Revista Sobre A Mística Nupcial de Teresa de Àvila
Revista Sobre A Mística Nupcial de Teresa de Àvila
Revista Sobre A Mística Nupcial de Teresa de Àvila
ON-LINE
IHU
A mstica
nupcial
Teresa de vila e
Thomas Merton,
dois centenrios
Marco
Vannini:
E MAIS
A conexo mstica
de Teresa de vila e
Thomas Merton
Timothy Lenoir:
Controle neural e
neuromarketing. Uma
reconfigurao do ser
humano
Giselle
Gmez:
Santa Teresa e a
revoluo espiritual
feminina
Tshepo Madlingozi:
A derrocada dos
movimentos sociais na
frica ps-Apartheid
Luciana
Barbosa:
A poesia
das carcias
Editorial
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Sua verso impressa circula s
teras-feiras, a partir das 8h,
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REDAO
ndice
DESTAQUES DA SEMANA
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Destaques On-Line
Timothy Lenoir Controle neural e neuromarketing. Uma reconfigurao do ser humano
Tshepo Madlingozi A derrocada dos movimentos sociais na frica ps-Apartheid
IHU EM REVISTA
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80
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Guia de Leitura
Eventos 2015 Mstica, cinquentenrio do Conclio Vaticano II e as metrpoles abrem o
calendrio de eventos do IHU em 2015
83 Jos Eduardo Franco Vieira era um Indiana Jones das misses
90 Publicao em Destaque A Arte da Cincia e a Cincia da Arte: uma abordagem a
partir de Paul Feyerabend
91 Retrovisor
youtube.com/ihucomunica
3
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de
Capa
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Destaques
da Semana
IHU em
Revista
SO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIO 000
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dos direitos civis. Por seu ativismo social, foi duramente criticado por catlicos e no catlicos.
Durante seus ltimos anos,
dedicou-se a religies asiticas, particularmente o Zen-Budismo. Durante uma viagem para a conferncia
Leste-Oeste sobre Dilogo Monstico
Merton morreu, em Bangkok, em 10
de dezembro de 1968, vtima de um
choque eltrico acidental. A data marcou o vigsimo stimo aniversrio de
sua entrada para Gethsemani. O livro
Merton na intimidade - Sua Vida em
Seus Dirios (Rio de Janeiro: Fisus,
2001) uma seleo extrada dos
vrios volumes do dirio de Thomas
Merton, autor de livros famosos como
A Montanha dos Sete Patamares (So
Paulo: Itatiaia, 1998) e Novas sementes de contemplao (Rio de Janeiro:
Fisus, 1999).
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cisterciense, e alcana seu ponto culminante, em riqueza simblica e doutrinal, com So Joo da Cruz6 e Teresa
de vila. Mas podemos acrescentar a
tambm a experincia cisterciense de
Thomas Merton.
No teria dvida em apontar
como nexo mais importante que vincula os dois grandes msticos, a fora
e centralidade do amor na experincia contemplativa. Isto era chave
para Teresa, e tambm para Thomas
Merton. Em suas Moradas, Teresa vai
assinalar os dois fundamentais imperativos da unio mstica: o amor
a Deus e ao prximo. A unio com o
Mistrio maior estar para ela garantida quando estes dois amores forem
atuados com carinho e delicadeza.
Dizia: Quanto mais adiantadas estiverdes no amor ao prximo, tanto
mais o estareis no amor de Deus. E
depois complementa afirmando que
o amor ao prximo nunca desabrochar perfeitamente em ns se no
brotar da raiz do amor de Deus. Assim tambm em Merton, a vida no
amor constitui o pice de seu itinerrio espiritual e contemplativo. Dizia numa de suas obras, A vida silenciosa (Petrpolis: Vozes, 2002), que
o modo de ser espiritual da vida
monstica envolve a encarnao no
tempo, nas alegrias, dores, perigos
e lutas que pontuam a dinmica da
criao. justamente por estarem
absortos em Deus que os santos
voltavam-se com todo o seu em-
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1 Teresa de vila (1515-1582): freira carmelita espanhola nascida em vila, Castela, famosa reformadora da ordem das
Carmelitas. Canonizada por Gregrio XV
(1622), festejada na Espanha em 27 de
agosto, e no resto do mundo em 15 de
outubro. Foi a primeira mulher a receber
o ttulo de doutora da igreja, por decreto de Paulo VI (1970). Entre seus livros
citam-se Libro de su vida (1601), Libro de
lasfundaciones (1610), Camino de laperfeccin (1583) e Castillo interior ou Libro de lassiete moradas (1588). Escreveu
tambm poemas, dos quais restam 31 deles, e enorme correspondncia, com 458
cartas autenticadas. Sobre Teresa, confira Teresa A Santa Apaixonada (Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005), de autoria de
Rosa Amanda Strausz; Obras completas
(So Paulo: Loyola, 1995) e Santa Teresa
de Jesus Livro da vida (4 ed., So
Paulo: Ed. Paulus, 1983). (Nota da IHU
On-Line)
2 Thomas Merton (1915-1968): monge
catlico cisterciense trapista, pioneiro
no ecumenismo no dilogo com o budismo e tradies do Oriente. O livro Merton na intimidade Sua Vida em Seus
Dirios (Rio de Janeiro: Fisus, 2001),
uma seleo extrada dos vrios volumes
do dirio de Thomas Merton, autor de livros famosos como A Montanha dos Sete
Patamares (So Paulo: Itatiaia, 1998) e
Novas sementes de contemplao (Rio de
Janeiro: Fisus, 1999). O livro foi editado
por Patrick Hart, tambm monge e colaborador de Merton. Na matria de capa
da edio 133 da IHU On-Line, de 21-032005, publicamos um artigo de Ernesto
Cardenal, discpulo de Merton, que fala
sobre sua relao com o monge. (Nota da
IHU On-Line)
3 Henrique Cludio de Lima Vaz (1921
2002): filsofo e padre jesuta, autor
de importante obra filosfica. A revista
Sntese nmero 102, jan.-ab. 2005, p.
5-24, publica o artigo Um Depoimento sobre o Padre Vaz, de Paulo Eduardo
Arantes, professor do Departamento de
Filosofia da USP, que merece ser lido e
consultado com ateno. A IHU On-Line
nmero 19, de 27-05-2002, disponvel em
http://bit.ly/ihuon19, dedicou sua matria de capa vida e obra de Lima
Vaz, com o ttulo Sbio, humanista e
cristo. Sobre ele tambm pode ser
consultado na IHU On-Line n 140, de
09-05-2005, um artigo em que comenta
a obra de Teilhard de Chardin, disponvel em http://bit.ly/ihuon140. A edio
142, de 23-05-2005, publicou a editoria
Memria em homenagem a Lima Vaz, disponvel para download em http://bit.ly/
ihuon142. Confira ainda a entrevista Vaz:
intrprete de uma civilizao arreligio-
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Nova Guin, e aquele seu relato maravilhoso sobre o incio de sua expedio: Imagine-se o leitor repentinamente sozinho, em meio a todo o seu
equipamento, em uma praia tropical
perto de uma aldeia nativa, enquanto a lancha ou o escaler que o trouxe
vai-se afastando no mar at sumir de
vista. E a o antroplogo se v sozinho no alojamento, tendo ento que
empreender juntos aos outros o seu
trabalho etnogrfico.
Com Merton aconteceu algo semelhante: veio desafiado a viver a sua
experincia monacal em radical abertura ao mundo da diferena. E o curioso nisso tudo que, medida que
avanava em sua unificao interior,
na vida meditativa, mais dilatava o caminho de sua abertura aos universos
novos, e em particular ao budismo. O
dilogo e abertura a esta tradio foi
um dos principais interesses intelectuais e espirituais de Merton, que foi
ganhando terreno na sua vida, sendo
coroado na sua peregrinao asitica
de 1968. No contato com os monges
asiticos pde perceber a riqueza da
vida contemplativa, para alm da circunscrio crist: So especialistas
em meditao e contemplao. Isto
o que mais me atrai. No se pode
calcular o valor do contato direto com
gente que, na realidade, trabalhou a
vida inteira treinando a mente e se libertando da paixo e da iluso. A experincia e contato com gente dessas
grandes tradies asiticas favoreceu
um aprendizado novo para Merton,
de que na abertura dialogal se firma
uma maravilhosa oportunidade de
aprendizado sobre as potencialidades
da prpria tradio crist.
IHU On-Line Qual o grande
legado mstico de Teresa de vila e
como se pode descrev-lo?
Faustino Teixeira Vejo como
legado essa ntima conexo entre o
amor espiritual e o amor humano.
No se trata, em hiptese alguma, de
caminhos separados, como se houvesse duas vias paralelas e desvincubuio de Malinowski antropologia foi
o desenvolvimento de um novo mtodo
de investigao de campo, cuja origem
remonta sua intensa experincia de
pesquisa na Austrlia, inicialmente, com
o povo Mailu (1915) e, posteriormente,
com os nativos das Ilhas Trobriand (19151917). (Nota da IHU On-Line)
SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014 | EDIO 460
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ladas. No, diz Teresa com toda a convico, a experincia de Deus passa
pelo caminho dos outros e das obras.
Ela enftica nesse ponto: A orao
serve para chegar aqui, filhas minhas.
Eis a finalidade deste matrimnio espiritual: que dele nasam obras, sempre obras (VII M, 4,6). Amor a Deus
e amor ao prximo, o que pede o
Senhor, diz Teresa com serenidade
exemplar.
Nesse caminho espiritual a
orao ganha um lugar de centralidade, enquanto momento especial e garantido para a arrumao
da casa interior, de unificao da
vida. o momento em que gua
do rio deixa-se habitar pela gua do
cu, a ponto de confundirem-se num
bailado de grandeza indizvel. Advertindo, porm, aqueles que acabam
se fechando no mundo da orao,
Teresa indica que o essencial da vida
espiritual no se encerra nessas exterioridades. Nada mais distante da
vida espiritual autntica do que ficar
encapotado na orao. Ela assinala
para as companheiras: No, irms,
no assim! O Senhor quer obras. Se
vs uma enferma a quem podes dar
algum alvio, no tenhas receio de
perder a tua devoo e compadece-te
dela. E se lhe sobrevm alguma dor,
doa-te como se a sentisses em ti. Se
for preciso, faze jejum para lhe dar de
comer (V M 3,11).
