Cad 2s N1lisboa
Cad 2s N1lisboa
NMERO 1
FICHA TCNICA
Cadernos do Arquivo Municipal
ISSN 2183-3176
Arquivo Municipal de Lisboa / Cmara Municipal de Lisboa
2. srie n. 1 janeiro - junho 2014
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/
Direo
Coordenao Cientfica
Hlder Carita
Conselho Editorial
Publicao
Edio
Conceo Grfica
Conselho Cientfico
Contactos
SRIE II
NMERO 1
NDICE
Editorial
11
Introduo
15
19
Os passos da Bemposta da Serenicima Senhora Raynha da Gram Bretanha: contributos para a histria da colina de Santana
33
Os passos da Bemposta da Serenicima Senhora Raynha da Gram Bretanha: contributions to the history of Colina de Santana
Maria Joo Pereira Coutinho
55
85
107
131
Da relevncia dos Livros de Cordeamentos no estudo da arquitetura de Lisboa O caso do palcio Sanches de Brito
159
The Livros de Cordeamentos relevance in the study of Lisbon architecture The case of the Sanches de Brito Palace
Jos Sarmento de Matos | Jorge Ferreira Paulo
Estucadores do Ticino na Lisboa joanina
185
Entre castiais, vasos, bustos de santos e esttuas de apstolos: cerimonial e aparato barroco do altar da Patriarcal joanina
223
Between candlesticks, vases, busts of saints and statues of apostles: cerimonial and baroque pomp at the main altar of the
Patriarchal basilica of Lisbon
Teresa Leonor Magalhes do Vale
251
277
279
289
317
283
Pedido de cedncia de propriedade do ofcio de almotac das execues da limpeza do bairro do Rossio (1707)
Livro 1 de consultas e decretos de D. Joo V do Senado Ocidental, f. 73-75.
315
319
Varia
Fonte para o estudo das casas religiosas de Lisboa: os Livros de Cordeamentos de 1700 a 1750
Ctia Teles e Marques
321
Editorial
O Arquivo Municipal de Lisboa inicia uma nova etapa na publicao dos Cadernos do Arquivo Municipal, edio
prpria principiada em 1997, contando j com dez nmeros publicados.
Com o presente nmero, inaugura-se a segunda srie desta publicao, agora como revista cientfica com artigos
sujeitos a reviso por parte de uma comisso externa de investigadores de reconhecido mrito, respondendo s
exigncias dos repositrios internacionais de modo a ser indexada, num futuro prximo, nas bases de dados de
revistas cientficas.
Pretende-se que os Cadernos do Arquivo Municipal venham a tornar-se numa revista de referncia junto da
comunidade cientfica atravs da divulgao de estudos acadmicos, projetos de investigao e fontes de pesquisa
que tenham por base o acervo do Arquivo Municipal de Lisboa.
A nova linha editorial centra-se na edio de nmeros temticos, cada um da responsabilidade de um investigador
membro do Conselho Cientfico da revista. Para o primeiro nmero desta nova srie foi convidado o professor
doutor Hlder Carita, colaborador de longa data do Arquivo Municipal de Lisboa, grande conhecedor do seu
acervo documental e estudioso da histria de Lisboa.
O tema escolhido - Lisboa Joanina 1700-1755 - incide sobre uma poca incontornvel da histria da cidade de
Lisboa bem documentada pelo acervo do Arquivo Municipal. Os livros de consultas decretos e avisos emitidos
pelos monarcas, os documentos decorrentes da administrao da cidade como os assentos e ordens do Senado,
provimento de ofcios e a almotaaria a par de smulas de leis, posturas, regimentos, entre muitos outros,
demonstram a riqueza documental do Arquivo para o estudo da poca joanina.
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 9 - 10
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No entanto, a temtica no se esgota neste nmero. O rico e pluridisciplinar conjunto de artigos que incluem o
primeiro nmero da nova srie e a divulgao de acervos documentais, muitos deles inditos ou pouco estudados,
podero funcionar como ponto de partida para o desenvolvimento de novos temas de investigao. Encontramse disponibilizados mais de dois milhares de documentos referentes ao reinado de D. Joo V, encontrando-se
grande parte deles digitalizados e acessveis no stio do Arquivo Municipal.
Agradeo a pronta adeso e as palavras de incentivo de todos os investigadores convidados para membros do
Conselho Cientfico, bem como a colaborao de mais de duas dezenas de docentes e investigadores na reviso
cientfica dos artigos. Todos eles, em conjunto com o Conselho Editorial, desenvolveram um trabalho de grande
mrito num momento em que o Arquivo se est a afirmar como espao de referncia no estudo e investigao.
Numa altura em que voltou a funcionar em pleno, tendo uma parte significativa da sua documentao disponvel
ao pblico.
Com esta magnifica equipa, continuaremos a promover todos os meios para a concretizao deste projeto como
revista cientfica que pretende constituir um veculo de divulgao, por excelncia, do acervo documental do
Arquivo Municipal de Lisboa.
12
Introduo
Hlder Carita*
Convidado para programar o nmero 1 da nova srie dos Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa, decidi
dedic-lo Lisboa Joanina 1700-1755 ciente que este perodo da histria da cidade continua a necessitar de
uma cuidada reviso historiogrfica baseada em novas fontes documentais.
Na realidade, poucos reinados como o de D. Joo V tiveram por parte da historiografia um tratamento to crtico,
radicando-se esta postura numa linha de liberalismo anticlerical iniciada por Alexandre Herculano e Oliveira
Marques e repetida pelos historiadores de vertente republicana como Jaime Corteso ou Antnio Srgio. Relatos
de viajantes eivados de etnocentrismo foram tomados como paradigmas, verificando-se que muitas das suas
observaes diziam mais sobre os prprios autores do que verdadeiramente sobre a realidade em causa.
Perodo acusado de despesista e de mentalidade beata submissa Igreja, muitas destas vises so passveis de
um enquadramento alargado onde os direitos sobre o Brasil face s grandes potncias europeias assumiam um
significado crucial na estratgia da casa real e nos destinos do pas.
Se a partir da obra de Silva Dias, Aires de Carvalho ou, mais recentemente, de Margarida Calado com seu estudo
sobre A Arte e Sociedade na poca de D. Joo V temos vindo a assistir a uma reabilitao do reinado, as novas
perspetivas permanecem no domnio dos especialistas.
* Hlder Alexandre Carita Silvestre, professor da Escola Superior de Artes Decorativas da Fundao Ricardo Esprito Santo e Silva e investigador integrado
do Instituto de Histria da Arte da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.
doutorado em Histria da Arte Moderna arquitetura e urbanismo pela Universidade do Algarve, com a tese intitulada Arquitectura Indo-Portuguesa na
Regio de Cochim e Kerala, modelos e tipologias do sc. XVI e XVII. Divide os seus domnios de investigao e publicao entre arquitetura, urbanismo e artes
decorativas, sendo a arquitetura domstica uma das suas reas privilegiadas. Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 11 - 13
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I
Hlder Carita
Nesta outra perspetiva, as sumptuosas embaixadas podem ser entendidas como verdadeiras aes de propaganda
e uma eficaz estratgia de afirmao do pas como grande potncia martima capaz de resistir aos avanos das
armadas inimigas. As reformas das estruturas de administrao do Estado onde, em 1736 e pela primeira vez, o
cargo de secretrio de Estado passa a reunir de forma concertada - negcios estrangeiros e guerra so dados
fundamentais para um novo entendimento do perodo.
Igualmente as encomendas a Roma e a estratgia de elevar Lisboa a sede patriarcal asseguraram a conivncia
e o incondicional apoio papal, que teve como corolrio o Tratado de Madrid onde impusemos Espanha as
nossas condies, baseadas num direito romano de uti possedetis, ita possedeatis, que ir assegurar ao Brasil uma
extenso territorial muito para alm do definido no Tratado de Tortesilhas.
Se a construo do aqueduto reconhecido como uma grande realizao da poca, colmatando uma falha
da cidade que, desde o reinado de Filipe I, se tentava solucionar, Lisboa sofre um processo de renovao
desmultiplicando-se em obras que, localizadas em pontos estratgicos, acabaram por conferir imagem da
cidade uma monumentalizao de sentido barroco e fortemente cenogrfico.
Lisboa transforma-se num grande estaleiro de obras acompanhadas pela superviso do Senado da Cmara, nas
figuras dos vedores de obras, arquitetos da cidade e mestres medidores como atesta a vasta coleo de Livros de
Cordeamentos, guardada no Arquivo Municipal. Reunindo os pedidos de autorizao para obras e as respectivas
vistorias ao local, este corpo documental permite-nos de forma precisa acompanhar esta intensa atividade no
seu quotidiano.
Zonas como o Rossio, o Campo de Santana ou o de Santa Clara sofrem processos de reestruturao urbana, a par
de importantes eixos de desenvolvimento como a estrada da Cotovia para o Rato ou a rua das Janelas Verdes para
Alcntara. Requalificando estes espaos, observamos a implantao de um conjunto de grandes palcios marcados
pela adoo de novos esquemas de composio arquitetnica de assinalada erudio que, autonomizando-se nas
morfologias urbanas e na envolvente, impem um novo modelo de edificao barroca.
A par de um quadro arquitetnico de influncia europeia, nomeadamente italiana, as artes decorativas como a
azulejaria e a talha atingem neste perodo o seu momento ureo num quadro esttico profundamente original e
de magistral domnio tcnico.
No campo da chamada arquitetura corrente, diversas zonas como o Bairro Alto, Santa Catarina ou Colina de
Santana sofrem uma sistemtica renovao nos seus antigos prdios dos sculos XVI e XVII, verificando-se a
emergncia de uma nova tipologia de edifcio de rendimento cujas caractersticas estabelecem-se como matriz
do que pouco tempo depois ser considerado o prdio pombalino. As bases tericas e a experincia performativa,
subjacente s grandes opes do pombalino, radicam-se neste reinado anterior. Basta pensar que Manuel da
Maia tinha, na altura do Terramoto, oitenta anos e, tanto Eugnio dos Santos como Carlos Mardel estavam no
final das suas carreiras, falecendo ambos poucos anos depois.
16
I
INTRODUO
Muitos dos tpicos enunciados aqui so os temas de investigao de vrios artigos deste nmero. Na sua
organizao optei por reuni-los em reas temticas. Uma primeira parte rene aspetos urbansticos mais
abrangentes ligando-os com temticas da gesto municipal e da vida social. Numa segunda parte renem-se
investigaes mais especficas sobre arquitetura e manifestaes da cultura artstica.
Pela natural vocao desta revista para a investigao e divulgao do riqussimo acervo documental do Arquivo
da Cmara Municipal de Lisboa decidiu-se criar uma seco especial designada Documenta. Aqui inclui-se a
transcrio integral de documentos sobre a temtica cuja relevncia permite uma base de apoio aos investigadores.
Deste conjunto no se pode deixar de referir, entre outros, a transcrio dos regimentos dos oficiais carpinteiros
e pedreiros ou dos douradores e pintores pertencentes ao fundo Casa dos Vinte e Quatro.
A todos os autores e investigadores que aceitaram o convite para colaborar neste nmero presto os meus
agradecimentos. Os seus textos iro contribuir, sem dvida, para uma leitura mais precisa e documentada sobre
a Lisboa do reinado de D. Joo V.
17
submisso/submission: 11/03/2013
aceitao/approval: 07/03/2014
RESUMO
Lisboa passou por importantes transformaes urbansticas nos reinados de D. Pedro II, D. Joo V e incios do de
D. Jos I, abruptamente interrompidas pelo grande Terramoto de 1755. A maioria dessas intervenes deveu-se
iniciativa rgia e, em menor quantidade, do Senado municipal e a particulares, e consistiram, fundamentalmente,
na abertura de vias perifricas e, dentro da cidade, no alargamento, regularizao e calcetamento de diversas
ruas. Foram melhoradas as comunicaes da capital com as reas envolventes, assim como a qualidade do ar que
se respirava.
PALAVRAS-CHAVE
Trfego / Estradas perifricas / Regularizao e pavimentao de ruas / Expropriaes / Limpeza urbana
ABSTRACT
Lisbon went through important urban transformations during Pedro II, Joo V and the beginning of Jos I
reigns, abruptly interrupted by the1755 Great Earthquake. Most of these interventions were due to the royal
initiative and, in less extension, to the Municipal Senate and private initiative. They consisted essentially by
* Doutora em Histria da Arte Moderna pela Faculdade de Cincias Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Investigadora do
Instituto de Histria da Arte da FCSH da UNL, tendo apresentado comunicaes relacionadas com a cidade de Lisboa em diversos colquios e congressos.
Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 19 - 31
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Adlia Maria Caldas Carreira
opening of peripheral roads and, within the city, in the extension, regularization and paving of several streets.
Communications between the capital and its surroundings areas were improved, as well as the quality of the air.
KEYWORDS
Traffic / Peripheral roads / Street regularization and paving / Expropriations / Urban sanitation
Foram numerosas as realizaes urbansticas verificadas no perodo joanino, tendo o monarca promovido e (ou)
apoiado importantes intervenes em diversas zonas da capital, umas de iniciativa municipal e outras particulares,
em que se inseriram o alargamento e regularizao de ruas e largos, o calcetamento de vias perifricas, as novas
construes, etc1.
Algumas das obras de alargamento, de regularizao e de calcetamento das principais artrias da Corte2, foram
iniciadas no ltimo quartel do sculo XVII, sendo justificadas pela necessidade de melhorar o trfego urbano e de
contribuir para a fermosura da cidade.
De facto, as dificuldades de circulao de pessoas e de bens na Corte foram-se agravando com o tempo, originando
acidentes diversos (sendo os atropelamentos os mais graves) e motivando frequentes discusses entre os
condutores de coches e liteiras, sobretudo nas artrias mais concorridas e (ou) mais difceis.
Com o intuito de resolver ou, no mnimo, minorar alguns desses problemas, a Coroa e o Senado criaram regras
de trnsito e afixaram sinais ou placas de sinalizao nas ruas mais problemticas da poca, subsistindo uma
dessas placas num edifcio da rua do Salvador (Alfama). Datada de 1686, regulava a prioridade de passagem dos
veculos, estipulando o seguinte: Sua Magestade ordena que os coches, seges e liteiras que vierem da portaria do
Salvador recuem para a mesma parte.
Mas, as normas e os sinais de trnsito no podiam, s por si, acabar com os problemas virios, uma vez que eles
decorriam das pssimas condies das ruas, estreitas, tortuosas, sem calcetamento ou muito mal calcetadas.
Tornou-se, por isso, imperioso melhorar a rede viria da capital, comeando pelo alargamento das artrias mais
movimentadas, nomeadamente as que estabeleciam a ligao s duas principais praas, as do Rossio e do Terreiro
do Pao, como era o caso das ruas dos Ourives da Prata e dos Ourives do Ouro.
A propsito do alargamento da rua dos Ourives da Prata, o Senado consultou o monarca a 23 de novembro de
1676, justificando a urgncia dessa obra devido ao grande desenvolvimento da cidade e ao facto de as ruas serem
1
2
Vide ROSSA, Walter - Alm da Baixa: indcios do planeamento urbano na Lisboa Setecentista. Lisboa: IPPAR, 1998.
O termo Corte como sinnimo da cidade de Lisboa era frequentemente utilizado nos sculos XVII e XVIII, como se pode constatar na documentao da poca.
20
I
EVOLUO URBANA DE LISBOA ANTES DE 1755: ALARGAMENTO DE RUAS
Figura 1
estreitas e j no terem capacidade para o concurso da gente, coches, liteiras e seges, cujo uso, introduzido pelo
tempo, [era] necessrio () para o servio da nobreza4. Referia-se no documento que deveria fazer-se tudo
o que pudesse facilitar a mais necessaria serventia desta crte, fazendo a rua dos Ourives da Prata capaz de
rodarem por ella os coches, sem os embaraos e dificuldades da Padaria5 e explicava-se ainda que, para a rua ser
feita em conformidade com a planta apresentada, seria necessrio derrubar vinte e seis moradas de casas, da
parte que comea nos Livreiros e acaba na Correaria6.
Alguns anos mais tarde, em 1687, o Senado iniciou as obras de alargamento da rua dos Ourives do Ouro, as quais
continuaram no reinado de D. Joo V, como se depreende de vrios documentos desse perodo. Assim, a 15 de
janeiro de 1716, aquele rgo municipal explicava ao monarca que, para fazer face s despesas que tais obras
comportavam, fora forado a utilizar as sobras do Real [imposto] na carne, e vinho para a limpeza da mesma
Cidade e o procedido da venda dos officios, que [vagassem]7, embora as referidas sobras do Real dgua se
destinassem reparao das caladas fora dos muros e os proventos da venda dos officios se destinassem
obra do Lazareto8.
3
4
5
6
7
8
Fotografia da autora.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a histria do municpio de Lisboa. Lisboa: Cmara Municipal, 1887-1943. vol. VIII, p. 173-174.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 6 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Joo V do Senado Oriental, f. 292.
Idem, ibidem.
21
I
Adlia Maria Caldas Carreira
A concluso das obras de alargamento das referidas ruas dos Ourives do Ouro e dos Ourives da Prata inseriu-se
na primeira fase do vasto programa de intervenes urbansticas que se desenrolou ao longo dos quarenta e
quatro anos do reinado de D. Joo V, visando o embelezamento e a modernizao da capital embora, a nosso ver,
visassem tambm a melhoria do saneamento urbano e a garantia do ar puro9.
No conjunto das intervenes implementadas por iniciativa rgia e municipal, destacaram-se, alm da obra do
Aqueduto das guas Livres, as obras de alargamento, de regularizao e de calcetamento de vrias ruas, umas
localizadas no corao da urbe e outras em zonas tampo, ou seja, prximas dos limites perifricos e das sadas/
entradas da cidade.
Socorrendo-se de documentao coeva, Freire de Oliveira referiu as importantes transformaes urbanas
verificadas no perodo joanino, incluindo a abertura de novas ruas e a construo de novos palcios, associadas
ao processo de expanso e desenvolvimento de reas limtrofes: a ocidente - da Pampulha a Belm -, a noroeste
- de Campolide Cotovia e a nordeste - dos Anjos ao Campo de Santa Clara10.
A 25 de setembro de 1724, o Senado consultou o monarca acerca da obra de calada e rebaixos11 que deveria
ser realizada na rua que subia da Boa Vista para Santa Catarina, para que as carruagens pudessem subir sem o
tropeo e perigo12. Segundo essa consulta, para alargar a via era necessrio tomar parte de duas moradinhas
de casas () no topo da subida (o que permitiria aos coches subir com melhor desafogo e virar) e ainda tomarse um pardieiro que foi estancia e [ficava] no meio do largo que se [pretendia] fazer junto porta da egreja dos
religiosos de S. Joo Nepomuceno (), para que [coubessem] e [voltassem] no dito largo as carruagens13. Por
fim, o Senado referia os entraves levantados pelos proprietrios das casas e do pardieiro14 e requeria ao monarca
autorizao para tomar dessas propriedades o necessrio para a dita obra ficar com a regularidade e perfeio
que se [requeria]15.
No ano seguinte, o prprio monarca ordenou ao Senado que realizasse, com urgncia, os necessrios
melhoramentos em vrios caminhos, nomeadamente no que ia para N. Sr das Necessidades e no que [ia] da
Cotovia para o Mosteiro de Campolide. De acordo com o que determinava o ofcio de 11 de fevereiro de 1727,
Acerca deste tema vide SERAFIM, Paula - Tentativas para uma eficaz limpeza urbana de Lisboa nos princpios do sculo XVIII. Cadernos do Arquivo
Municipal. Lisboa. 1 Srie. Vol. 10 (2009/2010), p. 93-111.
9
10
11
12
13
OLIVEIRA, Eduardo Freire de, op. cit., vol. XV, p. 15, nota 1.
Os problemas no chegaram a ser resolvidos, uma vez que a 17 de janeiro de 1754, o Senado informou o monarca de que as obras na referida calada se
encontravam paradas, porque os proprietrios das casas a expropriar no concordavam com as indemnizaes propostas.
14
15
22
OLIVEIRA, Eduardo Freire de, op. cit., vol. XV, p. 496-497. AML (Livro 21 de Consultas e Decretos de D. Joo V, f. 17).
I
EVOLUO URBANA DE LISBOA ANTES DE 1755: ALARGAMENTO DE RUAS
o Senado deveria concertar o caminho das Necessidades16 e averiguar a situao de um prdio arruinado que
a se encontrava, notificando o dono para o consertar e, caso este no o fizesse, se lhe demolir17. E, quanto ao
caminho da Cotovia para o Mosteiro de Campolide, o rei ordenava que o mesmo fosse alargado, uma vez que
tinha uma calada muito estreita18.
Alguns meses mais tarde, a 12 de maio, D. Joo V ordenou ao Senado que mandasse consertar a rua da Caridade
(transversal da rua direita de S. Jos), porque havia sido informado de que a mesma se encontrava descalsada e
em muito mao estado19.
No mesmo bairro de S. Jos e ainda no mesmo ano de 1727, ocorreu uma nova interveno urbanstica tambm
por determinao do monarca que, por carta datada de 12 de agosto, ordenou ao Senado que realizasse obras de
melhoramento na rua das Portas de Santo Anto, a comear pela alterao das referidas portas, que deveriam
ficar mais Largas, e altas20, de acordo com o projeto que, para o efeito, fora feito por Joo Fedirico Lodovici21.
Referindo-se Porta de Santo Anto22, Baptista de Castro depois de descrever a sua localizao junto igreja de
S. Lus dos Franceses23, explicou que por ela se fazia trnsito para a praa do Rocio24 e afirmou que ainda se
lembrava de a ver collocadas nas suas couceiras as portas com que se fechava, chapeadas de ferro, as quaes no
anno de 1727 se tiraro25 para se preparar uma condigna receo ao Embaixador Extraordinrio de Espanha, o
marqus dos Balbazes (receo que viria a ocorrer a 6 de janeiro de 1728).
As obras de alteamento e de alargamento das Portas de Santo Anto contriburam, como se deduz, para o
alargamento da prpria rua, vindo, por isso, a facilitar a circulao dos veculos e dos pees. Mas, se to
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21
No captulo intitulado Fortificao Antiga e Moderna do seu Mappa de Portugal, vol. I, p. 75-80, Joo Baptista de Castro inventariou as 12 portas e
postigos da primitiva muralha (a cerca moura) e as 25 da muralha fernandina. Segundo as suas informaes, a maioria destas 25 portas e postigos ainda
existiam no seu tempo e quanto s derrubadas at 1757, indicou: a Porta da Ribeira (situada entre o Ver-o-Peso e a travessa do Aougue, em 1619; a Porta
de S. Loureno (no cimo da calada da Rosa), em 1700; a de Santa Catarina (junto da igreja do Loreto), em 1702; a Porta de Santo Anto, em 1727; o postigo
do Carvo e a Porta da Oura (ou Arco do Ouro) em 1754, devido s obras do Teatro Rgio; a Porta do arco das Pazes (prxima do Terreiro do Pao), em 1757.
22
23
A igreja de S. Lus dos Franceses e respetivo hospital foram construdos, em 1552, fora da muralha fernandina e nas proximidades de uma das torres das
Portas de Santo Anto. O edifcio foi ampliado e melhorado em 1622 e passou por obras de reparao depois do sismo de 1755.
24
25
CASTRO, Joo Baptista de - Mappa de Portugal antigo e moderno. Lisboa: Oficina Patriarcal de Francisco Lus Amado, 1763. p. 79.
Idem, ibidem.
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Adlia Maria Caldas Carreira
benficos melhoramentos agradaram maioria dos citadinos, em nada agradaram ao conde da Ponte, que
se sentiu lesado com tais obras. Comeou por se queixar junto do monarca dos incmodos sofridos com a
morosidade das referidas obras, o que levou D. Joo V a exigir ao Senado que as mesmas fossem concludas
com a brevidade possvel26.
Posteriormente, o conde27 queixou-se dos prejuzos materiais sofridos, uma vez que as referidas obras tinham
afetado a sua residncia (reduzindo o nmero de compartimentos) que encostava muralha e englobava uma
das torres das Portas de Santo Anto. O Senado, confrontado com o pedido de indemnizao apresentada pelo
fidalgo, dirigiu-se ao monarca a 27 de novembro de 1733, expondo-lhe que a pretenso do conde no devia
ser atendida porque, quando o seu antepassado Garcia de Mello, obtivera licena para fazer casas na torre e
muros contguos, fora informado das condies a que se sogeitava, que pudecem acontecer (como, por exemplo,
a demolio parcial ou total daquelas construes) e se obrigou a si, e a seus sucessores28 a aceit-las.
Alm do alargamento da rua das Portas de Santo Anto, D. Joo V promoveu novas obras de melhoramento da
rede viria (abertura de novas artrias e alargamento, a regularizao e o calcetamento das existentes), como
se constata pela documentao da poca. A 18 de fevereiro de 1729, ordenou ao Senado que executasse a planta
que fora enviada, respeitante ao traado da rua que ia da que se estava a abrir nos douradores para a Igreja de S.
Nicolao principiando-se a demolir as duas moradas de cazas, do Canto da dita rua dos Douradores e juntamente
a parte necessria das cazas que [iam] para a Capella que instituiu o Prior da dita Igreja29.
E, a 12 de outubro de 1743, ordenou a demolio das casas que Jos da Costa Calheiros estava a reconstruir
na rua direita que [ia] do Convento de So Joo de Deos para Alcantara, porque apresentavam hum grande
estrocimento para a parte da rua, ficando esta com grande disformidade, devendo ser tomadas dellas o cho ()
necessrio para a rua cordear30 direita31.
Foram realizadas outras intervenes com o objetivo de criar e (ou) regularizar praas, como se deduz da anlise
de uma consulta feita pelo Senado ao rei, datada de 14 de abril de 1742, a propsito da petio apresentada por
26
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Segundo OLIVEIRA, Eduardo Freire de, op. cit, vol. XV, p. 25, trata-se de Antnio Jos Mello e Torres, senhor donatrio das vilas de Sande e de Ponte e
alcaide-mor de Ferreira que, entre outras funes, foi vedor da casa da princesa e conselheiro rgio.
27
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Como explica SILVA, Maria de Lurdes Ribeiro - Aspectos da interveno do Senado da Cmara na reconstruo Pombalina: os livros de cordeamento. In
Colquio Temtico, I, Lisboa, 1995 - O Municpio de Lisboa e a dinmica urbana (sculos XVI-XIX): actas. Lisboa: CML, 1997. p 102, A etimologia do termo
cordear aponta genericamente para a aco de tomar as medidas com corda, bem como traar alicerces [estando assim] implcito no acto de cordear o de
traar de alicerces, tanto no que respeita a obra nova, como no caso de reconstrues fora do balizamento inicial. Esse mtodo de medir com corda, que
decorria sempre da vistoria realizada in loco pelo Mestre e Medidor das obras da Cidade, tornou-se um elemento indispensvel para o licenciamento de
todas as obras.
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EVOLUO URBANA DE LISBOA ANTES DE 1755: ALARGAMENTO DE RUAS
Antnio da Silva Rego, o qual pretendia aforar um cho municipal para regularizar a fachada da sua habitao,
situada no Campo de Santana. Face aos objetivos propostos pelo supplicante, o Senado concordava com o
aforamento do terreno (estipulando o foro anual de um tosto por cada um palmo de frente32) e pedia ao rei
faculdade para poder continuar no mesmo estorcimento a mesma obra, aforando o cho a quem o [pretendesse],
com a mesma formalidade de foro e com a condio apontada33, argumentando que dessas intervenes poderia
surgir uma formosa praa que seria do real agrado () e de grande gosto para o povo34.
O programa de alargamento das principais vias urbanas tornou-se mais claro e rigoroso quando, a 13 de
abril de 1745, D. Joo V decretou que, independentemente de quaesquer Leys, ordenaoens, ou costumes em
Contrario35, fosse proibido abrir qualquer
rua ou serventia alguma que [tivesse] entrada, e sahida publica, e geral, menos de sinco varas, ou vinte e cinco palmos
craveiros de Largo, que seja dentro, ou fra de povoado; porm que nas ruas e Estradas principaes e de muito concurso
se [seguiria], quanto Largura, o estylo observado com que se formaro algumas que j () feitas, assim dentro como
fra desta Corte, como [eram] as dos Ourives () e outras semelhantes36.
O decreto joanino foi publicado com o intuito de estabelecer normas que regularizassem da para a frente
quaisquer intervenes urbansticas para se evitar, como o prprio documento referia, a desformidade com que
() se [iam] formando novas Ruas e bairros, quando se devia esperar que augmentando-se, se melhorassem37.
De facto, as medidas estabelecidas para a abertura e (ou) a regularizao das ruas de menor e de maior circulao
viria (com as dimenses mnimas de 20 a 25 palmos e mximas de 40 palmos) condicionaram, da em diante,
todas as realizaes urbanas da Corte e do respetivo Termo38.
Nalguns casos, a aplicao dessas novas regras por parte do(s) Senado(s) colidiu com interesses estabelecidas
por normas anteriores, gerando situaes de conflito, como a que ocorreu em 1746, devido pretenso do
marqus do Lourial39 de fazer melhoramentos no seu palcio da Anunciada. Incluam-se nesses melhoramentos,
a ampliao de umas casas trreas localizadas entre o seu palcio na rua da Anunciada at esquina da rua
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OLIVEIRA, Eduardo Freire de, op. cit., vol. XIV, p. 39-40. (AML, Livro 15 de Consultas e Decretos Del-rei D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 283).
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
rea administrativa criada por D. Joo I em 1385 e extinta em 1885, que englobava um vasto conjunto de freguesias rurais, nomeadamente as de Benfica,
Carnide, Lumiar, Ameixoeira, Olivais e Belm.
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Atendendo data do documento, trata-se, sem dvida, do 2 marqus do Lourial e 6 conde da Ericeira, D. Francisco Xavier Rafael de Meneses (1711-1755).
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Adlia Maria Caldas Carreira
dos Condes e, segundo a exposio apresentada pelo fidalgo, uma vez que essa obra no podia ser feita pelos
mesmos alicerces das cazas trreas, porque no ficaria direita a rua, mas com reconcavos, decidira abrir novos
alicerces tomando para a parte da Rua dous palmos e meio, [e] tomando porem no meio do cordiamento seis
palmos e meio de rua ()40.
O Senado, depois duma primeira vistoria, embargou as obras j em curso, com a justificao de que as mesmas
iriam estreitar a rua mais publica desta cidade, o que contrariava o disposto no decreto rgio de 13 de abril de
1745, mas o marqus do Lourial apelou interveno do monarca.
Por deciso rgia, o Senado foi obrigado a fazer uma nova vistoria ao local das obras e, em consulta datada de
27 de agosto de 1746, informava o monarca de que, aps essa segunda vistoria (a 9 desse ms), no surgira
couza algua de novo que [fizesse] alterar o parecer ()41. E, para justificar a posio do rgo municipal sobre
essa matria, foram includos os pareceres de alguns vereadores, nomeadamente a de Manuel Martins Ferreira
que, sobre a ocupao da rua em questo, entendia que a grande parte que della se [tomava], que ainda que
[ficasse] Larga no [correspondia] Largura que Vossa Magestade [mandava] no Decreto de treze de abril de mil
settecentos e quarenta e cinco (...)42.
Verificamos, pois, que o(s) Senado(s) passaram a cumprir com zelo as normas do decreto joanino acima
mencionado, quer nas obras de ampliao e de regularizao das ruas dentro da rea da Corte, quer nas
intervenes realizadas nas freguesias do Termo. Num documento datado de agosto de 1755, relativo s obras
de ampliao do dormitrio do Convento de Nossa Senhora da Luz, em Carnide, determinava-se que as mesmas
teriam de processar-se sem afetar a rua contgua, do lado norte, a qual se conservaria em Largura de mais de
quarenta e sinco palmos43.
A par da iniciativa rgia e municipal, a iniciativa privada tambm deu um forte contributo para a melhoria da
rede viria urbana, como se patenteou no caso das obras realizadas nas ruas das Farinhas, de S. Cristvo, das
Pedras Negras e da Correaria (entre outras). Numa consulta enviada ao rei a 28 de janeiro de 1735, o Senado
informava-o do pedido apresentado pelo visconde de Vila Nova da Cerveira relativo avaliao de umas casas
que pretendia comprar para alargar a rua das Farinhas44.
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EVOLUO URBANA DE LISBOA ANTES DE 1755: ALARGAMENTO DE RUAS
Numa outra consulta, datada de 24 de outubro de 1739, referia a exposio do conde de Atalaia, informando que
este pretendia comprar umas casas na descida de S. Cristvo para alargar essa via e garantir melhor serventia
ao seu palcio junto Costa do Castelo45.
A 2 de julho de 1751, D. Joo V consultou o Senado camarrio sobre o pedido de Joo Almada46 para alargar as
ruas que iam para as Pedras Negras e Correaria47, onde possua casas e, a 26 de abril do ano seguinte, o rgo
municipal apresentou a resoluo tomada sobre esse assunto, devidamente justificada com a vistoria realizada,
com a planta elaborada e com os pareceres do syndico, architecto e mestres da cidade48, do presidente e dos
vereadores. Todos tinham sido unnimes quanto s vantagens para o bem pblico das obras de alargamento
dessas ruas e quase todos alertavam para a necessidade de se respeitar o disposto no decreto de abril de 1745.
No caso especfico da rua da Correaria, alguns vereadores defendiam que, em concordncia com o referido
decreto, a sua largura deveria ser de 40 palmos, de modo que [coubessem] por ella duas carruagens grandes,
com commodidade de ambas, por ser a serventia principal da cidade para aquellas partes, e para o servio da
grande poro da mesma cidade que por ali se [servia]49.
Por ofcio de 9 de agosto de 1753, o Secretrio de Estado, Diogo Mendona Corte Real, informou o Senado de
que o monarca tomara conhecimento da ruina que ameaava a parede do Convento dos Padres Quintaes50 e
que, informado do perigo que isso representava para todos os que passavo pela Rua Nova do Almada para
o Chiado51, decidira mandar alarg-la para cima da Igreja dos ditos Padres, e o Chiado52, visto tratar-se da
mayor passagem da Corte por aquele stio53.
Cumprindo as ordens rgias, o Senado encarregou o arquiteto Eugnio dos Santos para fazer a vistoria com
os mestres da cidade e, em seguida, levantar a planta da rea em questo. Tal como noutras intervenes j
realizadas, o alargamento da rua Nova do Almada e de parte da rua do Chiado implicaria o derrube de vrias
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Joo de Almada e Melo, primo do futuro marqus de Pombal e ele prprio futuro governador do Porto e presidente do Tribunal da Relao dessa cidade.
AML, Livro 3 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I, f. 7-11.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
Os padres Oratorianos ou Congregao de S. Filipe Nry, chegados a Portugal em 1668 com o apoio da rainha D. Lusa de Gusmo, obtiveram em 1671 a
Casa do Santo Esprito da Pedreira e respetiva igreja e a se mantiveram at 1755, altura em que, dado o estado de runa do ento designado convento do
Esprito Santo, se mudaram para o convento das Necessidades.
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Mandada abrir em 1665, por Rui Fernandes de Almada, nas ento chamadas Fangas da Farinha, onde se localizavam o convento do Esprito Santo, a norte,
e o da Boa-hora, a sul.
