de doutorado La fotografa documental contempornea en
Brasil, apresentada Universidade de Barcelona em 2003, Etelvina Teresa Borges Vaz dos Reis classificou alguns fotgrafos brasileiros e estrangeiros que atuaram ou atuam no pas, conforme o tipo de trabalho por eles realizado. No que a autora classifica documentarismo socioetnolgico encontram-se nomes como Pierre Verger, W. Jesco Von
Puttkamer, Claudia Andujar, Milton Guran e Rosa Gauditano que, por
seu trabalho, fazem parte da histria da fotoetnografia no Brasil. Alm
deles, segundo a autora, Claude Lvi-Strauss e Roger Bastide contriburam imensamente para o trabalho fotoetnogrfico em terras brasileiras.
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Os precursores
Em 1935 chegou ao Brasil o etnlogo francs Claude Lvi-Strauss. Veio
para ocupar a cadeira de sociologia da seo de cincias sociais da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, na recm criada Universidade
de So Paulo. Peixoto (1998) conta a histria desse pesquisador que,
entre os anos de 1935 e 1936, visitou as tribos indgenas dos Kadiveus,
na fronteira com o Paraguai, e dos Bororos, no Mato Grosso. A autora
afirma que essa viagem rendeu a ele sua primeira exposio em Paris e contribuiu para sua insero no meio etnolgico da Frana. No
apenas a carreira, mas tambm a obra de Lvi-Strauss devedora da
experincia brasileira. A primeira fase de sua produo apia-se em
matria-prima obtida no Brasil, sobretudo o artigo sobre os Bororos e a
tese sobre os Nambikwara, publicada em 1948, La Vie Familiale et Sociale des Indiens Nambikwara. Seus trabalhos posteriores, ainda que
renam informaes etnogrficas de vrias regies americanas, foram
tambm beneficiados pela etnografia brasileira, que funciona como uma
espcie de ponto de partida a partir do qual a obra se projeta. (Peixoto,
1998, p.96).
No perodo em que esteve no Brasil, entre 1935 e 1938, Lvi-Strauss
utilizou da fotografia como importante mtodo para registro de suas pesquisas. No total, reuniu cerca de trs mil imagens. Sessenta e quatro
delas foram publicadas em 1955 no livro Tristes Trpicos. Em 1994,
publicou outro livro: Saudades do Brasil. Eu vivia nas minhas expedies uma experincia totalmente nova. Era um tema que me encantava,
sobre o qual era preciso guardar os vestgios. A foto ento imps-se
como uma evidncia. De maneira geral, no plano etnogrfico, a fotografia constitui uma reserva de documentos, permite conservar coisas
que no se poder mais rever. (Lvi-Strauss in Garrigues, 2000 apud
Achutti, 2004, p.2)
Em 1938, foi a vez de Roger Bastide chegar ao Brasil, para ocupar a ctedra de sociologia deixada por Lvi-Strauss. Bastide residiu
no pas at 1984 e deixou vrios trabalhos realizados na rea de etno-
147
logia, em especial voltados para as culturas afro-brasileiras. Em praticamente todos, utilizou amplamente a fotografia. Em suas publicaes
encontram-se livros como O candombl na Bahia: rito nag (1958) e As
Religies Africanas no Brasil (1960), clssicos da anlise sociolgica
das expresses brasileiras de religiosidade popular.
A convite de Roger Bastide, Pierre Verger chegou em 1946 e se
consagrou como um dos grandes nomes da fotoetnografia brasileira.
Francs de origem, comeou a trabalhar com fotografia na dcada de
30. Apaixonado pela cultura africana, realizou um trabalho na frica
Ocidental entre 1935 a 1936. A cultura africana, alis, foi a pauta de
seus principais estudos. No Brasil, seu trabalho se estendeu cultura
afro-brasileira, a qual se dedicou at o fim da vida, em 1996. Em 1988,
foi criada a Fundao Pierre Verger, em Salvador, na antiga casa onde o
pesquisador vivia. Algumas de suas publicaes so: Dieux DAfrique,
Note sur le culte des orisha e vodoun Bahia de Tous les Saints au
Brsil et lancienne Cte des Esclaves, Orixs, Notas Sobre o Culto
aos Orixs e Voduns, Fluxo e Refluxo do trfico de escravos entre o
Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos e Ew, o uso de plantas
na sociedade ioruba.
O primeiro brasileiro a trabalhar com fotoetnografia chamava-se Wolfgang Jesco Von Puttkamer. Nascido em 1919, em Niteri, no Rio de
Janeiro, graduou-se em cincias naturais, jornalismo e engenharia pela
Universidade de Breslau, na Alemanha. Foi preso pela Gestapo quando
terminava seu doutorado em qumica, durante os anos da II Guerra
Mundial (1939 a 1945). Puttkamer tornou-se um fugitivo e contou com a
ajuda norte-americana para se integrar ao programa de repatriamento
de brasileiros. Chegou a ser correspondente de guerra para jornais
norte-americanos e brasileiros (Universidade catlica de Gois, 2007).
Quando retornou ao Brasil, foi convidado a exercer a funo de assessor para assuntos de imigrao e colonizao em Gois. Em 1948,
comeou seu trabalho de fotoetnografia ao visitar as aldeias do Alto
Xingu. Teve tambm um trabalho extensivo em Braslia entre os anos
de 1958 e 1961, onde atuou como reprter fotogrfico para jornais como
O Popular, ltima Hora e DC Brasilia. Neste mesmo perodo, acompanhou o ento presidente Juscelino Kubitschek at a Ilha de Bananal,
onde havia cerca de quinze aldeias indgenas. A partir de los aos 60,
se dedic a documentar al indgena brasileo. En 1971 conoci al pro-
148
Alguns contemporneos
Claudia Andujar
Um dos nomes mais produtivos e contemporneos da fotografia etnogrfica no Brasil o de Claudia Andujar. Nascida na Sua, filha de
pai judeu, sua primeira nacionalidade romena. Ainda criana mudouse para a Hungria. No incio da dcada de 40 fugiu para os Estados
Unidos, depois que a Alemanha invadiu a Hungria, durante a Segunda
Guerra Mundial. Nos EUA estudou no Hunter College de Nova Iorque.
