Como Nasceu A Língua Portuguesa - Ataliba T de Castilho
Como Nasceu A Língua Portuguesa - Ataliba T de Castilho
Como Nasceu A Língua Portuguesa - Ataliba T de Castilho
A formao da Europa Latina foi o primeiro passo para o surgimento de dois grandes
grupos lingsticos na chamada Romnia Velha*, a saber, as lnguas romnicas orientais
e as lnguas romnicas ocidentais.
Este mapa mostra como se deu a formao do Imprio Romano, e aqui nos interessam
apenas os territrios da Europa.
Para entender como o Imprio Romano foi sendo construdo, leia esse mapa assim:
Vermelho: 133 a. C.
Laranja: 44 a.C.
Amarelo: 14 d. C.
Verde: 117 d.C.
Vejamos agora como a invaso romana da Pennsula Ibrica teve como um de seus
resultados a formao da Lngua Portuguesa.
2. Como foi que os romanos invadiram a Pennsula Ibrica? (197 a.C. 400 d.C.)
Os romanos invadiram a Pennsula Ibrica entre 197 antes de Cristo e 400 depois de
Cristo. Quem diria, dois mil anos mais tarde, ns aqui no Brasil estamos falando uma
lngua latina! Quando os romanos conquistaram a Pennsula Ibrica eles atiraram (lanas
e flechas) no que viam (os coitados dos ibricos) e acertaram no que no viam (os povos
da Amrica Latina).
Ser que os romanos tinham isso em mente? Claro que no, Zezinho, eles nem sabiam
que existiam terras do outro lado do mar oceano, muito alm do mundo mediterrneo
onde eles passearam suas hostes e suas frotas de comrcio.
Mas enfim, o que levou os romanos a invadirem a Pennsula Ibrica foi uma razo to
simples quanto antiga: a ambio humana.
Uma resposta mais precisa nos far viajar para Cartago, cidade localizada no norte da
frica, atualmente Tnis. J ouviu falar nas Guerras Pnicas? Pois , os romanos
precisaram de trs delas para acabar com o poderio dos cartagineses, povo descendente
dos fencios, que tinham instalado sua matriz em Cartago, e que concorriam com os
Romanos nas rotas comerciais do Mediterrneo. Ento por que essas guerras foram
chamadas pnicas? Porque fencio em grego phinikos, palavras que os romanos
adaptaram para pnico. Voc j sabe que o Latim Vulgar importou muitas palavras do
Grego; phinikos foi mais uma delas.
Cada uma dessas direes daria origem a uma diviso administrativa da Pennsula
Ibrica, com conseqncias no surgimento das lnguas romnicas peninsulares.
Da entrada pelo sul resultou a Hispnia Ulterior, formada pela Btica e pela Lusitnia, e
habitada pelos Verrones e pelos Lusitani: dessa direo resultaram o Galego e o
Portugus. O texto de Jlio Csar que voc leu trata de um episdio ocorrido na Hispnia
Ulterior, em que a Pax Romana esteve ameaada.
Da entrada pelo norte resultou a Hispnia Citerior, formada pela Tarraconense,
posteriormente dividida em Galaecia, Tarraconense e Cartaginense, habitadas pelos
Celtiberi, Carpetani, Oretani, Arevaci, Vaccaei e Galleci: dessa direo resultaram o
Catalo e o Espanhol.
Por que ulterior e citerior? fcil: olhando o novo territrio desde Roma, a primeira
Hispnia era mais distante, mais para l (ulterior), e a segunda era mais prxima, mais
para c (citerior).
Cada uma dessas grandes provncias teve um esquema de colonizao prprio. A
Hispnia Ulterior, onde surgiria o Portugus, foi colonizada pela aristocracia senatorial e
pelas ordens eqestres, tendo sido administrada durante sculos pelo Senado. At mesmo
escolas de nvel superior foram ali instaladas, segundo Tavani (1968: 21). Formou-se
uma cultura citadina, mais desenvolvida economicamente, e mais isolada de Roma: para
viajar capital do Imprio, s de navio. Em conseqncia, desenvolveu-se nessa regio
uma modalidade conservadora do Latim Vulgar, particularmente na Btica, em que iria
surgir o Galego-Portugus. Esta lngua romnica, portanto, seria mais conservadora no
vocabulrio, na fontica e na sintaxe, transformando menos o Latim Vulgar.