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Leia Mais...
A presena de um mestre: Daisetz T.
Suzuki. Artigo publicado na edio
458 da IHU On-Line, 10-11-2014, em
http://bit.ly/ihuon458;
A mstica nos rastros do cotidiano.
Entrevista publicada na edio 435
da IHU On-Line, 16-12-2013, em
http://bit.ly/ihuon435;
Por toda parte, o segredo de Deus.
Entrevista publicada na edio
407 da IHU On-Line, 05-11-2012;
http://bit.ly/ihuon407;
O pluralismo religioso no corao da
teologia. Entrevista publicada na edio 398 da IHU On-Line, 13-08-2012,
em http://bit.ly/ihuon398;
Mstica: experincia que integra anima (feminilidade) e animus (masculinidade). Entrevista publicada na edio 385 da IHU On-Line, 19-12-2011,
em http://bit.ly/ihuon385;
O Jesus de Pagola. Entrevista publicada na edio 336 da IHU On-Line, 0607-2010; em http://bit.ly/ihuon336;
Teologia Pluralista e Teologia da Revelao. Entrevista especial publicada no stio do IHU em 04-07-2010,
em http://bit.ly/ihu040710;
Perfil Faustino Teixeira. Publicado
na edio 314 da IHU On-Line, 0911-2009, em http://bit.ly/ihuon314;
O budismo e o silncio sobre Deus.
Entrevista publicada na edio 308
da IHU On-Line, 14-09-2009, em
http://bit.ly/ihuon308;
Bento XVI e Barack Obama: novas
perspectivas de dilogo com o isl. Artigo publicado nas Notcias do Dia, 0606-2009, em http://bit.ly/ihu060609;
Jesus de Nazar: um fascnio duradouro. Artigo publicado na edio
248 da IHU On-Line, 17-12-2007, em
http://bit.ly/ihuon248;
Uma reflexo sobre o pluralismo
religioso a partir de Aparecida. Entrevista publicada na edio 244
da IHU On-Line, 20-06-2007, em
http://bit.ly/ihuon224;
Rm o poeta da dana da Unidade. Entrevista publicada na edio
222 da IHU On-Line, 04-06-2007, em
http://bit.ly/ihuon222;
Teologia da Libertao: a contribuio
mais original da Amrica Latina para
o mundo. Entrevista publicada na edio 214 da IHU On-Line, 02-04-2007,
em http://www.bit.ly/ihuon214.
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Vemos que a
diferena das suas
personalidades e
das ligaes que
os unia a qualquer
pessoa ao seu
tempo e sua
cultura, no atinge
o essencial da sua
experincia
da tradio eclesistica comum que
reconhece o casamento e a unio conjugal como um sacramento.
IHU On-Line Tendo em considerao suas trajetrias msticas
em suas diferenas e tambm proximidades, qual o espao do corpo na experincia mstica, com o
transcendente?
Marco Vannini No existe dvida de que o ser humano seja feito
de corpo, alma e esprito, e que o
corpo seja o elemento principal, primrio, aquele que aparece primeiro,
enquanto somente mais tarde emerge e se forma a alma e mais tarde
ainda, quando aparece, o esprito.
Sob este perfil, portanto, no podemos ignorar a corporeidade e errada a mstica que desconhece a sua
realidade e importncia. Dito isso,
porm, preciso tambm reconhecer com honestidade a verdade da
antinomia, clssica e crist juntas,
entre corpo de um lado e esprito de
outro, pelo qual o pago Porfrio,8 na
8 Porfrio (c.232-c.304): filsofo neoplatnico e um dos mais importantes discpulos de Plotino, responsvel por organizar e publicar 54 tratados do mestre
na obra As Enadas, composta por seis
livros. Escreveu ainda uma biografia de
Plotino (A Vida de Plotino) e comentrios
s obras de Plato e Aristteles. Seu livro
Introductio in Praedicamenta foi traduzido para o latim por Bocio e transformou-se num texto padro nas escolas e
universidades medievais, possibilitando
desenvolvimentos na filosofia, teologia e
do a Igreja, temendo os xitos daquilo que chamava quietude, condenou Molinos13, Fnelon14, Madame
Guyon15, etc., executando de fato
a remoo do misticismo do tecido
vivo da sociedade. A partir deste momento e ainda hoje mstico significa para a opinio pblica algo de excepcional, extraordinrio, mas longe
da s normalidade humana. Significa
ento irracional, visionrio, que se
assemelha ao paranormal ou de certa forma com o espiritismo. De fato a
cincia da alma foi, desde ento, perdida pela Igreja, e originou a psicologia: hoje temos uma cincia da alma
mutilada, que ignora o esprito e o
espiritual, relegando-o na nvoa do
indefinido, se no do patolgico. Aos
que diziam que muitos os atribuam
a uma veia mstica, Wittgenstein16
13 Miguel de Molinos (1628-1696): mstico espanhol, criador de uma corrente religiosa denominada de Quietismo. (Nota
da IHU On-Line)
14 Franois Fnelon (1651-1715): pseudnimo de Franois de Salignac de La Mothe-Fnelon, telogo catlico apostlico
romano, poeta e escritor francs, cujas
ideias liberais sobre poltica e educao,
esbarravam contra o statu quo da Igreja e do Estado dessa poca. Pertenceu
Academia Francesa de Letras. (Nota da
IHU On-Line)
15 Jeanne-Marie Bouvier de la MotteGuyon tambm conhecida como Madame
Guyon (1648-1717): foi uma mstica francesa e uma das principais defensoras do
quietismo. Foi considerada hertica pela
Igreja Catlica Romana e presa de 16951703 aps a publicao de um livro sobre
o tema, Short and Easy Method of Prayer.
(Nota da IHU On-Line)
16 Ludwig Wittgenstein (1889-1951):
filsofo austraco, considerado um dos
maiores do sculo XX, tendo contribuido
com diversas inovaes nos campos da
lgica, filosofia da linguagem, epistemologia, dentre outros campos. A maior
parte de seus escritos foi publicada postumamente, mas seu primeiro livro foi
publicado em vida: Tractatus Logico-Philosophicus, em 1921. Os primeiros trabalhos de Wittgenstein foram marcados
pelas idias de Arthur Schopenhauer, assim como pelos novos sistemas de lgica
idealizados por Bertrand Russel e Gottllob
Frege. Quando oTractatusfoi publicado,
influenciou profundamente o Crculo de
Viena e seu positivismo lgico (ou empirismo lgico). Confira na edio 308 da
IHU On-Line, de 14-09-2009, a entrevista
O silncio e a experincia do inefvel em
Wittgenstein, com Luigi Perissinotto, disponvel em http://bit.ly/ihuon308. Leia,
tambm, a entrevista A religiosidade
mstica em Wittgenstein, concedida por
Paulo Margutti, concedida revista IHU
On-Line 362, de 23-05-2011, disponvel
em http://bit.ly/ihuon362. (Nota da IHU
On-Line)
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como falou Plotino11. O mstico adverte sempre a primazia deste relacionamento pessoal com Deus em relao a
todas as formas comunitrias, e isso o
coloca tambm em possvel contraste
com a autoridade religiosa.
Isso, porm, no significa que
o mstico esteja errado ou contra a
Igreja. Pensemos por exemplo em
So Joo da Cruz12, de quem ningum
pode negar a fidelidade sua Ordem
e Igreja, mas que em toda a sua
obra no gasta uma palavra sobre os
sacramentos. Do contrrio, preciso
perceber que essa liberdade, essa autonomia do mstico o tornou muitas
vezes capaz de criticar nos confrontos da prpria Igreja com resultados
de reforma religiosa destinados a dar
frutos duradouros no tempo.
Tema de Capa
to no pode ser perfeito se antes disso o corpo e a alma no forem perfeitos. A perfeio aqui significa plena
conscincia, e com isso preciso cuidar do corpo, conhecer o corpo, no
desprez-lo ou ignor-lo, para que
se possa ter tambm cuidado e conhecimento da alma e, a partir dessa, finalmente, se possa fazer surgir
aquele esprito que to rico de
conhecimento de corpo e de alma.
Neste propsito, quero lembrar tambm a grande figura de Hildegarda de
Bingen10, que dedicou amplo espao
ao conhecimento do corpo, compreendendo tambm a sexualidade,
a sade, a medicina, sem ouvir que
isso fosse um contraste com o cuidado com a alma e o esprito.
15
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16
No maravilha
porm que
tanta difuso de
comunicao,
de relaes,
corresponda em
uma perda de
essncia e, por
consequncia,
uma infelicidade
coloca a questo do niilismo do qual
acusado o cristianismo pelas filosofias de Feuerbach17 e Nietzsche18, por
exemplo?
17 Ludwig Feuerbach (1804-1872): filsofo alemo, reconhecido pela influncia
que seu pensamento exerce sobre Karl
Marx. Abandona os estudos de Teologia
para tornar-se aluno de Hegel, durante
dois anos, em Berlim. De acordo com sua
filosofia, a religio uma forma de alienao que projeta os conceitos do ideal
humano em um ser supremo. autor de A
essncia do cristianismo (2 ed. So Paulo: Papirus, 1997). (Nota da IHU On-Line)
18 Friedrich Nietzsche (1844-1900): filsofo alemo, conhecido por seus conceitos alm-do-homem, transvalorao
dos valores, niilismo, vontade de poder
e eterno retorno. Entre suas obras figuram como as mais importantes Assim
falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 1998), O anticristo (Lisboa: Guimares, 1916) e A genealogia da moral (5. ed. So Paulo: Centauro, 2004). Escreveu at 1888, quando foi acometido por um colapso nervoso que nunca o abandonou at o dia de
sua morte. A Nietzsche foi dedicado o
tema de capa da edio nmero 127 da
IHU On-Line, de 13-12-2004, intitulado
Nietzsche: filsofo do martelo e do crepsculo, disponvel para download em
http://bit.ly/Hl7xwP. A edio 15 dos
Cadernos IHU em formao intitulada O pensamento de Friedrich Nietzsche, e pode ser acessada em http://
bit.ly/HdcqOB. Confira, tambm, a
entrevista concedida por Ernildo Stein
edio 328 da revista IHU On-Line,
de 10-05-2010, disponvel em http://
bit.ly/162F4rH, intitulada O biologismo
radical de Nietzsche no pode ser minimizado, na qual discute ideias de sua
conferncia A crtica de Heidegger ao
biologismo de Nietzsche e a questo da
biopoltica, parte integrante do Ciclo
Leia mais...