Chegou ao Brasil em 1955 e naturalizou-se brasileira. Abandonou a
pintura abstrata e comeou a registrar os povos da Amrica do Sul. Entre 1956 e 1958, dentre outras etnias, fotografou os ndios Karaj, na
Ilha do Bananal. Fotgrafa freelancer, trabalhou para revistas nacionais
2
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Milton Guran
Milton Guran, brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, fotgrafo, antroplogo e jornalista. Comeou a fotografar em 1974. mestre em comunicao social pela Universidade de Braslia (UnB), onde atuou como
professor. Tornou-se doutor em antropologia pela cole des Hautes
tudes en Sciences Sociales, na Frana. Foi scio fundador da agncia gil Fotojornalismo, pela qual teve suas fotografias etnogrficas, em
especial as de indgenas, publicadas nas principais revistas e jornais
brasileiros. En 1983 fue seleccionado para el V Documento de Arte
3
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Rosa Gauditano
A paulista Rosa Gauditano trabalha como reprter fotogrfica desde
1975. Estudou fotografia na Fundao Armando lvares Penteado, em
1978. Um ano antes comeou a fotografar profissionalmente para jornais e revistas. Entrou no curso de jornalismo na Faculdade Csper
Libero, em 1980, mas no o concluiu. Trabalhou para o jornal Folha
de S.Paulo, em 1984, e para a revista Veja entre 1985 e 1986. Em
1985 fundou a agncia Fotograma Fotojornalismo e Documentao e
atua na rea de fotojornalismo e fotografia editorial. Entre os anos de
1980 e 1981 foi professora convidada de fotojornalismo na Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo. Conquistou o XI Prmio Abril de
Fotojornalismo em 1986 (Reis, 2003; Coleo..., 2007b).
A contribuio de Rosa Gauditano para a fotoetnografia intensificouse nos fins da dcada de 80, quando passou a conviver com e a
registrar tribos indgenas de diversas partes do Brasil, entre elas os
Guaranis, Xavantes e Yanommis. Este longo trabalho resultou em diversas exposies: Cores e Festas, na Galeria da Aliana Francesa
(So Paulo), em 1991; Povos Indgenas, realizada em 1992 no Ncleo
de Cultura Indgena (So Paulo); Imagens do Cotidiano Indgena, na
Galeria da Aliana Francesa, em 1993; Contatos e Confrontos: o ndio
e o branco, no Museu da Imagem e do Som (So Paulo), em 1995;
Nossa Tribo, na Casa de Fotografia Fuji (So Paulo), em 1997; ndios
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Emdio Luisi
Nascido em Sacco, na Itlia, chegou ao Brasil aos sete anos de idade,
em 1955. Formou-se em matemtica pela Faculdade Oswaldo Cruz, de
So Paulo, em 1974. Comeou a fotografar em meados da dcada de
70. Atuou como reprter fotogrfico no jornal Dirio do Grande ABC,
em 1978, e na revista Veja So Paulo, em 1985. Foi co-fundador da
agncia Fotograma Imagens, que dirige at hoje. colaborador de jornais e revistas. Suas fotografias so de fotojornalismo, de palco (teatro
e dana), ensaios pessoais e, principalmente, fotoetnografia. Desde os
anos 80, realizou diversas exposies no pas e no exterior. Venceu o
XI Prmio Abril de Fotojornalismo e o Prmio Aberje. Participa da coleo de fotgrafos brasileiros do Instituto Cultural Ita e tem fotografias
no acervo da Coleo MASP-Pirelli.
Em 1982, participou como assistente do curso de etnofotografia promovido pelo Museu da Imagem e do Som de So Paulo e pelo Instituto
Italiano de Cultura, ministrado pelo arquiteto e fotgrafo italiano Sandro
Spini. A partir de ento, somou diversas contribuies fotografia etnogrfica brasileira. O curso, que durou um ano, resultou na publicao
do livro Trabalho etnofotogrfico de uma pesquisa urbana, que documenta o tradicional bairro do Bixiga, em So Paulo, e numa exposio,
primeiramente apresentada aos moradores do bairro e depois aberta
visitao pblica no Museu da Imagem e do Som.
Emdio Luisi nunca mais abandonou a fotografia etnogrfica. Depois
de 15 anos de pesquisa e registros fotogrficos sobre a imigrao
italiana ao Brasil, especialmente na cidade de So Paulo, e um retorno
Itlia, em 1988, publicou UePaes: 120 anos de migrao italiana no
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155
Consideraes Finais
A realizao desta pesquisa permitiu perceber, de modo genrico, como
a fotoetnografia pode ser utilizada pela cincia por meio da Antropologia Visual. A conceituao desse tipo de trabalho apresenta uma das
diversas formas de utilizao da fotografia, no caso na etnografia. Seja
como material de resgate, suporte de anlise, documento ou como objeto de estudos, Andrade (2002, p.49) diz que: Olhamos para fotografias para resgatar o passado no presente. Tiramos fotografias para nos
apropriarmos do objeto que desaparecer. Existe uma magia quando
imortalizamos as pessoas e o tempo nas fotos. Para as tribos urbanas,
fotografias so provas de sua existncia, de sua identidade e histria.
A proposta contributiva deste artigo foi traar a trajetria da fotoetnografia no Brasil. Tenta organizar historicamente o caminho deste
segmento fotogrfico, esclarecer dvidas e ressaltar a importncia da
fotografia como instrumento de resgate documental. Fica expresso que
ainda h lacunas na apresentao e diferenciao da fotografia etnogrfica e o uso da imagem pela cincia e antropologia, tornando assim
necessria a continuao de estudos e trabalhos voltados para o reforo
desta idia.