A Hispnia Citerior foi colonizada por militares, tendo-se ali desenvolvido uma cultura
mais rural, menos desenvolvida economicamente, mais ligada a Roma, de onde era
accessvel por terra. Em conseqncia, o Castelhano ou Espanhol, ali desenvolvido, seria
mais inovador, transformando mais fortemente o Latim Vulgar. O Catalo se constitui
num caso parte, com sua natureza de lngua-ponte, assumindo propriedades
lingusticas da Ibero-Romnia e da Galo-Romnia: Baldinger (1962).
isso a: quanto mais desenvolvida uma cultura, tanto mais conservadora sua lngua. Ao
contrrio, quanto menos desenvolvida uma cultura, tanto mais inovadora sua lngua.
Explicando melhor. Nas culturas desenvolvidas h um nmero maior de escolas, alguns
particulares organizam bibliotecas, disseminando-se a informao mais regularmente.
Pessoas expostas a essas instituies desenvolvem naturalmente o conceito de que h
uma tradio, h um passado a conservar, conhecido pelo que se aprende na escola e se l
nas bibliotecas. A prpria escola o lugar da transferncia da tradio, substituda nas
comunidades grafas pela transmisso oral dessa tradio. Num caso como no outro,
conserva-se mais o estgio de lngua recebido da gerao anterior. por isso que se
entende o convervadorismo lingstico.
Uma cultura menos desenvolvida no cultiva esse sentimento, e a comunidade est mais
aberta s tendncias prprias de mudana lingstica, tanto quanto s influncias de
outras culturas. Conserva-se menos o estgio lingstico herdado dos antepassados, logo
alterado pelas mudanas gramaticais. isso que se entende por inovadorismo
lingstico.
As lnguas so, entretanto, mais complexas do que um quadro esquemtico como o que
acabo de desenhar poderia representar. Assim, o conservador Portugus passou frente
do Castelhano inovador quando perdeu o n- e o l- intervoclicos, conservados por este.
o que se verifica, comparando aas palavras latinas como palu, germanu com as
Outra figura importante, nesta busca do Latim Vulgar, a monja Egria, que escreveu no
sc. V d. C. sua Peregrinatio ad locca sancta, em que mistura formas latinas vulgares a
formas cultas. Tambm aqui o que interessa espiar os vulgarismos, pois dali veio o
Portugus e vieram todas as outras lnguas romnicas. Leia esta amostra:
As muitas diferenas na formao sociohistrica das lnguas romnicas podem ser melhor
entendidas quando se reconhecem dois grandes domnios do Romance da Alta Idade
Mdia, o Romance Ocidental e o Romance Oriental.
4.2 Romnia Ocidental, Romnia Oriental, formao das lnguas romnicas
No Quadro a seguir so recolhidas as principais diferenas entre as lnguas da Romnia
Oriental (Italiano, Romeno, Sardo) e aquelas da Romnia Ocidental (Francs, Provenal,
Catalo, Castelhano e Portugus).
Romnia Oriental e Romnia Ocidental
ROMNIA ORIENTAL
A Romnia Oriental subdividida em DacoRomnia (de que derivou o Romeno), taloRomnia (de que derivou o Italiano) e RetoRomnia (de que derivou o Rtico). As lnguas da
Romnia Oriental se caracterizam por (1) manterem
a vogal postnica, como em Latim Vulgar tegula >
Italiano tegola, telha, (2) manterem as consoantes
surdas intervoclicas, como em Latim focu >Italiano
fuocu, (3) assimilarem o grupo consonantal octo >
otto, (4) terem o Nominativo como caso nico,
donde fazerem o plural em e para as palavras
femininas, e em i para as palavras femininas:
Italiano sorella sorelle irm irms, bambino
bambini menino meninos.
