Sentido Da Vida - TCM
Sentido Da Vida - TCM
Sentido Da Vida - TCM
Frankl: caminhos
e atalhos na busca do sentido da vida
Paulo Srgio Einsfeld
Resumo
O ensaio traa paralelos entre a
logoterapia e o livro bblico de J,
numa tentativa de releitura psicoteolgica da Bblia. Focos de ateno
so as tragdias dos personagens
Viktor Frankl durante a 2a Guerra
Mundial e J. Para Frankl, o sentido
da vida se realiza basicamente no ca-
Resumen
El ensayo traza paralelos entre
la logoterapia y el libro bblico de
Job, en una tentativa de relectura psico-teolgica de la Biblia. Focos de
atencin son las tragdias de los
personajes Viktor Frankl durante la
Segunda Guerra Mundial y Job. Para
Frankl el sentido de la vida se reali
za bsicamente en el camino dei
Abstract
This essay traces parallels
between Logotherapy and the
biblical book of Job in an attempt at
a psyco-theological rereading of the
Bible. The focal points are the
tragedies of the people involved,
Viktor Frankl during the Second
World War, and Job. For Frankl the
16
1 - Introduo
Neste ensaio pretendemos traar
uma ponte de dilogo entre duas ci
ncias: a Psicologia e a Teologia.
Mais precisamente, tentamos traar
paralelos entre a vertente existencial
da Psicologia denominada Logoterapia e a Teologia Bblica do livro
de J. Antes de tentar, pretensiosa
mente, aproximar duas cincias, tra
ta-se de integrar em nossa vivncia
pessoal, comunitria e ministerial
duas dimenses inseparveis: a di
menso da psiqu humana e o enfo
que bblico-teolgico1. Em busca de
sanidade integral para o indivduo e
para o povo, no h como separar f
de relacionamentos sadios; espiritua
lidade, de autoconhecimento; adora
o comunitria, de comunidade te
raputica de auto-ajuda.
Num primeiro momento, propomo-nos a caracterizar, de forma in
trodutria, a vida e obra de Viktor
Emil Frank, autor da Logoterapia.
Enfatizamos seu enfoque nos valo
res que propiciam ou acrescentam
um sentido vida humana, quais se
jam: os valores criadores, os valores
vivenciais e os valores de atitude.
A seguir descobrimos uma interrelao entre as privaes do perso
1 Para alcanar nosso objetivo, ensaiamos uma hermenutica bblica que leva em conta os
aspectos psicossociais do texto, bem como os do leitor moderno. Poderamos chamar esse
mtodo de leitura psicoteolgica da Bblia.
17
2 - Introduo Logoterapia
de sua vida, que imediatamente lhe
foi tirado. No podemos imaginar a
obra de Frankl sem a experincia do
Viktor Emil Frank o autor da campo de concentrao. A vivncia
Logoterapia, a terceira escola de da existncia nua e crua, nessa si
psicoterapia de Viena, depois da Psi tuao limtrofe da vida, lhe parti
canlise de Sigmund Freud e da Psi cularmente importante para a com
cologia Individual de Alfred Adler. preenso do sentido do sofrimento4.
O autor argentino Mrio CapoA denominao provm de logos,
netto,
citado por Izar Xausa, dividiu
termo grego definido por palavra
a
vida
de Frankl em quatro momen
(no vocbulo, mas linguagem que
tos5:
encerra idia); ensino; preceito; coi
1. Momento interrogativo. a
sa; motivo; razo2. Fankl cunhou a
primeira
fase de sua vida, em que
traduo sentido3. A Psicologia do
busca
uma
verdade cientfica condi
sentido da vida, como chamada
zente
com
sua
viso do ser humano.
num ttulo de uma obra, muito rica
2.
Momento
ptico. a fase de
em elementos que fomentam o di
reflexo
sobre
a
existncia
desnu
logo com a Teologia.
da
como
prisioneiro
nos
campos
de
Viktor Emil Frankl nasceu no dia
concentrao,
caracterizada
pelo
26 de maro de 1905 na ento famo
sa cidade de Viena. Filho de pais ju agudo sofrimento seu e dos compa
deus, recebeu slida formao cul nheiros de priso.
3. Momento cientfico. Corres
tural e religiosa. De 1942 a 45, du
ponde
ao perodo logo aps o cam
rante a Segunda Guerra Mundial,
po
de
concentrao,
quando, em de
Frankl foi forado a interromper sua
zembro
de
1945,
publica
Um psi
brilhante carreira de mdico e psi
clogo
no
campo
de
concentrao.
quiatra, sendo jogado num campo de
concentrao nazista. Levou consi a fase em que Frankl escreve bas
go um manuscrito contendo a obra tante e viaja muito.
2.1 - Vida e obra
de Viktor E. Frankl
18
4.