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http://www.fotogramaimagens.com.br/quemsomos/curriculo.htm, Acesso
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PEIXOTO, Fernanda, Levi-Strauss no Brasil: a formao do etn-
157
Era Preciso Fazer as Coisas, de Margarida Cardoso, um documentrio de que vale a pena falar, sobretudo na sua condio de filme
documentrio. Pretendendo dar-nos um retrato do que foi a preparao
da encenao da pea O Tio Vnia, de Chekhov, por Nuno Carinhas,
este filme, premiado na ltima edio do festival doclisboa (Grande prmio Tobis para melhor filme portugus de longa-metragem e Prmio
Midas para melhor filme portugus presente no festival), vai muito para
alm da lgica de making-of e, quase sem grandes pretenses e aparatos, inova.
Misturando vrias fontes (entrevistas com os actores, com o encenador, leituras de textos da pea, filmagens directas dos ensaios), Margarida Cardoso cria um filme sobre teatro em que a primazia dada ao flmico, ao cinematogrfico. Longe da lgica jornalstica ou de reportagem
de outros filmes presentes no festival, Era Preciso Fazer as Coisas tem
preocupaes estticas fortes, fazendo com que o seu interesse esteja
muito para alm do tema basta pensar que ns espectadores nunca
chegamos a ver a pea, a encenao final. Aquilo a que na realidade
assistimos so aos actores e encenador (e depois espectadores, pelos
olhos da realizadora) encerrados num limbo criativo que os oprime e
liberta ao mesmo tempo. Entramos nessa bolha que o espao fsico
do Teatro Carlos Alberto do Porto (onde decorreram os ensaios), mas
Doc On-line, n.03, Dezembro 2007, www.doc.ubi.pt, pp. 160-162.
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Mariana Liz
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Stefano Odorico
camina a travs de la ciudad caracterizada por una arquitectura fuertemente fascista que, por su slido carcter, parece casi encantadora.
Todo se concluye en una playa ventosa, donde el director ataca verbalmente la sociedad capitalista sobre todo poniendo la atencin en la
funcin negativa de la televisin como medio de masas. En esta parte
Pasolini cambia su posicin respecto la cmara de cine, l ya no est
detrs de ella como antes sino que esta delante, el punto de vista cambia y tambin la interpelacin con el espectador. En la primera parte
el espectador es el actor Ninetto Davoli, en la segunda parte todo est
caracterizado por una interpelacin directa con el publico real a travs
del objetivo de la cmara y es muy interesante como el tema tratado
cambia y cambia tambin la violencia verbal de las palabras del director
dirigidas a la sociedad.
El film funciona como una excusa para denunciar la crisis de la sociedad italiana que puede trasladarse tambin a la especulacin edilicia
y a la prdida de identidad del desarrollo urbano:
[. . . ] Mientras por Orte se puede hablar solamente de un ligero
dao, de un defecto, en lo que se refiere a la situacin italiana, de las
formas de le ciudades de la nacin Italia, la situacin es, sin duda, desastrosa e irremediable.2
Pasolini manipula el contenido tranquilizador de una transmisin televisiva, en una especifica y fuerte denuncia de la especulacin inmobiliaria que identifica, de una manera generalizada, los barbarismos de la
modernidad y del "desarrollo sin progreso". El ser humano est desfigu2
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Stefano Odorico
[. . . ] el verdadero fascismo es exactamente este poder de la civilizacin de consumo que est destruyendo Italia, y esto ha sucedido tan
rpidamente que nosotros no nos damos cuenta, ha sucedido en estos
cinco, seis, siete, diez aos pasados... ha sido una especie de pesadilla
en la cual hemos visto a Italia destruirse alrededor de nosotros, a desaparecer. Ahora, despertando, quizs, de esta pesadilla, y mirando a
nosotros alrededor, notamos que no hay nada ms que hacer.3
Santiago
Director: Joo Moreira Salles
Brasil, 79, 2007
"documentrio dilogo"
Joris Ivens
Santiago, de Joo Moreira Salles. Eis um curioso filme documentrio. Ele nos empurra para questes profundas da vida tendo como interlocutor ou mestre de cerimnias uma personalidade singular. Neste
sentido, a questo to comentada, aquela de que, hoje, os documentrios no trazem respostas e sim perguntas, indagaes... aqui e neste
caso, ele assume a ambiguidade com extrema radicalidade narrativa.
Creio que os docs sempre tiveram esse papel provocador: nem perguntas e nem respostas. Mesmo quando esto a servio de um objetivo
poltico e ideolgico.
Nos anos sessenta tivemos, aqui no Brasil, os documentrios que
ficaram conhecidos como Caravana Farkas, 1 esses filmes tornaram
publica a realidade do Brasil profundo, desconhecido daquela poca o serto nordestino. Cito tambm um outro caso, o filme Um Homem
com uma Cmera (Dziga Vertov, 1969) a, por exemplo, o diretor a servio da revoluo sovitica, faz enquadramentos inusitados (sobretudo
para a poca) e nos lana pedagogicamente numa viagem a querer
repensar os padres e ao mesmo tempo maravilhar-se com as novas
possibilidades... O prprio ttulo do filme nos faz pensar assim, o realizador empunha o seu instrumento de trabalho. A montagem vertiginosa
dialoga com a narrativa no-linear.
1 "Caravana Farkas" a denominao dada a uma srie de filmes documentrios
produzidos no Nordeste entre 1968 e 1970 por um grupo de cineastas, liderados pelo
fotografo, diretor, empresrio e produtor Thomaz Farkas.
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Aurlio Michiles
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Aurlio Michiles
espectadores. Nada mal para um filme documentrio sobre um personagem desconhecido do grande publico.
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LEITURAS
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Manuela Penafria
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Manuela Penafria
tipos de filmes mais gerais, o filme sem histria. Este e o seu bvio
parceiro, o filme com histria que inclui o filme teatral, a adaptao e o
filme de histria encontrada - so discutidos no captulo Composio
[modo como os elementos do cinema (actor, dilogos, sons. . . ) podem,
ou alis, devem interligar-se].
As actualidades, o filme sobre arte e o documentrio so ento os
filmes de factos. Os primeiros so alvo de uma discusso perifrica,
pois apresentam um uso apropriado, mas no ideal das propriedades
bsicas do meio. Esses filmes so um extremo de realismo e necessitam de equilibrar a sua abordagem com algum formalismo. So filmes
que no possuem qualquer tenso entre o realizador e a realidade a
registar e revelar. O segundo um filme que, muito oportunamente,
Kracauer nota estar em franco crescimento. De entre esse grupo de
filmes, aprecia os que tratam a obra de arte como um objecto fsico, e
os que, tal como Le Mystre Picasso (1956), de Henri-Georges Clouzot,
enveredam pela gnese de uma obra de arte.