ROMNIA OCIDENTAL
A Romnia Ocidental subdividida em GaloRomnia (de que derivaram o Francs, o Catalo e o
Provenal) e Ibero-Romnia (de que derivaram o
Castelhano, o Portugus e o Galego). As lnguas da
Romnia Ocidental se caracterizam por (1)
perderem a postnica, como em Latim tegula >
tegla > Portugus telha, (2) sonorizarem as
consoantes surdas intervoclicas, como em fogo, (3)
semivocalizarem a primeira consoante do grupo ct,
como em oito (4) terem o Acusativo como caso
nico, donde fazerem o plural em s,
independentemente do gnero: Francs les hommes
[lezm], em que no se pronuncia o s do
substantivo, Espanhol los hombres, Portugus os
homens.
Vamos agora comparar duas lnguas originrias das duas Romnias: o Portugus e o
Italiano. Ser verdade que as diferenas entre elas se limitou formao do plural,
conforme sugerido acima? No mesmo! Observe o prximo Quadro e tire voc mesmo
suas concluses.
Diferenas entre o Portugus (Romnia Ocidental) e o Italiano (Romnia Oriental)
LATIM VULGAR
Nos, post
Lupu, amatu, amicu
PORTUGUS
Ns, pois
Lobo, amado, amigo
ITALIANO
Noi, poi
Lupo, amato, amico
Qual dessas lnguas se mostra mais prxima do Latim Vulgar? Em que elas se
aproximam, e em que elas se afastam de sua lngua-me? Consulte uma gramtica das
duas lnguas, organize alguns quadros comparativos e localize outros pontos de contacto
e de afastamento. Assim so as lnguas, muito complexas mesmo quando aparentadas.
4. 3 Povos pr-romanos na Pennsula Ibrica
A Ibria no era nenhum deserto humano quando os Romanos chegaram. Eles
encontraram aqui os Vascos ou Iberos, aquele povo no Indoeuropeu, e ainda os Celtas,
os Ambroilrios, os Fencios ou Cartagineses (a quem derrotaram) e os Gregos. Leia no
quadro a seguir uma sntese da histria desses povos.
Bascos ou Iberos
Celtas
Lgures ou Ambroilrios
Os Bascos, Vascos ou
Iberos esto na Pennsula
Ibrica desde tempos
imemoriais. Eles so
originrios da regio do
Cucaso, na sia, e no
eram indo-europeus. So
obscuras as relaes entre
os Bascos e os Iberos.
Estes ltimos integraram a
Cultura
Capsense,
originria da sia Menor
e da Lbia. Dada a
superioridade cultural dos
Iberos, supe-se que os
Bascos tenham aprendido
a
lngua
daqueles.
Entretanto, como havia no
Cucaso
um
povo
denominado hoi ibroi
pelos
gregos,
outros
supem que Bascos e
Iberos integrem a mesma
etnia. Os romanos os
Originrios
aparentemente
da
Ligria, na Itlia, descendiam de
uma raa denominada Ambrones
pelos Romanos. A eles mesclaramse os Ilrios, donde a designao
Ambroilrios. Durante certo tempo,
pensou-sse que esse povo no
tivesse passado pela Pennsula
Ibrica, mas Ramn Menndez
Pidal conseguiu prov-lo ligando
topnimos que remetem ao nome
prprio Ambrones. Com isso, ele
restituiu
o
percurso
dos
Ambroilrios pela pennsula, o que
se
pode
ver
pelo
Mapa
Ambroilrios na Pennsula Ibrica
denominaram
Vascones, e ainda hoje
em dia eles ocupam as
Provncias Vascongadas,
da Espanha. Do lado
francs,
ocupam
a
Gasconha, cujo nome,
alis,
resultou
de
Vasconia,
terra
dos
Vascos. Sua importncia
tanta, que eles acabaram
por
dar
seu
nome
patronmico ao territrio,
a Ibria.
Nenhum desses povos conseguiu preservar sua lngua diante do avano romano,
com exceo dos Bascos. O Latim Vulgar receberia deles contribuies lexicais, tendo
preservado sua morfologia e sua sintaxe. por isso que o Galego, o Portugus e o
Castelhano mantm at hoje uma gramtica neolatina.
No quadro a seguir, voc encontrar algumas palavras que o Portugus tomou de
emprstimo s lnguas dos povos pr-romanos.
