Introducao Ao at Zenger Salmos

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306 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

muitas vezes caricaturada como "happy end", constitui uma expresso da esperana de
que Jav em ltima instncia se revelar como um Deus que quer e pode concretizar
vida abundante justamente para as pessoas atormentadas at a morte.

III. O LIVRO DOS SALMOS


(ERICH ZENGER)
Comentrios: E Delitsch (BC 4,1),1859; S. R. Hirzsch, 1888; F. Baethgen (HK
I1/2),1982 = 3a ed. 1904); B. Duhm (KHC 14), 1899 (= 2a ed. 1922); C. A. Briggs/E. G.
Briggs (ICC), 1906.1907; H. Gunkel (HK I1/2),1926 (= 6a ed. 1986); H. Schmidt (HAT
1,15),1934; A. Weiser (ATD),1935 (= 7a ed. 1966); H.-J. Kraus (BK), 1960 (= 5a ed.
1978); A. Deissler, 1963.1964.1965; M. Dahwod (AncB), 1966.1968.1970; M. Mannati,
1966.1967.1968, M. van der Ploeg (BOT), 1973.1974; L. Jacquet, 1975.1977.1979; J.
W. Rogerson/J. W. McKay (CBC), 1977; G. Ravasi, 1981.1983.1984; P. Craigie (Word
Biblical Commentary), 1983; L. C. Allen (Word Biblical Commentary), 1983; E. S.
Gerstenberger (FOTL), 1991; M. E. Tate (Word Biblical Commentary), 1990; F. L.
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Stuttgart 1975; D. M. Howard, Jr., Editorial Activity in the Psalter: A State-of-the-Field
Survey, in: J. C. McCann, Jr. (ed.), The Shape and the Shaping of the Psalter (JSOT.S
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Wrzburg 1993, pp. 17-25.
Monografias sobre questes abrangentes: G. Brunert, Psalm 102 im Kontext des Vierten
Psalmenbuches (SBB 30), Stuttgart 1996; C. Barth, Concatenatio im ersten Buch des
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Psalmen. Urform und Neuinterpretation in den Psalmen (SBS 18), Stuttgart 1966; G.
Braulik, Christologisches Verstndnis der Psalmen - schon im Alten Testament?, in: B.
Kranemann/K. Richter (eds.), Christologie der Liturgie (QD 159), Freiburg 1995, pp.
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des Psalters, in: idem, Vom Sinai zum Zion, Alttestamentliche Beitrge zur biblischen
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in die Psalmen. Die Gattungen der religisen Lyrik Israels (HK II complem.),
Gttingen 1933 (reimpresso em 1975); E. Haag/R L. Hossfeld (eds.), Freude an der
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Stuttgart, 2a ed. 1987; W. L. Holladay, The Psalms through Three Thousand Years.
Prayerbook of a Cloud of Witnesses, Minneapolis 1993; F. L. Hossfeld/E. Zenger,
"Selig, wer auf die Armen achtet" (Ps 41,2). Beobachtungen zur Gottesvolk-Theologie
des ersten Davidpsalters: JBTh 7, 1992, pp. 21-50; idem, "Wer darf hinaufziehen zum
Berg JHWHs?" Zur Redaktionsgeschichte und Theologie der Psalmengruppe 15-24, in:
FS N. Lohfink, Freiburg 1993, pp. 166-182;

OS LIVROS DA SABEDORIA - 307

idem, "Von seinem Thronsitz schaut er nieder auf alie Bewohner der Erde" (Ps 33,14).
Redaktionsgeschichte und Kompositionskritik der Psalmengruppe 25-34, in: FS O.
Kaiser, Gttingen 1994, pp. 375-388; O. Keel, Die Welt der altorientalischen
Bildsymbolik und das Alte Testament. Am Beispiel der Psalmen, Zrich, 4a ed., 1984;
M. Kleer, "Der liebliche Snger der Psalmen Israels." Untersuchungen zu David ais
Dichter und Beter der Psalmen (BBB 108), Weinheim 1996; L. Leijssen (ed.), Les
Psaumes. Prires de 1'humanit d'Isral, de 1'glise (Textes et tudes Liturgiques XI),
Leuven 1990; C. Levin, Das Gebetbuch der Gerechten. Literargeschichtliche
Beobachtungen am Psalter: ZThK90,1993, pp. 355-381; N. Lohfink, Hino dos pobres
(Bblica Loyola), So Paulo 2001; idem, Psalmengebet und Psalterredaktion: ALW
34,1992, pp. 1-22; idem/E. Zenger, Der Gott Israels und die Viilker. Untersuchungen
zum Jesajabuch und zu den Psalmen (SBS 154), Stuttgart 1994; H. P. Mathys, Dichter
und Beter. Theologen aus sptalttestamentlicher Zeit (OBO 132), Freiburg/Gttingen
1994; J. C. McCann, Jr., A Theological Introduction to the Book of Psalms. The Psalms
as Torah, Nashville 1993; idem, The Shape and Shaping (v. acima); M. Millard, Die
Komposition des Psalters. Ein formgeschichtlicher Ansatz (FAT 9), Tbingen 1994; P.
D. Miller, They Cried to the Lord. The Form and Theology ofBiblical Prayer,
Minneapolis 1994; J. van Oorschot, Nachkultische Psalmen und sptbiblische
Rollendichtung: ZAW 106, 1994, pp. 69-86; J. Reindl, Weisheitliche Bearbeitung des
Psalters. Ein Beitrag zum Verstndnis des Psalters (VT.S 32), Leiden 1981, pp.
333-356; J. Schreiner (ed.), Beitrge zur Psalmenforschung. Psalm 2 und 22 (fzb 60),
Wrzburg 1988; K. Seybold, Die Psalmen. Eine Einfhrung (Urban TB 382), Stuttgart
1986; idem/E. Zenger (eds.), Neue Wege der Psalmenforschung (HBS 1), Freiburg, 2a
ed., 1995; H. Spieckermann, Heilsgegenwart. Eine Theologie der Psalmen (FRLANT
148), Gttingen 1989; C. Westermann, Lob und Klage in den Psalmen, Gttingen 1977;
G. H. Wilson, The Editing of the Hebrew Psalter (SBL.DS 76), Chicago 1985; E.
Zenger, Mit meinem Gott berspringe ich Mauern. Einfhrung in das Psalmenbuch,
Freiburg, 43 ed., 1993 (= Herder TB 8810, Freiburg 1994); idem, Ich will die
Morgenrte wecken. Psalmenauslegungen, Freiburg 1991 (= HerderTB 8811, Freiburg
1994); idem, Ein Gott der Rache? Feindpsalmen verstehen, Freiburg 1994.