Quanto aos documentrios, Kracauer comea por declar-los verdadeiros para com o meio (realando a presena de no-actores e a
sua preferncia por material no manipulado o que no impede o uso,
caso necessrio, da re-construo e de mapas e diagramas). Mas, ao
inspeccion-los, verifica que (. . . ) os documentrios no exploram inteiramente o mundo visvel e diferem fortemente perante a realidade
fsica. (p.201). Kracauer lembra Paul Rotha (colaborador de John Grierson), para quem o documentrio: depende do interesse do indivduo
pelo mundo que o rodeia (. . . ) se existem seres humanos eles so
secundrios ao tema principal. As suas paixes privadas e as suas
petulncias so de pouco interesse. (p.194). A partir da posio de
Paul Rotha, Kracauer conclui que o documentrio possui um alcance
limitado, por deixar de lado modos especiais de realidade. Kracauer
no coloca a hiptese de o documentrio poder incluir as paixes privadas. Embora Kracaeur reconhea no documentrio o potencial necessrio para seguir a via realista por si proposta acusa-o de possuir
uma demasiada facilidade em se afastar dessa mesma via. O autor discute filmes que assumem a designao de documentrio, procurando
neles o estado de tenso entre a imaginao do artista e a realidade.
Os documentrios so ento divididos entre os que se preocupam com
a realidade material e os indiferentes realidade material. Entre os
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Manuela Penafria
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Manuela Penafria
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consequncia) e tendo em conta que Kracauer defende que um realizador deve actuar no sentido de atingir um bem supremo que ser o
entendimento entre os povos no se afigura de todo inoportuna esta
nossa leitura do seu pensamento. Ainda assim, esta associao aqui
colocada podendo e devendo ser objecto de reflexo em outro momento
de investigao.
DISSERTAES E TESES
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investigacin de la Historia de la Comunicacin Social. sta, precisamente, es la perspectiva desde la que se acomete la presente investigacin.
El estudio de la produccin documental de NO-DO aporta un conocimiento, en primer lugar, sobre la poltica cultural del rgimen franquista. En el trabajo, se describe el nacimiento de la cinematografa
oficial del franquismo durante los aos de guerra civil. Son aos en los
que se ponen las bases de la primera organizacin administrativa y se
van fraguando los presupuestos ideolgicos que marcarn la poltica de
fomento. Tras el final de la guerra, se explica la evolucin de la organizacin administrativa cinematogrfica y de la poltica legislativa que se
desarroll a lo largo de cuarenta aos, para poder comprender mejor
los objetivos culturales y sociales del franquismo.
Adems de aportar un mejor conocimiento de la poltica cultural del
franquismo, este estudio contribuye a la descripcin de la actividad propagandstica del rgimen, concretamente, la realizada a travs de la
produccin cinematogrfica. En el trabajo se explica la evolucin de la
organizacin del aparato propagandstico y se avanzan unas hiptesis
sobre sus implicaciones. En este contexto, se explica la funcin persuasiva que tenan los documentales de NO-DO y se propone un criterio
de interpretacin de los mismos.
La investigacin sobre lo que las autoridades pretendan transmitir a
travs de la cinematografa oficial, se completa con el anlisis de la produccin realmente realizada. Como se explica en el trabajo, una de las
conclusiones ms tiles para futuras investigaciones, es la propuesta
de un listado completo de los documentales realizados. Por un lado,
es el fruto de la aplicacin de unos criterios coherentes, para distinguir
el documental de otras realizaciones cinematogrficas. Por otro, es el
resultado de un prolijo trabajo de recopilacin de datos procedentes de
fuentes muy variadas: catlogos, ndices cinematogrficos, revistas de
la poca, etc. Las dificultades de esta tarea ya fueron sealadas por el
profesor Rafael R. Tranche quien, refirindose precisamente a los documentales durante el franquismo, afirmaba: hay importantes lagunas
historiogrficas (. . . ), incluso los datos oficiales muestran omisiones y
errores que hacen muy difcil la simple cuantificacin de la produccin1 .
1
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La parte ms importante de esta investigacin, por lo que a las fuentes se refiere, es el anlisis del contenido de los documentales, fruto
del visionado de toda la produccin de ese periodo ms de seiscientos
documentales- conservada en el Archivo Histrico NO-DO. Este trabajo
nutre una base de datos de categoras formales y de contenido, que
constituye el primer intento de realizar un cdigo que permita la lectura
de los mecanismos internos de las imgenes con el objetivo de determinar los estereotipos visuales y los significados y smbolos que existen
detrs del soporte visual2 . La base de datos se describe ms detalladamente en el epgrafe dedicado a la metodologa.
Al realizar este anlisis se ha tenido en cuenta la advertencia de
Sorlin de que las pelculas tambin son imgenes globales. Combinan
sus materiales con el fin de retratar (aunque sea de un modo un tanto
aproximativo) situaciones, acciones, individuos o grupos3 . Por tanto se
ha analizado cmo intentan los documentales de NO-DO representar la
realidad, es decir, qu visin global ofrecen a los espectadores. Para
llegar a conclusiones en ese sentido resulta imprescindible realizar previamente un estudio del uso del lenguaje cinematogrfico en esos documentales. Como seala Ferro, sera ilusorio creer que la prctica de
este lenguaje sea, aunque inconscientemente, inocente. (...) La utilizacin y la prctica de modos de escritura especficos se convierten de
este modo en armas de combate, vinculadas, todo hay que decirlo, a la
sociedad que las produce y la sociedad que las recibe4 .
El punto de partida de esta investigacin es la propuesta de definicin de documental en el contexto de las producciones desarrolladas
por NO-DO a lo largo de su historia.