Momento sapiencial. Frankl misso a cumprir. (...) Tal mis
comea a falar no inconsciente es
so toma seu titular insubstitu
vel
e confere-lhe vida o valor
piritual em sua obra A presena ig
de algo nico.7
norada de Deus.
Aps perder sua primeira espo
Significativa se toma, nesse con
sa, Viktor Frankl casou-se novamen
texto, a frase de Nietzsche: Quan
te. Em 1984 esteve no Brasil, no pri do se tem na vida algum porqu,
meiro encontro latino-americano de qualquer como se pode suportar.8
Logoterapia, em que foi fundada a Frankl trata de especificar o por
Sociedade Brasileira de Logoterapia
qu, que passa para o primeiro pla
(SOBRAL). Frankl veio a falecer a
no. O como, com todas as circuns
02.09.1997, aos 92 anos de idade, em
tncias penosas que o acompanham,
Viena, sua cidade natal6.
, desta forma, relativizado, estando
em funo do porqu.
Aqui entram em jogo elementos
da antropologia de Frankl. O ser hu
mano um ser-responsvel pela
No contexto da ajuda a suicidas misso que tem a cumprir. No pode
em potencial, Frankl prope que se querer esquivar-se. Ele cumpre sua
ponha tais pessoas diante de uma misso realizando valores. Da que
misso. A misso tem um carter o ser-responsvel sempre um ser
especfico, pessoal. Cada pessoa tem responsvel pela realizao de valo
que realiz-la. O autor entende sob res9.
misso a meta, a finalidade, o que
Frankl insiste que a misso ou o
d contedo vida. Saber-se incum sentido da vida no existe em termos
bido de uma misso tem grande va gerais. No vlido para todas as
lor psicoterpico, como ele afirma: pessoas da mesma forma. Deve-se
Estamos em dizer [sic] que no falar, no em sentido da vida, mas
h nada de mais apropriado para no sentido da minha vida. Tal senti
que um homem vena ou supor do precisa ser encontrado de forma
te dificuldades objetivas ou especfica por cada pessoa. Nesta
transtornos subjetivos, do que a tarefa, a pessoa no pode ser substi
conscincia de ter na vida uma tuda10.
2.2 - Trs categorias
de valores
19
20
15 Ibid., p. 84.
16 Ibid., p. 86.
17 Ibid., p. 150.
18 Elisabeth LUKAS, Preveno psicolgica, p. 143.
21
22
22 Erhard GERSTENBERGER, Wolfgang SCHRGE, Por que sofrer?, So Leopoldo : Sinodal, 1987, p. 89-9, menciona a proteo ao sofrimento por meio de rituais.
23
2 Provao: J 2.1-10
DEUS:
SATANS:
DEUS:
Pois bem. Faa o que quiser com tudo o Pois bem. Faa o que quiser com J, mas
que J tem, mas no faa nenhum mal a no o mate. 2.6
ele mesmo. 1.12
CALAM IDA
DE:
Morte dos empregados, perda das ovelhas Feridas horrveis (lepra?). 2.7
e dos camelos, morte dos sete filhos e das
trs filhas, destruio da casa. 1.13-19
REAES:
CON CLU
SO:
Assim, apesar de tudo o que havia acon Assim, apesar de tudo, J no pecou,
tecido, J no pecou, nem ps a culpa em nem disse uma s palavra contra Deus.
Deus. 1.22
2.10b
23 Satans desconfia que o sentido da vida de J estaria unicamente em seus bens materiais ou, na
tipologia de Frankl, nos valores criadores.
24 Desta feita, para o Tentador o sentido da vida de J estaria em sua sade psicofsica ou nos valores
vivenciais.
25 Como vimos anteriormente, aqui J toma uma atitude interior digna e singular diante do sofrimento
(valores de atitude). O protesto extemalizado nos ritos o primeiro passo para a aceitao do sofri
mento, verbalizada na confisso Nu sa... . Eis dois aspectos inseparveis do processo teraputico
da pessoa sofredora: o protesto, o lamento e a aceitao digna de sua situao.
26 Novamente as reaes de J representam valores de atitude. A seguir veremos uma anlise da 2a
Provao.
24
25
26
4.1 - Unilateralidade
dos valores criadores
Em seus pronunciam entos,
Frankl protestou contra as imagens
do ser humano cunhadas pelo
biologismo, pelo sociologismo e pelo
psicologismo de sua poca. Essas
tendncias esculpidas pelo niilismo
criaram o homo faber em quem
acontece a idolatria dos valores cria
dores. Ao seu lado est o homo
27
38 Esse tema tem sido agenda constante do Corpo de Psiclogos e Psiquiatras Cristos (CPPC).
Durante o 2 semestre de 1996 e o Io semestre de 1997, profissionais do CPPC/Porto
Alegre ministraram um Curso de Introduo Psicologia para pastores/as e lderes em
Pelotas, RS. Vide no Boletim de Psicoteologia, n. 16, jun. 1994, artigos de KLASSEN e
LOHMANN sobre necessidades emocionais de pastores e de WONDRACEK, Os trs
tempos de Deus-Pai. Vide ainda Jorge A. LEON, Introduo psicologia pastoral, So
Leopoldo : Sinodal, p. 173-202. Cf. STRECK/WEHRMANN, Obreiros podem falar de
seus conflitos?, Estudos Teolgicos, n. 3, 1988.