Ningum nunca viu a Deus. Para a
mstica a verdade sempre interior.
Entrevista com Marco Vannini publicada na Edio 435, da revista IHU
On-Line, 15-12-2014, em http://bit.
ly/1wncstx;
A experincia do esprito vai muito
alm das distines espao-temporais e de gnero. Entrevista com
Marco Vannini publicada na Edio
385 da revista IHU On-Line, 19-122011, em http://bit.ly/IHY3nA;
Bento XVI, o ltimo papa de Nietzsche. Artigo de Marco Vannini publicado nas Notcias do Dia, no stio
do IHU, 13-02-2013, em http://bit.
ly/1cqzl2u;
A renncia e o drama da relao f e
histria. Entrevista com Marco Vannini publicada nas Notcias do Dia no
stio do IHU, 10-03-2013, em http://
bit.ly/18uGhQj;
O silncio da alma: por que o Ocidente esqueceu os seus msticos.
Entrevista com Marco Vannini reproduzida nas Notcias do Dia do stio
do IHU, 31-03-2013, em http://bit.
ly/19syp0m.
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A meu ver, o
misticismo ,
como se diz,
platonicamente
o verdadeiro
filosofar
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Amor
Em suas Meditaes sobre os
Cantares (Carmelo do Corao Imaculado de Maria, 1970), Teresa trata de
forma mais profunda o que entende
como amor. Baseia-se em trechos do
Cntico dos Cnticos, e os aprofunda
em seu entendimento. Assim, dir
referindo-se passagem: Beije-me
com o beijo de sua boca que essa
uma graa to grande, que a alma mal
pode suportar estar assim to prxima de seu Senhor. Tendo a certeza de
que ele a ama.
Nesse desposrio espiritual a
vontade s pode querer o amor. E no
qualquer amor, ou melhor dizendo,
no se trata de amar quanto baste. Na
verdade, trata-se de amar a mais do
que sobra, como diz padre Antnio
Vieira6 em seus Sermes: Porque o
amor acredita-se no suprfluo: quem
ama pouco contenta-se com o que
basta, quem ama muito contenta-se
com o que sobeja, e quem ama mais
que muito, nem com o que basta,
nem com o que sobeja se contenta:
ainda sobe mais acima, ainda passa
mais adiante.
E foi nisso que Teresa mais se esforou: passar adiante, amar mais que
o possvel, vivificar em extremo toda
graa que recebia do encontro com
6 Antnio Vieira (1608-1697): padre jesuta, diplomata e escritor portugus.
Desenvolveu expressiva atividade missionria entre os indgenas do Brasil procurando combater a sua escravido pelos
senhores de engenho. Em 1641 voltou a
Portugal onde exerceu funes polticas
como conselheiro da Corte e embaixador
de D. Joo IV, principalmente no que se
referia s invases holandesas do Brasil.
Retornou ao Brasil em 1652, tendo estado no Maranho, onde fez acusaes
aos senhores de engenho escravocratas
na defesa da liberdade dos ndios. Foi
expulso do pas, juntamente com outros
jesutas. Voltou ao Brasil em 1681. Entre
suas obras esto: Sermes, composto
por 16 volumes que foram escritos entre
1699 e 1748; Histria do Futuro (1718);
Cartas (1735-1746), em trs volumes;
Defesa perante o tribunal do Santo Ofcio (1957), composto por dois volumes.
Confira a edio 244 da IHU On-Line,
de 19-11-2007, Antnio Vieira. Imperador da lngua portuguesa, disponvel
em http://bit.ly/ihuon244. Leia Vieira.
Um Indiana Jones das misses. Entrevista especial com Jos Eduardo Franco,
disponvel em http://bit.ly/1uSNC1Q.
(Nota da IHU On-Line)
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24
Luciana Barbosa Teresa de Jesus vai se utilizar de smbolos para ultrapassar os limites que a linguagem
apresenta s expresses msticas.
Estes uniro a imagem realidade
significada. H no smbolo uma presena daquilo que se quer significar,
que nos remete a um sentido oculto.
Em sua narrativa ela pretende, atravs de aproximaes, comparaes,
alegorias, poder introduzir o leitor no
que ela vivencia profundamente em
sua experincia de comunho com o
Amado. Enquanto as comparaes e
alegorias so expresses do entendimento racional, o smbolo ser o
melhor representante possvel para
descrever uma realidade que no se
pode exprimir.
Desta forma o smbolo representar uma realidade para alm daquela
material e imediata (como os usados
por Teresa: castelo, sol, gua, ouro,
etc.). Ela insiste em dizer que tais
smbolos so apenas comparaes
e no correspondem perfeitamente
realidade simbolizada, porm no
possui outra linguagem que seja mais
apropriada. Diz-nos Mircea Eliade10 a
10 Mircea Eliade (1907-1986): escritor e
filsofo romeno, uma das maiores autoridades no estudo das religies. Estudou
a linguagem dos smbolos, usada em todas as religies, para chegar s origens,
que se situariam sempre no sagrado. Em
1928 obteve seu mestrado em Filosofia na
Universidade de Bucareste. Estudou snscrito e filosofia hindu na Universidade
de Calcut (1928-1931) e morou em um
ashram em Rishikesh, ao p do Himalaia,
na ndia. Em 1933, voltou Universidade
de Bucareste e obteve o doutorado com
o tema Yoga: Essai sur les Origines de lqa
Mystique Indine. Em 1945, lecionou na
cole de Hautes tudes, na Sorbonne, e,
em 1956, foi professor de Histria das
Religies na Universidade de Chicago, Estados Unidos. Foi tambm honoris causa
em numerosas universidades de todo o
mundo, alm de premiado em 1977 pela
Academia Francesa com a Legio de Honra. Sua interpretao essencial para as
culturas religiosas e a anlise de experincia mtica caracterizavam suas obras.
Em Eliade, o conceito de hierofania corresponde s manifestaes do sagrado,
desde aquelas mais elementares, como,
por exemplo, sua manifestao num objeto qualquer, em uma pedra ou uma rvore, at a sua forma suprema, que, para
um cristo, seria a manifestao de Deus
no homem Jesus Cristo, residindo a um
ato misterioso: a manifestao de algo
divino em objetos que fazem parte de
nosso mundo material, profano. (Nota
da IHU On-Line)
SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014 | EDIO 460
11 Francisco de Salcedo: homem casado que era modelo de virtude, citado nas
obras completas de Santa Teresa. (Nota
da IHU On-Line)
12 Mestre Gaspar Daza: padre de vila,
morto em 1592, citado no Livro da Vida
de Teresa de vila. Doutor tido como
muito virtuoso. Afirmou que Teresa era
vtima dos enganos do demnio. (Nota da
IHU On-Line)
13 Diogo de Cetina: confessor jesuta de
S. Teresa. (Nota da IHU On-Line)
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A beleza e a incompreenso de
uma vida contagiosa
Cristiana Dobner discute a trajetria espiritual de Teresa de vila e os reflexos de seus
ensinamentos s religiosas na contemporaneidade
Por Mrcia Junges e Ricardo Machado | Traduo: Ivan Pedro Lazzarotto
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Sou muito
devota de Santo
Agostinho:
primeiro porque
o monastrio no
qual entrei para
vida religiosa era
da sua Ordem, e
depois porque ele
era um pecador
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Precisamos
lembrar que nem
todas as pessoas,
as mulheres em
especfico, so
chamadas a se
unir com Deus
seguindo o mesmo
caminho
mula a dedicao absoluta; a necessidade de um discernimento preciso
e comprovado e a entrega de si a um
guia espiritual ressoa como convites
inacianos. A Humanidade de Cristo
permeia os escritos de ambos e transborda de suas vidas.
IHU On-Line Qual foi o impacto da leitura de Santo Agostinho10 em
sua formao e converso?
Cristiana Dobner Teresa escreve: Perguntemos s criaturas, como
ensina Santo Agostinho acredito nas
Meditaes ou nas Confisses de
Quem so feitos, e nos vejamos a partir de estar l como tolos, perdendo
o tempo em atender aquilo que nos
foi dado uma vez. Pode ser que desde
o princpio o Senhor no volte a nos
favorecer, no somente em um ano,
nem sequer em muitos. Eles desconhecem o porqu, e ns no devemos procurar entender, no existindo
motivos. Conhecendo que devemos
servi-lo pelo caminho dos mandamentos e dos conselhos, caminhemos
10 Santo Agostinho (Aurlio Agostinho,
354-430): bispo, escritor, telogo, filsofo,
foi uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Ele foi influenciado pelo neoplatonismo
de Plotino e criou os conceitos de pecado
original e guerra justa. Confira a entrevista
concedida por Luiz Astorga edio 421 da
IHU On-Line, de 04-06-2013, intitulada A
disputatio de Santo Toms de Aquino: uma
sntese dupla, disponvel em http://bit.ly/
ihuon421. (Nota da IHU On-Line)
Os fenmenos
msticos,
superabundantes
na vida de
Teresa, so seus
peculiares e no
imitveis
os maus acontecimentos, longe dos
quais sentia imediatamente amar a
Deus. Sentia de am-Lo, me parece:
mas no compreendia ainda como
eu deveria, no que consistia am-Lo
verdadeiramente.