Palavras oriundas do Celta: sufixo essu > -s (em Algs, Arbus), briga e dunum
fortaleza, palavras que entraram na composio dos topnimos Conmbriga >
Coimbra, Lugdunum > Lio, Vinodunum > Verdun, carrus > carro, carruca >
charrua, por importao francesa, substituindo-se a palavra latina aratrum,
manteiga, bragas roupa branca (e, por etimologia popular barriguilha, formado
a partir de braguilha), sagum > saio / saia, camisa, cogula veste sacerdotal,
brio, caminho, lgua, caballus> cavalo, que suplantou o latim equus, preservado
no portugus como o feminino gua, gato, bico, cabana, cerveja, trado, lana,
cumba vale, no topnimo Santa Comba Do (em que deve ter havido uma
reinterpretao de comba como colomba, donde o santa), cambiare > cambiar,
que em alguns casos suplantou a palavra latina correspondente mutare, basium >
beijo e basiare > beijar.
Lendo essas listas, voc pode se perguntar o seguinte: que sons se repetem nas palavras
bascas? Que domnios do vocabulrio foram enriquecidos pelas palavras herdadas dos
povos pr-romanos? D para conversar bem, mesmo no usando essas palavras?
4.4 Povos ps-romanos que invadiram a Pennsula Ibrica
A Pennsula Ibrica no virou um paraso na terra s porque os romanos tinham chegado
e tomado conta do pedao.
Estavam os descendentes dos romanos muito felizes com suas novas propriedades
hispnicas, quando o lugar entrou na mira dos germanos. Logo os germanos, que tanta
confuso j tinham armado no corao mesmo do Imprio, e que acabariam por dar-lhe
fim, em 497 d.C! Mas no apenas os germanos fizeram estrepulias no lugar! Mal
comeada a Era Moderna, l vieram os rabes acabar com a graa dos descendentes dos
invasores germnicos. Vejamos isto.
4.4.1 Os germanos
O nome germanos recobre um conjunto de tribos, que se atiraram sobre a Europa em
diferentes pocas histricas. Essas tribos eram assim divididas: (1) Grupo Oriental:
A grande importncia lingstica da invaso germnica est em que seu domnio libertou
as potencialidades diferenadoras da pennsula em relao a Roma, no mais considerada
como metrpole. Formou-se um sentimento nacional, e entre os scs. VI e IX o Latim
Vulgar Hispnico, matizado pelos germanismos, comeou a dialetar-se nos diversos
Romances de que surgiriam a partir do sc . X as lnguas romnicas ibricas.
Como os germanos tinham entrado em contacto com os romanos desde o sc. I, suas
contribuies lxicas devem ser consideradas segundo o grupo germnico de que
procedem e segundo o local em que se deu o contacto. H, em conseqncia, (1) palavras
vindas do germnico ocidental (como os Francos) ou do germnico oriental (como os
Godos) que penetraram no Latim Vulgar independentemente da invaso da Pennsula
Substantivos comuns: elmo, orgulho, aleive, laverca, sabo, burgo, guerra (que
suplantou Latim bellum), brasa, trgua, luva, espora, albergue, fralda, coifa,
feudo, embaixada, rico, branco, bruno, guisa maneira, donde guisado
disposto, arranjado, parra, ufano, ngreme, aio, aleive (donde aleivosia,
calnia), ganso, bramar, guardar, roubar, gastar, britar, agasalhar, gabar-se,
guarir e guarecer curar, sufixo engo (avoengo, realengo, solarengo,
abadengo), sufixo ardo (bastardo).
Eles ficaram mais tempo na Espanha, 781 anos, tendo sido expulsos aps a captura de
Granada, em 1492.