1. Designaes e estrutura
1.1. Nmero e forma de contagem dos salmos
O livro dos Salmos uma composio de 150 textos poticos ("salmos") de diferentes gneros (formas principais: lamentao, splica, louvor, gratido), origens e
pocas. Esses 150 salmos no perfazem os nicos salmos da Bblia. Tambm em
outros livros ocorrem salmos, geralmente numa localizao estruturalmente
destacada (p. ex., o cntico de vitria no mar dos Juncos: Ex 15,1-18; o cntico de
Moiss: Dt 32; o cntico de Debor: Jz 5; o "magnificat" de Han: 1Sm 2,1-11; o
cntico de despedida de David: 2Sm 23,1-7; o hino de gratido dos

308 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

salvos: Is 12; o salmo de Jonas: Jn 2,3-10; o cntico de Judite: Jt 16). Vrios livros
ou partes de livros so permeadas de linguagem de salmos (p. ex., Is 40-55; Jr; J).
O livro das Lamentaes at poderia ser designado de segundo livro cannico de
salmos.
Pelo menos na fase final do surgimento do livro dos Salmos, o objetivo claro era
criar uma seleo de exatamente 150 salmos. o que corrobora a verso da LXX,
que por um lado conta vrios salmos singulares de maneira diferente do livro
hebraico dos Salmos e por outro se atm de tal forma ao nmero 150 que ela caracteriza expressamente como fora da contagem o "salmo final", Sl 151, que ela
traz como "excedente" em relao ao livro hebraico de salmos. Tambm em
Qumran se preserva o nmero 150, quando no rolo 11 QPsa, referente ao ltimo
tero do livro dos Salmos de Qumran, os salmos que ainda seguem aps os cinqenta salmos so claramente catalogados como "apndice".
Visto que a Vulgata tambm enumera os salmos pela subdiviso da LXX, uma
parte dos comentadores cristos manteve essa contagem at tempos bem recentes.
Tambm os livros oficiais da liturgia catlica utilizam essa enumerao (geralmente trazem entre parnteses a contagem da Bblia hebraica). A fim de evitar
confuso, desejvel que prevalea a forma de contar da Bblia hebraica especialmente quando esse texto tomado como base para as tradues s lnguas
vernculas.
A enumerao diferente ocorre pelo fato de que a LXX considera tanto os S19 e 10
quanto os 114 e 115 como um nico salmo e decompe cada um dos 51 116 e 147
em dois salmos. Da resultam as seguintes diferenas na contagem:
M (hebraico) G
(LXX)
1-8
1-8
9/10
9
11-113

M
114/115
116,1-9
116,10-19

G
113
114
115

M
G
117-146 116-145
147,1-11
146
147,12-20
147
148-150 148-150
151

1.2. As designaes
A designao "(livro dos) Salmos" que se tornou usual na tradio crist originou-se
do ttulo dos salmos, j confirmado na LXX como traduo do ttulo mais freqente
(57 vezes), mizmr = falar cantado em forma de cantilena, com acompanhamento de
cordas (inXp o, de ij uXKeLv = tanger as cordas). Esse termo, tambm utilizado no
NT (cf. Lc 20,42; 24,44; At 1,20), consta expressamente como ttulo do livro sobre
os 150 salmos no manuscrito B (Codex Vaticanus), originrio do sc. IV d.C.
Contudo, questionvel se esse ttulo pode ser interpretado como definio da
forma de recitao desses textos praticada no tempo bblico. Essa titulao surgiu
presumivelmente no contexto da "davidizao" dos salmos (v infra; mizmr ocorre
35 vezes em conexo com "de/para David") e adere tradio bblica

OS LIVROS DA SABEDORIA - 309

de David como "tocador da lira" (cf.1Sm 16,14-23; 18,10). A denominao


"Saltrio" remonta ao termo nebel = lira estacionria (tambm a
Einheitsbersetzung em geral verte de forma no muito adequada para "harpa"),
pela traduo que a LXX escolheu para o instrumento de cordas, ijaX'rTpLov. Essa
palavra se encontra como ttulo do livro no manuscrito A (Codex Alexandrinus),
proveniente do sc. V d.C.
A designao usual no judasmo (sefer) tehillim = "(livro dos) Louvores" (M.
Buber: "glorificaes") j est comprovada sobre um fragmento de Qumran, da
caverna 4 (sc. I a.C.). Tambm no texto em prosa que consta no rolo de salmos
proveniente do sc. I d.C., 11 QPsa, e foi intercalado entre os salmos bblicos e
no-bblicos nele reunidos, David citado como compositor de 3.600 tehillim, bem
como de 450 "cnticos" (sir = hino coral). Esse mais um indcio de que a tradio
do ttulo do livro tehillim possui uma origem muito antiga. Como sugere a nota
redacional no 5172,20 "fim das oraes (= tefillt) de David, filho de Jess", que
deve ser ambientada em torno de 300 a.C., a expresso "louvores" constitui uma
designao geral que visa dar uma nova nfase teolgica diante da designao
(mais antiga) de oraes (de splica, tehllt). Essa nfase destaca o alvo do
movimento em direo do qual o livro dos Salmos pressiona em seu ltimo tero e
especialmente em seus ltimos cinco salmos (146-150) e, dentro deles, mais uma
vez na sua ltima frase (150,6): o livro dos Salmos como um todo constitui um
louvor polifpico a Jav, que deve e pode brotar do meio das oraes de
lamentao e de splica, bem mais numerosas. provvel que a denominao
tehillim tambm deve ser a que est na origem do termo que ocorre em Flon e
Flvio Josefo, vvoL "hinos de louvor". Tambm Jernimo afirma expressamente
que o ttulo hebraico do livro dos Salmos sephar tallim.
1.3. Indicaes de uma composio planejada do livro
Embora o livro dos Salmos seja uma compilao de 150 textos singulares, que
conforme os respectivos ttulos individuais visam ser lidos como textos isolados, ele no
uma justaposio mais ou menos ocasional de oraes e hinos singulares arrolados
lado a lado sem relao entre si (um tipo de "arquivo de salmos"). isso que est sendo
cada vez mais elaborado pela pesquisa mais recente dos salmos (entre outros: E. L.
Hossfeld, N. Lohfink, M. Millard, E. Zenger), contra a exegese dos salmos voltada para
a histria do gnero, que predominou desde H. Gunkel e estava primordialmente
interessada nos textos isolados. Dessa maneira a exegese dos Salmos complementada
pela exegese do Saltrio. O livro dos Salmos, por decorrncia, tratado, sob o aspecto
metodolgico, da mesma forma como os demais livros da Bblia. A partir das seguintes
constataes sobre a tcnica crtico-literria da seqncia dos salmos, convincente que
cada um deles traz consigo uma mensagem teolgica como elemento parcial de um
ciclo de composio, da coletnea de um bloco, ou mesmo na sua