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urante quase toda sua vida como pesquisador, o telogo Secundino Castro Snchez tem se debruado sobre
Teresa de vila e sua cristologia. Desta reflexo, ele destaca a interioridade como ponto
fundamental para compreender a mstica da
santa catlica, fundadora da Ordem dos Carmelitas Descalos. na percepo da Bblia
no interior do ser que se produzem experincias de criao e de paraso. Em seu eu volta
a acontecer o Gnesis, sintetiza. Para ela, o
recolhimento da mstica universal converte-se
em imerso nas Escrituras, onde seu eu fica
absorto e preso aos seus imensos smbolos.
Em entrevista concedida por e-mail
IHU On-Line, o pesquisador aborda a relao
mstica e catlica das experincias do divino
relatadas por Santa Teresa em seus escritos,
com grande foco nas corporeidades. A mstica de Teresa nos revela um Deus profundamente afetado pelo humano, ferido pelo
amor das criaturas. A encarnao, de alguma
maneira, tocou os fundamentos de Deus,
problematiza.
a partir desta corporeidade que se explica a cristologia da Santa, que por instinto
sobrenatural, centra toda a sua cristologia na
humanidade de Cristo, como lugar definitivo
de revelao e agradecimento de Deus. A
humanidade de Jesus tida por ela como a
revelao definitiva. No sei se seria muito
atrevimento afirmar que ela preferiria falar
do ser humano criado imagem de Cristo,
melhor do que imagem de Deus, como ensina o Gnesis, levanta.
Secundino Castro Snchez professor de
Exegese e Teologia espiritual na UniversidadPontificiaComillas, de Madri. Foi vice-diretor
da Faculdade de Teologia na mesma universidade e diretor da Revista de Espiritualidad
durante muitos anos. Atualmente diretor do
departamento da Sagrada Escritura. autor,
entre outros livros, de Evangelio de Juan
Comprensin exegtico-existencial (Biblioteca
TeologaComillas, 2001) e El SorprendenteJess De Marcos (Biblioteca TeologaComillas,
2008).
Confira a entrevista.
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Fenmenos msticos
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indubitvel
que a primeira
descoberta mstica
foi Jesus
da mstica teresiana no campo da
subjetividade e da conscincia?
Secundino Castro Snchez Um
dos lugares onde se mostra essa subjetividade muito remarcada , sem
dvida, no Livro daVida. Os teresianistas colocaram de manifesto que a
autobiografia espiritual no era muito
comum na tradio crist. Nestas anlises do eu desnudo diante de Deus,
Teresa de Jesus mostra-se verdadeira mestra; seria preciso remontar a
Agostinho4, onde parece que ela se
inspira, para encontrar algo dessa
qualidade.
Azorn5 reconheceu que os grandes analistas do eu comparados com
Teresa so crianas inexperientes (Los
clsicos redivivos, Madrid, 1958, p. 4041). Ela situa nesse ponto a responsabilidade pessoal, ineludvel frente ao
mundo e frente a Deus. O eu esse
reduto, ncleo, profundidade, centro
da alma, onde parece que a pessoa
se enfia. Esse eu o lugar onde se
celebra o encontro, mais que lugar,
o sujeito que se coloca frente ao tu,
pirou os seus contemporneos e geraes
de filsofos. Na opinio de alguns comentadores, ele iniciou a formao daquilo
a que hoje se chama de racionalismo
continental (supostamente em oposio
escola que predominava nas ilhas britnicas, o empirismo), posio filosfica
dos sculos XVII e XVIII na Europa. (Nota
da IHU On-Line)
4 Santo Agostinho (Aurlio Agostinho,
354-430): bispo, escritor, telogo, filsofo, foi uma das figuras mais importantes
no desenvolvimento do cristianismo no
Ocidente. Ele foi influenciado pelo neoplatonismo de Plotino e criou os conceitos de pecado original e guerra justa.
Confira a entrevista concedida por Luiz
Astorga edio 421 da IHU On-Line,
de 04-06-2013, intitulada A disputatio
de Santo Toms de Aquino: uma sntese dupla, disponvel em http://bit.ly/
ihuon421. (Nota da IHU On-Line)
5 Azorn [Jos Augusto Trinidad Martnez Ruiz] (1873-1967): novelista espanhol, ensasta, dramaturgo e crtico literrio. (Nota da IHU On-Line)
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Azorn
reconheceu que os
grandes analistas
do eu comparados
com Teresa
so crianas
inexperientes
talidade que no reconhece nada de
bom que provenha da mulher. Pode-se
observar tambm um juzo muito severo contra a situao da mulher casada com respeito ao marido. Na vida
religiosa feminina ela via a possibilidade de libertar-se dessa escravido.
IHU On-Line Quais so as contribuies fundamentais de Teresa
para o contexto espiritual da ps-modernidade, em que convivem um
retorno ao sagrado e um fundamentalismo ateu?
Secundino Castro Snchez
Como sabido, o conceito de modernidade refere-se a uma realidade
muito ampla na qual se enquadra a
ideia do sagrado. J a palavra sagrado, no neutro, algo que seria,
para Teresa, muito difcil de assumir
e inclusive de entender. Para ela, o
religioso, chamemo-lo assim, , em
primeiro lugar, algo pessoal, um Tu
(com maiscula). Por isso, penso
que sua contribuio nesta amlgama ou magma de coisas consistiria
em dar um rosto transcendncia.
Por outro lado, o amplo espectro da
experincia teresiana e suas mltiplas modalidades poderiam contribuir para enriquecer esse mbito do
religioso e inclusive garanti-lo um
pouco mais.
Para o atesmo, pode servir de
impacto. Basta recordar o caso de
Edith Stein9, filsofa ateia, que en9 Edith Stein (1891-1942): religiosa alem, a ltima de onze irmos de uma famlia judia que professava o Judasmo.
Frei Betto aborda a contribuio dos estudos de Teresa de vila para a compreenso
de um Deus que no baseado na meritocracia e na prtica das virtudes morais
Por Mrcia Junges e Ricardo Machado
mstica, assim como a arte, tem o poder de ser transcendente. Assim surge
uma conexo possvel entre a Monalisa, de Da Vinci, e os estudos de Teresa de
vila. Muitos perguntam o que a Mona Lisa/
Gioconda de Leonardo da Vinci tem de to especial. Ora, a primeira vez que um pintor de
talento d um close em um rosto annimo.
(...) Da Vinci reflete a emergncia da modernidade, o advento do eu. Isso Teresa fez na
espiritualidade: deslocou Deus das esferas celestiais, como objeto de adorao, para centr-lo no corao humano, como experincia
amorosa, explica Frei Betto, em entrevista
por e-mail IHU On-Line.
Cheio de metforas entre cincia e f, o
entrevistado diz que a grande novidade que
Teresa de vila realizou, sua poca, foi ter
percorrido o caminho inverso ao de Coprnico, o qual havia deslocado o eixo da Terra para
o Sol. Ela (Teresa) deslocou Deus do Cu para
a Terra, do crer para o viver, caminho retratado na experincia bblica de J. Para Teresa,
Deus o seu caso de amor, destaca. Teresa
tem muito a nos dizer nessa sociedade conectada por redes sociais, de excessiva exposio
e objetivao do ser humano, na qual parece
no terem lugar a subjetividade, o silncio, o
cultivo da vida interior, a autoestima fortalecida pela solido, complementa.
Frei Betto nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. Estudou Jornalismo, Antropologia,
Filosofia e Teologia. frade dominicano, foi
preso durante a ditadura militar e escreveu
o livro Batismo de Sangue (Rio de Janeiro:
Rocco, 1982), que depois foi adaptado para
o cinema com o mesmo ttulo. Esta obra lhe
rendeu, em 1982, o Jabuti, principal prmio
literrio brasileiro. autor de dezenas de livros, entre eles Aldeia do Silncio (Rocco: Rio
de Janeiro, 2013).
Confira a entrevista.
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O deslocamento celestial do
Deus de Teresa de vila
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8 Papa Paulo VI: nascido Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, Paulo
VI foi o Sumo Pontfice da Igreja Catlica
Apostlica de 21 de junho de 1963 at
1978, ano de sua morte. Sucedeu ao Papa
Joo XXIII, que convocou o Conclio Vaticano II, e decidiu continuar os trabalhos
do predecessor. Promoveu melhorias nas
relaes ecumnicas com os Ortodoxos,
Anglicanos e Protestantes, o que resultou
em diversos encontros e acordos histricos. (Nota da IHU On-Line)
EDIO 460 | SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014
Leia mais...
Reabilite Giordano Bruno: o pedido
de Frei Betto ao papa. Entrevista com
Frei Betto publicada no stio do IHU,
nas Notcias do Dia, de 14-04-2014,
em http://bit.ly/132j474;
A Igreja em Cuba. Entrevista com
Frei Betto publicada no stio do IHU,
nas Notcias do Dia, de 29-02-2008,
em http://bit.ly/1zJ4uLF;
Necrocombustveis. Artigo de Frei
Betto publicado no stio do IHU, nas
Notcias doDia, de 27-07-2007, disponvel em http://bit.ly/1G9ydBh;
Batismo de Sangue. Entrevista com
Frei Betto publicada no stio do IHU,
nas Notcias do Dia, de 13-04-2007,
disponvel em http://bit.ly/1ufABxY.
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A liberdade da experincia no
encontro com Deus
Lcia Pedrosa-Pdua, teloga, professora e pesquisadora, explica como Teresa de
vila desenvolveu uma espiritualidade baseada na explorao do espao interior
Por Mrcia Junges e Ricardo Machado
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Leia mais...
Me da psicologia? Subjetividade,
liberdade e autonomia em Teresa de
Jesus. Entrevista especial com Lcia
Pedrosa-Pdua publicada nas Entrevistas do Dia, de 08-01-2012, no stio do IHU, disponvel em http://bit.
ly/1yCxhUY;
Teresa de vila, mulher eminentemente humana e toda de Deus.
Entrevista com Lcia Pedrosa-Pdua
publicada na edio 403 de 2409-2012, disponvel em http://bit.
ly/1qVuMdY.