Os rabes trouxeram para a Ibria sua desenvolvida cultura, que inclua desde a
Agricultura at a Filosofia, passando por uma extraordinria Arquitetura preservada at
hoje. Tendo traduzido para o rabe os clssicos gregos, salvaram para o Ocidente textos
como os de Aristteles, destrudos na Europa pela intolerncia crist. O maior esplendor
de sua cultura ocorreu na regio chamada Al Andalus, palavra adaptada de Vandaluzia,
no sul da pennsula. A cultura aqui desenvolvida foi superior africana, caracterizando-se
por uma grande tolerncia religiosa e politica. A Lex Visigothorum foi mantida, os
costumes, usos e os juzes hispnicos foram conservados. O desenvolvimento literrio foi
muito intenso, a ponto de pensarem alguns historiadores da literatura que a poesia lrica
medieval da Pennsula Ibrica seja de origem rabe. Estudos lingsticos foram
cultivados, para as explicaes do Alcoro. Desenvolveu-se a Histria e a Geografia, em
que se sobressaram Ben Haiane, Benelabar, Benalcatibe, Ben Sade, a Filosofia, a
Medicina, a Botnica, a Agricultura e a Arquitetura, alm da Msica.
Detalhar tudo o que ocorreu no perodo escapa s limitaes deste texto. Basta que se
diga que a chegada rabe dividiu a sociedade hispano-romana em trs segmentos sociais:
(1)
A tradio latina na pennsula foi mantida pelos morabes. Atravs deles, arabismos
penetraram nas lnguas ibero-romnicas, e latinismos penetraram no rabe. Eles tiveram
tambm uma enorme importncia no desenvolvimento da poesia lrica ibrica. Hoje se
sabe que em lngua morabe foram compostas as carjas ou findas, espcie de remates
poticos de 2, 3 ou 4 versos que acompanhavam as composies poticas dos rabes e
dos hebreus peninsulares, as moaxas, ou muaxahas.
As carjas mesclavam palavras morabes, rabes e hebraicas, e mostram que nos scs. XI
e XII tinha existido uma lrica tradicional, a que viriam a assemelhar-se as cantigas
damigo galego-portuguesas, que s surgiriam no sculo seguinte. Entretanto, este ponto
segue inconcluso, no se podendo afirmar que a potica rabe peninsular deu surgimento
a um movimento artstico que poderia ter sido criado pelos Gallaeci, anteriores aos
rabes.
As carjas foram descobertas em 1948 por S. M. Stern, a que se seguiu em 1952 o trabalho
de Emilio Garca Gmez, que publicou as muaxahas completas, a includas as carjas.
As muaxahas rabes em que se encontram carjas romances, se encontram em obras
manuscritas de Ibn Busra, Ibn al-Jatib e Jud Ha-Lev. natural que os copistas que
transcreveram esses manuscritos, no conhecendo o Romance, reiterpretaram-nos de mil
modos. Mas no h dvida que essas composies oferecem uma modalidade de lngua
a que chamamos morabe, praticada em al-Andalus por cristos, mulades ou
renegados, e tambm por alguns dos conquistadores: Galms de Fuentes (1994: 85). As
sucessivas etnias rabes que com frequncia invadiam a pennsula diminuram fortemente
o contingente morabe, sem extingui-lo. Eis aqui algumas carjas, com sua traduo:
Amostra de carjas romances, retiradas de Galms de Fuentes (1994: 31 e 39)
Carja rabe
Carjas hebraicas
Ven, idi, ven,
El querid(o) es tanto ben(i)
Deste az-zameni.
Ven filyo dIbn ad-Dayyeni
Vayse miew o qorachn de mb,
Ya Rabb! Se se me tornarad?
Tan mal me duwled li-l-habib,
Enfermo yed: Kuwand sanarad?
evidente a proximidade destas carjas com as canes damigo, em que uma mulher fala
pela boca do poeta, confessando seu amor sua me e s suas amigas, ou mesmo
formulando seu desejo com a clareza das composies acima.
Olhe aqui como se deu a ocupao (e a desocupao) da Pennsula Ibrica pelos rabes:
almeiro, acelga, alface, arroz, benjoim, caf, laranja, lima, limo, rom,
tmara, tremoo.
Reino de Leo
Condado de
Reino de
Condado de
Reino de
Astrias
(720-905?)