310 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

concatenao macroestrutural dentro do livro todo, uma mensagem que excede o


"sentido individual" de cada um deles:
1- Entre salmos que se sucedem diretamente formam-se, com freqncia, ligaes
de relevncia semntica, compositiva e histrico-formal, que no podem ser devidas ao
acaso, mas devem ter sido planejadas pela(s) reviso(es). Trata-se sobretudo de
tcnicas literrias de colocao planejada (iuxtapositio) e de encadeamento de tpicos e
temas (concatenatio), pelas quais os salmos individuais so inseridos em contextos
maiores. Geralmente so utilizadas ambas as tcnicas, a fim de construir novos espaos
de sentido por meio da seqncia de salmos organizada com deliberao. Dois
exemplos pretendem ilustrar sucintamente esse fato.
Primeiro exemplo: o grupo de salmos 3-14 constitui, segundo a histria das formas,
uma composio planificada e tematicamente entrelaada de oraes de lamento e
splica (S13-7), de um hino no centro (S18) e oraes de lamento e splica
(S19-14). Por meio dos Si 3,9 e Sl 14,7 forma-se uma moldura em torno da
composio (temas: "salvao/socorro" para o "povo" de Jav). Nas oraes de
splica 3-7 foram reunidas situaes paradigmticas de sofrimento, nas quais
oradores individuais clamam pelo Deus que julga, salva e restaura. Ao mesmo
tempo os salmos esto ligados entre si de tal maneira por um esquema cronolgico
que a manh, ou o dia enquanto tempo do sol (sol nascente: fim da noite e comeo
da luz = vida, livramento, justia, salvao), e o entardecer, ou a noite (com as
conotaes de perigo, desgraa, morte), estabelecem um vnculo abrangente:

S13:
S14:
S15:
S16:
S17:

situaes de aflio
cerco de inimigos
carncia social
falta de direitos
enfermidade
cerco de inimigos

513,6:
514,9:
Si 5,4:
Si 6,7:
517,12

esquema cronolgico
manh
entardecer
manh
dia
noite

O grupo de preces dos Si 9-14 gira em torno da ameaa mortal dos "pobres" caracterizados como grupo social que, no meio de um mundo hostil que o cerca,
deposita sua esperana no Deus do juzo, o qual combate o caos e restabelece a
ordem transtornada da vida. O centro dessa composio o Sl 8 em forma de hino,
que considera que o fundamento da dignidade humana dos perseguidos e pobres que
se lamentam, nos S13-7 e 9-14, o Deus Criador e rei do universo, que ao mesmo
tempo o Deus de Israel (Si 8,2.10: "Jav, nosso Senhor..."). O S18 constitui de certo
modo a coluna central [de um altar gtico], da qual pendem as duas tabelas de
quadros dos S13-7 e 9-14. As dobradias so claramente perceptveis no texto: o
517,18 (final do salmo) retomado no S18,2 (comeo). O Si 8,10 (final)
continuado no Sl 9,2s (comeo).

OS LIVROS DA SABEDORIA - 311

Segundo exemplo: dois salmos subseqentes se interpretam um ao outro. Os SI 111


e 112 esto interligados de tantas formas mltiplas (acrsticos alfabticos, comprimento e estrutura idnticas, numerosas coincidncias de termos, e correspondncias temticas), que so chamados de "salmos gmeos". Seu objetivo serem
entendidos como uma unidade compositiva. O Sl 111 delineia a figura do Deus
justo e misericordioso da aliana. O 51112 descreve o ser humano justo e misericordioso (obviamente, o prprio salmo fala androcentricamente do "homem"). Para
a interpretao importante a conexo entre os dois textos: ela a idia (que
tambm est na base de Gn 1,26-28) da imitatio Dei (imitao de Deus pelo ser
humano). A relao entre dois salmos subseqentes tambm pode ser de um dilogo cultual: os dois salmos do rei, S120 e 21, so correspondentes, em termos da
histria das formas, seqncia splica-gratido. Em termos teolgicos, a orao
de gratido (mais antiga) de cunho marcial recebe uma perspectiva nova,
praticamente contrria aos tons marciais, pela anteposio da orao de splica do
rei. Outra forma, ainda, de combinao de salmos sucessivos pode ser estabelecida
de tal forma que um salmo seleciona um elemento do anterior e o desdobra com
maior amplitude (p. ex., S1105-106).
2- Alguns salmos desempenham uma funo na macroestrutura do Saltrio todo, o
que denota a "composio intencional como livro". Isso vale para os "salmos de
moldura" (S11 e 2, juntamente com 149 e 150), mas tambm para os salmos do rei que
perpassam o Saltrio como uma rede hermenutica (v. infra).
3-Os ttulos (adicionados em momento posterior), que encabeam salmos
singulares, muitas vezes organizam salmos semelhantes na substncia e na forma,
formando grupos, de modo que se formam composies plenas de sentido. Outro fato
corrobora a inferncia de que temos diante de ns indcios da composio intencional de
um livro, a saber, que os grupos relacionados entre si por meio de ttulos ainda
constituem, ao mesmo tempo, um esquema significativo sob aspecto da histria das
formas. Os Sl 42-49, bem como 84-85.87-88, so caracterizados pelo ttulo "dos/para os
filhos de Qrah", e os S173-83 pelo ttulo "de/para Asaf" como grupos interligados.
Com sua seqncia eles estabelecem ciclos compositivos teologicamente relevantes:
composio
lamento
resposta (de Deus)
lamento

5142-49, de Qrah
42/43(eu) -44 (ns)
45-48
49 (eu)

Si 84-85.87-88, de
Qrah
84 (eu) - 85 (ns)
87
88 (eu)

composio
"doutrina"
lamento
resposta (de Deus)
lamento

Sl 73-77, de Asaf
73
74 (ns)
75-76
77 (eu)

Sl 78-83, de Asaf
78
79-80 (ns)
81-82
83 (eu)

312 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

No entanto, os grupos de salmos, demarcados pelos ttulos, tambm so


organizados com maestria dentro da arquitetura do livro dos Salmos. Desse modo
resulta, por exemplo, a seguinte ordem concntrica para a seqncia dos salmos
42-88(89):
Si de Qrah
42-49
A