Este estudio presenta algunos lmites necesarios. Aunque la sistemtica aconsejaba enmarcar la produccin de documentales de NO-DO
en un contexto amplio, no se pretende ofrecer una historia del cine documental espaol. Las necesarias referencias a la evolucin poltico2
Mara Antonia Paz e Inmaculada Snchez, La historia filmada: los noticiarios cinematogrficos como fuente histrica. Una propuesta metodolgica, en FilmHistoria, Vol.IX, no 1 (1999), pp. 17-33.
3 Pierre Sorlin, Cines europeos, sociedades europeas 1939-1990, Paids Comunicacin, Barcelona, 1996, p. 22.
4 Marc Ferro, Historia contempornea y cine, Ariel Historia, Barcelona, 1995, p.
24.
191
administrativa de la cinematografa oficial slo son un marco imprescindible para el objeto de este estudio.
Por otra parte, las fuentes conocidas no permiten abordar completamente la cuestin de la recepcin de estos documentales por el pblico.
Como dice Sorlin, la recepcin es el punto dbil de los estudios cinematogrficos. Cmo reaccionan los espectadores? Aparte de algunas encuestas Gallup (que raramente son fidedignas, dado que las preguntas
se formulan con excesiva simplicidad) no podemos responder a la cuestin5 . En este trabajo la escasez y falta de fiabilidad de estadsticas
y la ausencia de estudios de audiencias, se ha tratado de compensar
con otras fuentes indirectas, como las cifras de recaudacin obtenidas
por la exhibicin de los documentales durante varias pocas. Tambin
se ha publicado una investigacin sobre la audiencia del NO-DO pero
referida slo al Noticiario- basada en fuentes orales6 . El resultado es
un conocimiento parcial, pero ilustrativo, de la difusin que disfrut esta
produccin de NO-DO. En cualquier caso, siguiendo a Sorlin, Queremos hablar de imgenes: basta con determinar con qu frecuencia se
les ofrece tal o cual representacin a los espectadores7 .
El presente estudio se enmarca en el mbito de la Historia de la Comunicacin Social. En el amplio marco de esta disciplina, se ha optado
por seguir la propuesta metodolgica inicial que realizan los profesores Montero y Paz en su obra, La imagen pblica de la monarqua8 .
En ella, sin negar validez a la metodologa que considera los medios
de comunicacin como meras fuentes de informacin para el trabajo
del historiador, optan por el estudio de la comunicacin misma en su
perspectiva diacrnica y en mbitos espaciales, temticos y cronolgicos bien precisos.
La primera parte del trabajo, que ocupa los cuatro primeros captulos, corresponde al anlisis del contexto de la produccin de documentales de NO-DO. No se intenta ofrecer un contexto histrico completo de
5
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193
194
Ao: 2007.
Director: Julio Montero Daz.
Dissertao de Mestrado.
Programa de Ps-Graduao em Multimeios.
Universidade Estadual de Campinas.
Resumo: O objetivo desta dissertao fazer uma anlise das caractersticas imagticas e sonoras que marcaram o Cine Jornal Brasileiro, realizado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do
Estado Novo, entre 1939 e 1942. Desta forma, pretende-se focar, dentro
da multiplicidade de temas que o objeto flmico contm, um assunto que
pareceu predominante nos filmes em questo: a militarizao do corpo.
Este tema dever agregar outros assuntos presentes e interlig-los. Na
verdade, a proposta de uma temtica nica torna a idia de uma unidade nacional, propagada pelo Estado Novo, mais coerente. Por isso, o
tema do corpo sugere a idia de nao posta em prtica por este ltimo
e tambm agrega ideologias que estavam em voga naquele contexto
histrico. Nesse sentido, deve-se atribuir a influncia esttica, mesmo
que indireta, de filmes, no necessariamente do mesmo tipo, produzidos por outras naes de cunho autoritrio. Estas naes esperavam
de certa forma, sua regenerao ou sua correo, atravs da ordem
e da disciplina. Para tanto, os princpios disciplinares que compunham
a instituio militar eram os mais eficientes. Ou seja, a fora, a disciplina, a higiene e a audcia, que estavam embutidas no pensamento
militar, deveriam servir de exemplo para a correo de uma sociedade
doente. Por isso, um Estado ordeiro s poderia se constituir pela disciplina militarizada da sociedade. E neste mbito que o corpo em atividade fsica representou, no campo imagtico, a unio entre o Estado
e a sociedade.
Palavras-chave: Cine-jornal, documentrio, militarizao, propaganda
e imprensa, Estado Novo.
Ano: 2007.
Orientador: Marcius Freire.
Doc On-line, n.03, Dezembro 2007, www.doc.ubi.pt, pp. 196-196.
Thse de doctorat.
Universit de Paris X - Nanterre.
Resum: La thse a pour objet la dcouverte, par la ralisation et
lanalyse de films documentaires, du quartier des arts et mtiers Sanayeh, Beyrouth. Il sagit dun vieux quartier de Beyrouth sur lequel
se sont greffs, depuis les annes 1970, de nouveaux immeubles bourgeois. Bien que situ au centre de Beyrouth, le quartier de Sanayeh
conserve un aspect traditionnel. Les habitants de cette partie du quartier sont en majorit de religion musulmane sunnite. Lenqute a t
mene dans le cadre de la mthode exploratoire, cest--dire en apprhendant et dcouvrant le quartier travers la camra; elle a donn
lieu dix-sept films documentaires. Elle tente de mettre en valeur la
vie sociale du quartier, aussi bien dans le quotidien quau moment des
ftes, religieuses ou non. Les activits profanes privilgies montrent
les diffrentes occupations des habitants, des commerants et des artisans.Les espaces auxquels lenqute filmique sur Sanayeh sest attache dpassent le primtre mme du quartier. Lexistence dun jardin
public confre au quartier de Sanayeh une importante ouverture sur la
ville. Toutefois les rseaux familiaux prsentent une base importante
sur laquelle se greffent les relations avec lextrieur. Le quartier tant
majorit musulmane sunnite, les deux grandes ftes du calendrier religieux sont id Al-fitr et id Al-Adha. Les rituels favorisent ltablissement
dune communication entre les groupes qui le frquentent. La transmission des pratiques est assure par les rseaux familiaux ainsi que par
les reprsentants religieux. Les films dvoilent une manire dexister
Beyrouth, avec des spcificits identitaires, religieuses, sociales.