Castela
Arago
Barcelona
Navarra
(719-910)
Reino de Leo e Astrias
(932-1029)
(1035-1162)
(875-1137)
Reino de Arago e Catalunha
(800-1512)
(910-1037)
(1162-1479)
Reino de Leo e Castela (1037-1479)
Reino de Arago e Castela, surgido com o casamento de Fernando de Arago e Isabel de Castela (14791516). Em 1512, anexao do Reino de Navarra
1085
1090
1094
1107
1109
1112
1127
1128
1139
1147
1157
1185
1211
1223-1279
1385-1415
1415
1422
1424
1427
1433
1438
1441
1443
1444-1445
1450
1456
1462
1470
1484-1486
1487
1498
1500
1501
1509
1510-1511
Alcobaa, que viriam a ter grande importncia cultural. Seu filho D. Sancho I sobe ao
trono.
Morre d. Sancho I e D. Afonso II ocupa o trono de Portugal.
Morre D. Afonso II, e D. Sancho II herda o trono. Com sua morte, D. Afonso III sobe ao
trono, continuando a tarefa de seus antepassados, at que a tomada de Algarves completa o
mapa de Portugal tal como hoje conhecido. Ele passa a residir por mais tempo em Lisboa,
para onde transfere gradualmente os servios pblicos.
Uma crise dinstica e os esforos de Castela - que por essa altura absorvera o Reino de
Leo - por retomar sua antiga possesso tm como conseqncia o surgimento da dinastia
dos Avises. Dom Joo I o primeiro Avis que se torna monarca. Ele era filho bastardo de
D. Pedro I. Tendo vencido os castelhanos em Aljubarrota, graas ao de Nuno lvares
Pereira e o apoio dos ingleses, d incio a um longo reinado, decisivo para o futuro de
Portugal, como nao imperial. Casado com uma inglesa, Dona Felipa de Lencastre, Dom
Joo I foi pai da nclita gerao: o navegador Infante D. Henriques, o filsofo D. Duarte e
o Infante D. Pedro. O incio desta dinastia coincide com o trmino da primeira fase do
Portugus Arcaico, tambm conhecido como perodo do Galego-Portugus. A Escola de
Sagres, fundada por Afonso Henriques, prepara Portugal para as grandes navegaes,
busca de ouro, inicialmente rodeando a costa africana, e depois aventurando-se pelo mar
oceano e descobrindo o Brasil.
Tem incio a expanso martima e colonial, com a tomada de Ceuta.
Substituio da Era de Csar pela Era de Cristo.
Expedio s Ilhas Canrias sob o comando de D. Fernando de Castro.
Descobrimento de parte do Arquiplado dos Aores.
Morre D. Joo I. Sobe ao trono seu filho D. Duarte.
Morre D. Duarte, seu filho D. Afonso V menor, D. Pedro assume a regncia. Inicia-se o
povoamento dos Aores, cujos descendentes trariam sua fala para o Sul do Brasil, no sc.
XVIII.
Viagem ao Cabo Branco. Os primeiros escravos negros so trazidos a Portugal.
Morre Dom Fernando, prisioneiro em Fez.
Viagem Guin, descobrindo-se o Arquiplago de Bijags na costa da Guin.
Gomes Eanes de Zurara sucede a Ferno Lopes como cronista do Rei.
Cadamosto descobre o arquiplago de Cabo Verde. O primeiro carregamento de acar da
Ilha da Madeira chega Inglaterra.
Inicia-se o povoamento da ilha de Santiago, Cabo Verde.
Descobrimento das ilhas de Ferno do P, So Tom, Prncipe e Ano Bom.
Explorao do Reino de Benim, na atual Nigria.
Expedio de Gonalo Eanes e Pero de vora ao interior africano (Tucurol e Tumbuctu).
Bartolomeu Dias dobra o cabo da Boa Esperana.
Duarte Pacheco Pereira encarregado de dirigir uma expedio secreta s costas do Brasil e
de discutir com os espanhis a fixao da linha de Tordesilhas, cujo tratado tinha sido
assinado em 1494.
Descoberta do Brasil. Carta de Pero Vaz Caminha endereada a D. Manuel, Rei de
Portugal.
Pedro lvares Cabral chega a Cochim, na costa de Malabar, ndia.
Diogo Lopes de Sequeira dobra o Cabo da Boa Esperana e explora a costa oriental de
Madagascar, chega a Cochim, atravessa o Golfo de Bengala e chega a Malaca.
Afonso de Albuquerque conquista Goa. Toma Malaca e faz a primeira expediol oficial
portuguesa ao Pacfico.