Si de Asaf
50
B

Si de Davi
51-72
C

Si de Asaf
73-83
B

Sl de Qrah
84-89
A

4 Na chamada davidizao do Saltrio dada uma instruo expressa para que


ao menos partes do livro dos Salmos sejam lidas como meditao concatenada. Ela se
apresenta de trs formas: em primeiro lugar, 73 salmos do Saltrio hebraico (na LXX
chegam a ser 83) so relacionados com a vida de David pelo ttulo ledwid ("em vista de
David", ou "de David"). No estgio mais antigo, provavelmente na poca do exlio, a
nota expressa que o salmo deve ser lido em comunho com o destino do David
perseguido e salvo. No sc. V a nota entendida, a partir do 5151, no sentido da autoria
fictcia de David. A partir do sc. IV a nota no se refere mais ao David "histrico", mas
ao David do tempo de salvao vindouro, como sobretudo nos Sl 108-110; 138-145).
Em segundo lugar, em treze salmos a nota ledwid ampliada, adicionando-se dados
biogrficos da vida de David narrada nos livros de Samuel. Tambm essas informaes
foram concebidas originalmente como indicaes de referncia a determinadas
situaes na vida de David, como ofertas para a identificao, e somente mais tarde
como dados sobre a autoria. Em terceiro lugar, por fim, o Saltrio todo considerado
dirio espiritual de David (a davidizao do Saltrio levou poetizao de David). O
livro dos Salmos pode ser lido, agora, como meditao sobre a vida do David histrico e
messinico (quanto davidizao, cf. M. Kleer, "Der liebliche Snger").
1.4. A subdiviso do livro dos Salmos em cinco partes
Os 150 salmos esto subdivididos em cinco "livros" pelas quatro frmulas
doxolgicas finais, de SI 41,14; 72,18-19; 89,53; 106,48, nenhuma das quais, sob
aspecto de crtica literria, faz parte do respectivo salmo precedente. Esses cinco livros
possuem por sua vez uma arquitetura sofisticada, que aqui pode to-somente ser
mencionada (cf. a tabela da pgina 314). Os Sl 1-2 e 146-150 formam uma moldura em
torno dos cinco livros.
A maioria das edies mais recentes da Bblia (tambm a Einheitsbersetzung)
mostra essa subdiviso do livro dos Salmos em cinco blocos por meio de ttulos

OS LIVROS DA SABEDORIA - 313

intermedirios, que no entanto no constam nem no texto masortico nem na LXX.


Por causa de suas diferenas (veja a tabela anterior), as frmulas doxolgicas
dificilmente so da autoria da mesma pessoa, mas marcam fases distintas da
compilao sucessiva de coletneas parciais. Contudo provvel que a redao final
j tenha reconhecido e por sua vez ressaltado essa subdiviso (resultante) em cinco
blocos. Em favor dessa posio depem, entre outras, as seguintes constataes:
1- As quatro frmulas localizam-se todas em cesuras que podem ser reconhecidas
tambm por outros aspectos: 41,14 no final do primeiro saltrio de David (SI 3-41);
72,18-19 no fim do segundo saltrio de David (51-72); 89,53 no final dos salmos
de Qrah (S184-85; 87-89), que foram acrescentados e emolduram o segundo
saltrio de David que entrementes se avolumou; 106,48 no encerramento da
composio de cunho temtico e com moldura literria, dos Si 90-106.
2 - O convite ao Aleluia, que ainda vem aps a doxologia Si 106,48 e em termos
estruturais um apndice, sendo posicionado pela LXX (de forma simplificada) no
comeo do Sl 107, pode ser lido como um elemento secundrio na composio, por
meio do qual a redao conclusiva aponta para o "final de Aleluias" do livro dos
Salmos (S1146-150: cada um dos cinco salmos emoldurado com Aleluia = 10
vezes Aleluia; alm disso, o S1150 traz no corpo do salmo 10 vezes o imperativo
hallel = "louvai').
3 - Ao contrrio da difundida opinio de que o primeiro indcio dessa subdiviso
em cinco partes pode ser encontrado apenas desde o sc. IV d.C., a saber, em
Eusbio de Cesaria e Epifnio de Salamide, podem ser aduzidos bons argumentos
de que Orgenes atesta a subdiviso em cinco partes j na metade do sc. III: "Em
cinco livros os judeus dividem o livro dos Salmos". Ele pressupe isso como um
dado bvio largamente conhecido, o que permite inferir uma tradio.
4- incerto, embora no possa ser excludo, que a subdiviso do livro dos Salmos
em cinco tomos j pode ser comprovada em Qumran (1Q 30: "livro pentmero"
poderia referir-se, nesse rolo, ou Tor ou ao livro dos Salmos, divididos ambos
em cinco partes).
Na tradio judaica h predileo de estruturar uma obra em cinco partes, ou cinco
volumes, o que ao mesmo tempo tem carter programtico, como evidenciam a Tor, o
livro das Lamentaes e o livro de Henoc etope. O respectivo comentrio rabnico no
midrash Tehilim, difcil de datar (sc. III a IX d.C.?), seguramente est reproduzindo a
inteno da redao final do livro dos Salmos: "Moiss deu aos israelitas os cinco livros
da Tor, e David deu aos israelitas os cinco livros dos Salmos". Os Salmos constituem a
resposta de Israel Tor que lhe foi dada. Foi isso que a redao final ressaltou, no momento em que anteps ao livro dos Salmos o salmo da Tor, Si 1, como "chave
hermenutica".

314 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

1-2
3-41

42-72

73-89

90-106

107-145

146-150

Arquitetura do livro dos Salmos


Promio: Tor + Messias/Sio/senhorio de Deus
1 livro salmos de David
3-14.15-24.25-34.35-41
41,14:Bendito seja Jav, o Deus de Israel desde sempre e para sempre!
Amm e Amm!
2 livro salmos de Qrah
42-49
salmo de Asaf
50
salmos de David
51-72
72,18s:Bendito seja Jav, o Deus de Israel, o nico que opera milagres!
Bendito seja para sempre seu nome glorioso! Que toda a terra
seja repleta da sua glria! Amm e Amm.
3 livro salmos de Asaf
73-83
salmos de Qrah
84-89(86: salmo de David)
89,53:Bendito seja Jav para sempre! Amm e Amm!
4 livro composio de Moiss 90-92
reinado de Jav
93-100 (sem ttulos)
composio de David
101-106
106,48:Bendito seja Jav, o Deus de Israel, desde sempre e para sempre.
E todo o povo dir: Amm (+ LXX: Amm). Aleluia!
5 livro A salmo de louvor (Tor) 107 (reinado de Jav)
B salmos de David
108-110
salmos alfabticos da Tor 111-112
hallel de Pscoa
113-118
salmo alfabtico da Tor 119
salmos de romagem
120-137
(Sio + David)
B salmos de David
138-145
A salmo de louvor
145 (reinado de Jav)
145,21:Minha boca dir o louvor de Jav, e toda carne bendir seu santo
nome, para todo o sempre!
hallel final (10 vezes Aleluia) como hermenutica do Saltrio:
Os salmos do Israel pobre, acossado e redimido (filhos da me
Sio) - Instrumento para a implantao do senhorio universal
do Deus Jav

1.5. O horizonte messinico e teocrtico do livro dos Salmos


A partir do salmos da moldura (S11-2 e 146-150) torna-se evidente que o Saltrio
glorificao do senhorio universal de Deus (cf. especialmente S12,1012 e S1150, mas
tambm S) 148), que Jav erigir por meio de seu rei (messinico) instalado no Sio (cf.
S12) e de seu povo messinico (cf. S1149) em meio s naes. Essa dupla perspectiva
messinica realada pelo fato de que em