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propriedades, competindo ao Senado mandar fazer a sua avaliao, para posterior pagamento do valor estipulado
aos respetivos proprietrios.
Mas, no dispondo de dinheiro pronto () para se lavrarem as escrituras e se efectuarem as compras [das
casas]54, o municpio dirigiu-se ao monarca a 22 de novembro, pedindo-lhe a devida autorizao para utilizar,
temporariamente, uma percentagem do produto aplicado obra da conduo da agoa livre ()55. Anexaramse ao pedido, os pareceres dos vereadores camarrios e dos quatro Procuradores dos Mesteres56 os quais
reconheciam a utilidade da obra de alargamento do Chiado mas, cientes de que o Senado no [tinha] meyos
porporsionados a esta despeza57 entendiam que o rei deveria autorizar a soluo proposta para que a obra da
rua Nova do Almada se concretizasse.
Paralelamente s obras de alargamento das artrias urbanas (e do Termo), realizaram-se obras de ampliao e
(ou) de regularizao de prdios (fachadas principalmente), as quais se submeteram igualmente s disposies
do decreto joanino de 1745. Ou seja, tal como vimos no caso das obras que o marqus do Lourial pretendera
realizar no seu palcio em 1746, o Senado fiscalizava todas as alteraes arquitetnicas que os particulares
queriam introduzir nas respetivas propriedades, mostrando-se particularmente atento quanto s alteraes das
fachadas que confrontavam com ruas e praas pblicas, por recear que as mesmas provocassem a desformidade
desses espaos.
A 28 de junho de 1755, o Senado consultou o rei sobre uma petio apresentada pelo desembargador Manuel
da Costa Mimor o qual, desejando emdereytar a frontaria das suas casas no Campo de Santa Ana58, pedira
permisso para ocupar alguns palmos de cho pblico. O Senado mostrou-se disposto no s a autorizar a
alterao da fachada das referidas casas mas tambm a permitir a ocupao de terreno pblico com iseno do
pagamento de foro59, justificando a sua deciso com o argumento de que a obra prevista consistia num simples
estrocimento60 e que o estilo61 proposto para a fachada se adequava ao disposto no Decreto de 13 de abril de
1745, no qual se estipulava que as propriedades de cazas [fossem] em fermoza e perfeita regularidade () para
o melhor aspecto da cidade62.
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Idem, ibidem.
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Idem, ibidem.
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Idem, ibidem.
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Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
I
EVOLUO URBANA DE LISBOA ANTES DE 1755: ALARGAMENTO DE RUAS
Como se constata pela documentao citada, na maior parte das intervenes urbansticas realizadas,
particularmente nas que respeitavam alterao das ruas (ou no grande empreendimento das guas Livres),
tornava-se imperioso derrubar, total ou parcialmente, muitas propriedades privadas, as quais eram expropriadas
em prol do interesse pblico. Ao Senado interessava, naturalmente, que tais expropriaes ocorressem sem
grandes prejuzos para a autarquia, embora houvesse a preocupao de no lesar os interesses dos privados.
falta de uma legislao especfica sobre tal matria, foram-se generalizando algumas prticas e normas de
interveno (ou seja, de expropriao), que muito se aperfeioaram nos reinados de D. Pedro II e de D. Joo
V. Assim, sempre que se tornava necessrio derrubar total ou parcialmente alguma propriedade, o Senado
camarrio mandava fazer a sua avaliao, sendo para o efeito designados dois avaliadores, ou louvados (um
por cada parte interessada) e um oficial da Fazenda.
O Senado acatava os valores calculados e responsabilizava-se pelo seu pagamento mas, porque isso constitua
sempre um grande esforo financeiro para os cofres do municpio, requeria muitas vezes Coroa a iseno do
pagamento de sisa sobre a aquisio de bens imveis, ou ajuda financeira na retribuio a garantir em caso de
propriedades com vnculo, como o caso das capelas63.
A sistematizao das prticas e normas relativas s expropriaes, que tanto contribuiu para acelerar todo o
processo de reconstruo urbana, aps o Terramoto de 175564, s foi possvel graas ao crescente reforo da
autoridade rgia, verificado a partir do reinado de D. Pedro II. De facto, como explica Cludio Monteiro, o direito
antigo portugus no configurava a expropriao como um instituto jurdico autnomo () capaz de, por si s,
obter o efeito de extino do direito de propriedade privada e a consequente transferncia do bem para a esfera
pblica65 e, por isso, a aquisio forada desses terrenos pressupunha () um ato de autoridade rgia66 que
ultrapassasse o consignado nas Ordenaes Filipinas (ainda em vigor no sculo XVIII), segundo o qual ningum
podia ser constrangido a vender seu herdamento e cousas que tiver, contra a sua vontade67. Fundamentando
as suas afirmaes, o autor aponta como caso paradigmtico, o da expropriao de terrenos decretada por D.
Afonso VI em 1665 tendo como objetivo a abertura da rua Nova do Almada.
Os complexos problemas surgidos com a reconstruo de Lisboa ps-1755, exigindo uma ao rpida por parte
das instituies envolvidas nesse processo, determinaram a produo de um aprecivel conjunto de normas
jurdicas especficas destinadas a sustentar todas as obras implementadas.
MURTEIRA, Helena - Lisboa antes de Pombal: crescimento e ordenamento urbanos no contexto da Europa moderna (1640 - 1755). Monumentos. Lisboa.
Direo Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N 21 (Setembro 2004), p. 53-54.
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Vide MADUREIRA, Nuno Lus - Lisboa 1740-1830: cidade, espao e quotidiano. Lisboa: Livros Horizonte, 1992. p. 17-20.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
MONTEIRO, Cludio - Escrever Direito por linhas rectas: legislao e planeamento urbanstico na Baixa de Lisboa (1755-1833). Lisboa: AAFDL, 2010. p. 44-45.
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Adlia Maria Caldas Carreira
At 1755, um bom nmero de realizaes urbanas - incluindo as referidas obras de melhoramento da rede viria
- foram justificadas pela necessidade de melhorar o trfego e (ou) de contribuir para a fermosura da Corte. Na
nossa opinio, porm, a maior parte as obras visaram igualmente melhorar o saneamento e a qualidade do ar na
cidade, de acordo com as ideias expressas pelo discurso higienista68.
Na tica do pensamento higienista, a limpeza e o alargamento das ruas e das praas eram apontados como meios
adequados (entre outros) para incrementar a permanente ou frequente circulao dos ventos no interior das
cidades, sendo estes tidos como indispensveis para afastar os ares ptridos ameaadores da sade pblica69.
No contexto europeu e particularmente nas sociedades mais esclarecidas, as novas propostas arquitetnicas
e urbansticas de Setecentos relacionaram-se com essas reflexes sobre o ar e (ou) derivaram da crescente
reivindicao por parte dos higienistas de um ar puro e saudvel. Parece-nos lgico, por isso, associar muitas das
obras empreendidas no reinado de D. Joo V e nos primeiros anos do reinado de D. Jos I (particularmente as que
se destinaram a melhorar o saneamento urbano), a tais reflexes e preocupaes.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Arquivo Municipal de Lisboa
Livro 5 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Joo V
Livro 6 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Joo V
Livro 9 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Joo V
Livro 10 de Consultas, decretos e Avisos de D. Joo V
Livro 18 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Joo V
Livro 23 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Joo V
Livro 2 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I
Livro 3 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I
Livro 4 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I
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Em 1721, Francisco da Fonseca Henriques, mdico pessoal de D. Joo V publicou o 1 tratado higienista portugus, intitulado Anchora Medicinal para
conservar a vida com sade e, em 1755, Ribeiro Sanches publicou o 2 Tratado Higienista Portugus, intitulado Tratado da conservao da Sade dos Povos.
69
A partir do ltimo quartel do sculo XVII, multiplicaram-se os estudos relativos ao ar (sobre as suas caractersticas em diferentes latitudes e em diferentes
pocas do ano; sobre a deslocao das massas de ar e a direo e fora dos ventos; sobre os efeitos, positivos ou negativos, exercidos sobre os seres vivos
e os homens), empreendidos por qumicos, mdicos e outros estudiosos. Esses estudos conduziram s teorias aeristas, que estabeleceram uma relao de
causa-efeito entre o ar e a sade (ou a doena).
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EVOLUO URBANA DE LISBOA ANTES DE 1755: ALARGAMENTO DE RUAS
MACEDO, Lus Pastor de - Lisboa de ls a ls: subsdio para a histria das vias pblicas da cidade. 2 ed. Lisboa: Cmara
Municipal, 1960. vol. 2.
MADUREIRA, Nuno Lus - Lisboa 1740-1830: cidade, espao e quotidiano. Lisboa: Livros Horizonte, 1992.
MONTEIRO, Cludio - Escrever Direito por linhas rectas: legislao e planeamento urbanstico na Baixa de Lisboa (17551883). Lisboa: Associao Acadmica da Faculdade de Direito, 2010.
MURTEIRA, Helena - Da Restaurao s Luzes. Lisboa: Presena, 1999.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Cmara Municipal, 1887-1943.
ROSSA, Walter - Alm da Baixa: indcios do planeamento urbano na Lisboa Setecentista. Lisboa: Instituto Portugus do
Patrimnio Arquitectnico, 1998.
SERAFIM, Paula - Tentativas para uma eficaz limpeza urbana de Lisboa nos princpios do sculo XVIII. Cadernos do Arquivo
Municipal. Lisboa. 1 Srie. Vol.10 (2009/2010), p. 93-111.
SILVA, Augusto Vieira da - Plantas topogrficas de Lisboa. Lisboa: Cmara Municipal, 1950.
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de cordeamento. In Colquio Temtico de Lisboa, 1, Lisboa, 1995 - O Municpio de Lisboa e a dinmica urbana (sculos XVIXIX): actas. Lisboa, Cmara Municipal, 1997.
TEIXEIRA, C. Manuel; VALLA, Margarida - O urbanismo portugus, sculos XIII-XVIII: Portugal e Brasil. Lisboa: Livros
Horizonte, 1999.
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aceitao/approval: 24/04/2014
RESUMO
O presente estudo, que trata do ncleo habitacional em torno do pao da Bemposta, procura compreender o
crescimento do espao que envolveu esse local, em virtude da frequncia cortes, que se fez sentir com a presena
de D. Catarina de Bragana, a partir de 1701/1702, bem como a relao com os principais aglomerados religiosos
que marcaram a toponmia do lugar. Para a compreenso desse fenmeno, muito contriburam vrios fundos
arquivsticos, de que destacamos alguns dos constantes no Arquivo Municipal de Lisboa, a saber: Consultas e
Decretos e Cordeamentos, entre muitos outros acervos que iremos referir ao longo do presente estudo.
* Maria Joo Pereira Coutinho doutora em Histria (especialidade em Arte, Patrimnio e Restauro) e membro integrado do Instituto de Histria da Arte da
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. bolseira da Fundao para a Cincia e a Tecnologia (SFRH/BPD/85091/2012),
desde maro 2013. Entre 1998 e 2005 foi docente na Escola Superior de Artes Decorativas Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva e entre 2006 e 2009
foi bolseira de doutoramento da Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT). Entre 2010 e fevereiro de 2013 foi bolseira do projeto Lisboa em Azulejo
antes do Terramoto do Instituto de Histria da Arte Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Correio eletrnico:
[email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 33 - 53
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Maria Joo Pereira Coutinho
PALAVRAS-CHAVE
Lisboa Setecentista / Colina de Santana / Pao da Bemposta / D. Pedro II / D. Catarina de Bragana
ABSTRACT
The present study about the built environment surrounding the palace of Bemposta, seeks to understand the
growth of this place, the increase of its population, particularly of higher position, determined by the presence
of D. Catarina de Bragana and other royal elements since 1701/1702, and also realize the relationship with
the major religious clusters, that have marked the toponymy. To understand this phenomenon, we have used,
among many other collections that we refer throughout this study, several archival collections, such as Consultas
e Decretos and Cordeamentos from Municipal Archive of Lisbon.
KEYWORDS
Eighteenth-century Lisbon / Colina de Santana / Palace of Bemposta / Pedro II / Catherine of Braganza
NOTA PRVIA 1
A edificao na viragem do sculo XVII para o sculo XVIII, na colina de Santana, do pao da rainha D. Catarina de
Bragana (1638-1705), iria alterar definitivamente a feio da Bemposta, assim como toda a sua vivncia social
poca2. Se o facto no indito noutros contextos histricos e espaciais, merecer neste contexto especfico
particular ateno no intuito de garantir uma mais aprofundada leitura das circunstncias e consequente
compreenso dessa rea da cidade de Lisboa, bem como de todo o referido processo. Nesse sentido, as obras de
beneficiao dos edificados bem como concomitante afluncia de artistas, como arquitetos, e de oficiais mecnicos,
1
O presente estudo resulta da comunicao apresentada no mbito do I Encontro Cientfico sobre o Palcio Centeno, da Reitoria da Universidade Tcnica de
Lisboa e da Direo Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, realizado a 20 de outubro de 2011.
2
Acerca da figura de D. Catarina de Bragana imperioso consultar os trabalhos mais recentes de LOURENO, Maria Paula Maral - Casa, corte e patrimnio
das rainhas de Portugal (1640-1754): poderes, instituies e relaes sociais. Lisboa: FLUL, 1999. p. 363-400. Tese de Doutoramento em Histria Moderna
apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, TRONI, Joana Almeida - Catarina de Bragana (1638-1705). Lisboa: Edies Colibri, 2008 e
FLOR, Susana Maria Munh Antunes Calado Varela de Almeida - Aurum reginae or queen-gold: a iconografia de D. Catarina de Bragana entre Portugal e a
Inglaterra de Seiscentos. Lisboa: FLUL, 2010. Tese de Doutoramento em Histria (especialidade em Arte, Patrimnio e Restauro) apresentada Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa.
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"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
como mestres pedreiros, que em muito tero dinamizado o local, sero o ponto de partida para este ensaio, que
prope uma viso mais alargada do crescimento do stio e o seu incremento enquanto espao relacional da alta
sociedade de ento3.
A presena da dileta irm de D. Pedro II nessa rea em muito ter contribudo para a importncia desse
ponto da cidade, bem como ter chamado at si um nmero significativo de nobilitados, que tero igualmente
concorrido para o engrandecimento da ento freguesia de Santa Ana4. Estes, ter-se-o juntado a outros, que j
a residiam, ou que nessa mesma rea geogrfica da cidade possuam terrenos ou moradas de casas e que as
adequaram a essa vivncia.
Sobre o local vide, entre outras obras, as seguintes: MOITA, Lus - A Bemposta (O Pao da Rainha). Olisipo. N. 56 (outubro de 1951), p. 145-155; N. 57
(janeiro de 1952), p. 41-50; PEDREIRINHO, Jos Manuel Bemposta (Pao, Capela Real e Stio da). In SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo - Dicionrio
da histria de Lisboa. Lisboa: Carlos Quintas & Associados, 1994. p. 159-161; BERGER, Francisco Jos Gentil - Lisboa e os arquitectos de D. Joo V, Manuel da
Costa Negreiros no estudo sistemtico do barroco joanino na regio de Lisboa. Lisboa: Edies Cosmos, 1994, particularmente o captulo VIII - Negreiros e a
Igreja do pao da Bemposta, nas p. 149-161; MOITA, Lus - A Bemposta : o "Pao da Rainha". Lisboa: Livros Horizonte, 2005; e SANTOS, Diana Teresa Fanha
da Graa Gonalves dos - Resenha histrico-artstica do Pao da Bemposta e suas dependncias urbansticas. In AA.VV. - D. Catarina de Bragana e o Pao
da Rainha [1705-2005]. Lisboa: Academia Militar / Europress, 2005. p. 67-120.
4
A freguesia de Santa Ana foi com a construo da igreja de Nossa Senhora da Pena, iniciada em 1703, oficialmente substituda pela freguesia homnima
ltima invocao em meados do sc. XVIII. Sobre esta paroquial vide SALDANHA, Nuno - Pena (Igreja da). In SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo - op.
cit., p. 703-704.
Em 1707, Arquivo Municipal de Lisboa (AML) Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 268- 269. Em 1711, AML, Livro 5 de
Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 168-173. Em 1743, AML, Livro 15 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 8182. Sobre este cenbio vide, entre outros, o trabalho mais recente de AMORIM, Maria Adelina - O Convento de Santo Antnio de Lisboa: do temor da Peste
Grande fundao do Templum Concordiae. In Colquio de Histria e de Histria da Arte, Lisboa, 2007 - Lisboa e as Ordens Religiosas: actas. Coord. Teresa
Leonor M. Vale; Maria Joo Pereira Coutinho. Lisboa: Cmara Municipal, 2010. p. 193-242.
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Maria Joo Pereira Coutinho
A essas notcias acrescem-se ainda outras da mesma natureza na viragem do sculo XVII para o sculo XVIII,
poca associada vinda de D. Catarina para a colina de Santana, que do a conhecer o intento da soberana de
empreender obras de beneficiao no/ou perto do convento homnimo, e que atestam a importncia que esse
cenbio teve nesse momento cronolgico. No primeiro semestre de 1700, efetuada uma consulta ao Senado da
Cmara sobre a necessidade de dignificar a via que unia o colgio de Santo Anto-o-Novo da Companhia de Jesus
a Santa Ana6. A 19 de julho de 1700, o juiz e irmos da mesa do Santssimo Sacramento do templo desse cenbio
pedem licena para reedificar a capela que albergava o sacrrio, pelo facto de estar fragilizada, colocando como
premissa a necessidade de edificar outra maior e duas casas: uma para servir de sacristia e outra para a mesa da
supramencionada irmandade, dando a garantia de a obra no interferir com o espao da via pblica7. Nos anos
subsequentes, o mesmo convento alvo de preocupao por parte do mesmo rgo camarrio, que procura
aforar um terreno baldio que lhe fronteiro, tendo como objetivo dignificar esta zona da cidade8.
Figura 1
Dizem o juis e mais irmos da meza do Santiimo Sacramento da freguesia de Santa Anna extramuros desta Cidade que por estar o sacrario com o
Santiimo, em huma piquena Capella que ha na dita Igreja com indiencia e perigo pella pouca fortaleza da mesma Capella querem elles supplicantes fazer
a sua custa outra mayor, e mais decente, e para os lados da mesma Capella duas casas huma Sancrestia outra para meza da mesma hirmandade de huma;
e outra emcostada a parede da mesma Igreja porque esta obra ade ser hidificada no publico, e sem prejuzo de serventia comuna e seno pode fazer sem
licena deste Senado () (transcrio nossa), cf. AML, Livro de cordeamentos de 1700-1704, f. 125. Sobre este edifcio vide, entre outros, os mais recentes
estudos da autoria de MONTEIRO, Patrcia Alexandra R. - Efeitos do Terramoto de 1755 nos conventos de Lisboa: os casos dos conventos de Sant`Ana e de
Nossa Senhora da Conceio de Agostinhas Descalas (Grilas). Olisipo. II srie N. 22/23 (2005), p. 50-61e da mesma autora: Estudos de "cripto-histria
da arte" sobre um monumento da capital: O Convento de Sant'Ana, em Lisboa. Boletim cultural da Assembleia Distrital de Lisboa. IV srie N. 95 2. tomo
(2009), p. 55-78.
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"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
Registam-se, a par dos aspetos anteriormente mencionados, particularmente aqueles de ndole religiosa, outros
igualmente significativos, de registo mais vernacular, mas que de igual forma ajudaro a compreender a vivncia
do local entre meados de Seiscentos e incios de Setecentos. Veja-se, por exemplo, o caso da existncia do Campo
do Curral, assim conhecido pelo facto de aqui se encontrar o gado antes de ir para o aougue, ou o da Carreira dos
Cavalos, uma das mais importantes artrias da capital, onde a passagem de coches e liteiras ter sido o principal
motivo desta escolha9. Deste ltimo local, hoje rua Gomes Freire, resistiu o traado, a ermida de Nossa Senhora
da Conceio da Carreira, bem como a rua da Cruz da Carreira, cuja forma orgnica que apresenta nos traz
memria a morfologia das ruas seiscentistas, apesar da estilizao do seu delineamento na cartografia da poca.
Quanto artria designada por Bemposta, assim conhecida anteriormente sua aquisio para casa de D.
Catarina, esta tem a sua origem na quinta homnima, pertena do contador-mor do reino, D. Lus Pereira de
Barros, e que foi vendida no ano de 1699 por sua nica filha e herdeira, D. Francisca Pereira Teles, casada com
Plcido Castanheda de Moura, ao procurador de D. Pedro II10. Dessa quinta resultaram as variaes de Rua Larga
da Bemposta (hoje Pao da Rainha) e de Bempostinha, a ltima, imediatamente frente da dita quinta, onde, em
1706, j se verificava a existncia de () huma torre com varanda em sima de todo o vo com grade de ferro
ao redor, e pillares de pedra, tem engenho de relgio dous sinos para quartos e horas ()11 que ainda hoje
subsiste, apesar de alterada por forma a melhor servir o antigo Instituto Astronmico e Geodsico. Um aspeto que
comprova a existncia desta designao anteriormente sua ocupao pela rainha D. Catarina o conhecimento
que temos do mestre pedreiro Estvo Loureno, um dos intervenientes, no ano de 1686, na construo do arco
da capela-mor da igreja do Esprito Santo da Pedreira, figurar nessa data como () morador junto a Bemposta
()12.
O atual largo do Conde de Pombeiro, antigo Campo de Santa Brbara, deve, por sua vez, o seu nome ao orago de
uma ermida da casa nobre do desembargador Incio Lopes de Moura (curiosamente um dos intervenientes
no processo de contratao da obra de carpintaria do pao da Bemposta), construda em 169613. A designao
Cf. Carreira dos Cavalos. In SANTANA, Francisco e SUCENA, Eduardo - op. cit., p. 216-217.
Cf. RAU, Virgnia - Inventrio dos bens da rainha da Gr-Bretanha D. Catarina de Bragana. Boletim da biblioteca. Vol. XVIII. Coimbra: 1947, p. 3. Separata.
Plcido Castanheda de Moura foi contador-mor do reino, tal como seu pai e sogro, e alcaide-mor da vila de Basto. Casou com D. Francisca Pereira Teles, filha
de D. Maria Teles e de Lus Pereira de Barros, cf. COSTA, Pe. Antnio Carvalho da - Chrorographia Portugueza. Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1712.
tomo III, p. 572.
10
11
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 75, L. 386, f. 82-83v., ref. por COUTINHO, Maria Joo
Pereira - Os mrmores policromos da desaparecida Igreja do Esprito Santo: um exemplo de mecenato rgio no Barroco de Lisboa. In Colquio de Histria
da Arte, Lisboa, 2007 - Lisboa Barroca e o Barroco de Lisboa: actas. Coord. Teresa Leonor M. Vale. Lisboa: Livros Horizonte, 2007. p. 153-154.
12
13
Incio Lopes de Moura, segundo o seu registo de bito, faleceu a 1 de abril de 1709 e foi sepultado na hermida de Santa Barbora da mesma sua quinta, e
cazas, cf. ANTT, Registos Paroquiais, bitos, Freguesia de Nossa Senhora dos Anjos, L. 2, f. 202.
37
I
Maria Joo Pereira Coutinho
decorre do facto de D. Lusa Ponce de Leo, casada com o 1. conde de Pombeiro, ter recebido terrenos nesse
local, doados por D. Catarina de Bragana, onde edificou casas nobres14. Apesar de no termos a plena certeza
da data desse legado, e da construo de uma edificao no local onde hoje se encontra o palcio Pombeiro, certo
que no ano de 1700 se verifica uma consulta do Senado sobre uma petio do conde de Pombeiro, na qual
solicita um pedao de cho necessrio para efetuar obras nas suas casas, na sobredita Bemposta15. Alis, essa
famlia titular, no s empreende essas obras, como tambm solicita ao Senado da Cmara, na pessoa de D. Lusa
Ponce de Leo, condessa de Pombeiro, a 5 de julho de 1702, licena para cordear umas casas que possua () no
Campo do Curral na travessa do Moinho de Vento para fazer obras de pedreiro e carpinteiro ()16.
Corrobora ainda esta perspetiva do povoamento da zona o facto de se saber da existncia de uma Quinta Velha
no Campo de Santa Brbara, pertencente a D. Pedro Henriques de Melo e Castro, e subsequentemente a D.
Toms Manuel da Cunha Manuel Henriques de Melo e Castro, sucessor do morgado17, segundo auto de posse
de 16 de janeiro de 1702, fazendo-se nula uma subrogao que della se tinha feito contra o desembargador
Incio Lopes de Moura18.
Idntica situao aquele referenciada para as () Casas Nobres [] Bemposta ou Rua Larga de So Boa
Vntura entre o campo da Forca e o Curral (), arroladas nos ttulos das propriedades adquiridas por D. Catarina,
de que era proprietrio Lus do Couto Teles, filho de Antnio do Couto Fonseca e de D. Isabel de Carvalhais Pita19.
Aos anteriores casos podemos ainda acrescentar o das casas nobres existentes no j referido Campo do Curral,
de D. Guiomar Nunes Coronel, que passou o prdio a sua sobrinha D. Ana de Sousa, que o ter vendido em 1672
a Francisco Mendes, e que ter sido ainda adquirido em 1737 pelo embaixador D. Alexandre Metelo de Sousa e
Meneses, que aqui ter mandado edificar o palcio que hoje d o nome ao local. Tais exemplos, reforam a ideia da
existncia de morgadios no local, cuja transmisso de carcter consuetudinrio nobilitava o Campo de Santana.
J no que ao lado oposto ao anterior refere, igualmente urbanizado, constata-se do seu carcter mais marginal,
comum s edificaes prvias implantao de beneficiados e titulares, ainda hoje perpetuada nos topnimos
14
15
16
Cf. GONALVES, Julieta da Cunha - Pombeiro (Palcio dos Condes de). In SANTANA, Francisco e SUCENA, Eduardo - op. cit., p. 720.
AML, Livro 16 de Consultas e Decretos de D. Pedro II, f. 231-232.
AML, Livro de Cordeamentos 1700-1704, f. 425.
Acerca desta figura sabe-se que era filho de D. Rodrigo da Cunha Manuel Henriques de Melo e Castro e de D. Maria Isabel Bray e neto de Joo Caetano
Torel e de Agostinha Maria de Azevedo e Castro.
17
18
ANTT, Casa do Infantado, N. 195, Tombo topogrfico-histrico-jurdico do Palcio, Quinta e mais propriedades de que se compe o Almoxarifado da
Bemposta pertencente Serenssima Caza e Estado do Infantado; feito em execuo do Imperial e Real decreto de 20 de Fevereiro de 1826, sendo Juiz e executor
deste o B.el Antonio Joaquim de Gouva Pinto 1827, f. 11.
19
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I
"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
Barracas e Cabeo de Bola20. Estes topnimos, visveis ainda hoje, respetivamente na verso de Rua e Largo,
resultaram de um conjunto de barracas edificadas j no perodo pombalino no baldio de Santa Brbara, mas
tambm de um tipo de povoamento com caractersticas idnticas, que lhe era anterior, ou da figura de Jernimo
Oliveira, o Cabea de Bola, possivelmente filho de Belchior de Oliveira, designado pela mesma alcunha, que a
residiam na segunda metade do sc. XVII21.
Quanto evoluo do Campo de Santana, cujo topnimo remete para o ncleo conventual j mencionado,
testemunham a afluncia que esta rea da cidade teve os vrios pedidos efetuados ao Senado da Cmara para
edificar, aps a passagem de D. Catarina por esse local, como aqueles efetuados na dcada de quarenta de
Setecentos, por: Antnio da Silva Rego, no qual solicita permisso para adquirir um terreno, a fim de construir
umas casas22, por Manuel Franco23, por Simo Francisco e Antnio da Silva24 e pelo Doutor Manuel Pinto da
Silva25, nos quais se solicitam aforamentos de outros terrenos com idntica localizao, para o mesmo fim.
Figura 2
FREEMAN, Samuel, Catarina de Bragana, Rainha de Inglaterra [Londres, Iohn White, 1808].
Gravura; 12,9x10,3 cm. Biblioteca Nacional de Portugal, Seco de Iconografia, E. 4843 P. (http://purl.pt/13221).
20
Exceo feita s construes do conde de Pombeiro e da Quinta Velha no Campo de Santa Brbara, vrias consultas efetuadas ao Senado da Cmara
apontam para uma vivncia menos elitista, neste extremo da Bemposta, que contriburam igualmente para o adensamento populacional da rea. Veja-se
o pedido de aforamento de Sebastio da Cruz, em 1703, para construir uma casa aps ser efetuada a respetiva vistoria, cf. AML, Livro 18 de Consultas e
Decretos de D. Pedro II, f. 5-8; a consulta efetuada por Jacinto Ferreira de Moura, em 1713, proco de So Julio, para o mesmo intento, cf. AML, Livro 5 de
Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 261-268; ou a petio feita por Apolinrio de Abreu Ravasco, em 1735, que pretendia aforar um cho
pblico, sito s Fontainhas, perto do Campo de Santa Brbara, junto da quinta do infante D. Francisco, cf. AML, Livro 13 de Consultas e Decretos de D. Joo
V, do Senado Oriental, f. 60-63.
Cf. MACEDO, Luiz Pastor de - Lisboa de ls a ls: subsdios para a histria das vias pblicas da cidade. 2. edio. Lisboa: Cmara Municipal, 1960. vol.
II, p. 238-239.
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25
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I
Maria Joo Pereira Coutinho
AS AQUISIES
A necessidade de acomodar D. Catarina de Bragana levou a que D. Pedro, depois da itinerncia de sua irm por
vrias casas nobres, onde se destaca as do conde de Soure ao Bairro Alto, onde redigiu o seu testamento em 169926,
tomasse sobre si a responsabilidade de encontrar um local para a instalar. O facto de ser () necessrio estar
sempre em lugares fresco e de bom ar livre e passeios onde possa fazer exerccio (), como ficou expresso em
uma das cartas enviadas ao monarca ainda antes do regresso de D. Catarina a Portugal, ter sido uma motivao
para a escolha da colina de Santana para tal efeito27. Para cumprimento do objetivo ter chamado o desembargador
Bartolomeu de Sousa Mexia, homem da sua inteira confiana, que adquiriu os primeiros terrenos para esse fim,
mas que, a partir de meados de 1702, ter comeado a operar s em nome da rainha da Gr-Bretanha28. Tal
atitude, que pode ter diversas leituras, sublinha a indefinio que ainda hoje subsiste relativamente separao
entre o Estado do Rei e o Estado da Rainha29, denotando, numa primeira anlise, o empenhamento de D. Pedro
em satisfazer a vontade de sua irm. Corrobora esta nossa perspetiva uma passagem a propsito da aquisio de
um terreno no Campo de Santa Brbara, onde o monarca refere () mandei comprar, para o servio da Rainha
da Gr-Bretanha, Minha Muito Amada, e prezada Irma ()30. Apesar do protagonismo de tal figura, reconhecese ainda a intervenincia de outras personagens, constantes nas memrias de tais compras, nomeadamente o
Reverendo Padre Manuel Pires, seu confessor, e os tesoureiros Antnio Rebelo da Fonseca e Antnio Carvalho
Delgado, o ltimo tesoureiro da Casa do Infantado31.
26
Atesta a passagem de D. Catarina por esse local, um trecho do seu testamento, redigido em Janeiro de 1699: "() E eu sobredito Roque Monteiro Paim,
do Conselho de Sua Magestade, e seu secretario, o escrevi por mando da dita Senhora Dona Catharina Raynha da Gram Bretanha, nesta corte, e cidade de
Lisboa no Palacio da mesma senhora sito ao Moinho de Vento, aos 14 do mez de Fevereiro de mil seiscentos e noventa e nove." (sublinhado nosso), cf. RAU,
Virgnia - D. Catarina de Bragana: rainha de Inglaterra. O Instituto. (1944), p. 320.
27
Cf. CASIMIRO, Augusto - Dona Catarina de Bragana, rainha de Inglaterra, filha de Portugal. Lisboa: Fundao da Casa de Bragana / Portuglia, 1956. p. 444.
Bartolomeu de Sousa Mexia, secretrio de Estado da Assinatura e depois das Mercs, era indubitavelmente uma figura da confiana de D. Pedro II.
Testemunha essa assero o facto de o monarca lhe confiar dois dos seus filhos naturais, D. Miguel e D. Jos, para serem criados na sua casa, entre muitas
outras aes, cf. BRAGA, Paulo Drumond - D. Pedro II, 1648-1706. Lisboa: Tribuna da Histria, 2006. p. 120-121 e LOURENO, Maria Paula Maral - D. Pedro
II, O Pacfico (1648-1706). Lisboa: Crculo de Leitores, 2007. p. 212.
28
29
Acerca deste tema cf., entre outros autores, LOURENO, Maria Paula Maral - Casa, corte e patrimnio das rainhas de Portugal (1640-1754): poderes,
instituies e relaes sociais (...), SUBTIL, Jos - O Estado e a Casa da Rainha: entre as vsperas do Terramoto e o Pombalismo. Politeia, Histria e Sociedade.
Vol. 8 N. 1 (2008), p. 129-163 e PEREIRA, Ana Cristina Duarte - Princesas e infantas de Portugal (1640-1736). Lisboa: Edies Colibri, 2008, particularmente
o captulo: Casa, corte e redes de poder das princesas e infantas portuguesas, p. 131-163.
30
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"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
Figura 3
HEISS, Elias Christoph, Petrus II Deo Gratiae Rex Portugalliae [Augsburg, Elias Christoph Heiss, 171?].
Gravura; 32x21,5 cm. Biblioteca Nacional de Portugal, Seco de Iconografia, E. 3402 P. (http://purl.pt/1053).
Para cumprimento do desgnio de D. Catarina foram adquiridas 26 propriedades, implantadas ao longo da Carreira
dos Cavalos, Campo do Curral, Bemposta, Bempostinha e Campo de Santa Brbara, que compreendia o espao onde
se viriam a instalar as Barracas e o Cabea de Bola32. Destas, destacam-se trs moradas de casas compradas na
Carreira dos Cavalos ao mestre pedreiro Manuel Antunes33, fruto de uma herana que sua mulher recebera de
seu pai, Andr Dias, mestre do mesmo ofcio34, bem como a aquisio, na mesma artria de Lisboa, de uma horta
de Joo do Carvalhal e de humas Cazas com sua Irmida e Quintal do Dr. Antnio Nunes Castanho35. No mesmo
local, mais propriamente na Cruz dos Ciganos, Carreira, foi ainda adquirido um foro de casas, pertencentes a
Joo Moniz da Silva, a 31 de maro de 1703, uma vez que as mesmas j () se tinho imcorporado no pallacio
de sua Magestade e que por ser conviniente ao morgado fazer se sobrrogao dos ditos foros e direito senhorio
dellas pello dito juro de vinte e dous mil e outenta e seis reis ()36.
Nas mesmas artrias da colina foram ainda comprados vrios terrenos, com vnculos religiosos, como sucedeu
com alguns dos que se encontram na Lista das escreturas q mandou fazer sua magestade a serenssima sra rajnha
32
34
Sobre esta propriedade na dcada de setenta de Seiscentos vide os ttulos pertencentes s referidas casas: ANTT, Casa do Infantado, n. 233, f. 681-690.
36
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 77, L. 331, f. 45v.- 47.