Mots-cls: anthropologie filmique, documentaire, mthode exploratoire, Beyrouth, Sanayeh.
Anne: 2007.
Directeur dtude: Claudine de France.
Doc On-line, n.03, Dezembro 2007, www.doc.ubi.pt, pp. 197-197.
Tese de doutorado.
Programa de ps-graduao em Sociologia.
Universidade de So Paulo - USP.
Resumo: Esta pesquisa aborda, principalmente, trs questes: a
noo de realismo cinematogrfico, as formas de olhar para o real e
de dizer dele, e a dissoluo do conceito de heri. Para tanto, sero
analisados quatro filmes de Jean Rouch realizados na passagem dos
anos sessenta: Os Mestres Loucos (1956), Eu, um Negro (1959), Gare
du Nord (1965) e Jaguar (1967). Nesse perodo, o cinema vive um momento de conflito. Jovens realizadores questionam as tradies cinematogrficas: a esttica, as escolhas narrativas, assim como os conceitos.
O objetivo geral desta tese entender esse momento peculiar da histria do cinema. E, especificamente, entender o papel de filmes de Jean
Rouch no interior desse conflito cinematogrfico. Sem nunca ter conquistado o grande pblico, seus filmes alimentaram o debate que mobilizou a crtica e o pblico cinfilo, especialmente os relacionados Nouvelle Vague, ao Cinema-verdade e ao Cinema direto. A escolha desse
cineasta justifica-se pelo papel que seus filmes desempenharam no seio
desses movimentos, permanecendo, no entanto, um dos diretores menos estudados do perodo. A entrada para a anlise necessariamente
transdisciplinar. O ponto de partida vem da idia de Pierre Francastel
de que as imagens expressam conceitos e pensamentos que apenas
existem nelas, e apenas ascenderemos a elas recorrendo anlise das
obras. Assim, para operar a anlise de filmes, uma bibliografia foi elaborada, combinando teorias da sociologia e do cinema. A tese divide-se
em trs partes. As duas primeiras so dedicadas anlise dos filmes. A
ltima procura alinhavar os debates e delimitar a participao de Rouch
e seus filmes no seio do conflito cinematogrfico.
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Entreatos polticos
Carlos Andr Migliorini
Dissertao de Mestrado.
Programa de Ps-Graduao em Educao.
Univesidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
Resumo: Esta dissertao de mestrado versa, de maneira experimental, sobre a memria da dominao ocidental e suas persistncias
manifestadas em dois artifcios scio-polticoculturais, duas ideologias
dominantes e intercambiveis: o Catolicismo - da Alta Idade Mdia, e o
Capitalismo, suas disperses e ressonncias atravs do tempo-espao
histrico. Subproduto da pulsante atmosfera eleitoral democrtica que
dominou o Brasil em 2002, por ocasio das eleies presidenciais daquele ano, o filme Entreatos - Lula a 30 dias do Poder, de Joo Moreira
Salles, e seu contexto so tomados como o fio de Ariadne de uma narrativa que busca entender a realidade presente atravs de uma "rede de
imagens"comum aos cidados que tiveram e tm tido suas almas educadas pelas escolas da Religio e da Poltica: as economias da eterna
indstria do poder.
Palavras-chave: Memria , Propaganda , Consumo , Industria cultural, Religio, documentrio.
Ano: 2007.
Orientador: Milton Jos de Almeida.
Thse de Doctorat.
Universit Paris X - Nanterre.
Rsum: Ltude filmique prsente quelques cas dhabitants de chambres de bonne Paris en lan 2000. Lauteur sest attach filmer le
quotidien de diffrents habitants rvlant ainsi la difficult doccuper un
espace aussi rduit. Le texte de la thse retrace dans une premire partie lhistorique de la chambre de bonne dans le contexte architectural.
Lauteur tente des comparaisons avec des espaces exigus comparables
la chambre de bonne, pris dans les films de fiction ou des documentaires. Dans la seconde partie sont exposs les problmes rencontrs par
le chercheur au cours de son insertion auprs des personnes filmes.
Sont galement dcrites les activits matrielles des habitants qui jouent un rle important dans leur vie quotidienne. Lanalyse des dix courts
films raliss ainsi que les entretiens mens auprs des habitants dbouchent sur des esquisses de portraits.
Mots-cls: Anthropologie filmique, chambre de bonnes, insertion,
portraits filmiques.
Anne: 2007.
Directeur dtude: Claudine de France.
Thse de Doctorat.
Universit Paris X - Nanterre.
Rsum: Cette thse traite des artisans dinandiers de lancienne
ville de Fs spcialiss dans la confection dobjets en laiton, les swainiya. Partant des principes de lanthropologie filmique, discipline qui
place lexprience cinmatographique au cIJur dune dmarche ethnologique, le travail est compos de deux parties complmentaires et autonomes : dune part, quatre films ethnographiques dcrivant autant
de processus de fabrication dobjets (des plateaux th, des pices
coules, un grand plateau circulaire et une enseigne) ; dautre part,
une partie crite vise monographique abordant lhistoire, la situation socioconomique, les savoir-faire et les reprsentations qui entourent lacte technique. Les films dcrivant des processus de fabrication
sont de caractre exploratoire, autrement dit, lexprience filmique par
laquelle a dbut lexprience de terrain cherchaient restituer au mieux le droulement des activits techniques. La partie crite commence
par dvelopper ces points de mthode puis invite repenser les rapports entre tradition et artisanat au Maroc. La problmatique est ne
de la distorsion des donnes historiques, des faits observs et des propos des artisans avec les reprsentations communment attribues
l"artisanat traditionnel "marocain : 1) lartisanat traditionnel est gnralement considr comme un hritage ancestral alors que la dinanderie
est une tradition construite par le protectorat franais et prolonge par
la politique patrimoniale du Maroc indpendant ; 2) lartisanat est peru
comme une organisation conomique labri du mode de production
capitaliste alors que la situation actuelle de la dinanderie est le produit
direct de lindustrialisation, de la division du travail et de linstauration
de relations de production de type proltarien ; 3) lartisanat est cens
Doc On-line, n.03, Dezembro 2007, www.doc.ubi.pt, pp. 202-203.