OS LIVROS DA SABEDORIA - 315

locais macroestruturalmente importantes do livro dos Salmos se encontram "salmos


do rei" e "salmos de David", que por um lado podem ser lidos em vista de um rei
messinico e por outro em vista de um povo messinico ("democratizao" das
promessas a David). A relao de peso entre os conceitos messinico e teocrtico
distribuda de tal forma que nos tomos 1-3 dos salmos prevalece o conceito
"messinico" e nos volumes 4-5, o conceito "teocrtico". Ambos os conceitos, no
entanto, esto presentes simultaneamente em todos os cinco livros.
So salmos "messinicos" que ressaltam de forma especial na macroestrutura: Si 2
(abertura do 1 livro de salmos), 5172 (encerramento do 2 livro de salmos), 5189
(fim do 3 livro de salmos), Si 101 (abertura da composio de David, 5)101106,
depois da composio do reinado de Jav, 5193-100), Si 110 (final da pequena
composio de David, S1108-110) e S1144 (encerramento da pequena composio
de David, Si 138-144, que corresponde macroestruturalmente aos Si 108110). A
eles se acrescentam "salmos do rei", que giram em torno das promessas a David, no
centro de composies parciais (p. ex., Sl 122; 127; 132, cada um dos quais no
centro dos "salmos de romaria", SI 120-134, subdivididos em grupos de cinco).
Singularmente importantes so o fato e a maneira como a dimenso messinica se
funde na composio com a teocrtica. Isso se evidencia de forma exemplar na
seqncia dos Si 18-21 (18: salmo do rei; 19: Jav como rei do universo; 20-21:
salmos do rei) e 144-145 (144: salmo do rei; 145: Jav como rei do universo).
Outra linha de sentido que mantm coeso o livro dos Salmos do incio ao fim
resulta da circunstncia de que os salmos devem ser lidos como Tor, no sentido da
orientao de vida por excelncia, dada por Deus (v. supra, D.I.2; cf. o promio, Si l).
2. Surgimento
Da designao "livro das glorificaes", ou "livro dos hinos", no se deve concluir
que o livro dos Salmos tenha surgido como "hinrio do segundo templo" ou
utilizado pelo judasmo no tempo de Jesus. verdade que alguns salmos, criados
expressamente para a liturgia do templo, esto contidos no livro cannico dos
Salmos. Tambm se pode reler de forma concreta em 1Cr 16 e Sr 50,15-21 que, ou
como, eram aproveitados salmos no culto do templo nos primrdios do judasmo.
Segundo essa informao, os textos dos salmos de fato eram apresentados durante o
sacrifcio dirio e em dias festivos especiais por um coral de levitas que tocava e
cantava, ao qual (dois) sacerdotes indicavam, de um estrado na beira da rea dos
sacerdotes (onde se situava o altar de sacrifcios), com sinais de trombetas, a
entrada, as pausas e o final de sua apresentao de salmos. Esse coral

316 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

de levitas permanecia nos degraus entre o trio das mulheres e o dos homens. Nessa
posio a comunidade presente podia ver e ouvir bem o coral. A "comunidade" via de
regra cantava somente o refro ou um versculo breve (p. ex., "pois sua
fidelidade/bondade para sempre", cf. Si 135). Obviamente era pequeno o nmero dos
salmos utilizados nessa ocasio. Ele no se orientava pela seqncia do livro cannico
dos Salmos (os "salmos da semana" eram, a comear pelo domingo como primeiro dia
da semana, os S124; 48; 82; 94; 81; 93; 92). Da mesma forma temos certeza de que
determinados salmos eram entoados por todos, em liturgias, nas quais a comunidade
estava mais intensa e diretamente envolvida que no ritual do sacrifcio (p. ex., os
"salmos festivos", S150; 81; 95, numa "festa da aliana" ou os "salmos de hallel", Sl
113-118, na noite da Pscoa). Tampouco cabem dvidas de que o coral apresentava os
"salmos de lamentao do povo" por ocasio das grandes liturgias de lamentao e
penitncia no templo (cf. o livro das Lamentaes). Contudo isso tudo no constitui
uma comprovao suficiente para afirmar que o livro dos Salmos se formou para a
participao no culto do templo. Para o culto havia possivelmente pequenos "rolos de
salmos" especficos, selecionados e ordenados segundo critrios litrgicos. Alguns dos
rolos de salmos encontrados em Qumran (em fragmentos), com seqncias diferentes de
salmos, poderiam confirmar essa hiptese. Pelo menos diversos especialistas defendem
que algumas colees de salmos de Qumran foram direcionadas para o uso litrgico.
O livro de Salmos tampouco surgiu como "livro de cnticos e oraes da liturgia da
sinagoga". Lamentavelmente temos at agora pouca informao exata sobre o
surgimento e a organizao das comunidades das sinagogas e sobre a relao delas com
as "comunidades locais". Deve-se presumir que nesse caso as condies eram diferentes
em Israel e na dispora. Contudo, mesmo em Israel deve ter havido diferentes
"concepes de sinagoga", nas quais os diferentes agrupamentos e movimentos
praticavam sua identidade judaica com acentos especficos. Mesmo que haja
probabilidades de que a estrutura bsica da liturgia era prescrita s diferentes sinagogas
(leitura da Escritura, bendies/doxologias como moldura, "ouve Israel"), no existem
indcios de que o livro dos Salmos fazia parte dos elementos estruturais comuns.
Sobretudo no h comprovao, nem literria nem histrica, para a hiptese que no
passado foi apresentada repetidas vezes, de que os 150 salmos bblicos teriam sido
selecionados para a liturgia matinal aos sbados na sinagoga como "salmos de resposta"
s (redondamente) 150 leituras da Tor (de acordo com a ordem palestina de leituras,
prevista para 3 anos). Entretanto pouco provvel que a liturgia da sinagoga tenha
transcorrido totalmente "sem salmos".
O canto, a recitao e a explicao de salmos devem ter ocupado um espao
importante sobretudo em reunies "particulares" de culto a Deus. Disso no apenas
do notcia alguns rolos de salmos de Qumran e as informaes de Flon sobre a
celebrao noturna dos agrupamentos de terapeutas que viviam no Egito. Tambm no
NT encontram-se indcios de que nos mais antigos cultos (domiciliares) cristos eram
usados salmos bblicos (cf., p. ex., At 4,24-30).