A transao ter-se- processado a 21 de novembro de 1701 tendo importado um conto e quinhentos mil ris. Manuel Antunes era casado com Filipa
Maria, que era filha de Maria da Cruz e de Andr Dias. Cf. ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 75, L. 325, f. 93v.- 9v.
33
Cf. ANTT, Casa do Infantado, n. 195, f. 7v.-13: 14 Propriedade: A folhas est a escriptura de dote que a 5 de Agosto de 1698 fizera a Manuel Nunes
Castanho e sua mulher Joana da Cruz a seu filho o Doutor Antnio Nunes Castanho para haver de cazar com Dona Jozefa de Freitas Alvares de Souza em que
lhe dotou humas Cazas com sua Irmida e Quintal, sitas Carreira dos Cavallos em que vivia Antonio Duarte, na estimao de 4 mil cruzados.
35
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I
Maria Joo Pereira Coutinho
(entre 1702 e 1703)37. Vejam-se pois as referncias a uma quitao ao convento da Trindade, datada de 6 de
novembro de 1702, cujo contrato tivemos a fortuna de encontrar38. Este ltimo, mais explicito do que a nota da
lista, efetuado a 21 de fevereiro de 1702, e onde o desembargador Bartolomeu de Sousa Mexia, desempenha
ainda funes na qualidade de procurador de D. Pedro II, menciona a pessoa de Fr. Nuno do Crato, ministro e
procurador do convento da Santssima Trindade de Lisboa com plenos poderes para vender quatro moradas
de casas, sitas na rua da Bemposta. O instrumento contratual, para alm de dar estes pormenores de grande
importncia, alude necessidade de comprar as propriedades, assim como seus foros e direitos () para os
comodos da Serenissima Senhora Rajnha da Gram Bretanha e sua familia (...)"39.
Idntico processo foi aquele efetuado em torno da propriedade que se encontrava sub-rogada ao convento de
Santa Clara, cuja troca ter sido efetuada a 9 de dezembro de 1702 e quitao a 14 de dezembro do mesmo ano40.
J o convento de Chelas, que d quitao a Sua Majestade a 10 de janeiro de 1703, sobre foros e nomeao de juro,
segundo anotao na referida lista41, resulta do acordo fixado no contrato notarial de 3 de julho de 1702, onde o
desembargador Bartolomeu de Sousa Mexia compra ao procurador de uma menor de nome Teresa, filha do 1.
casamento de D. Jernima Maria Pimentel, casada em primeiras npcias com Lus Jos da Silva, um prazo que
constava de casas nobres, dois poos de gua de nora, pomares de fruto e parreiras, tudo cercado e murado
roda, por 4.000 cruzados. Parte deste prazo era em vida foreiro ao mosteiro de Chelas a quem se pagava 1.040
ris por ano, sendo todo o resto da propriedade livre de foro42. A fim de consolidar esta transao o mesmo
desembargador efetua troca e sub-rogao do prazo que o dito mosteiro tinha no imvel acima referido, a 19 de
julho de 1702, onde se compreende melhor o facto de este se localizar na Carreira dos Cavalos43. Curiosamente D.
Jernima Maria Pimentel tinha casado em segundas npcias com o desembargador Antnio Ferreira de Macedo,
que, segundo o manuscrito intitulado Lembrana da despeza que o Rmo Padre Manuel Pires confessor da Senhora
Rainha da Gr Bretanha fs nas compras e mais particulares do seo sevio e he hoje 28 de Julho de 1702, igualmente
referido por tambm ter vendido uma quinta na Carreira dos Cavalos pela importncia de um conto e seiscentos
mil ris44.
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39
40
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ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 76, L. 326, f. 79v.-80v.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 76, L. 326, f. 79v.-80v
BA, Ms. 51-VI-27, f. 174.
BA, Ms. 51-VI-27, f. 174.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 76, L. 328, f. 36-37. Esta aquisio tambm foi referida por TRONI, Joana Almeida - op. cit., p.
205, baseada na investigao de RAU, Virgnia - Inventrio dos bens da rainha da Gr-Bretanha D. Catarina de Bragana (...), p. 3.
42
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44
42
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 76, L. 328, f. 63v.
BA, Ms. 51-VI-27, f. 190.
I
"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
Outro ajuste aquele efetuado com os padres do convento de Nossa Senhora da Graa, proprietrios de uma
horta Carreira dos Cavalos, que continha () em ssj terra e cazas e nora (), por 35.000 ris, contratualizado
a 15 de maio de 170345. A mesma troca elencada na suprarreferida lista, desta vez a 25 de maio do mesmo ano,
onde se explicita que a permuta teve por premissa um rol de missas46.
Por fim, destaca-se a troca, consumada a 8 de junho de 1703, de um prazo pertencente aos priores das igrejas de
Santo Estvo e de Santa Engrcia () cito extramuros desta cidade per sima do campo de Santa Barbora junto
a quinta velha onde chamo espinhao de co freguesia de Nossa Senhora dos Anios que consta de dous olivais
com suas terras foreiro as ditas igrejas ()47. Tal procedimento, foi justificado pela necessidade que D. Catarina
teria de () meter na serca de seu Palacio hum pedao de terra do dito prazo com onze pes de oliveiras ()48.
Infelizmente nem sempre tivemos a fortuna de conseguir a localizao exata destes imveis, pois, segundo
pudemos observar a sua enumerao na supra indicada lista no segue qualquer tipo de critrio.
O mesmo desgnio, na aquisio predial, foi seguido na rua Larga da Bemposta, onde se comprou, a 9 de outubro
de 1703, uma morada de casas trreas a Antnio lvares e a sua mulher Polnia Quaresma () emtrada da
Bemposta que pego com o muro que Sua Magestade mandou fazer de nouo os quais consto de duas logeas
trreas cobertas de trouxa de duas Agoas com barrotes de pinho e ripa do mesmo sem forro nem guarda p e
somente um portal de pedraria com sua porta de pinho ()49, a par de tantas outras por ns afortunadamente
recolhidas.
Figura 4
45
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BENOLIEL, Joshua, Palcio da Bemposta, [Lisboa, Joshua Benoliel, Incio do Sc. XX].
Fotografia; 9x12 cm. AML, PT/AMLSB/JBN/001136.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 77, L. 332, f. 3v.- 4v.
BA, Ms. 51-VI-27, f. 174.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 77, L. 332, f. 26-27v.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 77, L. 332, f. 26-27v.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 77, L. 333, f. 61-62.
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I
Maria Joo Pereira Coutinho
Para a transformao do edificado, ter-se-o requisitado os servios do recm-nomeado arquiteto rgio Joo
Antunes, morador Carreira dos Cavalos, que, na documentao contratual levantada por Ayres de Carvalho,
figura como o Architecto de Sua magestade [] por comisso que tem a dita Serenissima Rainha51. Assim, a 25
de janeiro de 1701 so contratados mestres do ofcio de carpintaria e de pedraria, sob a superviso de Antunes,
para darem inicio empreitada, onde se inclu o mestre pedreiro Manuel Antunes, genro de Andr Dias, que a 21
de novembro do mesmo ano iria vender as suas casas na Carreira dos Cavalos, ao desembargador Bartolomeu de
Sousa Mexia, na qualidade de procurador de D. Pedro II, para aumentar a propriedade em questo.
Curiosamente, sabe-se hoje que a ligao entre D. Catarina de Bragana e o arquiteto Joo Antunes foi bem
mais dilatada do que se pensava. Atravs da leitura de um manuscrito intitulado Lembrana do dinheiro que S.
Magestade de G.B. mandou dispender () reconhece-se a sua ao mecentica por trs da construo do noviciado
da Cotovia e do noviciado de Arroios52, onde despendeu 467.300 ris com a fbrica de uma capela que mandou
fazer na cerca do primeiro noviciado e 20 contos e 600.000 mil ris, com a fundao do segundo53. Ora por detrs
de tais edificaes encontrou-se sempre Antunes, que, numa carta dirigida a D. Joo de Sousa (1647-1710),
50
Cf. ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 81, L. 434, f. 56-57v. e 58-59v., publ. por CARVALHO, Ayres de - Documentrio artstico
do primeiro quartel de Setecentos, exarado nas notas dos tabelies de Lisboa. Bracara Augusta. Vol. XXVII. (1974), p. 18-19. Separata.
51
52
Quanto a este noviciado, fora seu desejo, expresso no testamento elaborado em 1699, a sua construo, cf. SOUSA, D. Antnio Caetano de - Provas da
Histria Genealgica da Casa Real Portuguesa. Coimbra: Atlntida, 1950. vol. IV, p. 516-527.
53
BA, Ms. 51-VI-27, f. 173. No manuscrito, para alm das referncias aos dois noviciados, so ainda expressas outras despesas que corroboram a nossa
perspetiva de D. Catarina ser uma das mais significativas mecenas do seu tempo. Agradecemos nossa colega Doutora Susana Varela Flor a cedncia desta
informao.
44
I
"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
ento bispo do Porto, referiu que () huma Capellinha que a Senhora Rainha mandou fazer no noviciado dos
Apostollos da Cotovia custou 8 mil cruzados ()54. O mesmo arquiteto, que figura como autor do risco da casa
do noviciado das Misses, com igreja consagrada a Nossa Senhora da Nazar, em Arroios, no contrato lavrado
a 17 de abril de 1705 para as suas obras de pedraria55, assume assim um papel primordial para a compreenso
do que se poder considerar como arquitetura rgia, principalmente se melhor observarmos a suprarreferida
carta, onde ainda se acrescenta que () a dita Senhora mandou fazer [obra] na Igreja dos Padres Quintaes
[que] passou de 8 mil cruzados ()56. A ligao entre os dois dever ter sido de tal forma profunda que, em
papis apensos ao testamento de D. Catarina encontra-se expressa a sua vontade em remunerar uma ltima vez
o afamado arquiteto: () quero e mando que por huma s vez se d mais a cada hum dos meus criados, e criadas
a importncia do ordenado que vencio em hum anno pela Ordem da lista que se segue () Ao Architecto Joo
Antunes - 100 ris.57.
Regressando questo da construo do pao, no manuscrito intitulado Importa a despeza que se tem feito nas
obras dos passos da Bemposta da Serenicima Sr Raynha da Gram Bretanha vinte quatro contos sette centos mil
sette centos setenta e sette rs pella manra abaixo declarada compreende-se que, no arrolamento de importncias
pagas a pedreiros, carpinteiros, ladrilhadores, oleiros de azulejo, pintores, efetuado a 12 de dezembro do mesmo
ano, a obra dever ter sido executada com grande rapidez, seno mesmo ter ficado prxima da sua concluso58. Da
empreitada em si, pouco mais se sabe, todavia, as descries deixadas no inventrio de bens da Senhora Rainha,
deixam a ideia da organizao de volumes no edificado, mas sobretudo a noo da unio do novo ao antigo, uma
vez que so de sobremaneira referidos: o quarto novo e a torre do quarto velho. No que sua articulao
diz respeito, sabida a existncia de uma escada principal, de uma outra interior que dava acesso tribuna da
capela real, e de uma terceira que se situava na casa anterior do quarto novo e que a ligava ao quarto baixo. O
mesmo testemunho refere ainda a existncia de um oratrio privado, da real capela com () retbulo de pedra
ao moderno com columnas torcidas (), sacristia e mais aspetos do jardim, nomeadamente duas ermidas, uma
dedicada a S. Joo Evangelista e outra a S. Francisco Xavier, um tanque com um delfim de pedra, um pombal
() em me lua azolejado por fora com duas fontes de prato pequenas de pedra () e um passeio com cinco
BA, Ms. 54-VIII-11 (340), publ. por CAETANO, Joaquim Oliveira; SILVA, Nuno Vassallo e - Breves notas para o estudo do arquitecto Joo Antunes. Revista
Poligrafia. N. 2 (1993), p. 152-154. Separata.
54
55
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7A), Cx. 83, L. 451, f. 13- 14, ref. por CARVALHO, Ayres de - D. Joo V e a arte do seu tempo. Lisboa:
Edio do Autor, 1962. vol. II, p. 165. O manuscrito que deu origem Histria dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa (), corrobora esta
ao no captulo Resolve a Senhora Rainha da Gr-Bretanha D. Catarina a fundar a Casa do Noviciado da Companhia pra crear sogeytos pera as Misses
da India, Tomo II, p. 217-220, da verso impressa.
56
BA, Ms. 54-VIII-11 (340), publ. por CAETANO, Joaquim Oliveira; SILVA, Nuno Vassallo e - op. cit..
58
Cf. SOUSA, D. Antnio Caetano de - op. cit., p. 522. Este facto j aludido por FLOR, Susana Varela - As relaes artsticas entre pintores a leo e de azulejo
perspectivadas a partir da oficina de Marcos da Cruz (a.1637-1683). Artis. N. 9-10 (2010-2011), p. 304.
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Maria Joo Pereira Coutinho
passos da Paixo de Cristo, curiosamente com () altares de azulejo, e caixilhos de madeira fixos na parede
()59. Por ltimo, a aluso a cavalarias, com manjedouras de pedra, vai ao encontro do conhecimento que temos
de um pedido efetuado ao Senado da Cmara para cordear o stio da Senhora Rainha da Gram Bretanha de que
resulta uma deslocao do medidor de obras da Cidade, a 14 de fevereiro de 1701, () bemposta ao Campo de
Santa Barbara [para] auer Cordear o cho e sitio onde se querem fazer as Caualharias60. Depreende-se assim
que a diligncia em engrandecer e dignificar aquela que ficou conhecida como a ltima residncia de D. Catarina
j se estendera para os lados do Campo de Santa Brbara, local onde se situariam as mesmas.
Quanto a aspetos relativos ao processo construtivo, sabe-se somente o que consta dos oramentos expressos nos
contratos. Destes, destaca-se a utilizao de madeira de angelim, bordo e pura, em caixilharias de janelas, de
portas e de bandeiras:
() a saber cada carro de madeira tosca em madeiramento frontaes frechaes e vigamentos por cem reis Cada dzia
de taboado grosso tosco aberto de mejo fio por quinhentos e sinquenta reis. Cada duzia de taboado aberto de mejo fio
planado por setecentos reis, = Cada dzia de taboado serrado e chanfrado em guarda por tosco por quatrosentos reis
Cada dzia de taboado em forro debruado ordinrio por oitocentos reis, = Cada dzia do mesmo taboado em forro de
sobrecurvo contando se so o que estiver a vista por mil reis Cada dzia de Ripa muito bem pregada sento e oitenta
reis cada carro de madeira planada por cento e sinquenta reis; Cada genella de angelim de treze palmos de alto e
seis e mejo de largo com postigos e bandeiras seis mil e quinhentos reis, Cada porta da mesma altura das genellas de
bordo ou pura de duas mejas portas quatro mil reis. Cada genella de asentos de Angelim com postigos e Caixilhos por
quatro mil e quinhentos reis ()61.
Figura 5
Figura 6
Cf. Inventario dos Bens da Senhora Raynha da Gro Bretanha Dona Catherina Anno de 1706, publ. por RAU, Virgnia - Inventrio dos bens da rainha da
Gr-Bretanha D. Catarina de Bragana, (...), p. 78-81, que alis j levantou algumas destas questes.
59
60
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Cf. ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 81, L. 434, f. 56-57v.
I
"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
OS ARTISTAS E OS ARTFICES
A colina, que compreendia data, como acima referido, importantes artrias da cidade como a Carreira dos
Cavalos, era um dos mais importantes locais de residncia de mestres da arte de construir edificaes. Um dos
artistas, referenciado ao longo do nosso texto, que ter marcado a sua presena no espao, foi indubitavelmente
o arquiteto rgio Joo Antunes, que, tal como j tivemos oportunidade de indicar, esteve presente nas obras
arquitetnicas mais significativas na cidade de Lisboa, encomendadas por D. Catarina de Bragana: Cotovia e
Arroios. Quanto sua vida pessoal/familiar, colocamo-lo nesta freguesia a partir de 1683, ano em que o seu filho
Francisco batizado na igreja do convento de Santa Ana62, sendo referido, nos anos seguintes, respetivamente
nos testamentos dos mestres pedreiros Andr Dias, seu compadre63, e de Joo Dias64, moradores Carreira dos
Cavalos. Como indica o seu registo de bito, constante na mesma freguesia, Antunes ter falecido de repente, a 25
de novembro de 1712, no deixando certamente por esse motivo testamento, e foi sepultado no convento de Santo
Antnio dos Capuchos65. Ora o sobredito Andr Dias era nada mais do que o sogro do j referido mestre Manuel
Antunes, e Joo Dias, irmo do primeiro e tio, por afinidade, do segundo. Essa indicao, fixada no instrumento
contratual de 21 de novembro de 1701, onde se vende a propriedade que Manuel Antunes herdara de seu sogro,
figura ao lado de outra, bem mais significativa, a descrio das casas que possua:
() assim so trs moradas de cazas na dita carreira dos Caualos duas terreas e huma com logeas e dois sobrados
e so nouas e as mais dellas tem pedrarias uermelhas nas janellas e alguns portaes por demtro e pedrarias brancas
por fora com sua escada de pedra e todas as ditas cazas so azolijadas, e forradas com suas pinturas nos forros e
huma alcoba de pedraria uermelha exceto a ultima caza do segundo sobrado que no he forrada nem azuleijada e
juntamente tem hum quintal do tamanho das ditas trs moradas de cazas com seu posso de Agoa e parte as ditas tres
moradas de cazas e seu quintal per suas deuidas e uerdadeiras comfrontaois ()66.
Tal leitura permite-nos assim compreender a abastana em que viviam, coadjuvando a ideia de que no eram
simples mestres pedreiros. Alis, merece meno o facto de Andr Dias ter sido um artista bastante ativo no
que arte de edificar diz respeito, pois foi um dos responsveis pelas obras da torre sineira, frontaria e pias de
gua benta da igreja de Nossa Senhora do Socorro (23 de janeiro de 1678)67, pelo jazigo da irmandade da Santa
62
ANTT, Registos Paroquiais, Baptismos, Freguesia de Nossa Senhora da Pena (Santa Ana), L. 6B, f. 3v., ref. por CARVALHO, Ayres de - D. Joo V e a arte do
seu tempo. vol II, (), p. 151.
63
ANTT, Registo Geral de Testamentos, L. 59, f. 8v. -9, cf. SIMES, Joo Miguel Ferreira Antunes - Arte e sociedade na Lisboa de D. Pedro II: ambientes
de trabalho e mecnica do mecenato. vol. I. Lisboa: 2002, p. 72-73. Dissertao de Mestrado em Histria da Arte apresentada Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
64
65
66
67
ANTT, Registo Geral de Testamentos, L. 54, f. 93v.-94v., cf. SIMES, Joo Miguel Ferreira Antunes - op.cit. vol. I, p. 76-79.
ANTT, Registos Paroquiais, bitos, Freguesia de Nossa Senhora da Pena (Santa Ana), L. 4, f. 119v.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 75, L. 325, f. 93v.- 94v.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 3 (antigo n. 11), Cx. 83, L. 316, f. 39-39v.
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Maria Joo Pereira Coutinho
Cruz na igreja do convento de Nossa Senhora do Desterro (23 de outubro de 1678)68 e por obras empreendidas
no claustro do convento da Graa (29 de junho de 1682)69. A sua ligao ao espao onde morava ter ainda sido
efetivada ao entregar duas das suas filhas ao convento de Santa Ana, para a se tornarem novias70, no mesmo ano
do seu falecimento, que ocorreu a 31 de dezembro de 1684.
J o seu genro Manuel Antunes ocupava idntico lugar na atividade de pedreiro71. Figurando entre 1689 e 1732,
data do seu falecimento72, como morador Carreira dos Cavalos, Campo de Santa Ana, entrada da rua Larga da
Bemposta, ou simplesmente Bemposta, movia-se nos crculos do arquiteto rgio Joo Antunes, seu vizinho e de
Carlos Baptista Garvo, morador na prxima rua Direita dos Anjos. Da sua extensa atividade laboral destacamos o
papel que desempenhou na construo da obra de pedraria policroma da igreja do convento de Nossa Senhora da
Conceio dos Cardais (9 de fevereiro de 1693)73 e na obra da capela-mor da igreja de Santa Justa (17 de outubro
1704)74. ainda particularmente lembrado pelo facto de ocupar um importante papel na construo da igreja da
Pena, como tesoureiro da irmandade do Santssimo Sacramento75.
68
69
70
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 3 (antigo n. 11), Cx. 83, L. 317, f. 33v.-34v.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 63, L. 261, f. 3-4.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 74, L. 378, f. 47-48.
Cf. COUTINHO, Maria Joo Fontes Pereira - A produo portuguesa de obras de embutidos de pedraria policroma (1670-1720). Lisboa: 2010. vol. I, p. 224231. Tese de Doutoramento em Histria (especialidade em Arte, Patrimnio e Restauro) apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
71
72
ANTT, Arquivo Geral dos Hospitais Civis de Lisboa, Seco de S. Jos, L. 1303, f. 69.
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 B), Cx. 28, L. 463, f. 81 v.-82v., cf. FERREIRA, Slvia; COUTINHO, Maria Joo Pereira - Jos Rodrigues
Ramalho (c. 1660-1721): um artista do Barroco Lusfono na Casa Professa de So Roque. Brotria. Vol. 159 (Agosto/Setembro 2004), p. 165-194.
73
74
ANTT, Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 83, L. 449, f. 24-25v., cf. CARVALHO, Ayres de - Documentrio artstico do primeiro quartel
de Setecentos, exarado nas notas dos tabelies de Lisboa (), p. 27.
75
A 1 de maio de 1703 o mestre pedreiro Manuel Antunes, na qualidade de tesoureiro da irmandade do Santssimo, pede 400.000 ris para a construo
da igreja de Nossa Senhora da Pena de Lisboa. testemunha o mestre pedreiro Domingos Gomes, morador ao Moinho de Vento. ANTT, Cartrio Notarial
de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 82, L. 443, f. 40v.-41, cf. CARVALHO, Ayres de - Documentrio artstico do primeiro quartel de Setecentos, exarado
nas notas dos tabelies de Lisboa (), p. 24. A 4 de setembro de 1705 o mesmo mestre figura num emprstimo para a construo da mesma igreja. ANTT,
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 82, L. 452, f. 68v.-69v., cf. CARVALHO, Ayres de - Documentrio artstico do primeiro quartel de
Setecentos, exarado nas notas dos tabelies de Lisboa (), p. 31.
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"OS PASSOS DA BEMPOSTA DA SERENICIMA SENHORA RAYNHA DA GRAM BRETANHA": CONTRIBUTOS PARA A HISTRIA DA COLINA DE SANTANA
NOTA FINAL
O percurso que se procurou traar em torno do espao que envolveu o pao da Bemposta no incio de Setecentos,
e que marcou a vivncia cortes da colina de Santana, visou trazer compreenso o dinamismo que o local tinha
nessa poca. Circundado por um nmero significativo de cenbios, a saber: Santo Antnio dos Capuchos, Santa
Ana, Desterro e Rilhafoles, a Bemposta foi seguramente o ponto de unio de duas parquias: a Nossa Senhora dos
Anjos e a de Santa Ana (at data da construo da igreja da Pena), contribuindo para o prestgio que a referida
colina tinha.
A aquisio de terrenos por parte de D. Catarina de Bragana, que visava engrandecer o patrimnio daquela
que foi a sua ltima residncia, assim como as edificaes que reergueu em seu redor, para albergarem a sua
corte, tero consolidado a morfologia urbana pr-existente. O facto coincidente do arquiteto da sua eleio, Joo
Antunes, morar, juntamente com outros mestres ligados arte de edificar, nas imediaes, ter sido certamente
conveniente para o acompanhamento das obras que iam alterando a feio da j existente Bemposta.
Tal crescimento, que pode ser trazido evidncia pela consulta, em articulao com outros fundos arquivsticos,
de inmeros contributos patentes na documentao do Arquivo Municipal de Lisboa, permitiu que a colina de
Santana se tornasse num importante polo patrimonial da cidade, onde elites, clero, indivduos ao servio do
Senado e do aparelho de Estado e mesteirais contribuam para urbanizar um espao de "quintas".
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Arquivo Municipal de Lisboa
Livro de Cordeamentos, 1700-1704
I
Maria Joo Pereira Coutinho
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 75, L. 325, f. 93v. - 94v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 76, L. 326, f. 79 v.- 80v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 76, L. 328, f. 36-37 e 63v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 A), Cx. 77, L. 331, f. 45 v.- 47; L. 332, f. 3v.- 4v. e 26-27v.; e L. 333, f. 61-62
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 1 (antigo n. 12 B), Cx. 28, L. 463, f. 81 v.-82v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 3 (antigo n.11), Cx. 83, L. 316, f. 39-39 v.; L. 317, f. 33v.-34v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 74, L. 378, f. 47-48
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 81, L. 434, f. 56-57v. e 58-59v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 82, L. 443, f. 40v.-41; L. 452, f. 68v.-69v.
Cartrio Notarial de Lisboa, N. 15 (antigo n. 7 A), Cx. 83, L. 451, f. 13-14; L. 449, f. 24-25v.
Casa do Infantado, n. 195 e n. 233
Registos Paroquiais, Baptismos, Freguesia de Nossa Senhora da Pena (Santa Ana), L. 6B, f. 3v.
Registos Paroquiais, bitos, Freguesia de Nossa Senhora da Pena (Santa Ana), L. 4, f. 119v.
Registos Paroquiais, bitos, Freguesia de Nossa Senhora dos Anjos, L. 2, f. 202
Registo Geral de Testamentos, L. 54, f. 93v.-94v.
Registo Geral de Testamentos, L. 59, f. 8v.-9
Biblioteca da Ajuda
Ms. 51-VI-27
Fontes impressas
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53
aceitao/approval: 18/03/2014
RESUMO
Aps estabelecer uma contextualizao histrica a partir de referncias ao edil curul do Imprio Romano, aos
muthasib islmicos e s Ordenaes do Reino, o presente artigo estabelece o enquadramento do cargo de almotac
em Lisboa durante o sculo XVIII, no que se refere s suas competncias, modos de acesso, prazo dos mandatos e
renovao, alm das condies remuneratrias, traando um quadro caracterizador do ofcio nos seus contornos
e antecedentes fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE
ABSTRACT
After establishing an historical contextualization from references to the curule aedile of the Roman Empire,
the islamic muthasib and the Ordenaes do Reino (Ordinances of the Kingdom), the present article establishes
the positioning of almotac in Lisbon during the 18th century, in terms of its attributions, career access path,
* Paulo Jorge da Costa Pereira Ferreira licenciado em Direito (Universidade Catlica Portuguesa) e mestre em Histria Moderna e Contempornea, na
vertente de Poltica, Cultura e Cidadania (ISCTE-Instituto Universitrio de Lisboa). Alm de advogado e consultor jurdico, trabalhou no setor urbanstico,
incluindo entre as suas habilitaes tcnicas uma ps-graduao em Segurana e Higiene no Trabalho. Autor de As lides do Talaya Roteiro biogrfico de
um Portugal setecentista, membro do Centro de Estudos de Cultura, Histria, Artes e Patrimnio (CECHAP) e do Centro de Estudos Histricos da Lourinh
(CEHL). Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 55- 82
55
I
Paulo da Costa Ferreira
mandate duration and renewal, as well as the remuneration, tracing a characterization framework of the craft in
its fundamental features and background.
KEYWORDS
INTRODUO
Embora se trate de um pelouro estruturante na administrao municipal portuguesa de Antigo Regime, o facto
que a almotaaria, e o ofcio de almotac, apenas nos tempos mais recentes vm merecendo algum enfoque por
parte da historiografia portuguesa e brasileira. Da obra de Antnio Manuel Hespanha podem coligir-se diversos
fatores que tero conduzido a esta realidade: seja o ancestral preconceito cristo, que no passado levou a ignorar
a herana rabe na identidade cultural portuguesa, seja o predomnio de um discurso ideolgico centralista
e subalternizador do papel das periferias, seja o extravio de fontes documentais causado pela remodelao
administrativa de 18321. Atento especificidade do universo concelhio, o mesmo autor releva a circunstncia
de o historiador ter que operar, na investigao sobre os municpios, com metodologias menos correntes na
historiografia clssica:
Finalmente, a investigao ter que progredir sobre uma recolha massiva das informaes dispersas acerca da poltica
local, das particularidades de cada concelho quanto s eleies e sua confirmao, da relao entre as hierarquias
sociais e as hierarquias polticas, dos rditos e vantagens do exerccio dos cargos municipais, das regras de etiqueta2.
Ora, certo que, relativamente almotaaria, continuam a ser escassas as produes da literatura portuguesa que
abordam o tema. As que existem, fazem-no de um modo no exclusivo, como aspeto pontualmente inserido em
temticas de mbito mais alargado, geralmente reportando-se ao perodo medieval3. No que respeita ao sculo
XVIII, esto neste caso produes como a de Teresa Fonseca, acerca dos agentes do poder municipal em vora,
e de Srgio Cunha Soares, a propsito da Cmara de Viseu no reinado de D. Jos I. Diferentemente, no Brasil,
a historiografia tem vindo a desenvolver investigaes de maior vulto sobre o tema. O tratamento especfico
desta milenar instituio de origem islmica, que vigorou para alm do perodo de colonizao, encontra-se,
nomeadamente, nos trabalhos de Magnus Roberto de Mello Pereira, acerca de Portugal e suas colnias, de Norton
Frehse Nicolazzi Jr., em monografia sobre os almotacs de Curitiba, alm de duas teses de mestrado da maior
1
2
3
MATTOSO, Jos (dir.); HESPANHA, Antnio Manuel (coord.) - Histria de Portugal: o antigo regime (1620-1870). Lisboa: Estampa, 1998. vol. 4, p. 21.
HESPANHA, Antnio Manuel As vsperas do Leviathan: instituies e poder poltico: Portugal Sc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 353-354.
V.g. MARQUES, A. H. Oliveira - Histria de Portugal. vol. 1. Lisboa: Palas, 1974.
56
I
DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
valia: a de Danielle Regina Wobeto de Araujo, acerca da almotaaria em Curitiba e a importante tese mestrado de
Thiago Enes, sobre os almotacs de Minas Gerais.
Devido s suas origens, a almotaaria peninsular decerto encontrar pontos em comum relativamente a outras
instituies, suas congneres, de diversas zonas geogrficas do mundo rabe. Dada a economia da presente
publicao, um estudo comparativo desse jaez manifestamente excederia o mbito do atual artigo, do mesmo
modo que o transcenderia o cotejar de competncias e elementos da estrutura do cargo, entre Lisboa e outras
cidades. Atendendo ao carter indito da matria, por ora pretende-se sobretudo estabelecer e divulgar,
expositivamente, o enquadramento do ofcio de almotac em Lisboa, durante o sculo XVIII, no que se refere
s suas competncias, modos de acesso, prazo dos mandatos e renovao, alm das condies remuneratrias4.
As fontes utilizadas para esta investigao foram sobretudo provenientes do acervo do Arquivo da Cmara
Municipal de Lisboa, por consulta direta, mas tambm por via dos Elementos Para a Histria do Municpio
de Lisboa, que as colige em boa parte. No primeiro caso, para alm da seleo de documentos digitalizados
disponveis online, e da consulta in loco de outros manuscritos sumariados no stio do Arquivo (nomeadamente,
da Chancelaria Rgia de D. Pedro II, D. Joo V e D. Jos I) procedemos ao levantamento de toda a documentao
considerada til para o presente trabalho, nomeadamente, os livros de Assentos, de Cartas e de Ordens do
Senado e todos os de Consultas, Decretos, Avisos e Cartas respeitantes aos anos do reinado de D. Maria I - i.e.,
entre 1777 e 1800 inclusive. Para este perodo, o levantamento completo das fontes manuscritas tornou-se
necessrio uma vez que o final do ltimo tomo dos Elementos coincide com o comeo desse reinado, enquanto
para o perodo compreendido entre 1701 e 1777 foi valioso o recurso dita compilao que, conforme refere
o seu autor, no exaustiva:
(...) tentmos o trabalho de sumariar e agrupar, obedecendo a um determinado princpio, todos os documentos
importantes e curiosos que temos compulsado no precioso arquivo da cidade, e que at agora andavam muito
dispersos, facilitando assim o estudo para a histria do primeiro municpio do pas, e, porventura, da legislao ptria5.
A pesquisa realizada teve, pois, presente que os Elementos no contemplam toda a documentao entre 1701 e
1777, mas somente a que foi selecionada por Eduardo Freire de Oliveira, segundo o critrio enunciado. Tambm
a quantidade de informao documental disponibilizada no endereo http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/,
embora seja crescente, est ainda longe de abarcar todo o acervo do Arquivo Municipal de Lisboa. Da o recurso
complementar a outras fontes manuscritas originais, como os livros de Cartas, Informaes e Ordens do Senado.
4
Baseado nos dois primeiros captulos da dissertao de Mestrado em Histria Moderna e Contempornea com o ttulo Os Almotacs de Lisboa (sculo
XVIII), apresentada pelo autor no ISCTE-Instituto Universitrio de Lisboa. No seu mbito, mais vasto, a tese compreende um captulo que estabelece o perfil
social dos almotacs de Lisboa, ao que se junta uma lista com 648 nomes.
5
OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1885. tomo I, p. 363.
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Paulo da Costa Ferreira
No que se refere utilizao de estudos, a presente investigao apoia-se em diversos trabalhos historiogrficos
sobre o municipalismo em Portugal, as reformas pombalinas da administrao e do comrcio e a natureza dos
ofcios municipais, que constituem o ncleo central do estado da arte relativo ao tema, sem prejuzo da consulta
das obras de natureza mais especfica anteriormente apontadas. Para o efeito da sua recolha, a Biblioteca
Nacional foi o local mais visitado, sem prejuzo da utilizao das bibliotecas do Instituto de Cincias Sociais
(Universidade de Lisboa) e do ISCTE-Instituto Universitrio de Lisboa. Tambm a internet dispe de importantes
recursos acadmicos, quer da historiografia nacional quer brasileira, designadamente artigos publicados em
revistas cientficas, a que no deixei de recorrer.
Conforme foi referido, sendo uma instituio muito antiga a almotaaria fundava-se numa longa experincia,
conformadora da respetiva natureza. Para uma compreenso abrangente sobre a mesma torna-se, pois, necessria
a busca dos seus antecedentes histricos, perspetivando uma dinmica evolutiva.
A organizao das sociedades urbanas, ao estabelecer-se segundo determinado modelo tico tutelado por
uma autoridade, central ou local, procura conformar a teia de relaes em que indivduos e coletivo disputam
vantagens para si. O mercado, o construtivo e o sanitrio constituem as esferas de atuao tradicionalmente
sujeitas disciplina do municpio e correspondem ao campo de atuao da almotaaria, antiga instituio ibrica
a quem competia a regulao das trocas e da utilizao do espao pblico. O protagonista desta interveno
foi o almotac, oficial cujas caractersticas principais remontam de forma direta ao al muthasib da ocupao
muulmana que, por sua vez, as ter recebido do edil curul do imprio romano, o magistrado que tinha por misso
aprovisionar a urbe de cereais e fixar os seus preos de venda, bem como regular o trfico urbano, zelar pelo
abastecimento de gua, superintender na conservao e limpeza das ruas, alm de organizar os jogos pblicos,
assegurando o seu financiamento6. Agaranome era a designao para o seu homlogo bizantino.