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Tese de doutorado.
Programa de Ps-graduao em Multimeios.
Universidade Estadual de Campinas.
Resumo: Este trabalho parte da idia de que desde os primeiros registros com imagens at o estabelecimento do filme como instrumento
de pesquisa no campo da antropologia, uma busca pelo incomum, pelo
extico, se constituiu na base de apoio de uma grande parte do cinema
documentrio. Desse modo, alguns ingredientes geralmente considerados como atributos de um "gnero"cinematogrfico conhecido como
filmes exploitation tambm fazem parte de uma poro importante do
cinema documentrio. A pesquisa pretende mostrar que, na verdade, o
bizarro e o extico sempre estiveram presentes, desde o incio, nos registros do "mundo histrico"com imagens em movimento. A diferena
que, apesar desses filmes que configuram a vertente principal ou mais
relevante do cinema documentrio serem objeto de estudos exaustivos,
notadamente nas duas ultimas dcadas, os aspectos que aqui ressaltamos vinham sendo deixados de lado at muito recentemente. Do
mesmo modo, so colocados margem e desprezados enquanto objetos de estudos seus congneres menos afortunados: as produes
categorizadas como mondo ou exploitation que apresentam em seu
cerne as estruturas narrativas comuns ao documentrio "srio", inclusive neles se encontrando os vrios modos de representao atribudos
ao gnero. Isso vai confirmar que os filmes alinhados vertente da
"explorao"se apropriaram das mesmas bases formais do cinema documentrio, s que evidenciando em sua linha narrativa a nfase em
aspectos espetaculares, elementos que sempre estiveram presentes
nos documentrios considerados mais importantes sob o ponto de vista
acadmico. Sendo assim, o objetivo principal deste trabalho trazer
luz a explorao no documentrio, partindo de suas origens nos filmes
Doc On-line, n.03, Dezembro 2007, www.doc.ubi.pt, pp. 204-205.
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ENTREVISTA
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MD: A visita foi uma oportunidade para isso mesmo. E foi um encontro muito gratificante, pois quando cheguei a Portugal a Manuela
ajudou-me a conhecer pessoas como o Jgen Bock [director da Escola
de Artes Visuais Maumaus, Lisboa] ou o Joo Fernandes [director do
Museu Serralves, Porto]. A partir da estabeleceram-se laos baseados
em interesses comuns por aquilo que se passa em frica, nos EUA e na
Europa, mas tambm pela arte contempornea, pela cultura visual, pela
literacia visual, pelo ps-colonialismo e por todas essas novas constelaes de saber que esto em desenvolvimento e questionam a nossa
perspectiva do mundo.
JR: Em relao ao seu trabalho, foi pelos filmes ou pelos ensaios
que percebeu haver maior curiosidade e conhecimento aqui em Portugal?
MD: As pessoas em geral no sabiam muito sobre o meu trabalho.
Estavam a acabar de descobrir os meus filmes, nomeadamente Rouch
in Reverse (1995), sobre o famoso antroplogo francs Jean Rouch. Por
essa altura tambm tinha acabado de fazer mais dois filmes: Bamako
Sigi-Kan (2002), um documentrio sobre a capital do Mali, e Conakry
Kas (2003), este sobre a capital da Guin. J estava, portanto, a trabalhar sobre o tema da cultura popular nas cidades africanas actuais,
em que o assunto principal, embora continuasse a abranger a etnografia e a antropologia, era sobretudo a globalizao. Mas, na verdade,
os acadmicos portugueses tambm conheciam pelo menos os meus
livros African Cinema: Politics and Culture (1992) e In Search of Africa
(1998).
JR: Agora, que regressa a Portugal, qual o contexto desta sua
nova estadia?
MD: Desta vez estou c para editar um filme chamado Maison Tropicale, baseado no projecto Maison Tropicale que a ngela Ferreira [Artista Plstica] e o Jrgen Bock [Comissrio] realizaram para o pavilho
portugus da 52a Bienal de Veneza [de 2007]. Este um projecto em
que aceitei participar como realizador do documentrio porque os temas abordados esto em completa sintonia com o meu interesse pelas
cidades africanas. Muito resumidamente, o projecto Maison Tropicale
sobre um tipo de casas prefabricadas desenhadas pelo construtor francs Jean Prouv, que foram colocadas em Niamey [capital do Nger]
e em Brazzaville [capital da Repblica do Congo], onde estiveram du-
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MD: exactamente isso que queria referir quando disse que a cmara hoje o que o pincel, a caneta ou mesmo o gravador de voz foram
outrora. A cmara, sendo um instrumento visual, tambm oral, pois
tem o som incorporado, pelo que nos nossos dias fundamental aprender essa nova linguagem, adquirir essa literacia visual que j referi.
JR: Ao utilizar este mdium visual tambm conseguiu chegar a novos pblicos? Por exemplo, foi mais fcil mostrar o seu trabalho em
frica?