OS LIVROS DA SABEDORIA - 317

Entre os judeus do tempo de Jesus, pelo que se evidencia, o livro bblico dos Salmos
representava o texto bsico da religiosidade pessoal meditativa e das esperanas
messinicas. Ele era o "livro da vida", em especial daqueles grupos que nos salmos so
denominados "os pobres", "os fiis" e "os justos". Nos salmos eles buscavam e
encontravam edificao, consolo, esperana e orientao para a vida. At que ponto os
assim chamados pequenos tinham capacidade para ler eles prprios os salmos e os liam,
se havia sbios escribas que os ensinavam e os comunicavam a eles, se os salmos
faziam parte da "matria de aprendizado" elementar das "casas de ensino" (cf. Sr 51,23)
e das sinagogas, se eles eram textos centrais de meditao nas "irmandades" (habrt)
do movimento dos fariseus tudo isso pode ser imaginado, sem que, porm, seja
possvel demonstr-lo com certeza. A difundida familiaridade com o livro dos Salmos
esclarece por que justamente o Saltrio, conforme a evidncia das citaes no NT, era o
livro predileto do cristianismo. Praticamente um tero de todas as citaes do AT no NT
so provenientes do Saltrio. Com nenhuma outra parte de seu Primeiro Testamento os
cristos estavam familiarizados nessa proporo, tanto os destinatrios dos escritos
neotestamentrios quanto seus autores.
O livro de Salmos hoje existente formou-se em vrias "remessas", a saber, pela
juno de coletneas menores, parte das quais possui cada uma sua prpria histria de
surgimento. Como regra geral pode valer: a seqncia das coletneas parciais no livro
dos Salmos tambm corresponde sua idade.
Bem poucos salmos isolados so originrios do tempo anterior ao exlio. As
coletneas parciais mais antigas podem ser distinguidas nos saltrios de David,
513-41 e 51-72. A afirmao de que essas colees j existiam como composies
prontas antes de ser unificadas numa coletnea maior comprova-se no fato de que
nelas um salmo foi transmitido com terminologia quase idntica, porm com diferenas de peso, devidas ao contexto/grupo em que est inserido (S114 = S153;
principal diferena: Si 14,6 uma afirmao da teologia dos pobres, de acordo com
o contexto dos "salmos dos pobres", SI 11-14 [v supra]; o 5153,6 uma promessa
de livramento, diante dos "sitiantes", em conformidade com o contexto de guerra e
perseguio dos "salmos de David", Sl 52-68; no saltrio de David, S151-72, a
"teologia dos pobres" aparecer somente nos S169-71). As coletneas mais antigas
surgiram como "colees davdicas" na poca do exlio como compilao de salmos
de lamentao e gratido, porque se buscava no "David" perseguido uma figura de
identificao que inspirasse esperana.
Diversos salmos singulares so variaes magistrais dos quatro gneros bsicos dos
salmos: salmo de lamentao (esquema da estrutura: invocao lamentosa do nome de
Deus com descrio da aflio, pedido por salvao, confisso de confiana; exemplos:
Si 6; 13), salmo de splica (esquema da estrutura: pedido introdutrio com nfase na
inocncia, splica central com deta-

318 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

lhada descrio da aflio, preces finais em vista de inimigos e amigos; exemplos: S15;
17), hino/salmo de louvor (esquema da estrutura: convite a louvar a Jav, justificativa e
execuo do louvor, geralmente iniciado com ki = pois, fechamento; exemplos: Si 113;
117), e salmos de gratido (esquema da estrutura: anncio da gratido, narrativa da
salvao obtida, convite "comunidade" para aderir gratido; exemplos: 5130; 116).
Numerosos salmos constituem poemas originais que se aproximam apenas de forma
bastante vaga das categorias bsicas, ou sequer o fazem. Outros salmos possuem uma
estrutura mais condicionada pelo tema (salmos de Sio, de peregrinao, de Jav como
rei, salmos do rei, salmos da Tor).

A concluso do complexo processo de formao do livro dos salmos que se tornou


cannico deve ter acontecido por volta de 200 a.C. Essa tese no est livre de
contestao. Cita-se como argumento sobretudo a seqncia divergente de salmos no
terceiro tero do Saltrio, constatvel em vrios rolos de salmos de Qumran, para
afirmar que naquele tempo esse terceiro bloco ainda estava "aberto". Contudo as
divergncias poderiam estar relacionadas com a destinao litrgica daquelas colees
de salmos. Tambm se poderia imaginar que de fato existiam diversas "edies do livro
dos Salmos" divergentes entre si (cf. as verses diferentes do livro de Jeremias em
hebraico e grego), dentre as quais a que agora temos em mos tornou-se "cannica" o
mais tardar no final do sc. I d.C. A favor da concluso da redao do atual livro dos
Salmos j por volta de 200/190 a.C. depem principalmente duas constataes, ligadas
"moldura" do livro (cannico) dos Salmos: como primeiro aspecto, Sr 14,20-15,10
(portanto, ao redor de 180 a.C.) adota o Sl 1 como prlogo programtico do Saltrio. Da
mesma forma a estreita ligao dos Sl 1 e 2, como promio de duas partes, est
pressuposta em 4Qflor (por razes paleogrficas, porm, a data somente o sc. I d.C.).
Em segundo lugar o Sl 148,14 citado no texto hebraico de Sr 51,20a. Contudo, pelo
menos uma locuo de Sl 148,14 constitui uma transio para o S1149 introduzida por
um redator, que estruturalmente o equivalente pendular final para o S12. Tambm a
traduo dos Salmos pela LXX, que por razes lingsticas deve ser situada o mais
tardar na primeira metade do sc. I a.C., e com maior probabilidade at no sc. II a.C.,
endossa essa localizao cronolgica, assim como a carta didtica de Qumran, 4QMMT
(cerca de 150 a.C.), na qual se l, entre outros: "Para que tenhas uma percepo no livro
de Moiss e nos livros dos profetas e nos salmos de David".
3. nfases teolgicas
3.1- O Saltrio surgiu como livro de orao e meditao. Lido como um conjunto
contnuo, ele por um lado visa fornecer, no meio do sofrimento e