Na cidade muulmana havia a Hisba, instituio urbana cuja jurisdio compreendia funes anlogas. (al)
Muthasib era o nome rabe para o titular da Hisba, da tendo passado forma portuguesa almotacel ou, mais
recentemente, almotac. As atribuies da Hisba acompanhariam a almotaaria crist ao longo dos seus sete
sculos de existncia.
Originariamente, os almotacs eram nomeados pelo rei, que destarte fazia chegar a sua influncia junto das
populaes, garantindo a centralizao do poder. Com a crescente autonomizao dos concelhos esta prerrogativa
viria a passar para os municpios. Em Lisboa, foi somente no reinado de D. Afonso IV que a almotaaria passou a
ser uma jurisdio do Senado da Cmara, ficando os almotacs integrados na estrutura municipal.
No sculo XV, as Ordenaes Afonsinas fariam reunir as anteriores disposies regimentais sobre almotaaria,
a mais antiga das quais consta de uma coleo de posturas e portarias do reino, datada dos sculos XIII e XIV.
Nesta fase, os oficiais ainda dirimiam os conflitos reportando-se tradio e ao costume, algo que iria mudar
FINER, S. E. - The history of government from the earliest times. New York: Oxford University Press, 1997. Vol. 1, p. 403-404.
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
com as Ordenaes Manuelinas (sculo XVI), quando a jurisdio dos almotacs passou a ser exercida tendo
por referncia os textos das posturas municipais. Apesar disso, as suas competncias mantiveram-se intactas,
no essencial, desde o perodo muulmano. E as Ordenaes Filipinas no alterariam este cenrio, porquanto se
limitaram a reproduzir o que j fora estabelecido anteriormente.
Para a generalidade dos concelhos valia o processo de eleio dos almotacs estabelecido em 1595 pelas
Ordenaes Filipinas (Livro 1, Titulo 67, 13), de acordo com a seguinte distribuio temporal: no primeiro
trimestre do ano o cargo era exercido pelos dois juzes do ano anterior no primeiro ms, os dois vereadores mais
antigos no segundo ms, e um vereador e o procurador no terceiro ms. Distintamente, nos concelhos com quatro
vereadores haveriam de servir no terceiro ms os outros dois vereadores, i.e., os mais recentes, e no quarto ms
serviria o procurador com outra pessoa eleita. Nos restantes meses do ano seriam eleitos nove pares de homens
bons do concelho. A capital do reino, porm, viria a conhecer alguns desvios no procedimento para a eleio dos
almotacs relativamente ao quadro legal previsto nas ordenaes.
Pelo alvar de 7 de fevereiro de 1548 D. Joo III ordenou que passassem a ser eleitos pela Cmara de Lisboa mais
dois almotacs, num total de quatro; este procedimento sofreu uma alterao com a governao filipina, quando
a eleio passou a ser feita pelos vice-reis, sob proposta do Senado (da Cmara)7. A prerrogativa da eleio dos
almotacs acabaria, no entanto, por ser devolvida edilidade, com a Restaurao, atravs da resoluo de D. Joo
IV de 21 de julho de 16468.
Na capital, o mandato dos almotacs das execues era de quatro meses, conforme se pode verificar na consulta
da Cmara a D. Joo IV, de 28 de maro de 16449. Atendendo ao crescimento da populao de Lisboa, seu filho
e sucessor D. Pedro II aumentaria o nmero de almotacs para oito, por via do regimento da Cmara de 5 de
setembro de 1671 (havendo considerao grandeza desta cidade)10 - um desenvolvimento que no iria vingar
porquanto entrada do sculo XVIII os almotacs empossados seriam apenas quatro (este nmero de referncia
manteve-se ao longo de todo o perodo setecentista e nem mesmo a diviso de Lisboa entre cidade ocidental e
cidade oriental, ocorrida entre 1717 e 1740, iria pr em causa a sua prevalncia11). Simultaneamente, estabeleciamse critrios de elevada seleo social para as pessoas a eleger (pessoas muito nobres [] ainda que tenham o
foro de fidalgos); tais requisitos, alis, haviam sido consagrados j no perodo filipino12. No obstante a sua
7
8
9
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 10 de Registo de Consultas de D. Maria I, f. 97 (Consulta sobre o provimento dos almotacs - 05/09/1800).
Ibidem.
Consulta da Cmara a el-rei em 23 de maro de 1645, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos...tomo IV, p. 539.
Alvar de 5 de setembro de 1671, em SOUSA, Jos Roberto Monteiro de Campos Coelho - Systema, ou Colleco dos Regimentos Reaes [Em linha]. Lisboa:
Oficina de Simo Tadeu Ferreira, 1785. tomo IV, p. 140 e segs. Disponvel na Internet: http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt.
10
Cfr.: AML, Livro 5 de Assentos do Senado Ocidental, 1717-1745 e Livro 6 de Assentos do Senado, 1729-1753. V. tb.: FERNANDES, Paulo Jorge Azevedo - As
Faces de Proteu. Elites Urbanas e o Poder Municipal em Lisboa de finais do Sculo XVIII a 1851. Lisboa: Cmara Municipal de Lisboa, 1999. p. 29-30.
11
12
Alvar de 5 de abril de 1618. In Colleco Chronologica da Legislao Portugueza - 1613-1619. SILVA, Jos Justino de Andrade e (comp. e anot.). Lisboa:
[s.n.], 1854. p. 279-280.
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Paulo da Costa Ferreira
condio privilegiada, os indivduos que fossem eleitos para o cargo de almotac das execues eram obrigados
a exerc-lo efetivamente, determinao esta que era acatada sem resistncia, porquanto o esquivar-se podia
significar a priso13. Ademais, a preferncia de que os almotacs em exerccio gozavam no acesso aos ofcios da
Cmara tornava o cargo apetecvel. Reagindo ao descuido com a observncia dos critrios de nomeao, o mesmo
D. Pedro II, por decreto de 9 de janeiro de 1675, veio exigir ao Senado que lhe fornecesse informao acerca da
qualidade das pessoas a eleger, tendo em muitos casos passado a ser ele prprio, o monarca, a nomear diretamente
os almotacs, ou a indicar as pessoas que se deveria investir no cargo14. Tal procedimento correspondia, alis,
singularidade do estatuto jurdico-administrativo do municpio de Lisboa, o nico na monarquia portuguesa
cujos vereadores no eram eleitos15.
As maiores dimenses da corte, ao nvel territorial e demogrfico, suscitaram o aparecimento de uma especialidade,
o almotac da limpeza, que se replicou em outras cidades grandes do reino. Segundo o historiador brasileiro
Jaime Larry Benchimol, a resoluo do Senado da Cmara de Salvador que instituiu a criao do dito ofcio nesta
cidade colonial teve como fundamento aquela mesma considerao: era muito conveniente que se fizessem
almotacs da limpeza a exemplo das cidades mais populosas de Portugal16. Em 4 de julho de 1509 D. Manuel I
nomeou Vasco do Couto, criado da rainha D. Leonor, como almotac da limpeza da cidade de Lisboa, de modo
a que houvesse a dois desses oficiais, repondo o cargo que havia extinguido sete anos antes17. Posteriormente
esse nmero foi aumentado, tendo passado de quatro para seis pelo alvar de 20 de novembro de 157718. As suas
principais funes, autonomizadas, consistiam em fiscalizar a limpeza das ruas e locais de venda, acompanhar
os bandos pblicos (que anunciavam os editais populao), assegurar a limpeza das obras e a remoo dos
lixos e entulhos. Neste sentido, podemos falar em almotaarias, no plural, porquanto para l da almotaaria
das execues propriamente dita, reguladora do mercado, havia uma outra, pertencente ao pelouro da limpeza.
Quer os almotacs das execues da limpeza, quer os das execues da almotaaria, detinham o poder de julgar,
nas casinhas da almotaaria, as acusaes e denncias que lhes eram trazidas pelos oficiais da cidade. O
peclio arrecadado nas multas aplicadas aos transgressores das posturas constitua a renda da almotaaria - das
execues, ou da limpeza - que muitas vezes era dada de arrendamento a um particular mediante licitao19.
13
Captulo da carta rgia de 21 de janeiro de 1606, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de ElementosTomo II, p. 154; e consulta da Cmara a el-rei em 28 de
maro de 1644, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo IV, p. 539-540.
14
AML, Livro 10 de Registo de Consultas de D. Maria I, f. 97 (Consulta sobre o provimento dos almotacs, 05/09/1800).
FERNANDES, Paulo Jorge - A Organizao Municipal de Lisboa. In OLIVEIRA, Csar [et al.] (org.) - Histria dos Municpios e do Poder Local: dos finais da
Idade Mdia Unio Europeia. Lisboa: Temas e Debates, 1996. p. 103-105.
15
16
BENCHIMOL, Jaime Larry - Pereira Passos: Um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1992 apud ENES, Thiago - De Como
Administrar Cidades e Governar Imprios: almotaaria portuguesa, os mineiros e o poder (1745 1808). Niteri: [s.n.], 2010. Dissertao de Mestrado em
Histria Social Moderna, apresentada Universidade Federal Fluminense. p. 52.
17
AML, Livro 1 de Provimento de Ofcios, doc. 122, f. 130-130v. (04/07/1509) e AML, Livro 1 de D. Manuel, doc. 91 (1502/05/16) respetivamente.
19
SOUSA, Joaquim Jos Caetano Pereira e - Almotac. Esboo de hum diccionario juridico, theoretico, e practico, remissivo s leis compiladas e extravagantes
[Em linha]. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1825. Tomo I. Disponvel na Internet: http://www.books.google.pt.
18
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
Tambm designados por juzes almotacs, os almotacs das execues da almotaaria conheciam das causas at
600 ris que pertencessem ao foro das suas atribuies, embora as sentenas que proferiam fossem suscetveis
de recurso para o Senado da Cmara. Esta tutela dos vereadores sobretudo os da almotaaria ou da limpeza,
consoante fosse o caso - acompanhava o mandato de um almotac desde a sua gnese, porquanto eram eles que
o elegiam e superintendiam na sua atividade por via da devassa anual que lhe tiravam (segundo a definio de
Eduardo Freire de Oliveira, Devassa era o ato jurdico pelo qual se inquiria do comportamento de qualquer
funcionrio, para saber se no desempenho do seu cargo ou ofcio observara inteiramente os seus deveres,
procedendo com honra, integridade e zelo20). Esta ao fiscalizadora abrangia tambm os almotacs da limpeza,
de acordo com o alvar rgio de 9 de abril de 157521.
Traado, por ora, um quadro caracterizador do ofcio de almotac nos seus contornos e antecedentes fundamentais
dar-se-, seguidamente, nota do papel regulador que esta magistratura urbana desempenhou na vida econmica
da cidade de Lisboa, tendo por referncia o sculo XVIII: o ltimo a ser percorrido, aps sete sculos de vigncia,
por uma instituio tpica que no iria sobreviver queda do Antigo Regime.
I. AS COMPETNCIAS
1. O mercado
A ameaa da ocorrncia de crises de subsistncia constituiu, desde sempre, um agente indutor de medidas
de regulao, fosse por via de uma suposta preocupao com o bem-estar das populaes, fosse pelo receio
de alteraes na ordem pblica, nomeadamente em economias caracterizadas por uma baixa produtividade
agrcola. No Portugal de setecentos variadas causas contribuam para a persistncia de um dfice cerealfero,
relevando Jos Vicente Serro, especificadamente, as condies edafo-climticas do territrio, pouco favorveis
para a agricultura, as condies tcnicas e socioeconmicas da produo, as ms condies de circulao
e as barreiras legais a essa circulao22. Ainda assim, no contexto da poca, Lisboa aparentava uma condio
excecional, privilegiada, no que se referia ao seu abastecimento, porquanto, ao invs de outras cidades do pas e
da Europa, a corte portuguesa no conheceu revoltas frumentrias de assinalar. Nuno Gonalo Monteiro encontra
na regulao dos mercados a explicao para esta singularidade23.
20
21
SERRO, Jos Vicente - O quadro econmico. In MATTOSO, Jos (dir.); HESPANHA, Antnio Manuel (coord.) - Histria de Portugal: o Antigo Regime (16201807). Lisboa: Editorial Estampa, 1994. vol. 4, p. 81-82.
22
23
MONTEIRO, Nuno Gonalo - Violncia urbana, mobilizao e domesticidade. In MATTOSO, Jos (org.); MONTEIRO, Nuno Gonalo (org.) - Histria da vida
privada em Portugal: a Idade Moderna. Maia: Crculo de Leitores; Temas e Debates, 2011. p. 413.
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Paulo da Costa Ferreira
Dos seis pelouros da vereao - Sade, Limpeza, Obras, Carnes, Terreiro do Trigo e Almotaaria -, este ltimo
concorreu terminantemente para a eficcia dessa ao reguladora, atravs da influncia direta que exerceu
sobre o funcionamento do mercado, quer fosse para assegurar o suprimento da cidade com os gneros de
que necessitava, quer fosse no sentido de conter o aumento dos preos resultante de eventuais movimentos
especulativos; era assim que, prevenindo-o, o Senado da Cmara determinava, aos almotacs das execues, que
no deixassem ir trigo algum para fora da cidade sem a licena deste tribunal24. Tambm por altura dos meados
do sculo XVIII, em Londres, a coberto de uma tradio de mercado que via nos aambarcadores de cereais
inimigos de Deus e dos homens, o lbi urbano exercia presses no sentido de serem abolidos os incentivos s
exportaes e, bem assim, impelia suspenso destas em pocas de escassez25.
Uma das circunstncias em que os almotacs de Lisboa habitualmente intervinham com o propsito de conter
a travessia de gneros (i.e., o aambarcamento e a monopolizao) era a chegada do carvo ao cais da Ribeira.
As posturas mandavam que o profcuo mineral fosse descarregado dos barcos apenas no dito cais e nunca
durante a noite, evitando-se assim o seu descaminho para as mos dos especuladores e o inerente prejuzo para o
abastecimento da cidade. Tambm nesse sentido era proibida a estiva feita com animais de carga que no fossem
os pertencentes aos mercadores responsveis pela importao em causa. Toda a operao era fiscalizada pelo
almotac, atravs de bilhetes e despachos de remessa26.
O cais da Ribeira era igualmente o cenrio onde o almotac cobrava os impostos devidos por ocasio do
desembarque das mercadorias27. Esta particularidade no permite apontar o almotac como um cobrador
de impostos qua tale, pois eram de outro tipo as funes que melhor servem para caracterizar o cargo - mas
reforam-lhe a versatilidade. Portanto, o grosso das receitas por si arrecadadas para o errio pblico provinha,
em geral, das multas que cobrava aos infratores das normas municipais.
Para assegurar o cumprimento das posturas, os almotacs saam diariamente em correio pelas ruas da cidade
e subrbios (fazendo-se excecionalmente acompanhar pelo zelador e pelo meirinho28) levando a incumbncia de
visitar todas as lojas, bem como as oficinas dos trabalhadores mecnicos (i.e., os artfices), a quem deviam solicitar
a exibio das licenas camarrias que no caso fossem exigveis, e proceder inspeo dos pesos e medidas29.
Tais correies iniciavam-se pelas seis horas da manh no horrio de vero (de 1 de abril a 30 de setembro) e a
24
25
26
27
28
29
62
THOMPSON, E. P. - A economia moral da multido na Inglaterra do sculo XVIII. Lisboa: Antgona, 2008. p. 52.
Decreto de 17 de julho de 1753, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XV, p. 441.
AML, Livro 3 de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 59 (23/12/1739).
AML, Livro 4 de Registo das Cartas do Senado Oriental, f. 15 (23/03/1715).
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
partir das sete da manh no de inverno (de 1 de outubro a 31 de maro), demorando at ao meio-dia. A parte da
tarde era destinada s audincias para julgar as infraes detetadas durante a manh e realizavam-se no perodo
que ia das duas da tarde at noite30. O giro dos almotacs era distribudo semanalmente a cada um dos quatro
em funes, comeando um a sua semana na casinha da Ribeira (junto feira da Ladra), outro na correio da
cidade (que inclua a correio do mar31), outro na casinha do Rossio (junto praa da Figueira) e, finalmente, o
quarto nos Aougues32; e rodavam entre eles33.
Ao longo de todo o sculo XVIII os almotacs no somente aplicaram multas como tambm exerceram o poder,
que detinham, de prender os transgressores para impor a ordem34. Esta prerrogativa conhecia, porm, um limite,
conforme estabelecido no texto do aviso de 15 de agosto de 1788: os "Almotacs no podem prender pessoas
privilegiadas, seno em flagrante delicto"; no obstante, daqui resultava a contrario sensu que os almotacs
podiam mandar prender essas pessoas, uma vez surpreendidas a transgredir35.
Na sua funo de sindicar o comrcio pertencia ainda aos almotacs fazer cumprir o tabelamento de preos
periodicamente fixados pela Cmara, segundo um regime de planeamento central do mercado que se fazia
sustentar em uma convico moral radicada na tradio. O primado da necessidade de provimento do povo de
Lisboa a sobrelevar aos interesses negociais de alguns apresentava-se como valor consensualmente aceite
na prtica administrativa. Achamo-lo refletido, por exemplo, na ordem de 26 de agosto de 1720, que determinou
que viessem os almotacs indicar a razo por que no obrigaram por termo aos arrais dos barcos que traziam a
palha para particulares que trouxessem outro barco com a dita palha para a fornecer tambm ao povo36. Assim,
enquanto em Londres e noutros pontos da Europa a economia moral dos pobres marcava a sua dominncia pela
via proto democrtica dos motins e da taxation populaire37, em Lisboa a almotaaria afirmava-se como pea
fundamental de uma cultura poltica em que os governantes se incumbiam de proteger os mais fracos propondose, atravs do tabelamento dos preos, assegurar o abastecimento da cidade e prevenir carestias, porquanto
estas podiam significar a fome38.
Consulta da Cmara a el-rei em 2 de dezembro de 1719, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XI, p. 373 e AML, Livro 2 de Registo de Cartas
e Ordens do Senado Oriental, f. 25 (28/06/1702).
30
31
32
33
34
Aviso de 15 de agosto de 1788 em TOMS, Manuel Fernandes - Repertrio geral ou ndice alphabetico das leis extravagantes do reino de Portugal [Em
linha]. Coimbra: Imprensa Real da Universidade de Coimbra, 1815. vol. 1, p. 45. Disponvel na Internet: http://www.books.google.pt.
35
36
37
THOMPSON, E. P. - A economia moral da multidop. 77-78. Sobre as formas e objetivos da regulamentao da atividade econmica desde a poca
medieval, cfr. HESPANHA, Antnio Manuel - Histria das instituies: pocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982. p. 192-195.
38
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Paulo da Costa Ferreira
No somente eram tabelados os preos dos gneros como, tambm, as remuneraes dos ofcios; por exemplo,
o aviso do Senado de 24 de julho de 1733 sujeitava o almotac das execues da casinha da Ribeira a fazer
observar, quer as taxas de remunerao para os ofcios de pedreiro e carpinteiro (o mximo de trezentos ris
por dia, segundo o assento de 2 de setembro daquele ano), quer o tabelamento dos preos dos materiais de
construo (cal, tijolo, telha)39.
Por essa altura, salvo casos excecionais40, todo o aspirante a exercer um ofcio era sujeito ao exame que o Senado
lhe fazia atravs dos juzes do ofcio respetivo41. Estes tinham igualmente a funo de fiscalizar a confeo dos
produtos, cabendo ao almotac de servio aplicar as penas que tivessem lugar por incumprimento de normas
regimentais da corporao em causa:
E os juzes [do ofcio de pasteleiro] tero [en]cargo de quinze em quinze dias visitar as tendas dos oficiais do dito
ofcio, e fazer correio com seu escrivo; e os pastis que acharem que no so feitos como devem, os tomaro e
levaro aos almotacs das execues para fazerem nisso o que for justia, e darem o castigo oficial, conforme a culpa
que lhe for achada42.
Alm do certificado de habilitao para a sua atividade, os artesos eram obrigados a exibir uma outra licena
que lhes permitia vender ao pblico os produtos de seu fabrico.
A fim de constiturem simultaneamente um instrumento de penalizao e uma fonte de receita para o errio
municipal o valor das coimas aplicadas pelos almotacs representava, geralmente, um sacrifcio com bastante
significado para a bolsa do homem mdio. Em 1741 um comerciante surpreendido a trabalhar sem licena vlida
era condenado na quantia de oito mil ris, ou seja, o equivalente a, por exemplo, mais de metade do salrio
auferido em Lisboa pelo cirurgio da sade43. Contudo, os almotacs gozavam de alguma discricionariedade na
determinao da medida da pena:
O suplicante Francisco de Sousa foi denunciado pelo zelador, e requerente das cidades, por se achar com casa pblica
de Taberna e Comestveis sem primeiro ter os papis correntes, nem ter pago ao Marco, como devia, e sendo esta a
verdade que o suplicante no nega; como Executor das posturas, e leis dos Senados, achei que o devia condenar em
oito mil ris, e o condenei s por quatro por me suplicar ser pobre ()44.
39
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41
42
Carta do escrivo da Cmara ao almotac da casinha da Ribeira, 30 de julho de 1733, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XII, p. 515-516.
Assim, por exemplo, os alugadores de seges, cfr. AML, Livro 7 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 84v. (08/08/1753).
Vd., por exemplo, a consulta da Cmara a el-rei em 9 de agosto de 1701, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo X, p. 84.
Consulta da Cmara a el-rei em 21 de junho de 1763, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XVI, p. 541.
Alvar rgio [de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de maro de 1754, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de
Elementostomo XV, p. 509.
43
44
64
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
Na medida em que as posturas determinavam regras na utilizao do espao destinado aos mercados de rua
as correies dos almotacs compreendiam a inspeo desses locais. Uma das suas incumbncias era fazer a
observar as proibies relativas atividade dos intermedirios, conforme eram ditadas pelo quadro mental
caracterstico dessa poca: De acordo com este modelo, a comercializao deveria ser direta (tanto quanto
possvel), do agricultor ao consumidor. Os agricultores deveriam trazer os seus cereais a granel at ao mercado
local; no deveriam vend-los no campo nem deveriam guard-los, na expetativa de que os preos subissem45.
A censura moral sobre a dupla venda com fins comerciais ganhava consagrao jurdica, nomeadamente, na
proibio de vender gneros alimentcios que tivessem sido comprados antes das nove horas da manh46; do
mesmo modo, ao proibir-se a presena de vendedores na praa da Figueira, assim de dia, como de noite,
excecionavam-se os lavradores e criadores que faziam a venda direta dos bens que produziam, com excluso de
todos os demais, que deviam ser conduzidos presena do almotac a fim de serem condenados - para que por
uma vez fique limpa a referida praa de semelhantes indivduos ()47. Ainda no mbito da vigilncia sobre estes
lugares de negcio, competia aos almotacs zelar pelo respeito da lei divina aplicando as penas correspondentes
a quem quer que exercesse o comrcio aos domingos e dias santos48. Outrossim, as limitaes podiam referir-se
aos gneros admitidos para venda:
(...) nenhuma pessoa poder vender em a feira da Ladra do stio da Ribeira, e seu limite, fatos novos e velhos usados,
nem outra alguma coisa que no for comestvel, ainda que para a dita venda tenha alcanado licenas do Senado
que por este h derrogadas; e toda a pessoa que continuar na dita venda, ser condenada na forma das posturas
estabelecidas contra as pessoas que sem licena vendem publicamente qualquer gnero49.
Alm da posse da(s) licena(s), uma outra exigncia burocrtica referia-se obrigao de exibir o bilhete com
o preo semanalmente fixado para o principal comestvel, o po, em todos os locais em que ele estivesse venda,
nomeadamente, tendas, tabernas e lugares de peo. Deste dever estavam isentas as saloias que vinham vender
o po cidade, ao abrigo de o fazerem em regime de avena50.
45
46
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48
49
50
51
Assento de vereao de 30 de julho de 1755, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XVI, p. 98.
AML, Livro 12 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 136v. (29/11/1783).
Consulta da Cmara a el-rei em 30 de outubro de 1750, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XV, p. 187 e segs.
65
I
Paulo da Costa Ferreira
pesos lhes parecessem reduzidos - e condenando os transgressores em caso afirmativo52 - como, igualmente, lhes
pertencia examinarem o peso dos produtos. Tratando-se da venda do po, a falta do peso tabelado semanalmente53
podia inclusive determinar a sua apreenso: (...) dois mil cento e vinte e nove pes que se lhe haviam apreendido
[a Francisco Vieira, padeiro] com o pretexto de falta de peso54. O mesmo cuidado era tido na correio dos
aougues, onde os almotacs verificavam a qualidade e condio das carnes e a fidelidade dos pesos na venda55.
Porquanto o zelo que aplicavam nas atividades inspetivas nem sempre correspondia s expetaes, a aluso
troca de favores entre almotacs e comerciantes ou oficiais mecnicos representava motivo de cuidado para
os responsveis camarrios. Com efeito, os padeiros dispunham de expedientes diversos para obterem lucros
indevidos na venda do seu produto, nomeadamente: peso deficitrio do po, adulterao, mistura de farinha
barata e em ms condies56. Todavia, na sua misso de defesa dos consumidores, os almotacs exerciam poderes
vinculados, no podendo deixar de assegurar a observncia dos cdigos de tica comercial sem arriscarem
punio:
Os almotacs das execues da almotaaria mandem notificar a todas as mulheres que vendem castanhas que as
no escolham, e todo o almotac que dissimular esta ordem ser castigado asperssimamente. E as mulheres que
no derem a execuo mesma ordem sero suspensas do tal exerccio e no entraro mais nas ditas ocupaes de
venderem castanhas. Esta ordem se registar, [etc.] Mesa, 20 de abril de 1704 [assinaturas]57.
No mbito do poder jurisdicional que exerciam nas casinhas da almotaaria, alm de julgarem as aes relativas
violao de posturas camarrias, interpostas pelo meirinho, pelo zelador ou pelo requerente da cidade, cabia
aos almotacs de Lisboa o arbtrio, em processo sumrio, sobre causas de dvidas at 600 ris58. Esse papel do
almotac como mediador de conflitos remonta s origens do cargo na Pennsula Ibrica, quando inclua entre as
suas competncias a resoluo dos diferendos que frequentemente surgiam entre os vizinhos proprietrios de
paredes meeiras, moradores em casas geminadas59. Com efeito, embora a ao reguladora dos almotacs ao nvel
do mercado fosse mais preponderante, ela estendia-se tambm ao construtivo e ao sanitrio - as outras duas
grandes agendas do viver urbano, segundo a classificao enunciada por Magnus Roberto de Melo Pereira60.
52
() condenar [o] na forma das posturas toda a pessoa que acharem com balanas e pesos sem serem aferidos, nesta cidade e termo. Cfr. AML, Livro
20 de Cartas, f. 105 (26/04/1743).
53
54
55
56
57
58
TORRES, Rui de Abreu Almotac. In SERRO, Joel (coord.) - Dicionrio de Histria de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1992. vol. 4, p. 121.
ENES, Thiago - De como administrar cidades e governar imprios: almotaaria portuguesa, os mineiros e o poder (17451808) [Em linha]. Niteri: [s.n.],
2010. p. 53. Dissertao de Mestrado em Histria Social Moderna, apresentada Universidade Federal Fluminense. Disponvel na Internet: http://www.
historia.uff.br/stricto/td/1294.pdf.
59
60
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello Almuthasib: consideraes sobre o direito de almotaaria nas cidades de Portugal e nas suas colnias. Revista
Brasileira de Histria. So Paulo: ANPUH. vol. XXI N42 (2001), p. 366.
66
I
DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
2. O construtivo
Acerca do construtivo na Lisboa setecentista, as competncias dos almotacs das execues incluam no somente
o controlo dos preos dos materiais de construo mas, tambm, assegurar as condies de fornecimento
necessrias para o desenrolar das obras pblicas61. Exemplo disso o terem recebido instrues do Senado,
em 7 de outubro de 1735, para mandar prover toda a lenha e tojo de que Apolinrio da Silva precisasse para a
sua incumbncia de mandar cozer o tijolo necessrio para as caladas62. Os almotacs podiam igualmente ser
chamados a acompanhar obras que fossem suscetveis de causar perturbao na ordem pblica. Assim sucedeu,
por exemplo, em novembro de 1757, quando o Senado ordenou a demolio das paredes que em resultado do
terramoto estivessem perigosas, dando indicao para que os almotacs integrassem as equipas que deveriam
acompanhar os vereadores nas ditas operaes63. Neste mbito, eram os almotacs do pelouro da limpeza quem
detinha competncia prpria para mandar demolir edificaes que oferecessem risco para a segurana das
pessoas: O almotac das execues da limpeza do bairro de Alfama faa logo apear uma parede das casas do
M.mo e Ex.mo Conde de Val de Reis, que est com evidente perigo e de o haver assim executado dar conta ao
Senado. Lisboa, dois de junho de 1758. [assinam]64.
Ademais, ao serem investidos na sua misso de zelar pelas condies do saneamento urbano, os almotacs da
limpeza fiscalizavam as obras, detendo o poder de as embargar:
Como se no pediu licena em razo dos entulhos que precisamente resultaram da dita obra (...) e nem me apresentam
licena do Sr. Desembargador vereador das obras; embarguei-a, de que se trata lhe dar conta a V. Senhoria, e para que
no suceda como j sucedeu no mesmo caso a meu antecessor que por no dar idntica conta foi compelido a tirar
sua custa entulhos. V. S.ia mandar o que for servido. Lisboa, 29 de janeiro de 1745. O almotac [da limpeza] do bairro
da Ribeira, Caetano Manuel de Barros65.
3. O sanitrio
At ordem do Senado de 25 de agosto de 174566, que lhes subtraiu essa competncia, aos almotacs da limpeza
pertenceu conceder licenas para se fazer obra, mais precisamente, atribuindo locais para vazadouros de
61
62
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64
65
66
Assento de vereao de 29 de novembro de 1757, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XVI, p. 341- 342.
AML, Livro 9 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 58 (02/06/1758).
AML, Livro 11 de Cartas e Ordens do Senado, f. 319 (29/01/1745).
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Paulo da Costa Ferreira
entulhos. Da que os almotacs tivessem instrues para prender os mestres pedreiros enquanto estes no
fizessem remover das ruas os tais detritos67. Os prprios almotacs da limpeza estavam sujeitos a serem suspensos
do seu exerccio, ou a terem de proceder remoo daqueles materiais a suas prprias expensas, quando lhes
faltasse a determinao exigvel para fazerem cumprir as ditas instrues e, podiam, at, ser mandados para a
priso, nos casos de maior gravidade68. Alm disso, asseguravam que a lama era atempadamente removida das
ruas de Lisboa para os vazadouros que fossem permitidos, nomeadamente, algumas praias especificadas (por
exemplo, as de S. Paulo e da Boavista), para dali ser carregada em barcas que a despejavam no mar69. Neste
sentido, o almotac das execues da limpeza do bairro da rua Nova, Joo Serqueira de Arajo, fez ao Senado
uma representao, em 3 de agosto de 1726, queixando-se da falta de vazadouros e de meios capazes de manter
o ritmo de transportes para uma remoo das lamas em tempo til:
(...) Agora represento a V. S.ia que suposto continuem as barcas com o referido expediente, nem por isso a corte
experimenta melhor limpeza, porque, havendo tanta dilao e mediando-se tanto tempo, como se d de mar a
mar, sem haver vazadouros certos, pararo no entanto as fbricas [i.e., os meios de limpeza], e ficaro as cidades
inabitveis70.
As ruas deveriam estar, tambm, desembaraadas de animais solta (nomeadamente, porcos que vagueassem
dispersos pela cidade) ou que estivessem mortos71. Quando se desse este caso, segundo o alvar de regimento
dos ordenados do Senado da Cmara, de 23 de maro de 1754, os almotacs da limpeza tinham o prazo de
duas horas para lanar fora qualquer animal que se achasse morto em rua que pertencesse ao bairro da sua
repartio72. E, bem assim, dirigida pelo Senado ao almotac Cludio Jos Antnio de Figueiredo, uma carta
datada de 20 de agosto de 1768 mantinha-lhe a obrigao de deitar fora da cidade, sua custa, os animais
mortos, sob pena de suspenso73.
Cfr. respetivamente: Licenas para se fazer obra - AML, Livro 3 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 60 (03/06/1737). Licenas para vazadouros AML, Livro 6 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 24v. (05/10/1727) Priso dos mestres pedreiros - AML, Recompilao de Posturas da Almotaaria
da Limpeza, ordem do Senado de f. 10 (Ordem do Senado de 19/01/1707).
67
68
Cfr. respetivamente: Suspenso do almotac AML, Recompilao de Posturas da Almotaaria da Limpeza, ordem do Senado de, f. 10(19/01/1707).
Remoo dos materiais a prprias expensas do almotac - AML, Livro 2 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, f. 52 (29/10/1703). Priso do
almotac - AML, Livro 4 de Registo das Cartas do Senado Oriental, f. 128v. (14/12/1720).
Cfr. respetivamente: Vazadouros em praias - AML, Livro 5 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, f. 53 (30/04/1735). Despejo no mar AML,
Livro 4 de Registo das Cartas do Senado Oriental, f. 46v. (11/01/1717).
69
70
Carta do escrivo do Senado da Cmara ao secretrio de estado Diogo de Mendona Corte Real, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XII,
p. 79 e 80.
71
73
Alvar rgio [de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de maro de 1754, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de
Elementostomo XV, p. 509.
72
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
Tambm para assegurar a limpeza das ruas, por uma proviso de D. Filipe II, os almotacs eram levados a
fazer correies noturnas pela cidade a fim de dissuadirem os habitantes de deitarem fora as imundcies pela
janela74 - medida que, aparentemente, no ter tido um sucesso por a alm75. Esta responsabilidade direta dos
almotacs pelo asseio da cidade preponderava sempre que a limpeza no estivesse entregue a um arrematador
(concessionrio); ento, a limpeza por administrao (e no por contrato) ficava ao cuidado dos almotacs,
que a faziam com recurso fbrica da Cmara, i.e., aos meios que o municpio disponibilizava para o efeito
(varredores, vassouras, ancinhos, bestas, etc.)76. O facto que o saneamento da cidade estava, normalmente, ao
encargo do contratador, pertencendo aos almotacs da limpeza vigiarem o cumprimento do respetivo contrato:
Estando as ruas imundas, o Senado ordena que cada um dos almotacs, na sua repartio, obrigue o contratador que
faa a limpeza, como obrigatrio, pelo que respeita extrao dos lixos, e, pelo que toca aos mais entulhos e calias,
procedam contra os donos das obras, tudo de sorte que em tempo breve fique a cidade com a limpeza e desembarao
com que deve estar77.
Neste sentido e semelhana dos almotacs da almotaaria, os da limpeza detinham um relevante meio de coao
para assegurar a observncia das posturas, qual fosse, o poder de mandar prender os prevaricadores78. De igual
modo, sentenciavam condenaes em pena de multa, para o que presidiam s respetivas audincias, nas salas
que o Senado destinava para o efeito79.