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Contra a patologizao
psicolgica da Mstica
O psiquiatra Jess Snchez-Caro refuta todas as tentativas de imputar s vises de
Teresa de vila uma origem nas doenas mentais
Por Mrcia Junges e Andriolli Costa / Traduo: Andr Langer
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IHU On-Line Em termos psiquitricos, como podem ser compreendidas as experincias msticas de
Teresa de vila, incluindo suas vises
e xtases?
Jess Snchez-Caro As experincias msticas de Teresa de vila de
modo algum tm a ver com a patologia psiquitrica; portanto, de forma
alguma podem ser compreendidas
em termos psiquitricos. Talvez, e s
muito parcialmente, seja possvel pro-
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1 GregorioMaran(1887-1960): mdico,
cientista, historiador, escritor e filsofo
espanhol. (Nota da IHU On-Line)
2 Avelino Senra Varela (1935): mdico
oncologista galego. (Nota da IHU On-Line)
3 Amador Schller (1921-2010): mdico
e professor universitrio espanhol, tambm foi reitor da Universidade Complutense de Madrid e chefe de Medicina do
Hospital Clnico San Carlos. (Nota da IHU
On-Line)
4 Francisco Marco Merenciano: mdico
integrante da Falange Espaola Tradicionalista y de las Juntas de Ofensiva
Nacional Sindicalista, partido nico do
regime franquista e o nico permitido
durante a Guerra Civil espanhola. (Nota
da IHU On-Line)
5 Juan Jos Lpez Ibor (1908-1991): psiquiatra espanhol, conhecido pelo estudo
de transtornos de vitalidade e de estados
de nimo como a angstia. (Nota da IHU
On-Line)
6 Jos MaraPovedaArio (1919-1994):
foi professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Autnoma de Madri. Foi subdiretor do Hospital
Psiquitrico Provincial e fundador da
Sociedade Espanhola de Medicina Psicossomtica e Psicoterapia. (Nota da IHU
On-Line)
Talvez, e s muito
parcialmente, seja
possvel procurar
compreender
algumas das
vises de Teresa
do mbito da
psicologia e da
neurobiologia do
crebro
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Nada tem a
ver o amor e o
enamoramento
de Teresa com a
ideia delirante
erotomanaca que
aparece em alguns
doentes mentais
graves
coerncia ao longo de toda a sua vida
e dando mostras de uma srie de virtudes nada correntes.
Por outro lado, a vida de Teresa
de vila poderia constituir hoje pela
grande inteireza que demonstrou
para enfrentar suas graves e dolorosas doenas e os mltiplos e srios
problemas que se lhe apresentaram
ao longo da sua vida (pessoais, familiares, inquisitoriais, fundacionais e
outros) um exemplo paradigmtico
daquilo que na psicologia moderna se
denomina de resilincia10: a capacidade das pessoas para enfrentar e superar as adversidades mais diversas e
inclusive sair fortalecidas delas.
IHU On-Line O tema do erotismo recorrente nos xtases de Teresa de vila. Esse tipo de experincia
caracteriza alguma patologia mental? Por qu?
Jess Snchez-Caro Estimo
que o nico amor, o nico amado e o
nico amante ao qual Teresa se dirige
apaixonadamente Deus; era exclusivamente com Ele que ela desejava
unir sua vontade para sempre. E a
experincia mstica dessa imerso to
profunda no mundo espiritual e de
sua fuso sobrenatural com Ele, a vi10 Leia a edio 241 da IHU On-Line,
Resilincia. Elo e sentido, disponvel
em http://bit.ly/1Gqog2E. (Nota da IHU
On-Line)
Talvez tenha pesado nessa orientao o fato de que sou psiquiatra que
exerce a psiquiatria clnica h cerca de
40 anos, e de que me sinto fascinado
pela vida e mente da mstica escritora.
Sinceramente, no entanto, penso que
influiu ao menos em parte na orientao to definida desta entrevista
um livro que apresenta a patologia
da Santa na perspectiva do que alguns especialistas chamam de psico-histria14. Esta, de forma geral, pode
ser entendida como o estudo das
motivaes psicolgicas de acontecimentos histricos ou, ainda, como o
estudo das principais motivaes que
determinaram a biografia, a vocao,
os escritos e inclusive a patologia de
Teresa.
Este colega se valeu para isso da
psicanlise freudiana e de algumas
pinceladas psicopatolgicas que parecem claramente aplicadas ad hoc.
Usando, para isso, de muita imaginao, mas com muito pouca ou nula
base cientfica, j que continuar qualificando atualmente Teresa de vila
com um termo diagnstico to obsoleto e abandonado como histeria e
tratar de psicanaliz-la retrospectivamente, depois de quase 500 anos de
seu nascimento, no pode ser no
melhor dos casos mais que um incrvel exerccio de fantasia.
14 O entrevistado parece se referir
ao livro Historia personal de Santa
Teresa de Jess, do psiquiatra Francisco
Alonso-Fernndez. O livro se filia na
psico-histria e descreve a Santa como
possuidora de humor depressivo, ao qual
se somaria sintomas histricos. Aponta
ainda, a partir da autobiografia de Teresa,
o sentimento de abatimento, solido,
alm de transtornos de alimentao e
sono. (Nota da IHU On-Line)
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sa de Jesus1?
1 Teresa de vila (1515-1582): freira carmelita espanhola nascida em vila, Castela, famosa reformadora da ordem das
Carmelitas. Canonizada por Gregrio XV
(1622), festejada na Espanha em 27 de
agosto, e no resto do mundo em 15 de
outubro. Foi a primeira mulher a receber
o ttulo de doutora da igreja, por decreto de Paulo VI (1970). Entre seus livros
citam-se Libro de su vida (1601), Libro
de lasfundaciones (1610), Camino de laperfeccin (1583) e Castillo interior ou
Libro de lassiete moradas (1588). Escreveu tambm poemas, dos quais restam 31
deles, e enorme correspondncia, com
458 cartas autenticadas. Sobre Teresa,
confira Teresa A Santa Apaixonada (Rio
de Janeiro: Objetiva, 2005), de autoria
IHU On-Line Em que consiste sua argumentao na dissertao Teresa de Jesus, em busca de
letrados?
Maximiliano Herraiz- Justamente no que acabo de dizer respondendo pergunta anterior. Teresa busca
em seu dilogo com os letrados que
lhe assegurem que sua experincia
est de acordo no com sua teologia, mas com a Palavra de Deus e,
portanto, com a comunidade guardi
e garante da Palavra de Deus, a Igreja
de pertena.
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tanto, tinha uma viso mais profunda e humana do caminho que havia
percorrido, e, alm disso, tinha um
manejo melhor da pluma: escritora
consumada.
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tumultuado de um jovem que explorou ao mximo a vida em suas diferentes oportunidades, mas que trazia
em si uma inquietao mais profunda
que s encontrou descanso em Deus.
Quanto Ordem Cisterciense, o
prprio Merton em sua obra guas de
Silo(Belo Horizonte: Itatiaia, 1957)
traa seu histrico. Nas suas palavras, foi fundada no fim do sculo XII
como uma reforma do monasticismo
beneditino. O ideal dos fundadores
foi um retorno perfeita observncia
integral da Regra de S. Bento4, o que
significa um retorno vida cenobtica5
em toda a sua simplicidade. [...] Sob
So Bernardo de Claraval6, os cistercienses tornaram-se a maior ordem
contemplativa de seu tempo.
Ressalta Merton a particular vocao de So Bernardo para a vida contemplativa, bem como a nfase dada
desde o incio, e que de certa forma
ficou como marca da Ordem, ao amor,
com predileo pelo livro Cntico dos
Cnticos7, tomado como a referncia
ceitos de pecado original e guerra justa.
Confira a entrevista concedida por Luiz
Astorga edio 421 da IHU On-Line,
de 04-06-2013, intitulada A disputatio
de Santo Toms de Aquino: uma sntese dupla, disponvel em http://bit.ly/
ihuon421. (Nota da IHU On-Line)
4 Bento de Nrsia (480-547): monge fundador da Ordem dos Beneditinos, uma
das maiores ordens monsticas do mundo. Foi criador da Regra de So Bento,
que determinava um conjunto de preceitos destinados a regular a vivncia de
uma comunidade monstica crist, regida por um abade. (Nota IHU On-Line)
5 Cenobita: monge que leva uma vida
retirada, mas em comum com outros
com os mesmos interesses. (Nota da IHU
On-Line)
6 Bernardo de Claraval(1090-1153): conhecido tambm como So Bernardo,
era oriundo de uma famlia nobre de
Fontaine-les-Dijon, perto de Dijon, na
Borgonha, Frana. Aos 22 anos foi estudar
teologia no mosteiro de Cister. Em 1115
fundou a abadia de Claraval, sendo o seu
primeiro abade. Fundou 163 mosteiros
em vrios pases da Europa. Durante sua
vida monstica demonstrava grande f
em Deus serviu igreja catlica apoiando as autoridades eclesisticas acima das
pretenses dos monarcas. Em funo disto favoreceu a criao de ordens militares e religiosas. Uma das mais famosas foi
a ordem dos cavaleiros templrios. (Nota
da IHU On-Line)
7 Cntico dos cnticos ou Cntico de
Salomo: Livro do Antigo Testamento,
posterior ao Eclesiastes e anterior ao
livro da Sabedoria, na Bblia catlica e,
na Bblia protestante, antes de Isaas. No
judasmo, um dos cinco rolos da ltima
seo do Tanakh, conhecida como Ketuvim (Escritos). (Nota da IHU On-Line)
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2 William Blake (1757-1827): foi o primeiro dos grandes poetas Romnticos ingleses, como tambm pintor, impressor,
e um dos maiores gravadores da histria
inglesa. Foi tambm pintor, sendo sua
pintura definida como pintura fantstica.
(Nota da IHU On-Line)
Merton o tipo
de companheiro
de viagem que
nos fortalece
no caminhar e
no nos deixa
esmorecer da
esperana
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Cistercienses
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10 Martin Luther King (1929-1968): pastor e ativista poltico estadunidense. Pertencente Igreja Batista, tornou-se um
dos mais importantes lderes do ativismo
pelos direitos civis (para negros e mulheres, principalmente) nos Estados Unidos
e no mundo, atravs de uma campanha
de no violncia e de amor para com o
prximo. a pessoa mais jovem a receber o Prmio Nobel da Paz, o que ocorreu
em 1964, pouco antes de seu assassinato.