MD: Sim, definitivamente. mais fcil alcanar as audincias africanas com um filme do que com um livro, porque a literacia em frica
muito baixa. Em alguns pases essa taxa no ultrapassa os 15%
[caso do Nger e Burkina Faso], noutros de 30% a 35% e so poucos os pases africanos que atingem ou ultrapassam os 60%. Nestas
condies, portanto, a linguagem cinematogrfica tambm serve para
educar as pessoas, uma forma de falar com elas, pois se apresentarmos um documentrio a uma audincia facilmente se consegue pr
as pessoas a discutir um assunto. E esta possibilidade realmente
muito importante. Posso dar o meu exemplo mais recente. Em Janeiro
passado estive no Sudo, onde o grande tema da actualidade o Darfur, regio que sofre um processo de genocdio sob a complacncia
de um governo repressivo e ditatorial. Desloquei-me l com a minha
companheira e levvamos connosco o meu filme chamado Whos Afraid
of Ngugi Wa Thiongo? (2006), um filme sobre esse escritor do Qunia que esteve exilado do seu pas durante 22 anos [aproximadamente
entre 1982 e 2004]. Quando Ngugi teve condies para regressar ao
seu pas perguntou-me se queria ir com ele para o Qunia exactamente como quando o Jrgen, no contexto da Maison Tropicale, me
perguntou: Queres vir connosco a Niamey e a Brazzaville?. E eu, que
sou um pouco louco, disse logo: Oh sim, claro que vou. Fui ento
para o Qunia com o Ngugi, depois desses 22 anos de exlio motivados
por uma tentativa de assassinato e um perodo de priso decorrentes
das suas posies polticas e dos seus escritos sobre a rebelio Mau
Mau. . . Exlio que s acabou com a mudana de governo. Quando finalmente fomos para o Qunia levei a minha cmara e filmamos sem
qualquer problema durante duas semanas. S que na terceira semana
eles regressaram e atacaram-no brutalmente, queimando-o com cigarros e violando a sua mulher. . . O documentrio que fiz aborda tudo isto
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precisam de fazer filmes mais modernos, com personagens que as pessoas possam imaginar gostar de ir almoar com elas. Repare-se que,
olhando para as personagens do cinema africano, normal sentir pena
delas mas nunca sentimos a vontade de ter uma conversa interessante
com elas, e no entanto existem imensas pessoas em frica com quem
se pode ter um almoo muito interessante. Como possvel no poder
ver esses africanos urbanos em filmes africanos? Com o meu cinema,
por conseguinte, no s critico essas duas vises como tambm estou
a aplicar a Antropologia, os Estudos Culturais [Cultural Studies], enfim,
estou a utilizar a reflexividade.
JR: Em Portugal tambm s conhecemos esse cinema africano de
influncia francesa que tem estado a referir, o dito Cinema de Autor,
que nas ltimas dcadas por c foi estreando medida que recebia
prmios em Cannes ou noutros festivais prestigiados. Mas pergunto
se esse cinema feito exclusivamente para mostrar no estrangeiro, nomeadamente nesses festivais? Como que esse cinema se insere no
contexto africano?
MD: Essa uma boa pergunta, porque o que est subentendido
absolutamente correcto e remete para algo sobre a frica que todos
negamos, mas bastante bvio. Comecemos por dizer que nos dias
de hoje no h africanos que no tenham experimentado algum tipo
de vivncia numa grande cidade embora ainda haja quem pense que
eles vivem na selva. Por isso, normal que o africano mdio conhea
a linguagem cinematogrfica como ns, eu ou vocs, conhecem. Eu,
por exemplo, cresci em Bamako nos anos 1950 e 1960 a ver filmes de
Charlie Chaplin, de Buster Keaton, de Eddie Constantine ou mesmo de
Alfred Hitchcock, pelo que interiorizei essa gramtica cinematogrfica
e porque uma linguagem moderna, fi-lo sem estar muito consciente
disso. Acontece que os realizadores africanos quando fazem filmes
tentam esquecer que existe esse espectador africano e, subsequentemente, recorrem a uma linguagem muito lenta, com personagens que
vivem no mato e cujo assunto o velho conflito entre a tradio e a
chegada de um ou outro aspecto da modernidade, ou cujo tema a exposio dessa tradio pela perspectiva supostamente complacente do
realizador/espectador moderno.
JR: Como nos filmes de Robert Flaherty?
MD: Claro! Mas a realidade que os actuais espectadores africanos
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onal Film and Television Institute], fundada nos anos 1970 [1978], cuja
maioria dos estudantes, infelizmente, acaba por no se dedicar ao cinema e prefere trabalhar em publicidade. A segunda vantagem, que
no existiu em mais nenhum lado, foi terem tido um sistema completo
de produo em 35 milmetros, deixado pelos alemes nos anos 1960,
mas que deixaram apodrecer. A televiso , portanto, a nica sada
profissional, como bem demonstra o facto do realizador Kwaw Ansah
ter fundado a televiso TV Africa. Mas mesmo este percurso no tem
dado grandes resultados. O que se passa no Congo [Kinshasa] tambm
interessante, pois os missionrios tinham a uma importante base de
produo de filmes, por sinal bastante paternalistas, e que nunca deu a
devida formao aos africanos. Recentemente os realizadores congoleses associaram-se aos realizadores francfonos e tm conseguido dinheiro em Frana para fazer os seus filmes, pelo que nos ltimos cinco
ou dez anos houve a capacidade de dois ou trs realizadores, como
Ngangura Mweze ou Balufu Bakupa-Kanyinda, fazerem alguns filmes
significativos. Isto quer dizer que a produo local ainda est viva, mas,
repito, eles existem por causa do sistema de produo francs e da
ajuda francesa a frica. Quanto Nigria, acho que o pas com o
percurso mais curioso de todos. Quando eu escrevi esse ensaio, em
1987, havia um teatro ambulante chamado Teatro Yoruba [The Yoruba
Theatre], que foi capaz de criar actores famosos, no seu gnero autnticas estrelas. Como os nigerianos so muito pragmticos, os seus
cineastas limitavam-se a pegar numa cmara e, sem sequer mudarem
de ngulo, filmavam a actuao desses actores, acabando por produzir os chamados Filmes do Teatro Yoruba, cujo sucesso era enorme
nessa poca. Esta tradio Yoruba ainda existe na Nigria, embora
como cinema tnico ou tribal, na medida em que as outras etnias do
pas no se interessam muito por esses filmes. Contudo, nos ltimos
anos surgiu um novo cinema na Nigria, o cinema de Nollywood, que
hoje a produo mais importante em frica e est a captar a ateno
de todo o mundo: os festivais de Cannes, de Berlim, de Nova Iorque e
de Toronto j convidaram realizadores de Nollywood; o jornal The New
York Times j escreveu mais de sete artigos sobre Nollywood e estou
certo de que o LMonde e todos os jornais de referncia do Ocidente
esto a mostrar interesse pelo que se est a passar com Nollywood. E
o que Nollywood? uma grande indstria de cinema local, tal como
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