Um peculiar conflito de jurisdio entre almotacs das execues (da almotaaria) e almotacs (das execues)
da limpeza suscitou-se a propsito das precedncias no abastecimento de gua em barris. As ordens para a sua
disciplina emanaram, contraditria e simultaneamente, do almotac das execues da casinha da Esperana e
do almotac da limpeza do bairro da Boa Vista, tendo o Senado decidido a favor deste ltimo: Os almotacs
das execues se abstenham do conhecimento, e distribuio dos chafarizes pblicos, por ser prprio este
conhecimento dos almotacs da limpeza do distrito a quem est encarregada a sua administrao. E este despacho
se registe nas Casinhas. Mesa, 12 de setembro de 177680.
74
75
Sobre a desvantagem financeira de uma limpeza por administrao, cfr. consulta da Cmara a el- rei em 9 de julho de 1742, em OLIVEIRA, Eduardo Freire
de Elementostomo XIV, p. 64.
76
77
78
Ordem do Senado de 23 de outubro de 1752, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XV, p. 373.
AML, Livro 5 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, f. 47 (29/09/1734).
Cfr. respetivamente: Condenao em multa - AML, Recompilao de Posturas da Almotaaria da Limpeza, f. 25 e 26 ( Resoluo do Senado de 16/12/1779).
Salas de audincia - AML, Livro 12 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 30, 60-61 (08/08/1782).
79
80
69
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Paulo da Costa Ferreira
Na gesto dos chafarizes, os almotacs da limpeza preveniam a contaminao das respetivas guas (proibindo
o lanamento de detritos), bem como controlavam os aguadeiros acerca do porte de licena para o exerccio da
sua profisso para serem matriculados e se saber o nmero dos que ficam sujeitos a acudir aos incndios-,
podendo conceder a estes permisses especiais em casos justificados - por exemplo, autorizando os aguadeiros
a fazerem o transporte das vasilhas com o recurso trao animal81.
Tambm no comrcio os almotacs da limpeza eram chamados a fazerem-se presentes, pois lhes competia
mandar limpar os locais de venda por exemplo, a praa do peixe no Rossio, ou o aougue geral no Terreiro
do Pao82 - e assegurarem-se do asseio com que eram vendidos certos produtos - por exemplo, a carne para
os aougues83.
4. Atos de publicitao e procisses
De natureza distinta era a incumbncia que recaa sobre os almotacs da limpeza, como seu dever de ofcio,
de acompanharem as procisses em que participasse o Senado, nomeadamente, a procisso anual do Corpo de
Deus e, bem assim, os bandos pblicos que anunciavam as ordens ao povo84. A fim de assegurar o cumprimento
do seu dever, o regimento das remuneraes dos ofcios da Cmara, de 1754, no seu captulo VII, determinava a
obrigao dos almotacs da limpeza terem cavalo para acompanharem os bandos pblicos.
Finalmente, comum a todos os almotacs, os das execues e os da limpeza, era a publicao dos editais e dos
assentos da vereao, que lhes era ordenada segundo as frmulas rotineiras.
(...) E por este mandam aos almotacs das execues o faam publicar pelos lugares pblicos e costumados, para que
venha noticia de todos e no possam alegar ignorncia, e depois de publicado se registrar nos livros da almotaaria
para se dar sua devida execuo; e ao p da publicao vir certido de como se publicou, que se remeter ao
escrivo da cmara. De que se fez este assento, que eu, Jos Duarte Cardoso, o escrevi85.
Cfr. respetivamente: Prevenir a contaminao das guas - AML, Livro 12 de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 75v. (11/10/1782). Fiscalizar as
licenas dos aguadeiros - AML, Livro 14 de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 93v. (08/05/1789). Conceder autorizaes especiais - AML, Livro 15
de Registo de Ordens do Senado Ocidental, f. 43v. e 44 (22/11/1793).
81
82
Cfr. respetivamente: Limpeza do aougue do Terreiro do Pao - AML, Livro 5 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, f. 56 (02/06/1735).
Limpeza do mercado do Rossio AML, Livro 19 de cartas, f. 68 (20/06/1746).
83
85
Assento de vereao de 29 de novembro de 1726; em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XII, p. 110.
Cfr. respetivamente: Acompanhavam as procisses - Assento de vereao de 24 de julho de 1725, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo
XII, p. 53 e 54; Integravam os bandos pblicos - (jbilo) AML, Livro 13 de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 10v., 31, 78 e 225; (luto) AML, Livro 13
de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 135v. e (luto) AML, Livro 14 de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 81v.
84
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
Ou, ainda,
(...) que em demonstrao de alegria do feliz parto da princesa, nossa senhora, sero obrigados todos os moradores
desta cidade a pr luminrias trs noites (...). E, para que chegue notcia de todos e no possam alegar ignorncia, os
almotacs das execues da limpeza faro publicar este por toda a cidade, procedendo executivamente contra os que
faltarem sua devida observncia; e, com certido da sua publicao o remetero ao Senado. Lisboa, etc. Pedro
Correia Manuel de Aboim86.
A eleio obedecia a um processo sujeito a descrio, no s a fim de conter a polmica na seleo dos candidatos
mas, inclusive, para salvaguardar a possibilidade de se fazerem alteraes de ltima hora89, conhecendo-se at
um episdio, envolvendo a preterio do afilhado de um dos vereadores, em que a escolha foi posta em causa
mesmo aps consumada a votao90. Decerto, o favoritismo por determinado candidato podia condicionar o
arbtrio do Senado e era sobretudo ostensivo quando manifestado pelo rei, ou insinuado por outro membro da
famlia real91.
86
Mandado do Senado da Cmara de 28 de maro de 1767, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XVII, p. 130 e 131.
88
Consulta da Cmara a el-rei em 3 de junho de 1716, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XI, p. 130 e segs.
Cfr. respetivamente: Naturalidade Consulta da Cmara a el-rei em 3 de junho de 1716, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XI, p.
130 e segs. Idade Regimento da Cmara desta cidade de Lisboa, 1671, em SOUSA, Jos Roberto Monteiro de Campos Coelho - Systema, ou colleco dos
regimentos reaes [Em linha]. Lisboa: Oficina de Simo Tadeu Ferreira, 1785. tomo IV, p. 148. Disponvel na Internet: http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/
verlivro.php?id_parte=114&id_obra=74&pagina=173. Idoneidade e Nobreza Consulta da Cmara a el-rei em 3 de junho de 1716, em OLIVEIRA, Eduardo
Freire de Elementostomo XI, p. 130 e segs.
87
89
Aviso do secretrio de estado Sebastio Jos de Carvalho e Melo ao vereador Gaspar Ferreira Aranha, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos
tomo XVI, p. 392.
90
91
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Paulo da Costa Ferreira
Porquanto a falta de pessoas desimpedidas e elegveis para o cargo justificava, muitas vezes, a permanncia
dos que j tivessem dado provas de zelo e competncia, a renovao dos mandatos era frequente. Sobretudo na
fase do declnio, como foi o final de setecentos - mas tambm em dcadas mais recuadas -, verificaram-se casos,
anmalos, de recondues dilatadas - por mais um ano, nomeadamente92. Segundo a consulta de 5 de setembro
de 1800, sobre o provimento dos almotacs, as sucessivas renovaes dos mandatos, ocorridas nesse final de
sculo, levaram a que alguns tivessem exercido o cargo por mais de cinco anos93.
A posse dos almotacs fazia-se mediante a prestao de um juramento, conforme resulta dos diversos assentos
do Senado, em frmula que se foi mantendo praticamente intacta e que mudava apenas quanto a incluir, ou no,
a referncia ao prazo do mandato que, invariavelmente, era de quatro meses:
Aos oito dias do ms de janeiro de mil setecentos e cinquenta e nove anos, nesta cidade de Lisboa e Senado da Cmara,
foi dada posse a Paulo de Sousa Ferreira, a Faustino Jos da Costa, a Manuel Rodrigues Pedreira e a Miguel Alves da
Silva, aos quais foi dado juramento pelo desembargador Gaspar Ferreira Aranha, presidente do Senado, para servirem
de almotacs das execues os quatro meses, que principiaram no primeiro de janeiro do presente ano e prometeram
fazer verdade, e cumprirem as ordens do mesmo Senado, de que fiz este termo que assinaram, e eu Caetano Jos da
Costa o escrevi. [assinam]94.
Embora o cargo de almotac das execues no fosse remunerado, o seu titular auferia uma ajuda de custo
- a modesta quantia de trs mil e duzentos ris mensais. Alm disso, recebia o emolumento devido por cada
condenao (um vintm, quando a causa era verbal, trs, se fosse por escrito, e meio vintm por cada coima)95.
Diversamente do que tinha lugar com os zeladores da almotaaria, os almotacs no ganhavam qualquer
percentagem sobre as multas que aplicavam. As prerrogativas do cargo eram, antes, sociais, traduzindo-se em
prestgio e alguns privilgios. Neste sentido, associada condio de almotac estava, como seu pressuposto, o
foro de cidado, privilgio que era transmissvel mortis causa para os filhos, netos e sucessivos descendentes
do agraciado. Previamente ao juramento que prestavam, os almotacs eleitos inscreviam-se na irmandade
dos cidados de Santo Antnio, onde pagavam um tributo em cera, cuja certido tinham obrigatoriamente de
92
Cfr. respetivamente: Aviso de 26 de janeiro de 1753, mencionado em AML, Livro 10 de Registo de Consultas de D. Maria I, f. 97 (05/09/1800). AML, Livro
de Consultas de D. Maria I do ano de 1794, f. 352 (27/11/1794).
93
94
Alvar rgio [de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de maro de 1754, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de
Elementostomo XV, p. 509.
95
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DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
apresentar para que pudessem tomar posse96. Essencial condio de titular do foro era a disponibilidade para
exercer o servio pblico, comummente no cargo de almotac das execues. O outro principal dever que lhes
resultava do estatuto de cidado era o de acompanharem as procisses em representao da cidade, quando para
tal fossem nomeados pelo Senado.
Como bvio, nem tudo eram deveres para os cidados. A apetncia pelo respetivo foro e os privilgios que
tradicionalmente o acompanhavam suscitariam em Eduardo Freire de Oliveira um aucarado comentrio:
Esta to ambicionada aristocracia popular, de valiosssima importncia, pois elevava os que nela eram investidos e os
seus descendentes ao alto grau de nobreza que possua os infanes de Portugal, isto , os filhos dos filhos segundos
dos reis, e outorgava-lhe privilgios, liberdades e isenes inteiramente iguais aos que estes desfrutavam97.
Elemento comum a ambas as condies, de cidado e de almotac, era o uso de uma vara como marca visvel de
estatuto social, quer nas funes pblicas, quando integravam os squitos das procisses100, quer nos bandos
destinados a anunciar os eventos pblicos, assim distinguindo os almotacs da limpeza, seus portadores101.
Bem assim, porquanto era prprio dos juzes usarem uma vara como smbolo do seu poder jurisdicional (de cor
vermelha, os juzes municipais; branca, os vereadores e os juzes de fora)102, tambm os almotacs, como titulares
96
Cfr. respetivamente: Dever de inscrio na irmandade de Santo Antnio - Termos de 5 e de 9 de novembro de 1742, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de
Elementostomo XIV, p. 113. Tributo em cera - Assento de vereao de 10 de julho de 1730, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XII, p. 336.
97
98
Cfr. respetivamente: Decreto de 2 de maio de 1656, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo V, p. 550. Consulta da Cmara a el-rei em 27 de
abril de 1712 e resoluo de 4 de maio de 1712, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XI, p. 8.
99
30 de novembro de 1742 Carta do escrivo do Senado da Cmara, Manuel Rebello Ralhares, a Manuel Clemente, empregado da mesma Cmara, em
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XIV, p. 114-115.
100
101
ANDRADE, Ferreira de - Trs touradas no Terreiro do Pao em 1777. Separata da Revista Municipal. Lisboa: Cmara Municipal. N 30-31 (1947). p. 14.
Cfr. respetivamente: Vara dos Vereadores - SANTOS, Noronha - Crnicas da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Padro, 1981. vol. 1, p. 244245, apud GOUVEIA, Maria de Ftima Silva - Redes de poder na Amrica Portuguesa: O caso dos homens bons do Rio de Janeiro, ca. 1790-1822. Revista
Brasileira de Histria [Em linha]. Rio de Janeiro: [s.n.]. vol. 18 N 36 (1998). Disponvel na Internet: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010201881998000200013&script=sci_arttext#41not. Vara dos Juzes - SILVA, Francisco Ribeiro da - Instituies municipais no intercmbio com o Brasil:
expresso e reproduo de identidade. Estudos de homenagem ao Professor Doutor Jos Marques. Porto: FLUP, 2006. vol. 2, p. 103.
102
73
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Paulo da Costa Ferreira
de uma magistratura, empunhavam uma vara, de cor vermelha103, durante as audincias a que presidiam104.
Efetivamente, eles surgem por vezes designados como juzes de executorias ou juzes almotacs105.
No sentido de tutelar a dignidade devida ao cargo, o Senado da Cmara vigiava por uma efetiva normalizao da
imagem dos almotacs e pela disciplina das audincias a que presidiam. Nomeadamente, afirmava a necessidade
da observncia do uso do traje oficial, porquanto a informalidade nesta matria era considerada desrespeitosa
para com a funo106. Vara, chapu e cabeleira, capa e volta, constituam a indumentria que envergavam os
almotacs de Lisboa. Presumivelmente, alguns adereos usados em outras cidades do reino estariam tambm
includos: cales pretos, meias e coletes da mesma cor, chapus de abas, sapatos de fivela e capas ricamente
guarnecidas107. Com o mesmo objetivo de defender a respeitabilidade do juzo da almotaaria, o Senado prescrevia
normas reguladoras do funcionamento das audincias que tinham lugar nas casinhas; ora interditando a
presena de curiosos108, ora acautelando a atmosfera solene com que deveriam decorrer os trabalhos109.
Uma carta datada de 20 de fevereiro de 1779 fornece a descrio das duas casas da almotaaria do Rossio, sendo
uma para inquiries das testemunhas, outra para os mesteres ou almotacs: sem grades de ferro e sem vidraas
nas janelas, as paredes adornadas com um lambril de dois palmos de azulejo do ordinrio; as madeiras, retiradas
da festa da praa de touros e, no teto, apenas as armas da cidade pintadas110.
"(...) uma vara vermelha na mo, insgnia por Vossa Magestade conferida aos almotacs, (); cfr. Consulta da Cmara a el-rei em 6 de setembro de 1745,
em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XIV, f. 449 a 450.
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108
109
110
Consulta da Cmara a el-rei em 6 de setembro de 1745, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementostomo XIV, f. 449 a 450.
Ordenaes Filipinas. ALMEIDA, Cndido Mendes de (org.). Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1985. Livro 1, Ttulo LXVIII, p. 157, nota 2.
AML, Livro 6 de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 198v. (18/07/1749).
SANTOS, Noronha - Crnicas da cidade do Rio de Janeirop. 243.
AML, Livro 1 para a Casa da Almotaaria 1705, [s. d.] f. 37.
AML, Livro 14 de Registo de Cartas do Senado Ocidental, f. 91v. (21/04/1789). O nmero de seis almotacs da limpeza decorre igualmente do Alvar rgio
[de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de maro de 1754, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos
tomo XV, p. 510.
111
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I
DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
As suas audincias eram realizadas s semanas, na casinha destinada para o efeito (por exemplo, em 1781
funcionavam na do Rossio112), devendo comear pelo mais antigo de entre eles e alternar sucessivamente, de
acordo com esse critrio113. Os trabalhos decorriam segundo a mesma disciplina e indumentria estabelecidas
para os almotacs (das execues) da almotaaria114, e tinham lugar da parte da tarde115.
O estatuto destes almotacs era, no entanto, inferior ao dos seus congneres almotacs das execues. Efetivamente,
a idade moderna recebeu do mundo medieval a conceo do ofcio pblico como manifestao da fidelidade
pessoal dos vassalos para com o seu soberano e da confiana deste para com aqueles. Em tributo de uma tal
atitude, era a honra do cargo que justificava a remunerao, mais do que a contrapartida do trabalho prestado, e o
afastamento relativamente a esse paradigma correspondia a uma descida na hierarquia social, consoante a ideia
de salrio tomava o lugar da pertinentia honoris. Honra e salrio correspondiam, respetivamente, distino entre
ofcios honorrios (i.e., no remunerados) e ofcios mercenrios (que eram pagos) sendo, os primeiros, entregues
com elevado grau de discricionariedade a pessoas de reconhecida hegemonia social natural, nomeadamente,
os funcionrios locais eleitos (por exemplo, os juzes ordinrios), enquanto os ltimos eram desempenhados
servilmente pelos que estavam incumbidos de executar tarefas especificadas, designadamente, os oficiais de
nomeao rgia (por exemplo os escrives), ainda que no se confundindo com os ofcios mecnicos (manuais).
Este tipo de diferena social desirmanava o cargo de almotac das execues (da almotaaria) relativamente ao
ofcio de almotac (das execues) da limpeza e, de facto, embora para ambos a nobreza fosse requerida (mas
no a de sangue), os almotacs das execues tinham maior graduao que os seus congneres da limpeza116.
Assim, atendendo natureza honorria do seu cargo, os almotacs das execues auferiam uma mera ajuda de
custo (de trs mil e duzentos ris por ms), ao passo que os da limpeza, de condio ligeiramente inferior - algo
mercenria -, recebiam um salrio de cento e vinte mil ris mensais117.
Convm notar que a conceo patrimonial dos ofcios incidia apenas sobre os almotacs da limpeza, cujo ofcio
tinha carter vitalcio e podia ser transmitido de pai para filho (salvo casos especiais em que fosse exercido
por um serventurio, nomeado temporariamente)118. Assim, distintamente do que sucedia com os almotacs
112
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Cfr. respetivamente: Nobreza dos almotacs da limpeza Consulta da Cmara a el-rei em 6 de julho de 1754, em OLIVEIRA, Eduardo Freire de
Elementostomo XV, p. 559. Os almotacs das execues eram de maior graduao Consulta da Cmara a el-rei em 29 de outubro de 1717, em OLIVEIRA,
Eduardo Freire de Elementostomo XI, p. 239.
116
Alvar rgio [de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de maro de 1754, em OLIVEIRA, Eduardo Freire
de Elementostomo XV, p. 510.
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I
Paulo da Costa Ferreira
das execues, so vrios os casos documentados de transmisso hereditria no que se refere aos almotacs
da limpeza119. de referir que em determinadas situaes - designadamente, a avanada idade do almotac da
limpeza - e mediante a aprovao rgia, a transmisso da propriedade do ofcio podia dar-se ainda em vida do
proprietrio120.
Uma outra caracterstica que diferenciava o ofcio da limpeza relativamente ao cargo das execues era a sua
venalidade. Sucedendo que o respetivo proprietrio falecesse sem deixar descendentes o ofcio vagava, sendo,
normalmente, vendido pela Cmara em hasta pblica (ao passo que no h registo de qualquer caso de venda do
cargo de almotac das execues)121. Podia, ainda, acontecer a transmisso quando, a ttulo de remunerao de
servios, o rei entendesse por bem fazer merc da propriedade do ofcio em certa pessoa122.
Em suma, o cargo de almotac das execues era eletivo, temporrio e no patrimonializado, enquanto o ofcio de
almotac da limpeza tinha outra origem (merc rgia, compra, sucesso hereditria), era vitalcio, patrimonializado
e o seu exerccio podia, em determinados casos, ser delegado em um serventurio123. Note se que a distino entre
estes dois termos, cargo e ofcio, no corresponde a uma diferenciao terminolgica usualmente empregue
na poca, pois era frequente a referncia ao cargo de almotac das execues como um ofcio. Atravs dela
pretende-se responder to-somente a uma necessidade terica de sistematizao conceptual, tendo em vista o
melhor confronto entre as duas categorias de almotacs.
Concluindo
Servidor do municpio, figura hbrida entre o magistrado e o polcia, o almotac de Lisboa subordinava a sua
atuao finalidade ltima de garantir a satisfao de duas necessidades bsicas dos habitantes da cidade: o
abastecimento com gneros alimentcios e o saneamento urbano. A defesa do povo oferecia-se como o principal
critrio axiomtico do seu desempenho, ao menos de um ponto de vista formal, materializando-se no policiamento
do comrcio, na tutela sobre a limpeza das ruas e, em alguns casos, na disciplina da atividade construtiva.
Porquanto as suas competncias eram especficas e exercidas a tempo inteiro, o policiamento que fazia era
singular: distinguia-se, por exemplo, das tarefas de fiscalizao da vida econmica que, nomeadamente, os
magistrados locais das vilas e cidades inglesas eram pontualmente incumbidos de efetuar. A proximidade com
119
120
AML, Livro 5 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Oriental, consulta sobre a venda do ofcio de almotac da Limpeza do bairro de Alfama, f.
451 a 453 (04/05/1714 - 14/05/1714).
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76
HESPANHA, Antnio Manuel - Histria das Instituies. poca Medieval e Moderna. Coimbra: Almedina, 1982. p. 384-403.
I
DO OFCIO DE ALMOTAC NA CIDADE DE LISBOA (SCULO XVIII)
que, junto das suas populaes, os almotacs faziam observar o cumprimento das posturas camarrias permitenos reconhecer-lhes um protagonismo assinalvel na defesa dos valores tradicionais da economia. Este, sempre
dever ser considerado na interpretao das razes por que na corte portuguesa no ocorreram os motins de
subsistncias verificados em outras cidades europeias, no mesmo perodo setecentista. Uma tal proximidade
que nos leva a conhecer de perto os comportamentos, hbitos e mentalidade de Antigo Regime, conduz-nos
prpria matriz da identidade cultural portuguesa. Liberta dos atvicos constrangimentos de outrora que lhe
faziam denegar a herana muulmana, a historiografia atual no est, contudo, imune ao surgimento de outros
afloramentos de preconceito que, eventualmente, possam resultar de novas formas de entender a portugalidade,
num hiato temporal presente em que a predominncia da componente catlica, dessa noo identitria, vai
cedendo lugar para a ideia de pertena a um espao nico europeu. Por isso, o estudo de antigas instituies
administrativas de origem rabe, alm de proporcionar o reencontro com valiosos elementos da identidade
cultural portuguesa, presta-se a oferecer um contributo oportuno para o reatar de velhas ligaes com o mundo.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Arquivo Municipal de Lisboa
Livro 5 de Assentos do Senado Ocidental
Livro 6 de Assentos do Senado
Livro 8 de Assentos do Senado
Livro 16 de Cartas
Livro 17 de Cartas
Livro 19 de Cartas
Livro 20 de Cartas
Livro 11 de Cartas e Ordens do Senado
Livro 1 para a Casa da Almotaaria
Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Maria I
Livro 10 de Consultas e Decretos de D. Maria I
Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Ocidental
Livro 5 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Oriental
Livro 11 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Ocidental
Livro 3 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I
Livro 17 de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I
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Paulo da Costa Ferreira
Livro 1 de D. Manuel
Livro 3 de Ordens, Taxas e Posturas da Cidade
Livro 1 de Provimento de Ofcios
Livro de Recompilao de Posturas da Almotaaria da Limpeza
Livro 2 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 3 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 6 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 9 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 12 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 13 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 14 de Registo de Cartas do Senado Ocidental
Livro 1 de Registo das Cartas do Senado Oriental
Livro 2 de Registo das Cartas do Senado Oriental
Livro 4 de Registo das Cartas do Senado Oriental
Livro 2 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental
Livro 3 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental
Livro 5 de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental
Livro 8 de Registo de Consultas de D. Maria I
Livro 10 de Registo de Consultas de D. Maria I
Livro 2 de Registo das Ordens do Senado Ocidental
Livro 3 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 5 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 6 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 7 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 8 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 9 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 11 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 12 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 14 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 15 de Registo de Ordens do Senado Ocidental
Livro 1 de Taxas e Ordens do Senado
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82
submisso/submission: 21/01/2014
aceitao/approval: 22/04/2014
RESUMO
feita uma descrio da rede de canos de Lisboa, anterior ao grande Terramoto de 1755, integrando-a no sistema
de prticas correntes, na altura, para a sua explorao. salientada a dificuldade do poder real e local de melhorar
a situao, preocupada em alterar procedimentos, motivada pela conscincia crescente que as epidemias se
expandiam devido s ms condies sanitrias da cidade.
PALAVRAS-CHAVE
Canos / Rede de esgotos / Drenagem / Histria do saneamento urbano / Histria da sade pblica
ABSTRACT
A description of the sewerage of Lisbon before the 1755 Great Earthquake is presented, referring the practices
for the operation of the network at that time. It is emphasized the difficulty of the royal power to improve the
situation despite the knowledge that epidemics were expanded due to the poor sanitary conditions of the city.
*Engenheiro pelo Instituto Superior Tcnico (IST). Exerceu, ao longo de 43 anos, atividade profissional no Departamento de Matemticas do IST, na Junta
de Energia Nuclear, nos Estaleiros Navais de Setbal (SETENAVE) e no grupo Companhia Unio Fabril-QUIMIGAL. Concebeu e implementou o processo de
acreditao de cursos de Engenharia promovido pela Ordem dos Engenheiros (OE). membro Conselheiro da OE e scio do Grupo Amigos de Lisboa (GAL).
A partir de 2009 tem-se dedicado histria de Lisboa, tendo publicado alguns trabalhos. Correio eletrnico: [email protected].
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 85 - 105
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I
Antnio Augusto Salgado de Barros
KEYWORDS
Sewage pipes / Sewerage / Drainage / History of urban sanitation / Public health history
1 INTRODUO
O desconforto que se vivia na Lisboa antiga resultante do lixo acumulado nas ruas e da carga poluente
introduzida pelos animais domsticos que vagueavam, sem conteno, pelo espao urbano, era ainda agravado
pela insuficincia da rede de drenagem que no conseguia evitar o alagamento de algumas zonas da cidade aps
grandes chuvadas.
O saneamento urbano passou a constituir motivo de maior preocupao, sobretudo a partir dos fins do sculo XV,
ao pretender-se dar a Lisboa uma imagem europeia e moderna de uma verdadeira capital de Imprio. A par desta
pretenso passou a haver, da parte dos monarcas, a suspeio que a propagao das pestes poderia ser favorecida
pelas ms condies sanitrias da urbe e, nesse sentido, comeou a ser investido um capital importante nesta
rea em meios humanos e recursos financeiros. D. Joo II, durante a propagao de uma peste, em 1486, dirigira
uma carta Cmara onde recomendava Que sse deue fazer por alguas Ruas prinipaaes canos mui grandes, e
por as outras ruas outros mais pequenos, que vao teer a elles; e de cada casa cano q vaa teer aos ssobre ditos,
por onde possam deytar suas agoas ujas e vir a eles1.
Em 1552, no reinado de D. Joo III, os meios afetos ao saneamento da cidade eram muito relevantes. Joo Brando
refere a existncia de 4 homens que andam com suas carretas pela cidade limpando da lama e demais sujidades2;
refere, ainda, a existncia de mais 20 homens que andam pela praia, ao longo dela, a lavar a terra3, mais 2
homens andam pela cidade apanhando alva (excremento) de co4. Quanto a mulheres, refere 1000 negras
que andam pela cidade com canastra (calhandreiras), limpando a cidade5. Estas ltimas prestavam servio a
particulares, enquanto os restantes estavam ao servio da cidade.
1
2
3
4
5
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 463.
BRANDO, Joo - Grandeza e abastana de Lisboa em 1552. Lisboa: Livros Horizonte, 1990. p. 203.
Idem, p. 200.
Idem, p. 198.
Idem, p. 213.
86
I
OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
O combate pela melhoria do ambiente citadino foi persistente, e ainda, em 17236, por ocasio da propagao de
uma epidemia de febres graves, D. Joo V manifestou o seu desagrado pelo
grande descuido na limpeza das ruas das cidades, sendo esta matria tanto da sua obrigao e to importante
sade pblica; e servido que logo, sem dilatao alguma, todas as ruas, becos e alfurjas e limpem das immundicias
que tem e se mandem despejar alguns armazens e tendas de queijos podres, de carnes, peixe, e principalmente de
bacalhau corrupto.
Em 17387, numa consulta da Cmara a El-Rei, feita uma anlise financeira dos custos da limpeza da cidade em
6 bairros (Ribeira, Rossio, rua Nova, Alfama, Bairro Alto e Mouraria), representando um total de 142 bestas e 33
vassouras (142 carroas e 33 varredores), o que mostra a dimenso dos meios envolvidos e a necessidade de
haver um controlo apertado dos gastos nesta atividade.
Algumas zonas da cidade, mais sensveis, prximas do antigo esteiro do Tejo, sem adequado sistema de drenagem
(so histricos os problemas causados por grandes chuvadas no Rossio e atual praa da Figueira8), constituram,
durante sculos, uma grande dor de cabea quer para o monarca quer para o poder local.
O esteiro do Tejo, que existiu na parte baixa da cidade nos tempos pr-histricos, deixou alguns vestgios, mesmo
depois da poca medieval, e nele confluam duas linhas de gua, uma que vinha dos lados de Arroios e outra dos
lados do Andaluz.
Este esteiro sobreviveu, embora com uma dimenso muito limitada, como canal de Flandres, e implantavase perto da calada de So Francisco seguindo pelo sop do Monte Fragoso (atual Monte de So Francisco) e
continuava pela atual rua do Crucifixo (antiga rua dos Fornos) at ao Rossio9.
Antes do Terramoto existia um beco do canal de Flandres10 que constitua um testemunho da sua existncia passada.
A referncia a este esteiro importante uma vez que a drenagem urbana no s se fazia pelas condutas e caleiras
destinadas ao efeito como, nas zonas onde no havia acesso a estas infraestruturas, o solo criava estruturas
erosivas de formao natural11, cuja contribuio para o escoamento de guas era muito relevante; sendo a
6
7
8
9
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 493.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIII, p. 334.
QUINTELA, Antnio de Carvalho Trabalhos de hidrulica antiga. Lisboa: EPAL, 2009. p. 171.
CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1935. vol. I, p. 275.
10
SILVA, Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, estampa I.
SILVA, Rodrigo Banha da A ocupao da idade do bronze final da Praa da Figueira (Lisboa): novos e velhos dados sobre os antecedentes da cidade de
Lisboa. Cira Arqueologia. N 2 (setembro de 2013), p.46.
11
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Antnio Augusto Salgado de Barros
zona da Baixa uma zona plana, onde o escoamento superficial se fazia com dificuldade, a infiltrao das guas no
solo favoreciam a criao daquelas estruturas de formao natural.
O assoreamento deste esteiro permitiu o crescimento da cidade para ocidente, tendo os edifcios nele implantados
mostrado uma grande instabilidade estrutural perante os fenmenos ssmicos, como se verificou em 1755.
Alguns trabalhos geolgicos tm sido realizados nessa rea12, trabalhos que muito podero contribuir para o
conhecimento da expanso da cidade de Lisboa.
Dada a importncia que o saneamento urbano foi adquirindo com os tempos, estabelecemos como objetivo deste
nosso trabalho dar a conhecer o sistema de drenagem de Lisboa no perodo que antecede o terramoto e retratar,
embora muito sumariamente, a importncia que aquele problema assumiu no relacionamento entre o poder
camarrio, o poder real e o cidado, evidenciando algumas das regras e entendimentos que presidiam utilizao
e manuteno dos canos da cidade.
2 O SANEAMENTO DA CIDADE
2.1 Os problemas da drenagem dos canos
As cidades sempre tiveram duas preocupaes importantes que muito interferiam com a qualidade de vida
dos habitantes locais: o abastecimento de gua potvel e o encaminhamento dos rejeitados slidos e lquidos
resultantes da realizao das atividades domsticas e artesanais das populaes.
Como o encaminhamento de rejeitados slidos tambm era feito nos regos de drenagem pluvial para serem
arrastados por altura de grandes chuvadas e, como at ao sculo XV, a limpeza das vias pblicas era pouco eficaz,
as chuvas abundantes conduziam, frequentemente, a zonas alagadas, devido obstruo da rede de drenagem.
A construo de esgotos representou uma evoluo significativa nos meios de proteo do ambiente urbano e
os sistemas de saneamento assumiram progressivamente uma maior relevncia e mereceram, a partir do sculo
XVI, uma preocupao frequente dos governantes, pois cresceu a conscincia que a ausncia de um sistema de
saneamento eficaz era o principal responsvel pela propagao de epidemias devastadoras.
A drenagem, quer de efluentes domsticos quer das guas pluviais, obrigou criao de uma rede que foi sendo
melhorada atravs da construo de canais de esgoto13 cujos encargos de limpeza eram distribudos pelos
12
ALMEIDA, I. M. [et al.] Holocene paleoenvironmental evolution of the Lisbon downtown area as recorded in the esteiro da Baixa sediments: first results.
Journal of Coastal Research. Special Issue 56 (2009). Proceedings of the International Coastal Symposium 2009.
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro dos pregos, f. 333-335 e Livro dos canos antigos da cidade, f. 12-17 v. Transcrito por OLIVEIRA, Eduardo Freire
de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 549 e 553.
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OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
utilizadores e pela cidade. Alguns destes canos utilizavam as linhas de gua naturais que desaguavam no rio Tejo,
que arrastavam ao longo do seu percurso rejeitados slidos e lquidos e se situavam sobretudo nas encostas e no
sop das colinas, aproveitando a inclinao natural do terreno para facilitar o escoamento.
Os canos que tinham uma utilizao coletiva, nomeadamente pelo papel que assumiam no escoamento das
guas pluviais em alturas de cheia, tinham a manuteno assegurada pela cidade. Aqueles, porm, que eram de
utilizao exclusiva de particulares, eram mantidos pelos seus utilizadores. de assinalar que os poos tinham
um cano associado que permitia o escoamento das guas que pudessem acumular-se junto deles.
Para fazer cumprir as normas estabelecidas existiram, em Lisboa, posturas14 que definiam as responsabilidades
de manuteno destas infraestruturas15.
2.2 - A rede de canos
O centro histrico da cidade de Lisboa era atravessado pelo Cano Real que, de So Sebastio da Pedreira, descia a
Valverde (hoje avenida da Liberdade e praa dos Restauradores) at atual rua do Jardim do Regedor e entrava
na cidade junto ao Pao dos Estas (ou palcio da Inquisio a partir de 1537).
O tapamento do Cano Real16, que era aberto, tornou-se necessrio para proceder utilizao dos terrenos e
fazerem casas sobre ele17.
Com a ampliao do palcio da Inquisio, em 1685, este rego ficou debaixo deste Pao. O Cano Real prosseguia,
ento, ao longo do Rossio, rua da Caldeiraria, rua dos Ourives do Ouro, atravessava a rua Nova dos Ferros, rua
da Confeitaria, beco do Jardim e, correndo sob o Terreiro do Pao, descarregava no rio do lado poente, de acordo
com a planta de Jos Valentim de Freitas18.
A rede de canos que descarregavam no Cano Real era abundante dada a antiguidade desta infraestrutura, a
capacidade de coletar efluentes e a sua situao central. Um dos mais importantes, ento j parcialmente fechado,
Transcrito de OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa Typographia Universal, 1896. vol. XII, p. 592 a 600:
Todas as posturas da limpeza da cidade. AML, Livro de Posturas, f. 186.
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15
Transcrito de OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1896. tomo XII, p. 592-600:
Todas as posturas da limpeza da cidade AML, Livro de posturas, f. 186.
16
17
SANTOS, Maria Helena A baixa pombalina. Lisboa: Livros Horizonte, 2005. p. 30.
CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1935. vol. I, p. 276.
Assinalado na planta de FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n., entre 1850 e 1860?] e
reproduzida em CARITA, Hlder Bairro Alto. Lisboa: Imprensa Municipal, 1994. p. 23.
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descia dos Arroios aos Anjos, passava por debaixo do colgio de So Domingos e ia ligar ao Cano Real um pouco
abaixo do largo do Rossio.
Sendo difcil identificar quais os canos que funcionavam em regime aberto ou os que eram fechados , por vezes,
possvel tirar algumas concluses a partir de pormenores do texto.
A arrumao dos ramais no texto feita de acordo com a sua implantao, de poente para nascente, onde esto
assinalados os seguintes locais por onde passam ou descarregam para o rio Tejo: Cata-que-Fars, largo do Corpo
Santo, canal de Flandres, Terreiro do Pao, chafariz dEl-Rei, chafariz dos Cavalos, Santa Clara, entre outros22.
Os locais preferenciais para os canos atravessarem as muralhas eram as portas das cercas, por razes de facilidade
construtiva. So, assim, referenciadas as passagens pela Porta da Ribeira, Porta do Mar e Arco do Rosrio.
Outras descargas so feitas para terrenos sem drenagem direta para o rio: ramal de So Mamede, ramal da Porta
da Alfofa e ramal de Santa Mnica. Separaremos estes ramais dos que descarregam para o rio Tejo.
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21
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 549-559.
AML, Livro dos pregos, f. 333-335.
Para localizao dos arruamentos referidos ver FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n.,
entre 1850 e 1860?].
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OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
Cano do Marqus de Fronteira O cano que vae das casas do Marqus de Fronteira25 at ao mar, um cano que toma
as guas da sua cozinha. A localizao deste cano est fora da planta que usamos para representao da rede dos
canos (planta de Joo Nunes Tinoco)26.
Esta zona foi sendo, gradualmente, ocupada com construes ganhando destaque aps a ocupao com a
urbanizao da Vila Nova de Andrade, no princpio do sculo XV.
A existncia, nesta zona, dos canos de utilizao coletiva para encaminhamento de enxurradas s surgiu no
levantamento do sculo XVII, o que prova que a este local foi ganhando uma importncia progressiva.
Cano da Rua das Fontainhas O cano que vem pela Rua das Fontainhas sair ao Corpo Santo, comea na Rua do
Ferregial, que vae dos Martyres para o Pao do Duque27. Numa planta de A. Vieira da Silva28 esto identificados os
arruamentos acima referidos.
Cano da Rua do Saco O cano que est no fundo da Rua do Saco29, que recebe as aguas da Rua do Outeiro, Rua do
Saco e da Figueira, tem a bocca nas casas que esto junto ao hospital dos Terceiros de So Francisco, vem por baixo
daquelas casas, e vae pelos quintaes dos frades sair Rua do Ferregial: estas guas vo pela Rua das Fontainhas, por
23
Junto ao rio Tejo, prximo do antigo e atual largo do Corpo Santo, ver SILVA, Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes
Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, estampa I.
24
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28
29
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 555.
No cruzamento da rua das Chagas, antiga rua Direita das Chagas, e a rua da Horta Seca.
SILVA, Augusto Vieira da - Plantas topogrficas de Lisboa. Lisboa: Oficinas Grficas da Cmara Municipal, 1950. Planta n 1.
De Bragana.
SILVA, Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, estampa I.
Na parte norte do convento de So Francisco.
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cima da calada sair ao Corpo Santo. As ruas aqui citadas podem ser vistas na planta reconstituda por Jos Valentim
de Freitas e reproduzida por Jlio Castilho30.
Cano do Beco do Corpo Santo Neste beco est um cano, que das secretas dos padres inglezes31 da ordem de So
Domingos32, e vae ter ao mar, por baixo das cocheiras dEl-Rei, sair praia. A este mesmo beco vae um cano que
atravessa a Rua que vae a So Paulo. Vieira da Silva33 representa um boqueiro no largo do Corpo Santo que deve
corresponder descarga deste cano34.
J no sculo XVIII, em 1727, numa consulta da Cmara a El-Rei35, h notcia de um cano descoberto, que tem de
largo oito palmos e meio, e recebe por um boqueiro que est face da rua Direita (de Santa Catarina), as guas
que veem no inverno do Bairro Alto. Parece ser um cano aberto.
3.4 Rede do Cano Real
A designao de Cano Real s assumida no sculo XV uma vez que, anteriormente, era conhecida por rego
das imundcies36 por razes relacionadas com a sua aparncia. Dada a sua situao central na cidade medieval,
havia um grande nmero de outros canos que descarregavam no Cano Real, servindo-se dele para escoamento
dos seus efluentes. Este cano foi coberto no reinado de D. Manuel a fim de abrir a rua Nova -dEl-Rei futura rua
dos Ourives do Ouro.
Na planta de Joo Nunes Tinoco37, o local de descarga do Cano Real visvel atravs de uma pequena reentrncia
na praia, a ocidente do Terreiro do Pao, verificando-se a oriente desta a descarga de outro cano na mesma praa,
como adiante ser referido.
Cano do chafariz dArroyos O cano real que toma as guas do chafariz d'Arroios, e vem at egreja dos Anjos, e
abaixo do chafariz se mette por entre as hortas, e vem Rua dos Canos38, e por dentro do mosteiro de So Domingos
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37
CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1935. vol. VIII, incio do volume.
CASTILHO, Jlio Ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1981. vol. IV, p. 200.
O convento dos Dominicanos Ingleses ficava situado no largo do Corpo Santo.
SILVA, Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, estampa I.
Idem.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1903. tomo XII, p. 121.
MACEDO, Lus Pastor de Lisboa de ls-a-ls. Lisboa: Cmara Municipal, 1962. vol. I, p. 268.
SILVA, Augusto Vieira da - Plantas topogrficas de Lisboa. Lisboa: Oficinas Grficas da Cmara Municipal, 1950. Planta n 1.
Por detrs do convento de So Domingos, ver CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1937. vol.
X, p. 86A.
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OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
vem sair Bitesga, e vae por baixo das casas da Rua da praa da Palha. Este cano, que d continuidade ribeira de
Arroios (ou dos Anjos), no aparece referenciado no levantamento do sculo XVI.
Os trabalhos arqueolgicos, iniciados em 1960, por ocasio da construo da rede do Metropolitano de Lisboa, na
praa da Figueira, foram objeto de uma srie de artigos39. De acordo com os desenhos ento realizados, e comparando-
os com o encaminhamento descrito no levantamento por ns referido, parece haver uma sobreposio parcial no
percurso do troo da rua da Betesga existindo, segundo aqueles desenhos, um prolongamento para poente, que vai
descarregar num outro canal ainda em servio em 1960.
No levantamento anterior, do sculo XVI,40 est assinalado um cano: E asy tem o poo do boretem hu canno que nelle
etra, e asy se seruem algns vizinhos das Ruas que tem seruemtya para este canno que, supostamente, poderia ligar
parte oriental do Cano Real da rua do Borratm, mas que no referido no levantamento dos fins do sculo XVII.
Cano de So Sebastio da Pedreira Outro cano real que comea em So Sebastio da Pedreira, que toma as aguas
de todas aquelas ruas do chafariz de Andaluz, e Santa Marta, e vem por entre as hortas da Annunciada metter-se por
baixo da Inquisio, e vem por Valverde41 metter-se por cano real da Rua dos Ourives do Ouro, que vae pela rua Nova42
e Confeitaria, Beco do Jardim, e Terreiro do Pao at ao mar43.
Os canos que vm do Pao meter-se n'este, que tomam as guas dos telhados, ptios, e cozinhas dEl-Rei44 obrigao
do provedor das obras do Pao mandal-os alimpar e concertar, se for necessrio; que por conta da cidade no corre
mais que o cano real.
Cano da Correaria O cano que vae pela Correaria, e rua dos Ourives da Prata, e vae sair ao Terreiro do Pao
obrigao da cidade, porquanto toma as guas que vm das Pedras Negras, e se vae meter no cano que vae do Ver-oPeso45, e pelo Terreiro do Pao sair ao mar. A planta de Jos Valentim de Freitas46, j referida, permite reconhecer o
percurso.
39
MOITA, Irisalva - Hospital Real de Todos os Santos: relatrio das escavaes a que mandou proceder a C.M.L. de 22 de agosto a 24 de Setembro de 1960.
Revista Municipal. Lisboa. N 101/102, p. 96 e N 106/107 p. 53 e 55.
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46
Toda a zona que corresponde hoje aos Restauradores e incio da avenida da Liberdade era ento chamada Hortas de Valverde.
Dos Mercadores e, posteriormente, dos Ferros.
Leia-se rio Tejo.
A rua dos Ourives da Prata estaria, previsivelmente, no alinhamento do cano que atravessa o Terreiro do Pao.
FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n., entre 1850 e 1860?].
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Antnio Augusto Salgado de Barros
Cano da Pichelaria O cano que vem da Pichelaria47 pela rua das Esteiras48 at rua Nova49 obrigao da cidade tel-o
corrente, assim da limpeza como concerto, porquanto toma as guas que vm do Lagar do Sebo50 e Pichelaria51, e de
todos aqueles bairros, porque as Ruas tm pouca correnteza para dar expedio s guas por cima52. O incio deste
trajeto situava-se prximo da atual rua da Vitria e descia para o rio Tejo, algures entre a rua do Ouro e rua Augusta
existentes.
Cano da Fonte da Flor Este cano, que tambm toma as guas que vm da Confeitaria pelo Arco dos Pregos e
Passarinhos53 que todos se mettem em ele, e vae pelo Terreiro do Pao metter-se no cano real, obrigao da cidade,
assim como os concertos como a limpeza54.
Cano do Chafariz dos Cavalos55 O cano que recebe as aguas do chafariz dos Cavallos, e se vae meter no cano real da
rua Nova, da obrigao da cidade o mandal-o alimpar.
Cano da Rua da Mouraria Pela rua da Mouraria56 vem um cano que ter trez palmos em quadro, e vem meter no
cano real que vem do campo da Forca e do Chafariz d'Arroyos. O Cano Real que vem do Chafariz de Arroios passava,
efetivamente, em Santa Brbara, que no sculo XVII era designado e utilizado como Campo da Forca57. Anteriormente
era o Campo de Santa Clara que assumia a designao de Campo da Forca.
Cano da Rua dos Cavalleiros O cano que vem pela Rua dos Cavalleiros58, e se mette n'este cano acima59, no lhe pude
saber o princpio. Para localizao destas ruas ver nota60.
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51
Para localizao ver CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1937. vol. VIII (reconstituio da planta
de Lisboa por Jos Valentim de Freitas).
52
53
Havia dois arcos dos pregos, o primeiro, a Ocidente do Terreiro do Pao , tambm, designado por Arco dos Passarinhos ou Porta da Herva, ver SILVA,
Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, p. 65.
54
SILVA, Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, p. 36 e estampa I.
56
Por detrs de So Domingos, ver CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1937. vol. X, p. 85.
Junto Rua Nova; a ermida (de Nossa Senhora da Oliveira) era construda sobre os arcos do chafariz da Rua Nova, ao qual tambm deram os nomes de
chafariz da Oliveira ou de Nossa Senhora da Oliveira e de chafariz dos Cavalos. OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de
Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1901. tomo XI, p. 314.
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ARAJO, Norberto Peregrinaes em Lisboa. Lisboa: Veja, 1993. vol. IV, p. 75.
Ligando a rua das Tendas com a rua dos Esparteiros ou da Mouraria.
No cano da rua da Mouraria.
FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n., entre 1850 e 1860?].
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OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
Cano do adro da Conceio O cano que comea no Adro da Conceio, e vem pela Rua dos Mercadores abaixo at
So Julio e Rua Nova, um cano que recebe todas as guas de todas aquelas tintas. Adiante referido que este
cano coberto de lajes.
Cano da Rua das Mudas Na Rua das Mudas61 comea um cano de um beco sem sada e agora est este beco metido
naquelas casas, e tem um cano por dentro d'ellas, que vai sair Rua das Esteiras, e a se mete no cano da dita rua.
Cano da Rua dos Selvagens Um cano que vai pela Rua dos Selvagens, que toma as aguas de muitos pateos e tintas
daquele districto. O cano da rua dos Selvagens recebe os efluentes da rua da Tinturaria e zonas adjacentes ligadas
quela atividade, encaminha-os pela rua do Chancudo e descarregando-os, depois, na rua das Esteiras.
Cano da Rua do Capelo Pela Rua do Capelo abaixo, que por outro nome se chama a Rua Suja, que vem do Mosteiro
de Santo Anto dos Frades da Graa62 e se vem metter n'este cano da Mouraria63.
Cano dos Meninos rphos Do Recolhimento dos Meninos rphos64 vem um cano metter-se no cano da Rua da
Mouraria.
Cano da calada do Carmo Pela calada do Carmo abaixo vae um cano, que vem do Convento do Carmo, e vem pela
Rua do Mestre Gonalo, e se mette no cano real65.
Cano dos Padres do Oratrio Do Mosteiro dos Padres da Congregao do Oratrio, que est ao Espirito Santo, vae
um cano pela rua abaixo que comea do dito mosteiro, e se mette no cano real da Rua dos Ourives do Ouro. Este da
obrigao dos Padres. Este cano deve corresponder ao anteriormente existente, que servia o convento do Esprito
Santo.
Cano do mosteiro da Rosa Do mosteiro da Rosa66 vem um cano pela porta do Visconde67 at o fim da Rua de So
Pedro Mrtyr, e vem sair ao Largo do Poo do Borratem, e volta pela Rua dos Alamos e vai sair rua dos Canos e
meter-se no cano real.
61
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63
ATADE, Maia; GONALVES, Antnio Manuel - Monumentos e edifcios notveis do distrito de Lisboa. Lisboa: Junta Distrital, 1962. tomo I, p. 98.
FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n., entre 1850 e 1860?].
Situado na rua da Mouraria, ver ATADE, Maia; GONALVES, Antnio Manuel - Monumentos e edifcios notveis do distrito de Lisboa. Lisboa: Junta Distrital,
1962. tomo I, p. 103.
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65
Ver planta em CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1937. vol. X, p. 54A.
67
A noroeste da rua da Costa do Castelo, ver ATADE, Maia; GONALVES, Antnio Manuel - Monumentos e edifcios notveis do distrito de Lisboa. Lisboa:
Junta Distrital, 1962-2000. tomo I, p. 96.
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Cano da Ribeira O cano que vae do Terreiro73 pela Ribeira at ao mar antigamente era um cano pequeno, que
no tomava mais que as guas do Terreiro, e estas coadas por um ralo de pedra, e agora se meteu nele um cano das
Recolhidas da Misericrdia.
Cano dos Ourives da Prata Um cano que comea na travessa que vae da Rua dos Ourives da Prata para a egreja da
Conceio74 e continuando junto ao adro volta pelo beco da Sardinha abaixo, e vai ter Jubetaria75, e d'ah volta at
rua de So Joo at o poo da Ftea76, at onde est um ralo de pedra, junto da rua Nova.
Cano da Misericrdia Da Misericrdia vae um cano at Portagem metter-se em outro que vem da Padaria77: at
Portagem78 obrigao da Misericrdia, d'ah para baixo o manda limpar a cidade.
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OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1889. tomo IV, p. 444.
Do Pao.
Rua da Padaria.
Largo da Portagem.
Igreja da Misericrdia.
Do Pao.
Rua ou travessa de Nossa Senhora da Conceio dos Freires ou travessa da Conceio Velha, ver SILVA, Augusto Vieira da As muralhas da ribeira de
Lisboa. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara Municipal, 1987. vol. I, estampa I.
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Rua da Jubetaria.
Largo da Portagem.
AGRIPPINATE, Giorgio Braunio Olissippo quae nunc Lisboa... [Material cartogrfico]. Lisboa: Cmara Municipal, 1965.
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OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
Cano que vem da S - Um cano que vem da S, e volta pela rua que est defronte da egreja de Santo Antnio at o beco
do Mel80, vae Porta do Mar at praia. Na Gravura de Giorgio Braunio81, atrs citada, est localizada uma praa
dos Canos a sul da S. Este devia ser um dos pontos para onde as guas deveriam ser encaminhadas antes de seguirem
para as Portas do Mar e, destas, para rio.
Cano junto ao antecedente Outro cano que fica junto a este, vindo para a Ribeira, o qual vem por dentro das casas do
Sr. Belas82 corre a mesma obrigao do fidalgo pol-o corrente at a rua toma as guas pblicas do Beco do Abreu83
que fica defronte das Cruzes da S84 (arruamento ainda hoje existente). Os canos que vo do chafariz dEl-Rei, assim
como os canos que vm do tanque da lavagem de Alfama, descarregam no rio.
Cano do arco do chafariz dEl-Rei O cano que vae do arco do chafariz dEl-Rei at praia da obrigao da cidade;
porquanto serve de vaso das aguas quando se vasa o tanque do chafariz, e serve tambm das aguas que vem do
Tanque dos Tremoos.
80
rua do Almargem, ver MACEDO, Lus Pastor de - Lisboa de ls-a-ls. Lisboa: Cmara Municipal, 1968. vol. IV, p. 80 faz corresponder o beco do Mel rua
do Almargem; Vieira da Silva em A cerca moura de Lisboa (Lisboa: Cmara Municipal, 1987. p. 58A) representa o beco do Mel cruzando a rua do Almargem,
sensivelmente, a meio.
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84
AGRIPPINATE, Giorgio Braunio Olissippo quae nunc Lisboa... [Material cartogrfico]. Lisboa: Cmara Municipal, 1965.
Marqueses de Belas, ver CASTILHO, Jlio Lisboa antiga: bairros orientais. Lisboa: S. Industriais da Cmara Municipal, 1936. vol. I, p. 261.
Travessa dos Machados, ver MACEDO, Lus Pastor de Lisboa de ls-a-ls. Lisboa: Cmara Municipal, 1968. vol. IV, p. 9.
Largo das Cruzes da S.
Hospital dos Soldados, ver SILVA, Augusto Vieira da O castelo de So Jorge em Lisboa: estudo histrico-descritivo. Lisboa: Tip. Empresa Nacional de
Publicidade, 1937. p. 17 e 121.
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O cano que recebe as guas do chafariz dEl-Rei. A descrio refere, para alm de um sistema de esgoto das bicas com
alguma sofisticao, que esse esgoto funcionava, por vezes, mar.
Canos que vm do Limoeiro Os canos que vm do Limoeiro ao Arco de Nossa Senhora do Rosrio, obrigao da
relao mandar-lhe fazer os concertos e limpeza que for necessrio. Esta indicao orienta-nos para a passagem
deste ramal no Arco do Rosrio ao Terreiro do Trigo que ainda, hoje, assume essa designao86.
Cano da Rua de Nossa Senhora dos Remdios - Este cano da rua que vem de Nossa Senhora dos Remdios, vae ao
chafariz novo at praia. Este cano parecia ser, parcialmente, coberto.
Cano do convento de Santa Mnica Pela rua de So Vicente vem um cano do mosteiro de Santa Mnica, e vem pelo
Marco Salgado metter-se na Alfungera. A descarga deste cano era feita para uma alfurja no especificada.
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98
MACEDO, Lus Pastor de Lisboa de ls-a-ls. Lisboa: Cmara Municipal, 1960. vol. II, p. 112.
Atual calada de Santo Andr.
FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n., entre 1850 e 1860?].
I
OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
O cano do chafariz de Arroios da obrigao da cidade mandal-o alimpar e sendo caso que as paredes estejam
arruinadas, os donos das casas sero obrigados ao reparo d'ellas, porquanto em benefcio seu e se alguma d'estas
casas tiverem secretas para este cano, sero obrigados a pagar a limpeza delle quanto diz o tamanho do comprimento
das suas casas91.
Tal como o caso anterior, o cano de So Sebastio da Pedreira a cidade obrigada a limpal-o e trazel-o corrente
da Inquisio at ao mar; e quando se alimpa pagam todas as casas que tem secretas para elle cada uma o que lhe
cabe, que quanto tem a frontaria das suas casas, porque isto obrigado cada um a limpar, porque se serve delle
para deitar as immundcias de sua casa92. Neste caso, como no anterior, os particulares que tinham serventia para os
canos eram obrigados a limpar o percurso em frente das suas casas.
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92
93
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 553-559.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 553.
Idem.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 557.
99
I
Antnio Augusto Salgado de Barros
da igreja de Santo Antnio at o beco do Mel e ia porta do Mar at praia, o cano da rua dos Ourives da Prata,
o cano que comeava no Adro da Conceio e vinha pela rua do Mercadores abaixo at So Julio e rua Nova, o
cano da rua das Mudas, o cano da rua do Selvagem, os canos que vinham do Limoeiro ao arco de Nossa Senhora
do Rosrio, o cano que vinha das casas do marqus de Fronteira at ao mar, o cano da Misericrdia, o cano que
vinha da rua das Fontainhas sair ao Corpo Santo, o cano da rua do Saco, o cano do beco do Corpo Santo, o cano da
rua do Capelo, o cano do Recolhimento dos Meninos rfos, o cano da calada do Carmo, o cano do mosteiro dos
Padres da Congregao do Oratrio e o cano do mosteiro da Rosa94.
4.3 A arbitragem do rei
Era fundamental assegurar que os proprietrios que tinham a serventia dos canos se encarregavam da sua
limpeza para que o sistema estivesse operacional, da a definio de responsabilidades. A cobertura dos canos,
em caso de mau cheiro, era tambm uma preocupao que provocava alguns debates sobre quem deveria fazer
essas obras.
A 11 de dezembro de 174295, no reinado de D. Joo V (de 1706 a 1750), uma carta do Secretario de Estado dos
Negcios do Reino, Pedro da Motta e Silva, ao vereador que estava de semana na presidncia do Senado, solicitava-lhe
a reparao do cano publico que atravessa o Terreiro do Pao que se acha to arruinado, que repetidas vezes se
tm aberto nelle boccas, as quaes no s fazem perigosa a passagem por aquele stio, mas com os maus vapores que
exhalam, inficionam o ar.
Tambm numa consulta da Cmara a El-Rei, em 29 de novembro de 174596: era relatado que numa petio os conegos
camararios da baslica de Santa Maria e as mais pessoas nella assignadas, queixando-se do damno que resulta s suas
propriedades sitas na rua da Pichelaria e aos inquilinos que nellas moram, por se achar o cano commum da cidade
entupido, de sorte que no pde receber as aguas que dos canos das mesmas propriedades a elle vo parar. O Senado
queixava-se, ainda, ao Rei, pela falta de meios financeiros para fazer face situao.
As dificuldades do errio pblico em suportar os custos das obras eram frequentes como exemplificado por
uma outra consulta da Cmara a El-Rei, em 15 de maro de 174397, lamentando-se a Cmara: para se continuar
com a obra da cobertura do cano do bairro de So Jos e as mais que se acham principiadas no Terreiro do Pao
e Marvilla, preciso dinheiro prompto, e Vossa Magestade assim o ordena pela sua real resoluo; porm o
94
95
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97
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1906. tomo XIV, p. 117.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1906. tomo XIV, p. 477.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1906. tomo XIV, p. 160.
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I
OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
senado no tem outros meios mais que o rendimento da Variagem (imposto aduaneiro) e, como esta cobrana se
acha embaraada, e mais adiante Para as obras de Marvilla e Terreiro do Pao se no tem entregue mais que
120$000 ris e se esto devendo treze semanas. Era frequente a criao de impostos para conseguir os meios
necessrios aos trabalhos pretendidos.
Por vezes, a autoridade rgia exercia-se no sentido de satisfazer pretenses de Cmara e de particulares, que
recorriam interveno do Rei, que tinha o poder de ultrapassar os poderes pblicos competentes de uma forma
decisiva e inquestionvel. Era, por isso, frequente o recurso ao seu parecer:
Em 172798, numa consulta da Cmara a El-Rei D. Joo V, num pleito sobre uma construo que a confraria de Nossa
Senhora da Graa pretende levar a cabo nuns terrenos de sua propriedade que atravessada por um cano descoberto
refere-se que, apesar do proprietrio dos terrenos pretender fazer a obra contemplando a existncia do cano pblico,
essa situao contestada pela Cmara pois; fazendo-se por cima delle as casas, como o supplicante intenta, ainda
que fique com algum vo por baixo para vaso das aguas, sempre tem a impossibilidade de se no poder concertar
e limpar em forma, por ter de comprido trezentos e trinta e nove palmos at chegar ao rio, que o comprimento de
todo o terreiro, cuja largura de oitenta e nove palmos, como declara a certido do architecto inclusa, situao que
o monarca se comprometeu a arbitrar.
5 CONCLUSO
Podemos agora apresentar alguns resultados, aps a anlise dos elementos apresentados anteriormente:
A rede geral de canos, no perodo anterior ao Terramoto de 1755, tinha de comprimento de cerca de 7 km e era,
ainda, bastante limitada, pois dela beneficiavam apenas alguns moradores. No entanto, ela correspondeu a um
aumento de extenso de cerca de 40 % relativamente ao levantamento realizado rede, nos fins do terceiro quartel
do sculo XVI99, cerca de um sculo antes.
O escoamento no sistema de drenagem era feito, tanto em condutas fechadas como em condutas abertas, dependendo
do local em que se encontravam. As condutas fechadas, porm, dificultavam a limpeza, pelo que elas eram utilizadas
com alguma relutncia100. Em muitos locais, as condutas eram tapadas com lajes que tornavam mais fcil o acesso.
98
99
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1903. tomo XII, p. 121.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. tomo I, p. 549.
100
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1903. tomo XII, p. 121.
101
I
Antnio Augusto Salgado de Barros
O poder real e o poder camarrio interagiam de forma a conseguir o envolvimento e a responsabilizao de todos os
cidados na manuteno e melhoria das condies de saneamento da cidade. Por vezes, os faltosos, que no cumpriam
as suas obrigaes, eram identificados, a fim de serem forados a proceder ao pagamento que lhes assistia101.
Os levantamentos das redes (o que aqui foi referido e o que foi feito no 3 quartel do sculo XVI102), permitem identificar
os pontos de abastecimento de gua da cidade, pois cada fonte ou poo pblico tinha um cano de drenagem a fim
de escoar as guas perdidas que, necessariamente, resultavam da atividade de recolha e trasfega. Esta constatao
conduz localizao aproximada de alguns chafarizes e poos utilizados pela coletividade, nomeadamente nas zonas
da Baixa, que ficaram destrudas pelo Terramoto de 1755 (poo da Ftea, poo do Cho, poo dos Namorados e
chafariz dos Cavalos rua Nova, para alm dos que hoje sobrevivem como o chafariz dEl-Rei e o chafariz de Dentro).
Mais de duzentos anos passariam, no entanto, at a rede da cidade funcionar em condies satisfatrias.
Para uma mais completa informao sobre este tema refere-se o trabalho O saneamento na cidade ps medieval:
o caso de Lisboa103 (documento em fase de impresso) onde este mesmo tema tratado desde aquele perodo at
atualidade e abrange um maior conjunto de temas ligados ao saneamento da cidade.
101
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1898. tomo IX, p. 42.
103
BARROS, Antnio A. Salgado de O saneamento na cidade ps-medieval: o caso de Lisboa. Lisboa: Ordem dos Engenheiros. No prelo.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1896. vol. I, p. 549 a 559: Estes so os
canos que h nesta cidade de Lisboa.
102
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OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
Figura 1
Traado aproximado dos canos da cidade de lisboa final do
sculo XVII parte ocidental (planta de suporte de Joo Nunes
Tinoco. SILVA, Augusto Vieira da Plantas topogrficas de
Lisboa. Lisboa: Oficinas Grficas da Cmara Municipal, 1950.
Planta n 1)
Figura 2
Traado aproximado dos canos da cidade de lisboa final do
sculo XVII parte oriental (planta de suporte de Joo Nunes
Tinoco. SILVA, Augusto Vieira da Plantas topogrficas de
Lisboa. Lisboa: Oficinas Grficas da Cmara Municipal, 1950.
Planta n 1)
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I
Antnio Augusto Salgado de Barros
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes
Arquivo Municipal de Lisboa
Livro de posturas antigas
Livro dos pregos
Livro dos canos antigos da cidade
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
CARVALHO, Jos Monteiro de planta da freguezia de S. Tome. 1770.
Bibliografia
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da Baixa sediments: first results. Journal of Coastal Research. Special Issue 56 (2009). Proceedings of the International
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ARAJO, Norberto Peregrinaes em Lisboa. Lisboa: Veja, 1993.
ATADE, Maia; GONALVES, Antnio Manuel - Monumentos e edifcios notveis do distrito de Lisboa. Lisboa: Junta Distrital,
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FREITAS, Jos Valentim de [planta de Lisboa anterior ao Terramoto] [Material cartogrfico]. [S.l.: s.n., entre 1850 e 1860?].
MACEDO, Lus Pastor de Lisboa de ls-a-ls. Lisboa: Cmara Municipal, 1962.
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I
OS CANOS NA DRENAGEM DA REDE DE SANEAMENTO DA CIDADE DE LISBOA ANTES DO TERRAMOTO
MOITA, Irisalva - Hospital Real de Todos os Santos: relatrio das escavaes a que mandou proceder a C.M.L. de 22 de
agosto a 24 de Setembro de 1960. Revista Municipal. Lisboa. N 101/102 (1964) p. 76 100, N 104/105 (1965) p. 26
103, N 106/107 (1965) p. 5 - 57, N 108/109 (1966) p. 5 - 55, 110/111 (1966) p. 41059.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a histria do municpio de Lisboa. Lisboa: Typ. Universal, 1887-1911.
QUINTELA, Antnio de Carvalho Trabalhos de hidrulica antiga. Lisboa: EPAL, 2009.
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os antecedentes da cidade de Lisboa. Cira Arqueologia. N2 (setembro de 2013), p. 46.
SILVA, Augusto Vieira da - Plantas topogrficas de Lisboa. Lisboa: Oficinas Grficas da Cmara Municipal, 1950. Planta n 1.
105
submisso/submission: 27/02/2014
aceitao/approval: 06/04/2014
RESUMO
No dia 8 de junho de 1719, a cidade de Lisboa foi transformada num espao sagrado onde a totalidade da sociedade
portuguesa, ordenada hierarquicamente, obsequiou o Santssimo Sacramento. Este evento, tradicionalmente
interpretado como testemunha da devoo de D. Joo V, insere-se num contexto poltico mais complexo capaz
de visualizar, atravs das artes, o poder de D. Joo V e da monarquia lusitana face Santa S e s outras Coroas
europeias. As arquiteturas efmeras construdas nesta ocasio so tradicionalmente atribudas ao arquiteto de
origem alem Joo Frederico Ludovice. Este ensaio problematiza a questo, focando-se sobre o papel de Filippo
Juvarra, arquiteto italiano convidado pelo rei D. Joo V, responsvel pelo projeto do novo palcio real, igreja e
palcio patriarcais e ativo em Lisboa entre janeiro e julho de 1719.
*Giuseppina Raggi, doutorada em Histria Histria da Arte pelas Universidades de Lisboa e de Bolonha (2005), investigadora integrada do Centro de
Histria dAqum e d`Alm-Mar, da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL) e Universidade dos Aores
(UA), desde 2009. Professora visitante nas Universidades de So Paulo (USP) Campinas (UNICAMP) e Federal da Bahia (UFBA). Encontra-se a finalizar a
redao do livro As dinmicas da maravilha: a pintura de quadratura e o espao atlntico portugus. Em 2013 foi curadora da exposio Ilusionismos. Os tetos
pintados do Palcio Alvor (Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga: 8 de maro - 26 de maio de 2013). coordenadora do Scientific Committee do projeto
europeu Bahia 16-19. Salvador da Bahia: American, European, and African forging of a colonial capital city (Marie Curie Actions, IRSES, GA-2012-318988).
Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 107 - 129
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Giuseppina Raggi
PALAVRAS-CHAVE
Corpus Domini / Juvarra / Ludovice / D. Joo V
ABSTRACT
In 8th June, 1719, Lisbon city was transformed in a holy space, where all Portuguese society, by hierarchic
order, venerated the holy Eucharist during the Corpus Domini procession. Traditionally this historical fact was
interpreted as evidence of king John Vs devotion, but it was much more. The new aesthetic organization of
Corpus Dominis procession represented, through the arts, the power of portuguese monarchy towards the Holy
See and the other european royal crowns and it reflected the dynamic historical context of second and third
decades of Eighteen century. The ephemeral architectures built for occasion have been traditionally attributed to
the German architect Joo Frederico Ludovice. The essay problematizes this attribution, focusing on the Filippo
Juvarras role, the italian architect who has been invited by the portuguese king to project the new royal palace,
patriarchal basilica and palace and he was active in Lisbon between January and July 1719.
KEYWORDS
Nesta ocasio, a fecundissima idea da piedosa grandeza2 do rei D. Joo V incidiu de tal maneira no espao urbano
que - apropriando-se das palavras escritas pelo nncio apostlico alguns dias antes da solenidade religiosa - si
pu dire senza affettazione che tutto il giro ben grande di tal Processione per il cuore della citt parer una chiesa
formale, ornata e coperta per tutti i lati senza vi possa quasi entrar aria3. De facto, neste dia o espao da cidade
1
MACHADO, Igncio Barbosa - Histria critico-chronologica da instituiam da festa, procissam, e officio do Corpo Santssimo de Christo Lisboa: Officina
Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1759. p. 13.
2
Archivio Segreto Vaticano (ASV), Segr. Stato, Portogallo 75, f. 138, datada 5 de junho de 1719. Pode-se dizer sem exagero que toda a grande volta da
Procisso pelo corao da cidade parecer uma igreja de verdade ornada e fechada por todos os lados sem que possa quase entrar o ar (traduo minha). O
documento foi parcialmente transcrito por Aurora Scotti. Cfr. SCOTTI, Aurora - Laccademia degli Arcadi in Roma e i suoi rapporti con la cultura portoghese
nel primo ventennio del 1700. Bracara Augusta. Porto. Vol. XXVII, N 63 (1973), p. 128.
3
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
tornou-se extenso sem cises do interior sagrado da Patriarcal. A vontade de D. Joo V em transformar Lisboa
numa nica igreja, vivenciada pela orquestrao da perfeita e ordenada hierarquia social dos fiis, converte a
cidade no espao simblico do reino e do imprio: um corpo, cuja cabea representada pela monarquia e pela
capitalidade de Lisboa e cujos membros, ordenados no prprio lugar e coordenados entre si, abraam at as
terras mais longnquas do imprio.
O nosso Augusto Monarca [] determinou no s restaurar a primitiva grandeza da Procisso, mas exceder as
memoraveis que fizera seu famoso Av o invicto Imperador Carlos V na Cidade de Ausbourg [], as que celebraro
o grande Francisco I de Frana na cidade de Pariz [], e Filippe II nos Monarcas de Hespanha []. Parecer incrivel
nas futuras idades, o como se pode obrar tanto nos edificios, que repentinamente se levantaro nas duas Praas mais
nobres que tem Lisboa, que so o Terreiro do Pao, e Rocio; mas estes milagres da arte, e diligencia, soube conseguir
o Senado [] Devemos crer, e persuadirnos que se os Romanos viessem a Lisboa, e vissem huma s parte daquelle
plausivel dia, perderio a soberba, com que ainda se lembro dos triunfos dos Emilios, e da pompa com que celebravo
os Cesares, as solemnidades que dedicavo s suas falsas Divindades, e das festivas entradas dos Titos, e Vespasianos,
de que as Historias daquelle prostrado Imperio fazem agradecida memoria; porque na Cabea do mundo gastaro
Cf. OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typografia Universal, 1885. Tomo I.