Voc deve ter notado por esse Quadro que o nome Afonso est muito ligado aos
primeiros tempos de Portugal. Surgiu daqui a expresso no tempo dos afonsinhos,
sempre que se quer referir a tempos remotos.
Sob esse pano de fundo sociohistrico, vrias mudanas fonolgicas, morfolgicas e
sintticas ocorreram no Latim Vulgar e no Romance Hispnico, em seu caminho para o
Portugus Arcaico. Veja isso de perto no texto de Rosa Virgnia Mattos e Silva, Como
se estruturou a lngua portuguesa.
Os primeiros estudos histricos do Portugus derivavam erradamente nossa lngua do
Latim Culto, ou Clssico. Augusto Soromenho (1834-1878), discpulo de Alexandre
Herculano, foi o primeiro a reconhecer que o Portugus derivava do sermo vulgaris, ou
Latim Vulgar, no seu livro Origem da Lngua Portuguesa, de 1867.
Chegou a hora de estudar o Portugus Arcaico.
6. Portugus Arcaico: a primeira variedade de Portugus que se ouviu no mundo
O Portugus Arcaico foi falado e escrito entre os scs. XIII e XVI, mais precisamente, at
o ano de 1540.
Se h um assunto complicado o da datao das lnguas e das fases histricas pelas quais
elas passaram. Pense um pouco. A histria dos povos exige datas, afinal ela uma
narrativa de eventos que se dispem na linha do tempo. At a tudo bem. O problema
que na histria das lnguas s podemos dat-las atravs de documentos nos quais elas
apaream escritas. Ora, quando uma dada lngua chega a ser escrita, por que j vinha
sendo falada h muito tempo! H quanto tempo? Impossvel saber. De modo que vamos
olhar estas datas todas com um p atrs, entendendo que elas so aproximativas.
O Reino de Portugal consolida-se cada vez mais no sul. Em 1255 D. Afonso III instala-se
em Lisboa, e o centro cultural e poltico passa a girar ente Lisboa e Coimbra. Em 1290
funda-se a Universidade de Lisboa, transferida para Coimbra em 1308. J no sc. XII, a
fronteira do Reino de Leo e Castela isola a Galcia de Portugal. O isolameno se acentua
no sc. XIV, o Galego-Portugus sofre alteraes lingsticas, separando-se do
Portugus. Entretanto, mesmo separadas, ainda hoje as duas lnguas so de fcil
intercompreenso.
Muito prximo do Galego desde o passado longnquo, o Portugus entretando sempre se
diferenciou do Castelhano, como se pode ver pelo Quadro-resumo a seguir.
Diferenas entre o Portugus e o Castelhano
LATIM VULGAR
PORTUGUS
CASTELHANO
TRATAMENTO DAS VOGAIS
Metus
Medo: conserva a vogal e.
Miedo: ditonga a vogal e.
Januariu / Januairu (= variantes .> Janeiro (= o ms de duas > Enero: perde o ditongo,
de Janus, o deus de duas frontes) frontes, uma que olha para o transformando ai do Latim em e.
passado e outra que olha para o
futuro): mantm o ditongo ai,
transformando-o
em
outro
ditongo, ei.
Auru, paucu
> Ouro, pouco: mantm o > Oro, poco: perde o ditongo,
ditongo, transformando-o em mudando au do Latim em ou e
outro ditongo, au > ou
depois em o.
Portu
> Porto, dito [portu]: mantm o o Puerto: ditonga o o e transforma
e o u final.
u em o.
TRATAMENTO DAS CONSOANTES
Lana, bonu, vinu
> l, bom, vinho: perde o n- > lana, bueno, vino: mantm o
intervoclico, e se surgir um hiato n- intervoclico.
formado por vogal nasal + vogal
oral, como em v~io, desenvolve a
consoante [].
Plaga, clave, flamma
Chaga, chave, chama: os grupos Llaga, llave, llama: esses grupos
consonantais iniciais pl-, cl-, fl- consonantais
tambm
so
palatizados, porm do origem a
so palatizados em .
.