LIVROS DA SABEDORIA - 319

do medo, uma interpretao abrangente e geradora de esperana da existncia humana


"perante a face de Deus". Por outro lado, enquanto "louvor a Deus" recitado, constitui a
resposta, dada de modo vicrio para Israel e toda a Criao (cf. Sl 146-150), ao agir e
presena de Jav em Israel e em toda a Criao. Precisamente a partir dessa dupla
funo torna-se compreensvel que o livro dos Salmos no alinha os salmos de acordo
com critrios de categoria, mas "mescla" intencionalmente os gneros: Ele um espelho
da multiformidade contraditria da prpria vida, que deve ser suportada nas
constelaes que ocorrem, sempre de novo e diferentes, com louvor, lamento, gratido,
splica, reflexo, testemunho etc., na viso orante de conjunto do livro dos Salmos.
3.2 - Numa formulao que se tornou clssica, Gerhard von Rad caracterizou os
salmos como "resposta de Israel". Pois Jav no escolheu Israel para que fosse
um objeto mudo de sua vontade histrica, e sim para o dilogo. Os salmos so
anotao desse dilogo, no qual Israel e cada israelita, pelo confronto com Deus,
encontraram o ns e o eu. Os salmos perfazem a resposta de Israel experincia
da aproximao e ao sofrimento da ocultao de seu Deus. A resposta nos revela
"como Israel aceitou e compreendeu essa existncia na presena direta e
proximidade perante Jav; quais as providncias que esse povo tomou para se
justificar ou se envergonhar perante Jav nessa proximidade. A resposta, no
entanto, tambm nos mostra como nesse relacionamento com Jav Israel se
descobriu a si prprio e que imagem fazia de si quando se postava diante de Jav
para falar com ele" (G. von Rad). Por serem "resposta", os salmos so na maioria
textos em que fala um "eu" ou um "ns". s vezes o "eu" e o "ns" at se fundem
num mesmo salmo (p. ex., S140). A exegese discutiu muitas vezes se o "eu" um
"eu" individual ou coletivo. Hoje sabemos que isso propriamente uma distino
moderna. Mesmo quando o israelita individualmente dizia "eu", ele se via
incorporado perante a face de seu Deus, diante do qual e para o qual orava
no "ns" do povo de Deus. Inversamente Israel sabia, diante do "tu" de seu Deus,
que formava uma comunho, cuja vida era simultaneamente indivisvel e
vulnervel como a de um "eu". Alm disso a comparao dos salmos de Israel
com os do mundo em redor mostra: as oraes na forma do "ns" so uma
especificidade de Israel.

3.3 A designao "livro das glorificaes" (v. supra) e as frmulas doxolgicas


como grade bsica da composio (v. supra) ressaltam: os salmos so no conjunto
um louvor ao Deus de Israel. Essa viso surpreende primeira vista. Afinal, a
poro maior dos salmos no de louvor, mas de lamento. Contudo, olhando mais
de perto, precisamente essa designao geral que abre a compreenso teolgica
do livro dos Salmos. Independentemente do que, de como e de quem se fala num
salmo, seja glorificando ou lamentando, sempre as palavras e

320 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

frases radicam na realidade de Deus, de que ELE est presente e quer estar presente
no meio de SEU povo. A posio fundamental da qual provm os salmos, e que
eles oferecem para aceitao e exerccio prtico, que o Deus Jav no o dolo de
uma transcendncia vazia (filosfica ou matemtica), mas um tu vivo, um Deus
com quem se pode falar, que ouve e se deixa desafiar, perante o qual se pode
derramar o corao, a quem se pode dizer tudo (sem medo de mal-entendidos e
sanes), que at se "arrepende" (cf. Ex 32,14). Cada um dos salmos de
lamentao, quando lamenta e denuncia em alta voz o carter enigmtico e o
silncio de Deus, ou o abandono por ele, experimentado como hostilidade, atesta a
convico de que a vida humana unicamente pode se realizar e se consumar como
vida perante e com o Deus vivo. Por isso os salmos de lamentao concluem (para
ns muitas vezes de forma surpreendente) com uma afirmao de testemunho
positivo. E por isso justamente os salmos de lamentao, enquanto expresso
literria da busca agnica do Deus misericordioso e salvador, constituem uma
glorificao do Deus Jav.

3.4 - A tradio judaica j atribuiu no tempo bblico todo o livro dos Salmos
autoria de David. Esse processo da "davidizao" (N. Fglister) do Saltrio, que
comeou quando nos ttulos (secundrios) David foi citado como autor de salmos
(na Bblia hebraica em 73 dos 150 salmos; na traduo grega so 83), e prosseguiu
quando se acrescentaram diversas vezes indicaes sobre uma situao da vida de
David, na qual o respectivo salmo estava "ambientado", constitui uma
qualificao teolgica do Saltrio: ele o livro real-messinico por excelncia. Os
salmos so as oraes da esperana messinica. Enquanto ressoam os salmos "de
David", permanece acesa a esperana pelo "David" que retorna. "David",
compositor e orador de salmos, a figura ideal do Israel que vive perante e com
seu Deus. O midraxe o expressa do seguinte modo: "Cada trecho que David
afirmou no livro dos Salmos, ele afirmou com referncia a si prprio e com
referncia ao Israel todo" (MidrPs 24,3). Inversamente certo que, quando
"Israel" pronuncia os salmos, como se o prprio David os pronunciasse e
cantasse (cf. MidrPs 4,1). Nesse ponto importante notar que as indicaes
"biogrficas" nos ttulos escolheram, como tipo para o Israel amado por Deus e
que ama a Deus, no o David "herico" e "guerreiro", e sim o David perseguido,
sofredor, pecador e penitente. David na "noite", cheio de saudades do "alvorecer",
a figura-mestra messinica que se torna presente a partir e dentro dos salmos.
nessa biografia mstica de David que os oradores dos salmos penetram ouvindo e
orando. Foi assim que tambm Jesus orou os salmos: no "seguimento" a David.
assim que Israel ora os salmos at hoje. E tambm dessa maneira, ombro a
ombro com Israel, no seguimento a "David", que os cristos devem or-los. Com
Jesus. Na esperana pela vinda do reino de Deus.

LIVROS DA SABEDORIA - 321

4. Relevncia
Os salmos fazem parte dos grandes poemas da literatura mundial. Inspiraram
muitos poetas. Tornaram-se o livro clssico oficial de oraes da Igreja, singularmente
na orao eclesial das horas e como salmos responsivos na liturgia. Vrios salmos esto
at hoje entre as oraes prediletas de judeus e cristos.
Entretanto, diversos salmos causam dificuldades a muitos oradores. H outras
pessoas que manifestam reservas teolgicas contra o uso de salmos
"veterotestamentrios/judaicos" como oraes crists. Sobre isso cabe ponderar o
seguinte:
4.1- Freqentemente vista uma contradio entre formulrios de orao, ou
"oraes enlatadas", e a orao pessoal, espontnea, que brota de uma situao. Nessa
atitude avalia-se como autntica somente a segunda maneira de orar. A prpria
Escritura nos informa com freqncia sobre oraes condicionadas situao nas
narrativas histricas e nos profetas. Entretanto, com suas canes e oraes
canonizadas, ela tampouco ignora que o ser humano precisa de modelos para orar. H
situaes de necessidade (alheia e prpria), e at situaes de alegria, que deixam uma
pessoa sem palavras, quando ela fica agradecida que os salmos lhe emprestam a palavra,
a fim de pronunciar perante Deus o que a move. sob esse aspecto que os salmos
ajudam os distrados, os desorganizados, os atormentados e mudos a se dirigir a Deus.
Privilegiar a orao espontnea desconhecer que orar no significa somente o falar
individual de cada sujeito com Deus, mas pode ser realizado na comunho pequena e
grande. Por natureza a gratido, o louvor e a alegria pressionam para a comunicao.
Lamento e aflio permanecem antes trancadas. Com freqncia os salmos podem ser o
primeiro passo para a comunicao com outros, convidando-os, assim, ao envolvimento
solidrio.
4.2 - Os salmos muitas vezes servem de alvo da reclamao crist. Critica-se a
"onipresena" de inimigos justamente nas oraes de lamentao, que dificilmente
atingiria a situao do orador moderno. Nas imprecaes dos inimigos, nos insistentes
apelos "vingana de Deus", que ele condene os inimigos pessoais do orador,
transparece um trao no-cristo, que no sobe ao nvel do amor cristo ao inimigo.
Tais julgamentos globais devem auto-examinarse se no esto dando um impulso ao
preconceito, difcil de exterminar desde Marcio, de que o Deus da vingana do AT
estaria em oposio ao Deus do amor do NT, um preconceito que envenenou as relaes
entre cristianismo e judasmo e compromete pesadamente a unidade da Bblia crist do
Primeiro e do Novo Testamentos. Primeiramente h que exigir o respeito diante do envolvi