(Nota da IHU On-Line)
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A vida
contemplativa
no nem pode
ser uma simples
evaso, uma pura
negao, uma
fuga do mundo
em face dos seus
sofrimentos
Thomas Merton
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atingia a todos. Por outro lado escreveu num momento histrico que carecia de vozes. Merton faz parte daquele arco de figuras pblicas dos anos
1960 que de alguma forma traduziam
os anseios e sonhos da coletividade,
assim como seu contemporneo Martin Luther King10.
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IHU On-Line Enquanto padre catlico, como se deu a aproximao de Thomas Merton1 com o
Zen-budismo?
1 Thomas Merton (1915-1968): monge
catlico cisterciense trapista, pioneiro
no ecumenismo no dilogo com o budisEDIO 460 | SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014
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Confira outras edies da IHU On-Line cujo tema de capa aborda assuntos relacionados ao
pensamento mstico.
Tema de Capa
Ba da IHU On-Line
Confira outras edies da IHU On-Line cujo tema de capa aborda assuntos relacionados
religio.
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Os rumos da Igreja na Amrica Latina a partir de Aparecida. Uma anlise do Documento Final da V Conferncia.IHU
On-Line n 224, de 20-06-2007, disponvel em http://www.bit.ly/ihuon224.
Francisco. O santo. IHU On-Line n238, de 01-10-2007, disponvel em http://www.bit.ly/ihuon238.
Projeto de tica Mundial. Um debate. IHU On-Line n 240, de 22-10-2007, disponvel em http://www.bit.ly/ihuon240.
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Tema de Capa
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Tema
de
Capa
Destaques
da Semana
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Revista
EDIO 000 | SO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000
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Destaques da Semana
Destaques On-Line
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line no perodo de 08-12-2014 a 16-12-2014, disponveis nas Entrevistas do Dia
do stio do IHU (www.ihu.unisinos.br).
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64
Marcelino Champagnat. Um
bicentenrio e o desafio de refontizar as
razes e buscar o profetismo inicial
Entrevista com Antnio Cechin, formado em
Letras Clssicas e em Direito pela Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
PUCRS. Ps-graduado no Centro de Economia
e Humanismo, de Paris, atuou na Sagrada
Congregao dos Ritos.
Publicado em: 08-12-2014
Acesse o link http://bit.ly/1qAF1Ef
Tendo em vista o bicentenrio Marista a ser
celebrado em 2017, o grande e fundamental
questionamento como congregao ter que
ser: Evolumos ou involumos?, pontua Antnio
Cechin em entrevista concedida IHU On-Line por
e-mail. Segundo ele, considerando que o objetivo
central da congregao dos Irmos Maristas a
Catequese e a Educao, deveramos mesmo ser
referncia no exerccio da misso de evangelizar, por
meio da educao. Lembra que, como Marcellin
Champagnat, fundador do Instituto dos Pequenos
Irmos de Maria e das Escolas Irmos Maristas, foi
um homem de seu tempo, altura do verdadeiro
tsunami que provocou a Revoluo Francesa.
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EDIO 460 | SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014
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Entrevista da Semana
Controle neural e
neuromarketing. Uma
reconfigurao do ser humano
Timothy Lenoir aborda a questo da optogentica nas sociedades tecnocientficas e
suas relaes com o neuromarketing
Por Mrcia Junges e Joo Vitor Santos / Traduo: Isaque Gomes Correa
que a neurocincia tem a ver com o marketing? A questo serve de guia para o
caminho que Timothy Lenoir percorre em
sua reflexo, durante entrevista concedida pessoalmente IHU On-Line. A partir da ideia de uma
tcnica de controle neural a optogentica destaca que possvel realizar intervenes especficas em distrbios e doenas. Ou seja, modifica-se
a clula num ponto especfico e se tem uma resposta no tratamento do distrbio.
Levando o conceito para outra ideia, o neuromarketing, o entrevistado demonstra como
possvel mexer no cerne dos desejos a partir de
uma oferta ou propaganda de produtos que
tenham tanto significado para o indivduo. E o
suporte para essa relao de consumo a tecnologia, que funciona como uma esteira em que
o usurio deixa suas marcas e a partir delas so
oferecidos os produtos que possam lhe despertar interesse. Se a mudana das sociedades de
produo para as sociedades de consumo a maneira como pensamos sobre as coisas ou como
Deleuze nos encoraja para pensarmos sobre elas
, ento o capitalismo digital , realmente, o tipo
de mecanismo para se obter o desejado, explica.
Na prtica, como os sistemas de monitoramento, por exemplo, usando o Google, seja
no e-mail ou no buscador, operam e produzem
mapeamentos comportamentais. , basicamente, pensar os divduos como bits de informao
sobre as pessoas. Assim, as informaes sobre
sua sade, suas preferncias pelos vrios tipos de
comida, o que quer que seja, tudo isso , absolutamente, central nas sociedades de controle e,
ao mesmo tempo, as sociedades de controle so
organizadas pelo mercado, complementa Lenoir.
IHU On-Line Quais so as implicaes desse trabalho num contexto mais abrangente considerando
o neuromarketing3?
Timothy Lenoir O neuromarketing tenta influenciar as emoes
para obter o tipo de coisa que Deleuze4 (e Guattari5) chama de afeto: no
se trata apenas de emoes, mas de
outros tipos de atividades corporais
que ativam desejos e que no esto,
necessariamente, sujeitos ao controle
por meio de sinais cerebrais. O trabalho
est na lista do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT) sobre as tecnologias
que vo mudar o mundo. (Nota da IHU
On-Line)
3 Neuromarketing: um campo do marketing, com estudo focado no comportamento do consumidor. O conceito mescla
princpios do marketing com a cincia.
(Nota do IHU On-Line)
4 Gilles Deleuze (1925-1995): filsofo
francs. Assim como Foucault, foi um dos
estudiosos de Kant, mas tem em Brgson,
Nietzsche e Espinosa, poderosas intersees. Professor da Universidade de Paris
VIII, Vincennes, Deleuze atualizou ideias
como as de devir, acontecimentos, singularidades, conceitos que nos impelem a
transformar a ns mesmos, incitando-nos
a produzir espaos de criao e de produo de acontecimentos-outros. (Nota da
IHU On-Line)
5 Flix Guattari (1930-1992): psicanalista francs, pensador, militante, admirado por movimentos de esquerda alternativos, autor de um dos livros mais discutidos entre os anos 70/80, O Anti-dipo,
escrito em parceria com o filsofo francs Gilles Deleuze. Guattari visitou vrias
vezes o Brasil. (Nota da IHU On-Line)
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1 Optogentica: so tcnicas que combinam luz, gentica e bioengenharia. Atravs delas possvel analisar os circuitos
neurais e comportamentos em funcionamento em clulas especficas. O objetivo
tratar doenas como Parkinson, Epilepsia, Depresso e distrbios neurais. (Nota
da IHU On-Line)
2 Miguel Nicolelis(1961): mdico e cientista brasileiro. Lidera um grupo de pesquisadores da rea de neurocincias na
Universidade Duke, nos EUA, que estuda
as tentativas de integrar o crebro humano com as mquinas (neuroprteses
ou interfaces crebro-mquina). O objetivo das pesquisas desenvolver prteses neurais para a reabilitao de pacientes que sofrem de paralisia corporal.
Atuando na rea de fisiologia de rgos
e sistemas, Nicolelis responsvel pela
descoberta de um sistema que possibilita
a criao de braos robticos controlados
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formaes sobre sua sade, suas preferncias pelos vrios tipos de comida,
o que quer que seja, tudo isso , absolutamente, central nas sociedades de
controle, e estas, ao mesmo tempo,
so organizadas pelo mercado.
Basicamente, Deleuze teve esta
ideia que, particularmente, acho
bastante interessante de que o que
aconteceu a mudana das economias de produo para as economias
de consumo. E as economias de produo eram manufatureiras. Fazamos produtos; hoje projetamos. Hoje,
fazemos o trabalho cognitivo produzir,
enviamos projetos para a China a fim
de serem produzidos para serem
produzidos a partir de um projeto, design que feito aqui, digamos, no Brasil, ou em outros lugares. E este tipo
de coisa que Deleuze tinha em mente.
Ento, penso que a fora motriz
de todo este movimento o mercado.
E os mercados para ele se tornaram o
engenho de controle. E, como podemos ver nos exemplos que dei quando
falvamos sobre a internet e outros
tipos de coisas que recebemos enquanto navegamos, o mercado est,
fundamentalmente, direcionando e
controlando este tipo de modulao.
Portanto, no se tem uma sociedade
de controle sem tecnocincia. E no
se pode ter a tecnocincia sem estas
coisas de que estamos falando: elas se
reforam mutualmente.
IHU On-Line Numa poca de
caracterstica tecnocientfica, como
percebe a modelagem da vida a partir do controle da subjetividade das
populaes?
Timothy Lenoir Eis uma pergunta difcil. Estamos falando da vida
como a conhecemos, certo? bvio
que os tipos de comunidade que existiam ao redor da famlia, do trabalho,
se desfizeram porque instituies
como a famlia, a escola, e outras, se
modelaram em outros sentidos. A famlia, como a conhecemos, ou como
as pessoas a conheciam uma gerao
(ou duas) atrs, mudou completamente. Acho, portanto, que as sociedades
de controle tm muito mais a ver com
SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014 | EDIO 460
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7 Bernard Stigler (1952): filsofo francs, que tambm tem sua obra influenciada por autores como Nietzsche, Valry, Heidegger e Derrida, entre outros.