Plumbum, palumba
Chumbo, pomba: mantm o Plomo, paloma: perde o grupo
grupo mb.
mb.
culturalmente menos importante levou Ferno de Oliveira a pregar sua propagao, pois
so os homens que fazem a lngua, e a valorizar a clareza de sua pronncia, argumento
que se tornou tpico. Joo de Barros, por sua vez, aconselha o policiamento da lngua
pelo uso, conceito que tomou de emprstimo a Ccero.
Clarificada e assente a necessidade de cultiv-la, surgem no sculo XVII os estudos de
Duarte Nunes de Leo (Origem da lngua portuguesa). Nos anos setecentos, o binmio
Portugus-Castelhano complicado com o equacionamento do problema do Galego. O
padre beneditino Feijo, de origem galega, reclama a incluso do Portugus e Galego,
entidades indistintas, no seio da famlia romnica. Lembre-se que at ento, por um
critrio arbitrrio, apenas o Espanhol, o Italiano e o Francs eram a compreendidos. A
atitude de Feijo foi tambm uma resposta aos gramticos castelhanos que reduziam o
Portugus a um subdialeto, uma vez que o derivavam do Castelhano. Ressurgem ento as
apologias da Lngua Portuguesa, que j tinham comido muito p na estrada, no sc. XVI.
Dois fatos poriam fim querela suscitada pelo binmio Portugus-Castelhano: a
independncia portuguesa em 1640 e a atitude de Verney no sculo XVIII, propugnando
o enriquecimento da lngua atravs da adoo de neologismos, a fuga imitao servil
dos clssicos, e o abandono da roupagem barroca espanhola que sufocava o idioma
escrito. Era o racionalismo iluminista que derrocou o princpio da autoridade e estimulou
estudos mais aprofundados da lngua.
Na fase final do sculo XVIII a Arcdia Lusitana prope o Francs como exemplo,
movendo a cultura portuguesa de uma sujeio para outra. O fluxo gauls se avoluma,
provocando o renascimento da questo da lngua. A Academia Real das Cincias arvorase em defensora da pureza do idioma (donde o glossrio de francesismos do Cardeal
Saraiva), propondo uma volta aos clssicos de quatrocentos e quinhentos.
SEGUNDA FASE
Fonologia
Quatro
fonemas
sibilantes,
sendo
dois Reduo
para
dois
fonemas
sibilantes
predorsoalveolares /s/, /z/ mais dois apicoalveolares predorsoalveolares /s/, /z/.
//, //.
Surgimento de hiatos dada a queda de consoante Crase das vogais do hiato: selo, f, mesmo, ter.
intervoclica: sigillu > seello, fide > fee, medesmo
> meesmo, tenere > teer.
Perda da consoante nasal intervoclica e Simplificao
dessas
nasais
finais,
com
surgimento de vogais nasais finais: -ane > am predominncia da vogal om, que muda para o,
(cane > cam), -one > om (sermone > sermom), como em co, sermo, fizeram, bo, esta uma
-onu > om (bonu > bom), -unt > om (fecerunt > forma curiosamente no aceita na lngua culta.
fezerom)
Morfologia
Palavras em or e es so uniformes quanto ao Regularizao dessas palavras, que passam a
gnero: hum / hua pastor portugus
receber a para a marcao do feminino: hua
pastora portuguesa
Particpios dos verbos em er terminam por udo: Esses particpios passam a terminar em ido: tido,
tedo, sabudo.
sabido. A forma tedo sobrevive em contedo.
Manuteno do /d/ no morfema nmero-pessoal Perda desse fonema, surgindo hiatos, tais como em
des, como em amades, fazedes.
amaes,
fazees,
ditongados
posteriormente.
5. Sobre os rabes na Pennsula Ibrica, ver Souza (1830), Dozy / Engelman (1915),
Steiger (1932), Asn Palacios (1940), Machado (1952), Herculano de Carvalho
(1968).
6. Sobre a histria da lngua portuguesa, ver Silva Neto (1952-1957 / 1979),
Teyssier (1982), Castro (1991).
7. Sobre o portugus arcaico, ver Mattos e Silva (1991, 1993).
14. Glossrio
Texto: Formao da Europa Latina (390 a.C. 124 d.C) (Link1)