Refleti e propus uma nova interpretao sobre a poltica artstica da primeira metade do reinado de D. Joo V em RAGGI, Giuseppina - Lasciare lorma: os
passos de Filippo Juvarra na cidade de Lisboa entre arquitetura e msica. In ALESSANDRINI, Nunziatella (coord.) [et al.] - Le nove son tanto e tante buone,
che dir non se p Lisboa dos Italianos: Histria e Arte (scs. XIV-XVIII). Lisboa: Ctedra A. Benveniste, 2013. p. 189-218.
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Giuseppina Raggi
largos annos para levantar arcos, e pyramides. Mas em Lisboa Occidental se fabricaro maquinas em quatro semanas,
que servindo em poucas horas, merecero o applauso de muitos seculos6.
Para fabricar maquinas em quatro semanas que mereceram o aplauso de muitos sculos necessrio ter
o conhecimento tcnico-terico, a prtica e a arte da ideao e construo de arquiteturas efmeras. Em 1719
estava em Lisboa um artista que possua arte, tcnica e prtica: o arquiteto de origem siciliana Filippo Juvarra, j
ao servio do marqus de Fontes durante a embaixada extraordinria em Roma (1712-1718) e convidado para a
corte pelo rei D. Joo V entre janeiro e julho de 17197.
Durante a estadia na capital lusitana Juvarra elaborou uma srie de projetos monumentais que j comeara a
idealizar em Roma: o palcio real, a igreja e palcio patriarcais na Ribeira e o grandioso complexo palatinopatriarcal a edificar na encosta de Buenos Aires. O facto de estar plenamente absorvido nesta operao, no
impediu Filippo Juvarra de fornecer os desenhos para a armao efmera da igreja dos Italianos durante a Semana
Santa. A qualidade e a criatividade dos seus esquissos, a facilidade de pr no papel perspetivas e arquiteturas
so caractersticas sublinhadas pelas biografias do artista e demonstradas pelos prprios desenhos ainda
conservados. A experincia no campo da cenografia vivenciada no crculo romano do cardeal Pietro Ottoboni
dotava o arquiteto italiano da capacidade imediata de oferecer solues grficas de grande fascnio e eficcia
visual, como confirma tambm a descrio do nncio do sepulcro edificado na igreja de Nossa Senhora do Loreto:
Lapparato delle chiese per la copia grandissima de lumi di cera in tal giorno stato bellissimo e soprattutto ha
spiccato quello della Madonna di Loreto della Nazione Italiana stante una bella macchina di prospettiva fatta secondo
il disegno dato dal sig. Canonico Filippo Juvarra; la Maest del Re fu a vederla di notte per lungo tempo non cessando
di lodare la disposizione e la ricchezza [] e la novit del sepolcro isolato e degli altari tutti chiusi, come se fosse un
gran sepolcro, tutta la chiesa era illuminata con sopra 700 grossi lumi di cera e torce dentro e fuori del prospetto
principale8.
Filippo Juvarra no executou a obra da mquina efmera, limitou-se a fornecer o desenho que manifesta
claramente a novidade das suas ideias. Entrando na igreja, o interior transformado integralmente num gran
sepolcro graas ao ocultamento dos altares laterais e espetacularidade da bella macchina di prospettiva
construda no espao da capela-mor. O rei contempla longamente a originalidade e o efeito impactante da
inveno do arquiteto italiano e, por isso, no desmedido colocar a hiptese do envolvimento direto de Filippo
6
ASV, Segr. Stato, Portogallo 75, f. 71, datada 11 de abril de 1719. Sublinhados meus.
Para a bibliografia precedente veja-se RAGGI, Giuseppina - Filippo Juvarra: desenhos para Lisboa. In PIMENTEL, Antnio Filipe (coord) - A arquitetura
imaginria: pintura, escultura, artes decorativas. Lisboa: MNAA, 2012. p. 180-183.
7
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
Juvarra, tambm, na conceo da formosa maquina do Ceo e da terra9 para a procisso do Corpus Domini. Vrios
dados apontam para isso.
Como Eduardo Freire de Oliveira lembra e Jos Manuel Tedim sublinha, toldar as ruas no era novidade, pois se
costumava fazer desde finais do sculo XVI. Porm, toldar as ruas utilizando um sistema de mastros, uniformizando
armaes e coberturas at o espao parecer coberto por todos os lados sem que possa quase passar o ar15
revela um projeto de conjunto unitrio articulado, como explica Barbosa Machado, entre a sumptuosa fabrica
de edificios, os preciosos ornatos das ruas, e o excelente adorno da Santa Igreja Patriarchal16. Na extenso
simblica do espao sagrado da Patriarcal, o espao sacralizado da cidade ritmado por arquiteturas efmeras
que nobilitam os pontos nevrlgicos do percurso (Rossio, Terreiro de Jesus, Arco dos Pregos), aumentando a
fora visual e simblica da ritualizao.
Desde 1717, com a diviso da diocese de Lisboa e a elevao da capela-real em Patriarcal, D. Joo V comeara
um movimento de apropriao da celebrao e festa do Corpus Domini, sendo a principal procisso do ano
9
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Giuseppina Raggi
e incorporando a maior carga simblica para seus objetivos poltico-religiosos. Esta apropriao no visava
somente a afirmao da monarquia face Santa S e s outras Coroas europeias, mas manifestava tambm a
convergncia, no espao rgio da Ribeira, do poder poltico e religioso face antiga S e cidade oriental. Num
momento de grande efervescncia de projetos, D. Joo V no deixaria escapar a possibilidade de enaltecer a
procisso de Lisboa ocidental com o original contributo da arte do arquiteto italiano. Nem o marqus de Fontes
(agora Abrantes) perderia a ocasio de transmitir concreta e sensitivamente o poder da monarquia portuguesa,
graas imaginao da formosa maquina do Ceo e da terra17 pelo seu protegido dos tempos romanos.
O marqus de Abrantes era o refinado tecedor das relaes artsticas entre Roma e Lisboa. No era o nico, mas
em 1719 era, sem dvida, o mais poderoso. A sua proximidade com a pessoa do rei sancionada pela posio
ocupada no dia 8 de junho. Como relata Barbosa Machado na longa e pormenorizada descrio da hierarquia
seguida durante a procisso, acompanhavo a Sua Magestade o Marquez de Abrantes seu Gentil homem,
Embaixador extraordinario ao Papa Clemente XI. O Estribeiro mr o Duque D. Jaime do Conselho de Estado,
e Presidente da Mesa da Consciencia, e Ordens, e segundo Duque de Cadaval. O General de Alcobaa Esmler
mr vestido de habitos Episcopaes com o seu Secretario20. O marqus de Abrantes ocupava um dos lugares de
mxima honra e destaque na hierarquizao pormenorizada de todas as partes civis, polticas e religiosas que
ele prprio ajudou a estabelecer.
17
19
DELAFORCE, Angela - Art and patronage in Eighteenth-Century Portugal. Cambridge:Cambridge University Press, 2002.
Para as diferentes interpretaes sobre o palcio-convento de Mafra veja-se RAGGI, Giuseppina - La circolazione delle opere della stamperia De Rossi
in Portogallo. In Antinori, Aloisio (coord.) - Studio darchitettura civile: gli atlanti darchitettura moderna e la diffusione dei modelli romani nellEuropa del
Settecento. Roma: Quasar, 2013. p. 143-164.
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
O pedido por ele enviado ao Senado Ocidental testemunha tambm o seu direto envolvimento na organizao
da ordenada hierarquizao do corpo social da procisso. No dia 4 de junho de 1719 o marqus de Abrantes
escreve:
El-rei, meu senhor, servido que Vossa Excelencia lhe mande logo, em distincta relao, a noticia de todos os ministros
e officiaes dependentes da presidencia de Vossa. Excelencia, e quer tambem saber Sua Magestade, com exaco, quaes
destes e em que logares acompanhavam as procisses de Corpus quando a ellas ia Sua Magestade, e quando no ia,
do que tambem Vossa Excelencia me remetter a noticia com a brevidade possivel21.
Este pedido de informao revela a complexa operao desencadeada na corte, para alcanar o propsito do
rei de restaurar aquella modestia, ordem, e disciplina, que dispuzero os Concilios, e Padres da Igreja nos mais
solemnes actos da sua religiosa piedade22. A restaurao passava tambm pela adoo da moda romana nas
vestes dos religiosos, ou seja, pela ateno ao impacto visual da uniformizao das roupas. Imposio e lisonja
foram os meios utilizados para realizar em poucas semanas a renovao pretendida. No dia 23 de maio o nncio
comunica Santa S que esto a coser-se mais de mille cotte nuove e pieghettate allItaliana supponendosi che
siano per i religiosi Teatini, i PP.i dellOratorio, i Gesuiti [...] come anche per chi del clero secolare volesse scusarsi
con il pretesto di non esserne provvisto, ch quelle alla portoghese sono molto differenti e lisce23. Aproximandose a data da procisso, a importncia do evento determina a complacncia geral: tutti escreve o nncio - si sono
soggettati al zeloso Reale volere, facendo adesso a gara di procurare berrette e cotte alla romana, e pieghettate
per chi ne ha luso24. Como j sublinhado, o ano de 1719 representa o climax do processo de transformao
cultural da corte joanina e de atualizao da imagem da monarquia lusitana em conformidade com a linguagem
artstica vigente na Europa. Esta vontade de atualizao, entre 1714 e 1716, tinha sido o motor para o obstinado
planeamento do Grand Tour europeu por parte de D. Joo V. O monarca pretendia viajar fora do reino durante
dois anos num longo priplo pela Espanha, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Frana e, sobretudo, entre as cidades
da pennsula italiana, querendo ritrovarsi in Roma nella Settimana Santa [del 1717] e quivi farvi dimora almeno
sino al giorno del Corpus Domini25. O interesse para presenciar em Roma a procisso revertido em 1719: a
moda romana introduzida em Lisboa e amplificada para alcanar a mxima demonstrao de magnificncia,
21
Veja-se OLIVEIRA, Eduardo Freire de, op. cit, tomo XI, p. 324. O documento encontra-se no Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 1 de Registos,
Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 123. A maioria dos documentos do Arquivo Municipal de Lisboa relativos procisso do Corpo de
Deus foram citados e em parte transcritos por OLIVEIRA, Eduardo Freire, nomeadamente nos tomos I e XI.
22
23
24
ASV, Segr. Stato, Portogallo 73, f. 7, datada 7 de janeiro de 1716. Sobre o projeto do Grand Tour europeu de D. Joo V veja-se RAGGI, Giuseppina - Italia &
Portogallo: un incrocio di sguardi sullarte della quadratura. In SABATINI, Gaetano (coord.) [et al.] -Di buon affetto e commerzio: relaes luso-italianas nos
sculos XV-XVIII. Lisboa: CHAM, 2012. p. 175- 209.
25
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Giuseppina Raggi
devoo e grandeza do rei e da monarquia portuguesa. Mais uma vez, a experincia romana e o conhecimento
direto do cerimonial e das manifestaes artsticas por parte do marqus de Abrantes e de Filippo Juvarra eram
instrumentos imprescindveis para o sucesso da vontade de D. Joo V.
O facto de no se encontrarem registos de pagamentos ao arquiteto italiano nos documentos dos Senados
de Lisboa guardados no Arquivo Municipal explica-se pela relao privilegiada de Juvarra na corte joanina e,
provavelmente, pelo seu papel de idealizao mais do que concretamente projetual. A traduo da ideia global
de renovao esttica da procisso do Corpus Domini em mquinas efmeras construdas e decoradas requeria
um intenso trabalho de planeamento, direo e coordenao das diferentes equipas de artistas e artfices que foi
entregue ao arquiteto Joo Frederico Ludovice. Tendo em conta que nos meses de abril e maio, Juvarra estava
a elaborar le bellissime piante, e disegni magnificentissimi [] tanto per la nuova Patriarcale che del Regio
Palazzo da costruirsi in Buenos Aires26, o envolvimento de Ludovice na planificao, realizao e montagem da
columnatae dos toldos torna-se imprescindvel e, este sim, confirmado pelos documentos.
26
SCOTTI, Aurora - Laccademia degli Arcadi in Roma e i suoi rapporti com la cultura portiguses nel primo ventennio del 1700. Bracara Augusta. Porto. Vol.
XXVII. N 63 (1973), p. 129.
27
28
PIMENTEL, Antnio Filipe - Arquitectura e poder: o Real Edifcio de Mafra. Lisboa: Livros Horizonte, 1989. p. 272, nota 282.
Veja-se nota n. 18.
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
e S. Loureno e Federico [Ludovice] foro de parecer, que se preferisse Buenos Aires, e D. Filippe Ibarra [D. Filippo
Juvarra], principal Arquitecto Siciliano, no declarou o seu voto29.
Do trecho resulta evidente que a direo das obras iria contar com ambos os arquitetos, enquanto que o principal
Arquitecto Siciliano estava a idealizar e delinear todos os desenhos relativos s duas opes (Ribeira ou Buenos
Aires), como confirmam os flios guardados nas colees de Turim e as cartas do nncio apostlico de Lisboa
escritas em 1719. A relao entre os dois artistas revelada pelas fontes documentais no sugere os conflitos que a
crtica histrico-artstica posteriormente lhes atribuiu. Ainda por cima, o tratamento privilegiado reservado por
D. Joo V a Filippo Juvarra claramente demonstrado pelos documentos da poca e, como convidado de honra
do rei, no era concebvel que entrasse nas folhas de pagamento do Senado.
No dia 11 de abril o nncio apostlico relatara o prolongado apreo de D. Joo V pelo aparato efmero da igreja de
Nossa Senhora do Loreto. No fim do mesmo ms o monarca devia j ter em suas mos os desenhos traados para
reconfigurar con la maggiore e straordinaria magnificenza30 a procisso do Corpus Domini, podendo transmitir
logo ao Senado Ocidental as instrues necessrias e as quantias certas de materiais para oramentar a armao
dos toldos. A 2 de maio emitido o primeiro despacho da corte para o senado. A idealizao da nova veste
esttica da procisso do Corpus Domini, elaborada dentro da corte, prev o envolvimento direto de Joo Frederico
Ludovice para a sua concretizao na cidade. Por enquanto, os dados documentais no fornecem indicaes
para distinguir com exatido as funes exercidas pelos dois arquitetos. Difcil dizer se Ludovice traduziu em
plantas e alados todos os esquissos de Juvarra ou se Juvarra participou para alm do nvel de ideao e Ludovice
assumiu a direo das obras.
A modalidade de pagamento dos dois arquitetos ajuda a configurar as suas funes em relao procisso do
Corpus Domini tambm. Joo Frederico Ludovice recebe uma gratificao no ano seguinte. Em junho de 1720, um
despacho rgio ordena:
Que o Senado da Camara de Lixboa Occidental mande dar a Joo Federico Luduvici a ajuda de custo que entender se
lhe deve dar pello trabalho que teve este anno, e o passado pellos porticos e collunas, que se fizero pella ocazio das
duas procisoes do Corpo de Deos da mesma cidade Deos guarde a Vossa Merc Pao a 31 de Julho de 172031.
Ao longo de 1721 ser incumbido de coordenar a reavaliao dos ris apresentados por artistas e artfices que
realizaram as arquitecturas efmeras de 1719. Nestes documentos Ludovice designado como arquitecto-mor
e desenvolve exclusivamente o papel de supervisor32.
29
30
31
32
CASTRO, Joo Bautista de Mappa de Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1762-1763. Tomo III, p. 193-194.
ASV, Segr. Stato, Portogallo 75, f. 124, datada 23 de maio de 1719.
Arquivo Municipal de Lisboa, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 69. Documento assinado por Diogo de Mendona Corte Real.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 170-227v.
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Diversamente, no possvel quantificar a recompensa de Filippo Juvarra para a idealizao das novas arquiteturas
efmeras da procisso. Os projetos realizados durante os seis meses de estadia em Portugal so recompensados
como um todo e o arquiteto italiano deixa Portugal, em julho de 1719, um ms aps o Corpus Domini, com muitas
honras, recebendo la mercede di Cavaliere di Cristo, dandoli [il re] un abito del detto ordine tempestato di sette
grossissimi diamanti del valore di 8/m cruciati almeno, assegnandoli inoltre unannua pensione finch vive di
mille scudi Romani, ed altri mille per una volta sola per fare il viaggio di ritorno33.
Como descreve Barbosa Machado34, a grandiosa mquina efmera da procisso do Corpus Domini articulava-se
em trs elementos: 1) a sumptuosa fabrica de edificios, isto , os frontespcios, que marcavam com edifcios
efmeros os pontos nevrlgicos do percurso no centro do Terreiro do Pao, no Arco dos Pregos e na praa do
Rossio e as duas columnatas elevadas ao longo das duas praas; 2) os preciosos ornatos das ruas, isto ,
os toldos sustentados pelos mastros e armados com txteis e tarjas; 3) o excelente adorno da Santa Igreja
Patriarchal. D. Joo V resolveu que o custo da transformao do espao urbano, isto , a realizao dos pontos
1 e 2 coubesse aos Senados da cidade35. O espao urbano era integrado ativamente na extenso sagrada da Real
Patriarcal, ficando a seu cargo a armao e os consertos anuais das columnatas.
No dia 2 de maio de 1719 o secretrio Diogo Mendona Corte Real enviou as primeiras instrues operativas ao
presidente do Senado, o conde da Ribeira Grande, as seguintes resolues:
Sua Magestade que Deos guarde tem rezoluto se toldem as ruas por onde faz transito a procisso do Corpo de Deos
desta cidade occidental e he servido que Vossa Excelencia disponha e passe as ordens necessarias para esse effeito, e a
direco e forma de como se devem toldar as ruas a h de dar Joo Federico Ludovice e se Vossa Excelencia necessitar
de alguns aprestos da Ribeira das Naus e gente della mo avizar como to bem da Caza daz obraz dos Paos Deos
guarde a Vossa Excelencia Pao a 2 de Mayo de 1719 e que se Vossa Excelencia puder dispor o mesmo para a procio
da cidade oriental o faa e que seno comseguir a executar para o anno36.
No dia 7 de maio a troca de informaes entre o secretrio do rei e o presidente do senado de Lisboa ocidental
comeou a ter em conta a delicada questo dos financiamentos necessrios, confirmando entretanto o
envolvimento de Ludovice na parte relativa ao adorno das ruas (ponto n.2):
Fazendo presente a Magestade que Deos guarde o avizo q me fez o escrivo da Camara deste Senado em 5 do corrente
e o papel incluzo em que vem orsada a despesa que se ha de fazer em se toldar as ruas por onde h de passar a procio
do Corpo de Deus me ordenou respondee a Vossa Excelencia para a referida despesas se ha de fazer pellas rendas do
33
34
35
36
ASV, Segr. Stato, Portogallo 75, f. 175, Ver tambm SCOTTI, Aurora, op. cit., p. 128.
MACHADO, Igncio Barbosa, op. cit., p. 141.
Pela questo econmica veja-se OLIVEIRA, Eduardo Freire de, op. cit, tomo I.
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
Senado, sendo neessario pr alguna noua impozio para este effeito o far presente ao mesmo Senhor apontando a
que seja menos grauozo, e Joo Federico seno tem dado a planta a dar logo: partecipo a Vossa Excelencia o referido
(f. 32v.) para que seia prezente ao Senado Deos guarde a Vossa Excelencia Pao 7 de Maio de 171937.
Embora toldar as ruas durante as procisses fosse prtica conhecida j nos sculos anteriores, toldar o corao
da cidade [como fosse] uma igreja de verdade, ornada e fechada por todas as partes38 era novidade que requeria
pormenorizado projecto. Nos documentos do Arquivo Municipal de Lisboa os termos columnata ou mastros
tornam-se, no tempo, metonmias para indicar todas as partes desmontadas da inteira armao, onde, alm
dos prticos nas duas praas e dos toldos nas ruas do percurso, sobressaem os edifcios dos quais Barbosa
Machado descreve pormenorizadamente seus frontespcios e que representam as arquiteturas efmeras mais
sumptuosas e originais do todo o conjunto.
A procisso de 1719 representou o momento de expresso mxima da vontade joanina de afirmar o culto do
Santssimo Sacramento. Graas presena de Filippo Juvarra, a festa do Corpus Domini adquiriu a magnificncia
visual correspondente ao projeto do rei e, graas superviso e ao planeamento de Joo Frederico Ludovice,
fabricaram-se os materiais necessrios para a sua realizao, tendo em vista tambm a sua repetio todos os
anos com a mesma pompa. Por isso, logo aps de 8 de junho de 1719, Lucas Nicolao Tavares da Silva, vedor das
obras da cidade de Lisboa, apresentou uma petio ao Senado para aumento do seu ordenado que a instituio
aprova:
Este Senado tem intentado que a fabrica dos toldos que se puzero para o dia da procisso do Corpo de Deos da
Cidade de Lixboa occidental se carrega se em receita ao supplicante em hum livro para por elle dar conta da dita
fabrica, e por que este he hum encargo que no he de sua obrigao nem expreamente do seu regimento, no pode
ficar sogeito receita e despeza mas to somente as couzas publicas que se metem na Caza das obras e porque a
fabrica referida he de grande importancia, tanto que para ella so necessarios muitos almazens de que o supplicante
ha de ter as chaves para a ter em boa arrecadaao e a este respeito sendo hua couza innovada se lhe deve dar hum
ordenado proporcionado ao dito trabalho e arrecadao com a dita fabrica e com a dominao de Almoxarife da dita
fabrica anexa ao de vedor das obraz39.
Parece ao Senado que como os toldos, paramentos e mais fabrica com que se toldaro as ruas para a procisso do
Corpo de Deus da cidade occidental se compunho de varias e numerosas pessas, carecem precisamente de duplicados
armazens em que se ho de guardar para os annos subsequentes, e de pessos de confiana, que com cuidado as tenha
em boa arrecadaao e bem acomodadas para que seno posso damnificar, assentou o Senado que s na pessoa do
supplicante ficava (f. 299v.) tudo seguro e bem guardado para elle dar boa conta ao tempo que for necessario por ter
37
38
39
AML, Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 228. Ver tambm f. 228-230.
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do seu bom procedimento larga experiencia: como porem esta occupaao por nova e insolita no seja da incumbencia
do seu officio de vedor das obras e de grande encargo na obrigao a se sogeita, se lhe deve dar de ordenado setenta
mil reis cada anno a titulo de Almoxarife desta fabrica annexo ao seu officio, a qual se lhe ha de carregar por inventario
em receita viva individualmente em hum livro particular numerado e rubricado para por elle dar conta judicialmente
de tudo que receber; com declarao que vencer este ordenado somente em que esta arrecadao durar. Lisboa
ocidental 26 de Junho de 1719
Conde da Ribeira Grande / Crispim Mascarenhas de Figueiredo/Jorge Freyre de Andrade / Nuno da Costa Pimentel /
Claudio Gorgel do Amaral / Francisco Pereira do [?] / Bartolomu [?] / Pascoal [?] / Joseph da Silva / Manuel da Silva40.
Em 1738 o encargo com Lucas Nicolao Tavares da Silva como Almoxarife da columnada ainda estava em vigor
e a ser pago41. Neste ano uma tempestade danificou muitas peas j montadas para a procisso e o carpinteiro
Joseph Martins Manuel por pedido do desembargador Hieronymo da Costa de Almeida entregou ao senado uma
detalhada relao sobre os reparos necessrios:
Orsamento que mandou fazer o Dezembargador Hieronymo da Costa de Almeida vereador do Senado da Camara que
a seu cargo tem as columnatas que se armo em o terreiro do Pao, e Rocio para a procisso do Corpo de Deos da
cidade de Lixboa occidental
Jozeph Martins Manuel carpinteiro das cidades; vendo que as ditas columnatas necessito para se tornarem a armar,
he precizo de hum grande conserto, tanto em as pedestaes, como em as columnas, e capiteis, e simalhas, e dorituras, e
paineis que tudo est em mizeravel estado, e a mayor parte das madeiras podres, e a parte das columnas, e simalhas
que troce para o arco dos pregos que o temporal deitou abaixo, o que tudo se fes em pedaos, e se ha de fazer de novo,
e para tudo se reedificar para servir alguns annos emportara os ditos consertos pouco mais ou menos em dez contos
de reis 10:000$000.
E no cazo que se mandem fazer as ditas obras ser precizo ser com tempo ao menos quatro ou sinco mezes antes da
funo por haver pouco sitio donde se fao com a largueza que se fes a primeira vez que anto estavo os almazens
no terreiro do Pao, e por assim o entender em razo do meu officio o affirmo pelo juramento do meu cargo. Lixboa
oriental 11 de Dezembro de 1738 = Jozeph Martins42.
A partir do ms de maio de 1719, quando uma grande mole de artistas e artfices foi empenhada na realizao da
nova procisso do Corpus Domini, as arquiteturas efmeras construdas para o efeito se tornaram um corpo vivo
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reparvel e renovvel ao longo dos anos43, at a sua completa destruio causada pelo terramoto de novembro de
1755 que arrasou os armazns onde estava desmontado e guardado44.
O volume do trabalho executado adquire sua dimenso real, considerando a necessidade de grandes armazns
para construir e para guardar todas as peas, pintadas ou douradas, de madeira, ferro, panos, isto , pedestais,
colunas, capitis, cimalhas, tetos pintados, tarjas, toldos, mastros, frontispcios, esculturas, anjos, etc. etc. No
dia 8 de maio de 1719 comeou o trabalho de realizao das peas e vrios despachos do secretrio de Estado
ocupam-se dos armazns do Terreiro do Pao, onde os artfices, coordenados por Ludovice, pudessem trabalhar
na construo de arquiteturas efmeras de grande tamanho. O rei autoriza o uso por alguns dias [de] alguns dos
armazens de madeira que esto [] dezocupados [] no Terreiro do Pao para nelles trabalharem alguns dos
offeciais45 e Diogo de Mendona Corte Real escreve ao conde da Ribeira Grande:
Logo que recebi o avizo do escrivo da Camara deste Senado avizey aos Marquezes de Alegrete e Fronteira para que
mandasem entregar os Armazeis de madeira do terreiro do Pao e vay a ordem incluza e nos Armazeis a haver j
para se entregarem as cordas e velas46.
Fazendo prezente a Sua Magestade que Deos guarde os dous avizos do Senado de hontem e hoje foi servido rezolver
que se expedisem as ordens para as barracas Armazeis e todas passey j, e ao Escrivo da Camara remetti agora a
ordem para o Provedor da Alfandega dar os Armazeis do terreiro do Pao sem embargo da sua replica e tambem Joo
de Leiro tem ordem para dar o Armazem que pertene a Caza das obras. [...] Deos guarde a Vossa Excelencia. Pao a 8
de Mayo de 171947.
As obras de carpinteiro, entalhador e pintor realizadas durante os fervilhantes dias de maio de 1719 podem ser
reconstrudas a partir da centena de flios relativa questo de seus pagamentos. Foi um processo demorado
que se alastrou por uns anos e produziu, em 1721, este manancial de documentos. A queixa comeou logo. Em
outubro de 1719 o secretrio de Estado escreve ao presidente do Senado:
Sua Magestade que Deos guarde me ordenou avizasse a Vossa Excelencia para que o fizesse prezente nos senados, que
era servido que se pagase a gente que trabalhou na obra que se fes por occasio da proceo de Corpo de Deos, ainda
43
Ver ad vocem in SILVA, Maria Beatriz Nizza da - D. Joo V. Lisboa: Temas & Debates, 2009; LISBOA, Joo Lus; MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis; OLIVAL,
Fernanda (coord.) - Gazetas manuscritas da Biblioteca Pblica de vora (1729-1731). Lisboa: Edies Colibri, 2002; LISBOA, Joo Lus; MIRANDA, Tiago C. P.
dos Reis; OLIVAL, Fernanda (coord.) - Gazetas manuscritas da Biblioteca Pblica de vora (1732-1734). Lisboa: Edies Colibri, 2005.
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AML, Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 191 datada 8 de maio de 1719. Ver tambm f. 192-193.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 30.
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que seja empenhandose as rendas actuaes dos senados porque os artifeces todos os dias de audiencia se vem queixar
ao mesmo Senhor da dillao do pagamento Deos guarde a Vossa Excelencia Pao 24 de Outubro de 171948.
Em 1721 a questo ainda no estava resolvida, a apresentao no ms de fevereiro dos ris dos gastos
discriminados por nmero e qualidade de peas executadas pelos artistas levantou problemas de excesso
de preo, cuja avaliao foi entregue coordenao do arquitecto-mor Joo Frederico Ludovice. Em Maro
procedeu-se a uma primeira anlise dos ris dos pintores, chamando os pintores Antnio Oliveira Bernardes e
Joseph Teixeira como especialistas da arte. Assim descreve esta primeira fase do processo o vereador Claudio
Gorgel do Amaral:
Os rois incluzos de que trato as peties dos supplicantes mostrei ao Architecto mor Joo Federico Ludovici, e vendo
os com atenso, me dice se lhe podia tirar a tersa parte assim da obra dos porticos de Dom Julio e seus companheiros
como na de Manuel Nunes e mais socios que pintaro e douraro as colunas; e porque o mesmo Architecto mor
entendeu que mandace exeminar os ditos rois por professores da arte, sem embargo do seu parecer, chamei os
pintores Antonio de Oliveira e Jozeph Teixeira pelo bom conceito que tenho delles, e no serem interessados na obra
e emcarregando lhe esta deligencia vendo e exeminando a obra da pintura que tocou a Dom Julio e mais companheiros
que pelo seu rol pertendem haver importancia de 7.570$400 reis, a puzero em 5.777$600 reis. Vindo lhe a tirar
1.792$800 reis; e fazendo orsamento a respeito da pintura e dourado das colunas de Manuel Nunes e seus socios
que pelo seu rol querem levar 8063$000reis, concordaro entre si estar bem feito a respeito do grande trabalho e
desperdicios da funso; e despois veio a minha caza o pintor Jozeph Teixeira e declarou que sem embargo de ter
concordado com outro pintor Antonio de Oliveira em estarem as avalies do dito rol bem feitas e cuidando com mais
vagar declarava entender em sua consiensia se lhe devia abater coatro mil cruzados.
Estas obras foro mandadas fazer por repeditas ordens de Sua Magestade que Deos guarde com tanto aperto pela
brevidade do tempo que se fes com muitos disperdicios dos materiais e grande trabalho dos artifices, os quais tem
esperado para ultimos pagam.tos mais de anno e meyo pelo senado no ter meyos nem ainda dinheiro a iuro [...]
Lixboa Occidental, de Maro 6 de 1721 / Claudio Gorgel do Amaral49.
A dvida de Joseph Teixeira sobre o possvel abatimento de quatro mil cruzados no rol de Manuel Nunes [Pacheco]
adiou a resoluo da questo, determinando, em abril, um segundo encontro entre vereadores, pintores e artistas
avaliadores:
Os offeciaes que trabalharo na obra dos toldos para a procisso do Corpo de Deos da cidade occidental o anno de
settecentos e dezanove requerero ao mesmo senado lhe mandasse pagar o que se lhes devia que constava dos seuz
roes, poes tinho dado comprimento a tudo o que se lhe tinha mandado fazer, e puchando o senado por todos os
roes, e vendo o grande excesso que havia em todos, e prensipalmente nos dos Pintores por se lhe haver mandado as
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AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 173. Sublinhado meu.
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tintas, o ouro, e o maes de que necessitavo; se encarregou a averiguao dos ditos roes ao Dezembargador Chrespim
Mascarenhas de Figueiredo, e ao Procurador da mesma cidade Francisco Pereyra de Viveros, para que os vissem em
caza do Thezoureiro das cidades Pedro Vicente da Sylva; mandando vir a sua prezena todos os offeciaes para verem o
que abatio, e dando conta no senado que os mesmos Pintores habatio quatro centos mil reis [...] Parece aos senados
fazer prezente a Vossa Magestade o refferido, para que seja servido madar fazer esta avaliao judicialmente pellas
mesmas pessoas com que se informou o dito Procurador Claudio Gorgel do Amaral, poes consta no so intereadas
na obra de que (f. 172v.) se trata, como so todos os maes Pintores que h nestas cidades, e ainda nos seus arredores
[...] O Procurador da cidade Francisco Pereyra de Viveiros conformandosse com o parecer dos Senados, acrescenta que
a deligenia que se fes com os carpinteiros, se fez com todos os maes offeciaes no mesmo dia, e como foy to grande a
maquina, entendero os senados que com o abatimento que os carpinteiros fizero de seis mil cruzados ficavo bem
servidos [...] Ao procurador da cidade oriental Claudio Gorgel do Amaral paree, que como estas obras foro feitas
sem ajuste, nem preceder de rematao na forma do Regimento, pelo aperto da brevidade com que foy feita, seja
Vossa Magestade servido mandar declarar a forma em que os Senados devem mandar fazer estes pagamentos a vista
do pareer do Arquiteto Mor Joo Federico, e do que intrepuzero os Pintores de que fo meno na sua preposta
incluza pelo excesso que entende haver nos ditos roes contra a fazenda dos senados, ainda habatidos os quatro centos
mil reis que tiraro em cada hum. Lixboa occidental 2 de Abril de 172150.
Considerando as anomalias burocrticas da encomenda e a diatribe entre Senado e artistas, em junho de 1721
D. Joo V resolveu ordenar se fizesse nova avalliao por louvados com asistencia do Architeto Joo Federico
Lodovisse, mostrandosselhe os res dos mesmos offeciaez com os seus abatimentos51. Alm de relatar a resoluo
do impasse, os documentos guardados no Arquivo Municipal permitem reconstruir as equipas de trabalho e suas
relaes com outros artistas de Lisboa. Os ris mais polmicos pertenceram aos pintores. Em 1719 atuaram dois
grupos. O primeiro foi liderado por D. Julio de Temine, pintor de origem genovesa, e encarregado de realizar
as partes figurativas visveis principalmente no interior do prtico criado pela colunata efmera. Ele prprio
subscreve:
Diz Dom Julio Cezar de Temine e os mais Pintores socios na obra de Pintura dos Porticos que serviro na solemnidade
do dia do Corpo de Deos [...]que elles tem dado inteira satisfao a tudo o quelhes foy ordenado por ordem de Vossa
Excelencia; e segundo a direco do Architecto Joo Federico Ludovici, e porque querem haver seu pagamento
reprezento a Vossa Excelencia o que entendem se lhes deve satisfazer pela dita obra52.
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AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 172-172v. Sublinhado meu.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 170-170v.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 183.
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Giuseppina Raggi
Por sessenta e seis medalhas todas doiradas por ambas as bandas, com seus serafins pendentes tambem dourados e
seus ramilhetes de flores a vinte e sinco mil reis cada huma [...] Por vinte e quatro medalhas que se repartiro pelas
ruas pintadas, e doiradas por onde foi necessario a quatorze mil reis cada huma [...] Por dois paineis do Santissimo
Sacramento a sento e sincoenta mil reis cada hum [...] Por sessenta e seis panos que formo o tecto dos porticos
pintados conforme a idea do Architecto a sincoenta mil reis cada hum [...] Por seis panos pintados de Brotesco amarelo
[...] Por sessenta e quatro piramides dos Laureis e Mitras douradas por huma banda, e os pedestaes com as volutas
tambem douradas; e os quadrados do mesmo modo, e o mais de pedra fingida a dezoito mil reis cada huma [...]53.