Entre seus temas centrais esto tecnologia, consumismo, capitalismo de consumo, convergncia tecnolgica, entre
outros. (Nota IHU On-Line)
8 Terrence W. Deacon: antroplogo
americano, Ph.D. em Antropologia Biolgica, Harvard University, 1984. Lecionou
em Harvard por oito anos, mudou-se para
a Universidade de Boston, em 1992, e
atualmente Professor de Antropologia
e membro da faculdade de Cincia Cognitiva da Universidade da Califrnia, em
Berkeley. Seu trabalho combina biologia
evolutiva humana e neurocincia. O objetivo a investigao da evoluo da
cognio humana. (Nota IHU On-Line)
Destaques da Semana
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Leia mais...
Ns sempre fomos ciborgues. Isso
da natureza da sociedade humana.
Entrevista com Timothy Lenoir, na
edio 262 da IHU On-Line, de 1606-2008, disponvel em http://bit.
do/Vrd2.
As sociedades de controle e a iminncia de um panptico global. Cobertura da conferncia Neurofuturos
para sociedades de controle, em 2310-2014, disponvel em http://bit.
ly/1vV1pUN
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De fato, ns, membros do Khulumani, somos ms vtimas, no sentido de que, diferentemente do tipo de
vtima que o processo da justia transicional na frica do Sul, e em todos
os lugares, busca produzir vtimas
que legitimam a transio de elite;
que saem s ruas todos os anos, em
datas especiais, para chorar, contar
suas histrias e servir como catarse para o Estado; que simplesmente
querem reconhecimento e pagamento, isto , boas vtimas , as vtimas
do Khulumani rejeitam as transies e
mostram, comoreza seu slogan, que
o passado est no presente.
IHU On-Line Por que a justia
transnacional, de matriz neoliberal dos pases do hemisfrio Norte,
incapaz de dar conta dos desafios
do Sul Global? Que especificidades
esto em jogo na realidade da frica
do Sul?
Tshepo Madlingozi A justia
transicional um projeto da modernidade ocidental destinado a salvar
os pases no Sul Global que esto
saindo de conflitos. O objetivo
reconstruir esses pases imagem do
mestre o Norte Global. Assim como
se espera que esses pases adotem
instituies associadas s democracias liberais ocidentais ao invs de
autodeterminao, esses pases so
recolonizados atravs desse processo. Alm disso, os processos da justia
transicional visam sempre liberalizao poltica, um projeto que caminha
junto com a liberalizao econmica.
Como tais, as causas estruturais de
conflito nunca so consideradas: privao de terra, recursos roubados,
economia desigual e Supremacia
Branca permanecem intocados.
IHU On-Line Como o tensionamento entre os Khulumani e as
multinacionais, que deram suporte
ao Apartheid? Esta a principal razo
de resistncia racionalidade vinda
do Norte?
Tshepo Madlingozi O Khulumani no contra o investimento
estrangeiro por companhias multinacionais. No entanto, o Khulumani
contra companhias que ajudaram e
incentivaram o cometimento de um
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IHU em Revista
Guia de Leitura
Sociedades
TECNOCIENTFICAS
Texto e Arte: Ricardo Machado
Vida, do mistrio
ao mecanismo.
Ecos de um evento
As tecnocincias e a
modelagem da vida
Tecnocincia, tecnocultura, sociedade tecnolgica,
somos constitudos e constituidores da tcnica. Pelo
menos desde a segunda metade do sculo XX a tcnica
deixou de ser somente um
meio para se chegar a determinado fim, seno o prprio
fim da existncia das coisas e, muitas vezes, das pessoas. A tese sustentada pelo filsofo italiano Umberto
Galimberti em entrevista edio 457 da Revista IHU
On-Line. Acesse http://bit.ly/IHUOn456.
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Impulsionada por uma dinmica que suscita maior eficincia em todos os processos, a
sociedade contempornea hegemonizou mitologias modernas que se mantm em pleno
sculo XXI. Ao analisar historicamente o capitalismo e desconstruir o mito da meritocracia,
Thomas Piketty desafia a narrativa de que o liberalismo poderia resultar em uma sociedade
mais igualitria. diante deste horizonte, onde, via de regra, o fascnio com o aumento da
renda confundido com justia social, que a IHU On-Line apresentou um amplo debate sobre
a desigualdade. Acesse bit.ly/IHUOn449.
2014
EDIO 436
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EDIO 437
EDIO 438
EDIO 439
EDIO 440
EDIO 441
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Banalidade do Mal
Dvida Pblica
EDIO 442
EDIO 443
EDIO 444
EDIO 445
EDIO 446
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EDIO 447
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IHU em Revista
Minerao
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A minerao
em unidades de
conservao.
Como no
comprometer
oportunidades
futuras?
Entrevista
especial com
Joice Ferreira
20% de toda a rea das unidades de proteo (integral e terra indgena) no Brasil tem algum registro de
interesse minerrio, informa a pesquisadora. Acesse
em http://bit.ly/1BJNTfU.
EDIO 448
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EDIO 449
EDIO 450
COP-20
condio
necessria para
realizao do
acordo climtico
de 2015 em
Paris. Entrevista
especial com
Iara Pietricovsky
de Oliveira
A negociao em Lima ser um momento para medir a
temperatura das intenes efetivas destes pases para
o que vai ser consagrado como o documento final,
avalia a antroploga. Acesse em http://bit.ly/1FSRepB.
EDIO 451
EDIO 452
EDIO 453
Desperdcio
www.youtube.com/ihucomunica
IHU em Revista
Alimentao
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Assista a conferncia
Desenvolvimento luz da
sociobiodiversidade para
superao da misria e
dos males da fome, de Tania Bacelar Araujo no link
youtu.be/NLwS4TWozek.
Mudana Climtica
A complexa
teia hdrica
que brota do
Cerrado est
ameaada.
Entrevista
especial com
Altair Sales
Barbosa
EDIO 454
EDIO 455
EDIO 456
EDIO 457
EDIO 458
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EDIO 459
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IHU em Revista
Mstica, cinquentenrio
do Conclio Vaticano II e as
metrpoles abrem o calendrio
de eventos do IHU em 2015
Por Joo Vitor Santos
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O Conclio Vaticano II na
contemporaneidade
Em 1961, quando o Papa Joo
XXIII convocou o Conclio Vaticano II,
a Igreja se viu em um momento de
reflexo. Para muitos, este foi o embrio de uma mudana na Igreja que
busca se alinhar sdiscusses e s
necessidades da sociedade. Porm,
h quem sustente que os resultados
ainda no foram totalmente compreendidos nos dias de hoje. Acrescente
a isso as transformaes tecnocientficas e socioculturais que a contemporaneidade impe a cada dia com mais
rapidez. Esse o contexto em que se
desenvolver o II Colquio Internacional do IHU, que vai de 19 a 21 de
maio, com o tema O Conclio Vaticano
II: 50 anos depois. A Igreja no contexto
das transformaes tecnocientficas e
socioculturais da contemporaneidade.
IHU em Revista
modo transdisciplinar, luz de diferentes abordagens terico-metodolgicas, os problemas e as possibilidades nas metrpoles contemporneas.
Antroplogo e um dos organizadores do ciclo, Caio Coelho explica
que se quer provocar olhares para
toda a amplitude das metrpoles. Se
formos usar o exemplo de um prdio,
no olhar para ele apenas do ponto de vista histrico e arquitetnico.
olhar para ele com a relao das
pessoas que o frequentam ou que
circulam em seu entorno, completa. Parte-se de uma perspectiva da
metrpole como ser vivo, um tecido
pulsante muito mais voltado para as
relaes entre os habitantes deste
ambiente.
Sero nove encontros, que iniciam no dia 2 de abril e seguem at
9 de junho de 2015. A programao
completa com as datas de cada um
dos ciclos est disponvel no stio
doIHU, em http://bit.ly/IHUMetro-
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81
Confira as publicaes do
Instituto Humanitas Unisinos - IHU
82
IHU em Revista
Entrevista de evento
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IHU em Revista
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O marqus de
Pombal , em
certa medida,
inventor do Brasil
categoria de Imperador da Lngua
Portuguesa no livro AMensagem, de
1934. Para ele, Vieira era mais do que
um grande escritor, mas um artista
da lngua. Ainda hoje, Vieira lido e
admirado pela forma bela e artstica
com a qual escreve, continuando a
constituir uma escola do bem falar e
do bem escrever. Figuras insuspeitas
como Jos Saramago3 j confessaram
que costumavam ler Vieira antes de
escrever seus romances para se banhar nas guas cristalinas e puras de
nosso idioma. Saramago, inclusive, dizia que nunca a lngua portuguesa foi
to bela como quando foi escrita pelo
jesuta. Eu tambm gosto de ler Vieira
antes de escrever, porque ele usou a
lngua no apenas com grande perfeio, mas porque sua forma de escrever traduzia pensamentos profundos,
complexos e que ainda hoje nos aguam a reflexo e a imaginao. Ele fez
a lngua dizer do pensamento humano
de uma forma complexa e bela.
Pensamento
Vieira no importante apenas
pelo primor no idioma, mas tambm
pela atualidade do seu pensamento.
Por sua extraordinria e fascinante
vida, costumo dizer que Vieira era
um Indiana Jones das misses. Construindo misses em lugares inspitos,
estando ao lado dos ndios contra os
colonos, defendendo a abolio da esmaior autor da heteronmia. (Nota da
IHU On-Line)
3 Jos Saramago (1922-2010): escritor
portugus, Nobel de Literatura em 1998.
Conhecido por utilizar-se de frases e perodos longos, escreveu, entre outros, Os
Poemas Possveis (1966); Provavelmente
Alegria (1970); Deste Mundo e do Outro
(1971); Teatro: A Noite (1979); Que Farei
com Este Livro? (1980); Contos: Objecto
Quase (1978); Romance: Levantando do
cho (1980); A jangada de pedra (1986);
A caverna (2001); O homem duplicado
(2002); Ensaio sobre a lucidez (2004).
(Nota da IHU On-Line)
Direitos Humanos
IHU On-Line No Brasil a Companhia quebra entre Vieiristas e Alexandristas6, a partir de uma perspectiva oposta sobre o modo de se tratar
os escravos. Quais eram os pontos
divergentes?