322 - INTRODUO AO ANTIGO TESTAMENTO

Ele se situa numa aflio real e a leva sem filtragens at Deus. Suas oraes convocam a
falar sobre inimigos e inimizades e a no reprimir essas realidades sempre existentes. O
orador luta pela anulao de suas diversas necessidades e solicita que os padres divinos
sejam implantados agora em sua vida ante a morte. Sob esse aspecto os salmos podem
ajudar o cristo a perceber sofrimentos concretos, a no adiar o combate a eles e a
manter acesa a f no Deus misericordioso e justo, que introduzir sua justia.
4.3 - A Igreja se atm firmemente aos "salmos de David" por fidelidade a Jesus que
orou os salmos. Os evangelhos, particularmente a histria da Paixo, o apresentam
como o orador paradigmtico dos salmos, que seguiu seu viver e morrer como caminho
com e para o Deus de Israel, recitando e meditando os salmos de lamento e confiana da
tradio judaica (entre outros, Si 22; 31; 42/43; 69), ao mesmo tempo esperando aquela
comunho indestrutvel e salvadora com Deus, que se articula precisamente nesses
salmos (cf. em especial o S116). A cristologia do Novo Testamento , em boa extenso,
"cristologia de salmos".
4.4 - A Igreja primitiva entendeu e defendeu o fundamento judaico lanado por
Jesus para a orao crist. Nem o Novo Testamento nem a literatura eclesial do sc. II
produziram uma coletnea "nova" de oraes e hinos cristos. Certamente houve, nos
cultos a Deus celebrados pela Igreja primitiva e pelas comunidades por ela fundadas,
um brotar espontneo carismtico e entusistico de "salmos e hinos" (cf. ICor 14,15.26;
Cl 3,16; Ef 5,19). Contudo, no foram colecionados para se tornarem uma parte da
Bblia cannica ou das ordens eclesisticas. E quando pela evidente influncia de
Marcio os marcionitas criaram um novo saltrio oposto, para o que encontraram vrios
imitadores, a Igreja combateu essa composio hertica e gnstica de hinos, porque no
tinham nada de judaico no universo imaginrio e estilo, e porque se distanciavam do
modelo de orao do orador (de salmos) Jesus. Na rejeio de heresias cristolgicas,
Tertuliano, o primeiro Pai da Igreja latino, j por volta de 200 a.C. recorre aos salmos de
David, que ele contrape aos hereges platonizantes como testemunhos bblicos da
verdadeira humanidade de Jesus: "Nisso os salmos nos do apoio, no os do apstata,
herege e platnico Valentino, mas os santos e plenamente reconhecidos salmos de
David. David canta para ns de Cristo, e por meio dele Cristo canta para ns sobre si
prprio". E no incio do sc. III a Didascalia sria recomenda aos que tm riqueza e
tempo que leiam livros, a Tor e os evangelhos - e os salmos de David: "Se anseias por
hinos, tens os salmos de David".
4.5 - Ao recitar os salmos de Israel, a Igreja diz um "sim" declarado sua histria
de origem judaica e ao legado "espiritual" que ela reparte desde os seus

LIVROS DA SABEDORIA - 323

primrdios com o judasmo. Orando em sua liturgia os salmos "judaicos", a Igreja, ao


mesmo tempo, no horizonte do relacionamento entre cristos e judeus, renovado pelo
Conclio do Vaticano II, est dando um testemunho de sua comunho irrenuncivel com
o povo judeu.

IV. O LIVRO DOS PROVRBIOS


(LUDGER SCHWIENHORST-SCHNBERGER)

Comentrios: F. Delitzsch (BC), 1873; G. Wildeboer (KHC), 1899; J. van der Ploeg
(BOT), 1952; B. Gemser (HAT), 2 ed., 1963; R. B. Y. Scott (AB), 1965; H. Ringgren
(ATD), 1962, 3a ed., 1980; W. McKane (OU), 1970, 2a ed. 1977; R. N. Whybray
(CNEB), 1972; O. Plger (BK), 1984; A. Meinhold (ZBK), 1991.
Monografias: L. Bostrm, The God of the Sages. The Portrayal of God in the Book of
Proverbs (CB 29), Stockholm 1990; C. V. Camp, Wisdom and the Feminine in the Book
of Proverbs (Bible and Literature Series 11), Sheffield 1985; J. Fichtner, Die altorientalische Weisheit in ihrer israelitisch-jdischen Ausprgung (BZAW 62), Berlin 1933;
H. Gese, Lehre und Wirklichkeit in der alten Weisheit, Tbingen 1958; F. W. Golka,
Die Knigs - und Hofsprche und der Ursprung der israelitischen Weisheit: VT
36,1986, pp. 13-36; J. Hausmann, Beobachtungen zu Spr 31,10-31, in: FS H. D. Preul3,
Stuttgart/Berlin/Kln 1992, pp. 261-266; idem, Studien zum Menschenbild der lteren
Weisheit (FAT 7), Tbingen 1995; H.-J. Hermisson, Studien zur israelitischen Spruchweisheit (WMANT 28), Neukirchen-Vluyn 1968; C. Kayatz, Studien zu Proverbien
1-9. Eine form und motivgeschichtliche Untersuchung unter Einbezieh ung gyptischen
Vergleichsmaterials (WMANT 22), Neukirchen-Vluyn 1966; J. Krispenz, Spruchkompositionen im Buch Proverbia (EHS.T 349), Frankfurt a.M./Bern/New
York/Paris 1989; B. Lang, Wisdom and the Book of Proverbs. A Hebrew Goddess
Redefined, New York 1986; C. Maier, Die "fremde Frau" in Proverbien 1-9. Eine
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