39 Viktor FRANKL, Psicoterapia e sentido da vida, p. 67-70, 150-153, 323. Interessante o
trocadilho p. 151: Na verdade, o chamado princpio do prazer um estraga-prazeres!
28
29
30
anteriormente mencionado. No
possvel abordar essas questes aqui,
5 - Concluso
A ttulo de breve reflexo con
clusiva, no este modesto autor que
vai atestar o mrito de uma teoria
psicolgica que leva em conta o as
pecto espiritual do ser humano, como
a Logoterapia. Ela se impe por si
s e pela gama de publicaes de seu
fundador, de seus seguidores e estu
diosos. O que fizemos foi brincar
com aspectos dessa teoria, compa
rando-a com o drama bblico de J.
Gostosa brincadeira. Fiquei muito
vontade, tendo em mos elementos
to humanos, to profundos, to es
pirituais, no sentido amplo da pala
vra, herdados do recm-falecido
Viktor Emil Frankl.
Constatamos que dar sentido
vida a partir das categorias de valo
res propostas por Frankl pode ser
uma faca de dois gumes. Por um
lado, o valor autntico do trabalho
nos realiza e dignifica. Por outro, seu
excesso ou sua falta nos deixam
estressados. Diminuem o gosto pela
vida. Relacionamentos ntimos, tais
como entre pais e filhos, entre cn
49 Cf. Paulo S. EINSFELD, op. cit., p. 27-28, 41-44. As queixas de J sobre sua doena,
contra Deus e contra os trs amigos visitantes perpassam os ciclos de dilogos de todo o
livro de J. Exemplo de abordagem sociopoltica do sofrimento encontramos em Dorothee
SLLE, Sufrimiento, Salamanca : Sgueme, 1978.
31
criao, redeno e santificao, nos tencial, com toda a sua sujeira fsica
oferece tem uma conotao de sadia e espiritual. Descansar nos braos do
passividade. descansar nos braos Deus-Abba da Graa e da Paz e,
do Pai que acolhe o filho perdido mesmo assim, labutar com toda a
(Lucas 15.11-32) em toda a sua fra nossa energia e criatividade. Eis nos
gilidade, em todo o seu vazio exis so maior desafio!
Bibliografia50
EINSFELD, Paulo Srgio. Sofrimento em perspectiva pastoral. So Leopoldo :
Escola Superior de Teologia, 1988. 57 p. (Tese de concluso do Curso de Ba
charelado em Teologia, no publicada, mas disponvel na biblioteca daquela
instituio.)
FRANKL, Viktor E. A presena ignorada de Deus. So Leopoldo : Sinodal; Porto
Alegre : Sulina, 1985. 121 p.
. Em busca de sentido : um psiclogo no campo de concentrao. So Leopoldo
: Sinodal; Porto Alegre : Sulina. 1987. 174 p.
. Fundamentos antropolgicos da psicoterapia. Rio de Janeiro : Zahar, 1978.
289 p.
. Psicoterapia e sentido da v id a : fundamentos da Logoterapia e Anlise Existen
cial. So Paulo : Quadrante, 1973. 352 p.
. Psicoterapia para todos : uma psicoterapia coletiva para contrapor-se neurose
coletiva. So Leopoldo : Sinodal; Petrpolis : Vozes, 1991. 158 p. (Logotera
pia, 1).
HOCH, Lothar C. Perguntando pelo sentido da vida. So Leopoldo: Sinodal, 1991.
53 p. (Crer e Viver, 6).
LEN, Jorge A. Introduo psicologia pastoral. So Leopoldo : Sinodal, 1996.
202 p.
LUKAS, Elisabeth. Preveno psicolgica : a preveno de crises e a proteo do
mundo interior do ponto de vista da Logoterapia. So Leopoldo : Sinodal;
Petrpolis : Vozes, 1992. 302 p. (Logoterapia, 7).
GUTIERREZ, Gustavo. Falar de Deus a p artir do sofrimento do inocente : uma
reflexo sobre o livro de J. Petrpolis : Vozes, 1987. 166 p.
XAUSA, Izar Aparecida de Moraes. A psicologia do sentido da vida. Petrpolis :
Vozes, 1986. 255 p.
32