6 Alexandre de Gusmo (1629-1724): jesuta portugus. Embarcou com a famlia
para o Brasil em 1644. Ingressou no noviciado da Companhia de Jesus no dia 27
de outubro de 1646. Fez profisso solene
no dia 2 de fevereiro de 1664. (Nota da
IHU On-Line)
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IHU em Revista
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A verdadeira
fidalguia ao
tal modo que sabemos que no sculo
XIX, com a vinda da corte do rei Dom
Joo VI para o Rio de Janeiro, Portugal
foi a nica potncia europeia que foi
capaz, para sobreviver, de deslocar o
seu centro de poder para uma colnia
sua. A Inglaterra no fez isso, a Frana
no fez, nem a Espanha, mas Portugal
sim.
Essa soluo no nova, j vinha
do sculo XVII. Neste perodo, o Padre
Antnio Vieira, curiosamente, j havia
antecipado uma srie de medidas e
esta foi uma delas. Este era um sculo de crise, de restaurao, de emergncia dos holandeses como grande
potncia ameaando invadir Lisboa...
Frente a estes desafios, Vieira props
que eventualmentese deslocasse a
capital da metrpole e da corte para
o Brasil. Isso chegou a acontecer, mas
apenas mais tarde, em 1808. Vieira
antecipou em cerca de 150 anos o
que de fato aconteceria. De tal modo
que, em 1815, o futuro rei Dom Joo
VI criou uma estrutura poltica indita: o Reino Unido de Brasil, Portugal
e Angola que englobava ainda outros
estados ultramarinos portugueses,
como Cabo Verde e Angola, na frica
e alguns da sia. Um territrio imenso e, se tivesse continuado, seramos
uma potncia extraordinria. Foi uma
ideia fantstica, quase utpica, mas
foi concretizada durante sete anos at
a independncia.
IHU On-Line Porque Vieirapode ser compreendido como um precursor de Pombal?
Jos Eduardo Franco Vieira defendeu um conjunto de medidas, no
contexto das reformas sociais, polticas e econmicas, capazes de fazer
com que o imprio portugus se tornasse vivel e fizesse frente Espanha
e s demais potncias emergentes,
nomeadamente a Inglaterra. Para tanto, prope reformas em vrios nveis:
props a criao de companhias monopolistas, props a reforma da Inquisio, props o regresso dos judeus
Antissemitismo
Pombal j na dcada de 1750
investe na criao de companhias
monopolistas, como Vieira havia proposto; em 1773, vai abolir o termo
de distino entre cristos velhos e
novos e o fim dos atestados de limpeza de sangue; em 1774, edita o regimento pombalino da Inquisio, onde
incorpora diversas ideias reformistas
de Vieira. Pombal era tambm contra
toda a corrente antijudaica, e protege
os judeus. Da mesma forma, Vieira, no
sculo anterior, defendia que Portugal
havia cometido um erro histrico: expulsar uma elite extraordinariamente
empreendedora. Os descobrimentos,
as viagens martimas, a expanso portuguesa, tudo isso teve grande envolvimento de judeus, pois eram ligados
aos processos de construo naval,
do comrcio, etc. Para Vieira, Portugal comeou a decair a partir da expulso desta elite, e outros imprios
como a Holanda, para onde os judeus
foram, comearam a crescer com sua
chegada.
Vieira defendia que se criassem
condies para possibilitar o regresso
dos judeus, pois isso seria fundamental para recuperar essa elite empreendedora e coloc-la a servio da recuperao do reino de Portugal. Claro
que na poca Vieira foi acusado de ser
amigo dos judeus, e mesmo que o Rei
tenha tentado criar condies para
isso, todo o trabalho foi boicotado
pela Inquisio. Essas ideias reformistas so postas em prtica apenas na
segunda metade do sculo seguinte,
100 anos depois, pelo Marqus de
Pombal. Por isso dizemos que Vieira
SO LEOPOLDO, 16 DE DEZEMBRO DE 2014 | EDIO 460
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IHU em Revista
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tero de escritos inditos ou parcialmente inditos. Um contributo extraordinrio para a cultura portuguesa,
considerado o maior feito editorial da
histria da edio em Portugal desde
o sculo XV. Isto porque a primeira
vez que foi possvel preparar a partir
dos originais, traduzir tudo que estava em outros idiomas, rever, anotar,
atualizar e editar uma obra dessa dimenso em to pouco tempo. Foram
apenas dois anos de pr-edio e edio para lanar os volumes entre fevereiro de 2013 e setembro de 2014.
Desde os anos 1990 sonhava em
publicar a obra de Vieira, j tendo
participado de outras equipes no lideradas por mim que haviam falhado.
Buscamos promover uma liderana
que evitasse o erro das outras equipes.
Como eu j estudava Vieira h 20 anos,
j sabia previamente em quais bibliotecas estavam seus escritos e onde
poderia haver os textos inditos. Escolhemos equipes de especialistas em
vrias universidades brasileiras e portuguesas, pondo frente de cada volume um especialista da rea. Por exemplo, o professor JooAdolfoHansen
ficou frente do volume de Sermes.
Quem era especialista em Epistolografia cuidava do volume correspondente.
Aqueles que haviam escrito teses sobre o pensamento proftico de Vieira
assumiam esses volumes, e assim por
diante. Esses especialistas orientavam
o desenvolvimento da pesquisa do volume sob a sua coordenao especficae escreviam a introduo para cada
livro de sua especialidade.
Juntamos ento uma equipe de
cerca de 25 pesquisadores, como latinistas, linguistas, revisores de texto,
arquivistas, historiadores e filsofos,
na Universidade de Lisboa, que davam
assistncia aos coordenadores dos
diferentes volumes. A equipe transcreveu, fez a traduo e atualizao
do material original, buscou outras
edies para incorporar trechos que
faltavam, fez a reviso, anotao e
pouco a pouco foi surgindo a obra do
Vieira. Foi um dos cronogramas mais
exigentes em que j trabalhamos,
pois era preciso publicar trs volumes
a cada dois meses. Trabalhamos dia
e noite, com minha equipe sempre
acompanhando, ligando para os co-
Para Vieira, os
ofcios no eram
feitos para os
homens, mas os
homens para os
ofcios
ordenadores, visitando arquivos para
confrontar documentos, etc.
Lanamos tambm um apelo na
comunicao social para que quem
tivesse correspondncias, cartas e
escritos que pudessem ser de Vieira, que nos avisassem, que iramos
l consultar. Em Portugal h muitos
arquivos privados de famlias nobres.
Muitos nos telefonaram, cedendo
manuscritos e abrindo arquivos, o que
nos permitiu completar muita correspondncia que no conhecamos,
completar documentos de difcil acesso para leitura, etc. Outra dificuldade
foi convencer uma editora de grande
circulao, como a Crculo de Leitores
e Edies Loyola, a publicar 30 volumes de um autor do sculo XVII.
Foi uma espcie de construo
democrtica da obra de Vieira, em que
todos aqueles que possuam fontes puderam oferec-las para, pela primeira
vez, termos a obra completa de Padre
Antnio Vieira. Esta extraordinria edio representa uma verdadeira primavera cultural, uma valorizao dos clssicos. Percebe-se que as pessoas tm
sede dos clssicos e que estes, se forem bem apresentados e editados, podem atrair leitores. Porque o clssico
aquele autor cuja obra nunca perdeu a
atualidade. E a maneira de escrever e
pensar de Vieira ainda atual e ainda
nos ensina muita coisa.
IHU On-Line Qual voc destacaria como a obra mais importante?
Jos Eduardo Franco Ah, no
faa essa pergunta! Naturalmente
todos os seus textos so extraordinrios. Vieira uma escola de saber,
um deleite. Os 30 volumes so organizados em cinco tomos. O primeiro
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Publicao em destaque
A Arte da Cincia e a Cincia da Arte:
uma abordagem a partir de Paul
Feyerabend
Cadernos IHU ideias, em sua 217 edio, traz o artigo A Arte da Cincia e a Cincia da Arte: uma abordagem a partir de Paul
Feyerabend, sob autoria de Hans Georg Flickinger, filsofo alemo, palestrante do XIV
Simpsio Internacional IHU. A tese da inferioridade das artes quanto criao do saber
verdadeiro vale apenas para as artes comprometidas com o ideal do belo. No momento
em que as artes se rebelam contra esse ideal
e, portanto, contra a tutela exercida pela teoria, elas abrem um campo indito de experincias. Essa mudana radical atingiu tambm
as Teorias de arte que, no entanto, ao tentar
impor sua conceituao cientfica s artes,
passaram a ameaar estreitar nosso acesso
experincia esttica e suprimir o fascnio
desafiador que dela emana. Reconhecer a experincia esttica como campo de produo
autntica do saber, ou submeter de novo as
artes ao conceito, do qual elas se vm ten-
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IHU em Revista
Retrovisor
Nessa de 2008, a mstica est presente mais uma vez na IHU On-Line. O que
conduz o leitor por esse tema a histria e o trabalho de Hopkins. Poeta e mstico
ingls, considerado um dos maiores autores da literatura universal jesuta. Sua
obra analisada e discutida por alguns poetas, tradutores e professores de Literatura.Contribuem para a discusso Alpio Correia de Franca Neto, Paulo Henriques
Britto, Claudio Daniel, Anbal Gil Lopes, Aurora Bernardini, John Milton, Wiliam Alves Biserra, Thomas Burns, Dirceu Villa, Marcus Motta e Thiago Ponce de Moraes.
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Contracapa
O Instituto Humanitas Unisinos realiza, entre os dias 19 e 21 de maio de 2015, o Colquio Internacional O Conclio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformaes tecnocientficas e socioculturais da contemporaneidade. Mais informaes em
http://bit.ly/50anosconcilio.
Programao de Pscoa
A programao de Pscoa do Instituto Humanitas Unisinos, que ocorre de 11-03-2015 a 2603-2015, tem como eixo tica, Mstica, Transcendncia e suas implicaes transdisciplinares
no campo da cultura, da tica e da poltica. Mais informaes em http://bit.ly/PasIHU2015.
twitter.com/_ihu
bit.ly/ihuon
youtube.com/ihucomunica