Graas ao texto de Barbosa Machado pode-se reconstruir num todo as peas citadas pelo pintor D. Jlio Temine
e seus scios:
Nellas [columnas] se adoravo pela face principal diversas imagens, huma de Christo, representando a sua Effigie ao
natural, outras da Senhora, e outras do Santissimo Sacramento collocado sobre hum caliz, entre muitos resplendores;
no reverso tinho pintadas sobre ouro as Armas do Eminentissimo Patriarca e as Reaes do Senado de Lisboa. Para
seu ornato tinha cada medalha hum Serafim de ouro suspenso, e entre azas tinha hum mlho de flores imitadas ao
natural. [] Por cima de toda a simalha se levantou a prumo de cada columnata hum cepo de varias faces e nelle hum
pedestal pyramidal, cujo remate fazia huma voluta em cada lado [] Este remate, e volta do pedestal ero douradas,
e o mais era marmore branco com veyos azuis: este pedestais sustentava as Armas da Santa Igreja Patriarcal, que
consta de hum ramo de platano, e outro de palma [] e superior a estes ramos se via a Mitra preciosa dourada []
Esta era o adorno da arquitectura, que tinho os porticos pela parte exterior, e pela interior era igualmente magnifica,
e bem desenhada; tinho seu arquitrave, friso e simalha [] Sobre esta formosa simalha descanava o tecto interior
feito maneira de esteira de tal sorte que duas columnas por hum lado, e dua por outro lado, sustentavo hum painel
[] Constavo geralmente os porticos de vinte e quatro paineis, que por serem de grandeza excessiva, cada hum se
compunha de duas metades [] Cada painel fingia uma concavidade de quatro faces, ornadas de varias molduras []
Em cada hum dos lados mayores se representava hum cepo, que mostrava pedra azul em forma teathral, fazendo
nos dous lados duas faces directas, sobre as quaes estavo collocados vasos dourados feitos com bizarria; os que
pelas bocas lanavo aromaticos perfumes em obsequio do Santissimo, que estava pintado em huma medalha no
meyo delles. Todas estas medalhas ero guarnecidas de quartella de perfeita arquitectura, e cada medalha tinha dous
Serafins, que assistio reverentes ao mesmo Senhor Sacramentado. Das quartellas, que guarnecio medahas, sahio
muitos festes de flores pintadas ao natural, e estes festes se prendio em flores dourados, que se colocaro no
tecto em lugares muy proprios, prexos com fitas54.
Para realizarem todo o conjunto pictrico, a equipa de Jlio Temine trabalhou contemporaneamente liderada
por Manuel Nunes Pacheco e Manuel Freire, da qual faziam parte outros artfices entre os quais Manuel Francisco
53
54
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
de Mesquita. Eles contabilizam a obra que fizemos no Terreiro do Pao e Rocio55 e discriminam cada tarefa
executada, entre as quais:
Emporta a obra de dourado e pintura que fis por ordem deste supremo senado o anno passado de 1719 de sociedade
com o mestre pintor Manuel Nunes e mais companheiros em toda a obra das colunas que se puzero no terreyro do
passo e no rossio; que constava de todos os capiteis e vazos e plintos e florois de talha e florres grandes e pequenas
de xumbo que se puzera pela simalha [...]56.
Na nova avaliao por louvados ordenada por D. Joo V, o senado serviu-se dos pintores chamados para o
primeiro abatimento decidido em maro de 1719, Antnio de Oliveira Bernardes e Joseph Teixeira. Neste caso,
porm, os suplicantes puderam escolher tambm dois louvados, indicando para esta tarefa os pintores Pascoal
da Silva e Antnio Pimenta Rolim. No dia 20 de junho de 1721, na presena de Joo Frederico Ludovice e dos
principais senadores, so redigidos os termos de juramento e de louvamento57. No dia 30 de junho, reunidas
todas as partes, chega-se concluso:
Certificamos nos Antonio de Oliveira Bernardes e Jozeph Teixeira e Antonio Pimenta e Pascoal da Sylva Pintores e
moradores nesta cidade de Lixboa que nos fomos ver e avaliar por ordem do senado da Camara occidental as obras
de pintura que fez Dom Julio Sezar e seus companheiros na funo do Corpo de Deus no anno de mil e settecentos e
dezanove e achamos o seguinte [....] (f. 216v.) Lixboa Occidental Trinta de Junho de 1721 Joo Federico Ludovice /
Antonio de Oliveira Bernardes / Antonio Pimenta Rolim / Jozeph Teixeira / Pascoal da Sylva58.
Pintura Certificamos nos Antonio Oliveira Bernardes e Jozeph Teixeira e Antonio Pimenta e Pascoal da Sylva []
obra de pintura que fez Manoel Nunes e Manoel Freire e seus companheiros e vimos com muita ateno e achamos
que todas as adies esto postas na boa rezo desde a primeira at a ultima do seu rol e por assim emtemdermos o
juramos [...] declaramos que o contheudo deste rol com o abatimento dos seis centos e sessenta e seis mil e quinhentos
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 178. Para outros documentos pertencentes ao Manuel Nunes e seus companheiros
ver tambm f. 174; 179-180.
55
56
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 181-181v, documento assinado por Manuel Francisco de Mesquita.
58
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 188: Termo de juramento de Jozeph Teixeira para a avaliao das obras de
pintura dos mestres pintores Manuel Nunes e Dom Julio Sezar de Temine que fizero para as colunatas da procisso do Corpo de Deos; f. 189, Termo de
louvamento dos pintores Temine e Nunes, em que se louvavo em o mestre pintor Pascoal da Sylva para avaliar as obras que tinho feitos nas colunatas
dos toldos da procisso do Corpo de Deus; f. 189v., Termo de juramento de Pascoal da Sylva; f. 205, Termo de juramento dado aos louvados por parte
do senado da Camara [] Jozeph Teixeira / Antonio Oliveira Bernardes; f. 206, Termo de louvamento dos pintores: [] Na caza da camara de Lisboa
occidental aparecero Dom Julio Sezar de Temine e Manoel Nunes mestres pintores e por elles foi dito se louvavo em os mestres Pascoal da Silva e Antonio
Pimenta mestres pintores para avaliarem a obra que elles haviam feito [...] tanto das colunatas como dos toldos [...] Manoel Nunes Pacheco / D. Julio Cesar
de Temine/Manuel Freire de Mesquita; f. 206v., Termo de juramento dos louvados dos pintores []Antonio Pimenta Rolim/Pascoal da Silva.
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Giuseppina Raggi
e quarenta reis que abatero Manoel Nunes e Manoel Freire e seus companheiros ficar a fazenda muito utilizada por
emtendermos com este abatimento ser muito racional [] Lixboa Occidental 30 junho 1721 / Joo Federico Ludovice
Pascoal da Sylva Jozeph Teixeira Antonio Pimenta Rolim Antonio de Oliveira Bernardes59.
Os escultores envolvidos na construo dos prticos foram Domingos da Costa, Manuel Machado e Claudio
Laprada [Claude Laprade]. Eles tambm apresentam o rol dos gastos em fevereiro de 1721 da obra de escultura
[] pera a nova fabrica que se fes em o terreiro do Passo e Rosio60, declarando:
Domingos da Costa Silva e Claudio Laprada mestres do officio de escultor certificamos que nos fizemos os rematos
e figuras para os porticos dos todos do terreiro do passo e rosio que tudo emporta o seguinte: seis figuras de dozes
palmos cada huma de gioelhos todas redondas com suas asas feitas por ambas as partes [...] Tres paineis de relevado
[...] com huma gloria de Anjos [...] e revistidos de rayos [...] tres remates em forma de pedestais, dos frontespicios
guarnecidos com molduras, quartolas e festois [...]61.
Em 22 de fevereiro de 1721 os entalhadores Joo Vicente e Jernimo da Costa tinham entregue tambm o seu
rol, lembrando que fizero a obra de talha [] capiteis, vazos e florois para a nova obra que se fes no terreiro
do pao e rocio62. Antnio Joo Lisboa, mestre latoeiro de fundio, ficou a receber pelo que elle fez por
ordem do Arquiteto Joo Federico [] os florois e cruzes de chumbo e estanho e mais couzas necessarias pera a
goarnia dos capiteis das colunas e mais obra nova que se fez em o terreiro do Pao e Rocio63. Mais uma vez a
descrio da obra publicada por Incio Barbosa Machado oferece a viso geral e o resultado artstico dos trabalhos
quantificados e elencados nos documentos de pagamento. O conjunto de grande impacto visual e demonstra a
presena de um desenho unitrio e inovador, onde pintura, escultura e talha se fundem e a arquitetura, alm de
efmera, muito deve arte e ao conhecimento da quadratura, isto , pintura de espaos verosmeis atravs do
uso sapiente da perspetiva, das propores das ordens arquitetnicas, do fingimento dos materiais e da riqueza
dos ornatos:
No meyo dos porticos tambem se fez outro corpo de quatro pilares quadrados que junto, e diante de si, tinho outras
quatro columnas, que resaltavo, e compunho outras duas fachadas do frontispicio. [] A ordem de to magnifico
portico era Jonica, muito propria, para os ornamentos com que se revestio para o dia da solemnidade [] Coroavose as columnas, e pilares com huma larga, e formosa simalha, que tinha molduras de excelente relevo [] No meyo
de cada intercolunio havia dentro do friso hum grande floro dourado, e de bem feita e relevada talha. Destes flores
59
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 217. Ver tambm f. 219-220: 2 avalliao feita na forma da rezolluo de Sua
Magestade da Consulta incluza [] Sertificamos nos [] que fomos ver e avaliar a obra de pintura que fez Dom Julio Sezar a seus companheiros [] e f.
225-226: Rol dos pintores Manoel Nunes e Manoel Freire com avaliao e abatimento de 666$540 reis.
60
61
62
63
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 192; ver tambm f. 191-191v.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 193; ver tambm f. 194.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 198; ver tambm f. 195; 196 e o rol na f. 198-198v.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 200; ver tambm o rol na f. 201.
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
pendio cincoenta e duas grandes medalhas [] cubertas de ouro em ambas as faces. [] Pendio estas preciosas
medalhas por vares de ferro do comprimentos de seis palmos; inveno que resistio ao impulso furioso do vento
para no derriballas por terra [] Estes magestosos frontispicios, que ficavo no meyo dos porticos, mostravo nos
seus vos triangulares em figuras relevadas hum cordeiro [] Sobre o mysterioso livro dos sete sellos do Apocalypse,
a quem sustentavo muitos Anjos e Serafins, cercado tudo de luzes, e resplendores [] Sobre os dous resaltos das
columnas, em que principio os frontespicios havia quatro Anjos dourados em cada hum de doze palmos de alturas;
os quaes com reverentes adoraes veneravo prostrados o Divino Cordeiro, e o Augustissimo Sacramento. No ultimo
remate, ou termo destes frontispicios havio uns engraados pedestaes, a que aos lados acompanhavo quartellas e
festes dourados com medalhas levantadas e guarnecidas de louro e no meyo a Custodia com o Santissimo [] Esta
era o adorno da arquitectura, que tinho os porticos pela parte exterior, e pela interior era igualmente magnifica, e
bem desenhada; tinho seu arquitrave, friso e simalha [] Todas estas medalhas ero guarnecidas de quartella de
perfeita arquitectura, e cada medalha tinha dous Serafins, que assistio reverentes ao mesmo Senhor Sacramentado.
Das quartellas, que guarnecio medahas, sahio muitos festes de flores pintadas ao natural, e estes festes se
prendio em flores dourados, que se colocaro no tecto em lugares muy proprios, prexos com fitas64.
Em 22 de junho de 1721 foram redigidos os termos de juramento e louvor dos avaliadores das obras de escultura
e de talha, escolhidos por ambas as partes. O Senado de Lisboa Ocidental chamou os escultores Manuel Dias
e Manuel de Andrade Morrio para avaliarem o rol apresentado por Domingos da Costa, Manuel Machado e
Claudio Laprada65. Por parte deles, esses artistas se louvavo para avaliarem as obras que de seu oficio fizeram
para as colunatas e toldos da procisso [...]. em Antonio da Costa e Domingos Affono mestres do dito officio66.
Como avaliadores da obra de talha, o senado encarregou Miguel Francisco e Joseph da Costa67, enquanto que os
entalhadores Joo Vicente e Heronimo da Costa e por elles foi dito a mim escrivo se louvavo para a avaliao
que se havia de fazer da obra que fizero de emtalhado em os mestres Antonio da Costa e Santos Pacheco68.
Assim, os escultores e entalhadores escolhem conjuntamente Antonio da Costa, nomeando especificamente
Santos Pacheco para analisar o rol da talha e Domingo Affonso o da escultura. No dia 3 de Julho procedeu-se
avaliao da obra de escultura:
Dizem-nos os mestres Manoel de Andrade e Manoel Dias e Antonio da Costa e Domingos Affonso valhem que nos
somos noteficados [...] para effeito de medirmos e avaliarmos as obras que fizero de seu officio de escultura os
mestres Domingos da Costa e Sylva, e Claudio Laprada, e Manoel Machado [...] o que nos foy mostrado pello Procurador
64
66
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 203, cujo termo de juramento se encontra na f. 203v.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 202v; ver tambm f. 202, onde se encontram citados todos os especialistas
escolhidos pelo senado: para a obra de pintura Jozeph Teixeira e Antonio de Oliveira; e para a obra de escultura Manoel Dias e Manoel de Andrade
Morria e para obra de talha a Miguel Francisco e Jozeph da Costa (documento datado 26 de junho de 1721).
65
67
68
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 208: Termo do juramento dado aos louvados de emtalhador.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 208v.; ver tambm f. 209: Termo de juramento aos louvados dos emtalhadores.
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Giuseppina Raggi
do Senado Claudio Gorgel de Amaral perante o Dezembargador Chrespim Mascarenhas e o Arquiteto das obras de Sua
Magestade que Deos guarde Joo Federico Lodovicus, e por elles nos foi dito atendecemos aos abatimentos que os
Mestres fazio do vallor da sua despeza, e as despezas que o senado tinha feito na recuperao da obra por causa do
preo lizo della a respeito da presa com que foi obrada em a primeira funo [] (f. 212) que tudo afirmamos [...] se
nos foi imposto e declarado pello Arquiteto Joo Federico Ludoviquo segundo o decreto de Sua Magestade (f. 212 v.)
afirmamos ser este o liquido preo do seu vallor [...] Lixboa occidental em tres de Julho de mil setecentos e vinte hum
annos // Domingos Affonco Vallez / Manoel Dias / Manoel de Andrade / Antonio da Costa / Joo Federico Ludovice69.
Avaliao dos mestres Miguel Francisco e Jozeph Costa e Antonio da Costa e Sanctos Pacheco das obras de emtalhador
[] (f. 215) com todas as condies que pello dito senado se nos foi em posto e declarado pello arquiteto Joo Federico
Lodovice segundo o decreto de Sua Magestade que Deos Guarde e afirmamos ser este o liquido preo de seu valor []
Lixboa occidental em nove de Julho de mil e sette centos e vinte e hum, Sanctos Pacheco / Antonio da Costa / Miguel
Francisco e Silva / Jozeph da Costa / Joo Federico Lodovice70.
Em agosto de 1721 o alargado processo estava definitivamente encerrado. A sntese da diatribe relatada no
documento de nova definio e quitao dos pagamentos aos artistas:
Por resoluo de 14 de Junho do anno prezente [1721] [...] foy Sua Magestade servido ordenar se fizesse nova
avalliao por louvados com asistencia do Architeto Joo Feredico Lodovisse, mostrandosse lhe os res dos mesmos
offeciaez com os seus abatimentos, e feita avaliao se fizesse prezente a Vossa Magestade [...] E dando os senados
logo a execuo a Real rezoluo [...] a que asestio tambem o Procurador da Cidade Oriental Claudio Gorgel do Amaral,
por se lhe haver encarregado no principio esta averiguao, como se v do escrito junto mesma consulta, em que
fizero prezente a Vossa Magestade o excesso que havia nos res porque pertendio serem pagos os Pintores dos
Payneis, e da columnas; os Escultores e entalhadores das obras que havio feito para a fabrica dos toldos da procisso
de Corpos, para que Sua Magestade fosse servido ordenar se fizesse a dita avaliao judicialmente; [...] se fizero as
avaliaes que consto das certidez incluzas, em que concordes os louvados de humas e outras partes com asistencia
e aprovao do Architeto Joo Federico Lodovici, ao qual se manefestaro os res, e abatimentos que se havio feito,
e reduziro as importancias dos ditos res que os Artifices das refferidas obras havio fabricado desordenadamente
aos lemites da razo, tirando em alguns o excesso to grande que tinho contra a fazenda das cidades, como no da
obra da Pintura de Dom Julio Sezar de Femini [Temine] e seus companheiros, que lhe tiraro maes de cinco mil
cruzados. (f. 170v.) Parece aos Senados fazer prezentes a Vossa Magestade que na forma das ditas avalliaes [...] seja
69
70
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 210-212v.; ver tambm f. 218-218v., e 221-222.
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 213 215; ver tambm f. 223.
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
Vossa Magestade servido mandar pagar a estes Artificez as importancias das suas obras, ficando de nenhum effeito os
res porque pertendero serem pagos [...] Lixboa oriental 30 de Agosto de 172171.
Nos documentos do Arquivo Municipal de Lisboa evidencia-se o grande esforo que foi feito em 1719 para
realizar em tempo, deveras breve, a magnfica mquina efmera da procisso do Corpus Domini, da qual o nncio
apostlico de Lisboa deixa uma sugestiva memria:
La gran processione del Corpus Domini fu poi celebrata con tanta straordinaria magnificenza che non immaginabile
n cos facile a farne il racconto, oltre il suo ordine che mai rimase interrotto bench durasse quasi nove hore, et il
numero de processanti passase i 13/m contati, seguitando per ultimo il Santissimo portato da Monsenhor Patriarca
il Re e suoi fratelli con il manto dellAbito di Cristo e dellatri due ordini di Avis e di SantJago, il che fu di sommo
contentamento alla Maest Sua, che i giorni precedenti si era applicato indefessamente per ordinarla in forma
che non vi nascessero disturbi, n contese, e veramente consegui a pieno lintento che meritava il suo gran zelo,
piet e generosit reale. Lapparato delle strade per tutto il giro che sar quasi di mezza lega era superbissimo non
riconoscendosi dalli tetti sino a terra alcun segno di muro, e le botteghe erano ridotte in forma di stanze guarnite tutte
di arazzi; li due colonnati erano magnifici, ricchissimamente (f. 160v.) ornati con damaschi, taffetano e frange doro
nuove con sue cascate e gran fiocchi in mezzo di oro, e seta, dicendosi senza esagerazione che tutta la spesa passer di
500/m cruciati almeno di denaro sborsato. La quantit della cera incredibile, il popolo spettatore immenso. Le altre
particolarit pi distinte di funzione si grandiosa et inaudita si vederanno brevemente in una relazione che gi si sta
imprimendosi non essendo possibile di restringere in poca carta, mentre infino fece Sua Maest distribuire circa otto
arrobbe di finissime Pastiglie alli Artisti del giro della Processione per bruciarle in strada quando questa pass, il che
puntualmente eseguirono72.
Apesar das palavras do prelado italiano, infelizmente o texto de Barbosa Machado permaneceu em forma
manuscrita at 1755 e redigido em pouqussimos exemplares. A deciso de public-lo, explicada pelo autor para
que o terramoto no destrusse tambm a memria do evento, no foi acompanhada por gravuras como era
cannico em impressos sobre celebraes e festas. O facto de no o ter editado logo em 1719, a perda de todos
os desenhos de Filippo Juvarra guardados na biblioteca do Palcio Real da Ribeira e o desconhecimento de flios
de Ludovice que possam ser relacionados com a planificao, impediu, provavelmente, a difuso da memria
grfica da grande mquina efmera. Fica a memria descritiva da solenidade celebrada no dia 8 de junho que,
cruzada com os documentos do Arquivo Municipal, permite imaginar a cores a beleza sumptuosa deste evento
extraordinrio que, apesar da firme vontade de D. Joo V, nunca mais resultou to composto, participado e bem
sucedido como em 171973:
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 170-170v.; ver tambm f. 227v: Do senado da Camara Oriental / Sobre pagamentos
se ho de fazer aos Pintores, Entalhadores e Escultores que trabalharo as obras dos toldos da procisso de Corpus.
71
72
AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Oriental, f. 81, 82-82v., 85-85v., 87, 91 e 95. Flios onde se podem consultar os documentos
relativos a 1723 com precisas instrues sobre a maior decncia com que deviam ser armadas as ruas por onde passava a procisso.
73
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Giuseppina Raggi
Entrando no Terreiro do Pao, a mayor Praa que tem algum Principe de Europa, fundada nas margens de hum rio
to caudaloso, como he o dourado Tejo, ficava suspenso o discurso na vista daquella sumptuosa columnata que foy
fabricada em quatro semanas [...] Esta soberba columnata do Terreiro do Pao era to dilatada, e occupava tanto vo,
que montavo os seus palmos superficiaes [] bastante terreno para a fabrica de hum Palacio grande: constava toda a
sua maquina de sessenta e huma columnas, e quatorze pilares quadrados, quatro magestosos frontispicios, cincoenta
e duas medalhas, e tanta pyramides, e remates como pedia o magnifico ornato de to grande, e magestoso edificio:
comeava esta columnata do Palacio Real na porta, com que se communica o Terreiro do Paco com o largo do relogio,
e vinha fechar com huma volta angular no antigo, e celebrado arco dos pregos, e neste comprimento havia setecentos
palmos [] No angulo dos porticos donde volto para o arco dos Pregos se formava hum corpo de quatro pilares
quadrados, que pelas partes exteriores tinha resaltos de columnas inteiras []74.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes Manuscritas
ROMA
Archivio Segreto Vaticano
Segr. Stato, Portogallo 73 e 75
LISBOA
Fontes Impressas
CASTRO, Joo Bauptista de - Mappa de Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno,
1762-1763. Tomo III.
MACHADO, Igncio Barbosa - Histria critico-chronologica da instituiam da festa, procissam, e officio do Corpo Santssimo
de Christo Lisboa: Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1759.
74
128
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A FORMOSA MAQUINA DO CEO E DA TERRA: A PROCISSO DO CORPUS DOMINI DE 1719 E O PAPEL DOS ARQUITETOS FILIPPO JUVARRA E JOO FREDERICO LUDOVICE
Bibliografia
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de vora (1729-1731). Lisboa: Edies Colibri, 2002.
LISBOA, Joo Lus; MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis; OLIVAL, Fernanda (coord.) - Gazetas manuscritas da Biblioteca Pblica
de vora (1732-1734). Lisboa: Edies Colibri, 2005.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa. Lisboa: Typografia Universal, 1882-1911.
12 Tomos.
PIMENTEL, Antnio Filipe - Arquitectura e poder: o Real Edifcio de Mafra. Lisboa: Livros Horizonte, 1989.
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ALESSANDRINI, Nunziatella (coord.) [et al.] - Le nove son tanto e tante buone, che dir non se p Lisboa dos Italianos: Histria
e Arte (scs. XIV-XVIII). Lisboa: Ctedra A. Benveniste, 2013. p. 189-218.
RAGGI, Giuseppina - La circolazione delle opere della stamperia De Rossi in Portogallo. In ANTINORI, Aloisio (coord.) Studio darchitettura civile: gli atlanti darchitettura moderna e la diffusione dei modelli romani nellEuropa del Settecento.
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RAGGI, Giuseppina - Filippo Juvarra: Desenhos para Lisboa. In PIMENTEL, Antnio Filipe (coord.) - A arquitetura
imaginria: pintura, escultura, artes decorativas. Lisboa: MNAA, 2012. p. 180-183.
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[et al.] - Di buon affetto e commerzio: relaes luso-italianas nos sculos XV-XVIII. Lisboa: Centro de Histria de Alm-Mar;
FCSH/UNL, 2012. p. 175 - 209.
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SILVA, Maria Beatriz Nizza da - D. Joo V. Lisboa: Temas & Debates, 2009.
129
Ana Rosado***
submisso/submission: 21/03/2014
aceitao/approval: 20/04/2014
RESUMO
O prdio de rendimento, enquanto edifcio construdo de raiz para alojar diferentes famlias sob regime de
aluguer, teve particular desenvolvimento em Lisboa na primeira metade do sculo XVIII. A Lisboa joanina poder
mesmo ter constitudo o espao de experimentao da habitao multifamiliar urbana que preparou o caminho
para a sistematizao operada pelo prdio de rendimento pombalino. Nesse contexto geogrfico e cronolgico
destaca-se o edifcio corrente de trs/quatro pisos e dois fogos por piso, inveno da Idade Moderna que constitui
o tema central do presente artigo.
* Joo Rosa Vieira Caldas licenciado em Arquitetura ( Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, 1977), mestre em Histria de Arte (Faculdade de Cincias,
Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa 1988), doutorado em Arquitetura (Instituto Superior Tcnico- Universidade Tcnica de Lisboa, 2007),
dividiu a sua atividade profissional entre a prtica da arquitetura, o ensino, a investigao e a crtica. Atualmente professor de Histria e de Teoria da
Arquitetura no Mestrado Integrado em Arquitetura do Instituto Superior Tcnico, leciona no Curso de Doutoramento em Arquitetura do mesmo Instituto
onde tambm se dedica investigao no quadro do Instituto de Engenharia de Estruturas, Territrio e Construo. Correio eletrnico: jvieiracaldas@
tecnico.ulisboa.pt
** Maria Gonalves Frazo da Rocha Pinto concluiu o Mestrado em Arquitetura no Instituto Superior Tcnico (Universidade de Lisboa, 2013) com a
dissertao A habitao corrente da poca pr-industrial em Lisboa: o caso do Bairro da Bica. Correio eletrnico: [email protected]
*** Ana Costa Rosado mestre em Arquitetura pelo Instituto Superior Tcnico (2013) com a dissertao A habitao caracterstica do Antigo Regime na
encosta de Santana: Tipologias e Modos de Habitar. Em 2011/2012 estudou na University of Tecnology Graz (ustria) ao abrigo do programa Erasmus.
Realizou 6 meses de estgio no atelier RieglerRiewe Architekten, em Graz, ustria (2012). Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 130 - 156
131
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
PALAVRAS-CHAVE
Bairros histricos de Lisboa / Antigo Regime / Habitao plurifamiliar / Compartimentao
ABSTRACT
Built from the scratch to house several families, the so-called income building knew a booming development
in the first half of the eighteenth century. One may say that it was during the reign of D. Joo V that were laid the
foundations of the urban multifamily housing, later systematized with the pombaline income building. In this
geographical and chronological context stands out the common three/four storeys building with two dwellings
per floor that may be regarded as a pre-modern invention and is the heart of this article.
KEYWORDS
Lisbon historical neighbourhoods / Eighteenth Century / Multifamily housing / House plan
1 INTRODUO
O prdio de rendimento, entendido como um edifcio construdo de raiz (ou radicalmente transformado) para
albergar vrias famlias, sem lao de parentesco necessrio, em fogos separados e em regime de aluguer, teve
larga e prematura difuso na Lisboa do Antigo Regime.
Em geral, quando se fala na origem do prdio de habitao para rendimento enquanto tipologia arquitetnica
consolidada, em Lisboa, quase sempre o edifcio de habitao plurifamiliar pombalino que se tem em mente.
No entanto, os poucos estudos at agora realizados que, de alguma forma, abordam a temtica da arquitetura
urbana corrente pressupem uma difuso do prdio de habitao plurifamiliar, na capital, muito anterior
sistematizao da tipologia prdio de rendimento resultante da reconstruo pombalina. Essa difuso, sugerida
por alguma iconografia1, tem sido comprovada pela documentao de arquivo e pelo estudo de edifcios ou partes
de edifcios anteriores ao Terramoto e ainda existentes nos chamados bairros histricos.
1
Desde a iluminura com a perspetiva da rua Nova dos Mercadores do Livro de Horas de D. Manuel, f. 180 (Museu Nacional de Arte Antiga), at ao desenho
aguarelado de Zuzarte representando o lado oriental Rossio e, mais importante para o caso, parte do lado sul, antes do Terramoto de 1755 (Coleo
particular).
132
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
O conhecimento slido da histria do edifcio urbano corrente, destinado a habitao plurifamiliar, em Lisboa,
s , no entanto, possvel atravs de uma investigao simultnea em mltiplas frentes que faa uma anlise
sistemtica bairro a bairro, rua a rua, dos prdios datveis do Antigo Regime, cruzando o trabalho de campo com
dados de diferentes arquivos2.
Uma investigao deste tipo, para ser levada a bom termo, exige a participao de equipas multidisciplinares
e meios de investigao alargados. Porm, a acelerada degradao da habitao nos bairros histricos; a
permissividade no que respeita interveno em edifcios antigos inscrita no atual enquadramento legal do
licenciamento urbanstico, que, entre outros aspetos, admite a possibilidade de realizao de alteraes profundas
sem a correspondente obrigatoriedade de registo do estado anterior s obras, obliterando-o do ponto de vista da
memria futura; a profuso de aes que se dizem de reabilitao mas que resultam numa destruio total dos
edifcios exceo das fachadas principais3, levaram-nos a refletir sobre o estado da questo, apoiando-nos no
conhecimento parcelar que, apesar de tudo, j foi produzido e num conjunto de trabalhos de investigao recentes,
materializados em dissertaes de Mestrado Integrado em Arquitetura cujos resultados nunca foram publicados4.
O tema do prdio de habitao corrente em Lisboa comeou a surgir com alguma relevncia em trabalhos dos
anos de 1990 sobre o Bairro Alto, mas s em anos mais recentes foi alvo de raros estudos mais especficos entre
os quais se destacam algumas dissertaes acadmicas e os artigos de Maria Helena Barreiros. Hlder Carita
aborda o assunto no captulo sobre Arquitetura Verncula do seu estudo pioneiro sobre o Bairro Alto5. Antnio
2
Processos de Obra e Livros de Cordeamentos no Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livros da Dcima da Cidade de Lisboa e seu Termo no Arquivo Histrico
do Tribunal de Contas (AHTC), Ris de Confessados em arquivos paroquiais e no Arquivo Histrico do Patriarcado de Lisboa (AHPL), Contratos Notariais no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT).
3
Realidades que tornam paradoxal a noticiada inteno do municpio de candidatar os bairros histricos a Patrimnio Mundial.
CARITA, Helder Bairro Alto: tipologias e modos arquitectnicos. 2 edio. Lisboa: Cmara Municipal de Lisboa, 1994.
Inserem-se numa linha de investigao informal, no financiada, sobre o prdio de habitao plurifamiliar corrente na Lisboa do Antigo Regime,
desenvolvida no contexto do Mestrado Integrado em Arquitetura do Instituto Superior Tcnico e conduzida por Joo Vieira Caldas, no mbito da qual j
foram concludas quatro dissertaes de mestrado: GONALVES, Ana Rita Valadas Habitao plurifamiliar "no-pombalina" : casos de estudo em Lisboa
entre os sculos XVII e XIX. Lisboa: [s.n.], 2011. Dissertao de Mestrado em Arquitetura apresentada ao Instituto Superior Tcnico, Universidade Tcnica de
Lisboa; MATOSO, Joana Parracho A habitao corrente de poca pr-industrial em Lisboa: o caso do Bairro da Madragoa. Lisboa: [s.n.], 2013. Dissertao
de Mestrado em Arquitetura apresentada ao Instituto Superior Tcnico, Universidade de Lisboa; PINTO, Maria Gonalves Frazo da Rocha A habitao
corrente de poca pr-industrial em Lisboa: o caso do Bairro da Bica. Lisboa: [s.n.], 2013. Dissertao de Mestrado em Arquitetura apresentada ao Instituto
Superior Tcnico, Universidade de Lisboa; ROSADO, Ana Costa A habitao caracterstica do Antigo Regime na encosta de Santana: tipologias e modos de
habitar. Lisboa: [s.n.], 2013. Dissertao de Mestrado em Arquitetura apresentada ao Instituto Superior Tcnico, Universidade de Lisboa. Constituram
referncia fundamental para estas dissertaes os trabalhos j publicados de Maria Helena Barreiros, em particular o artigo Prdios de rendimento entre
o joanino e o tardopombalino. In Patrimnio arquitectnico: Santa Casa da Misericrdia de Lisboa. Lisboa: SCML, 2010. vol. II, tomo 1, p. 16-39, autora que
est a desenvolver uma tese de doutoramento sobre A habitao multifamiliar pombalina: composio e afirmao de um programa arquitectnico, inscrita
na FA.UP e orientada por Francisco Barata Fernandes e por Joo Vieira Caldas. Maria Helena Barreiros tem tambm dado apoio linha de investigao
acima referida seja atravs da co-orientao de dissertaes (GONALVES, Ana Rita Valadas Habitao plurifamiliar "no-pombalina", 2011), seja atravs
da arguio nas respectivas provas pblicas (PINTO, Maria Gonalves Frazo da Rocha A habitao corrente da poca pr-industrial em Lisboa: o caso do
Bairro da Bica, 2013).
4
133
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
Reis Cabrita, Jos Aguiar e Joo Appleton, no Manual de apoio reabilitao dos edifcios do mesmo bairro6,
desenvolvem-no talvez um pouco mais. Ambos os trabalhos revelam j algum interesse pela compreenso da
organizao do espao interno dos fogos, mas Helena Barreiros quem tem tentado explorar, como um todo
ainda que preferencialmente estudando a casa pombalina , o processo que vai da encomenda realidade
construda, passando pela conceo espacial e funcional dos fogos e respetivos acessos no interior do prdio7.
De facto, embora nalguns trabalhos em torno do tema j tenham sido esboadas tentativas de compreenso
do prdio pombalino enquanto edifcio de habitao plurifamiliar necessariamente adaptvel variedade de
dimenso e situao dos lotes que couberam por compensao, aps o Terramoto, a cada proprietrio, a maior
parte dos autores que se lhe refere continua, tanto no que toca aos seus aspetos estruturais e construtivos, como
s reas semipblicas trios e caixas de escadas e, por vezes, ao tipo e composio dos fogos, a repetir um
modelo arquetpico sem correspondncia numa realidade efetivamente muito mais complexa. Ainda assim, no
que toca ao campo da habitao coletiva, o prdio de rendimento pombalino, apesar de pouco aprofundado,
acabou por ofuscar as restantes formas de habitao corrente setecentista, em particular as que esto na base da
sntese pombalina.
Embora conscientes de que se trata apenas de mais um passo na investigao de um campo que ainda se encontra
nos seus primrdios, com o presente trabalho pretendemos, justamente, dar uma contribuio para a melhor
compreenso do que seria o prdio de rendimento numa primeira metade do sculo XVIII grosseiramente
delimitada, na convico, com Maria Helena Barreiros, de que a Lisboa joanina constituiu um importante espao
de experimentao da habitao plurifamiliar destinada a aluguer, confirmada e desenvolvida pelo conjunto de
dissertaes de Mestrado Integrado atrs referidas8. A investigao que as suporta vem corroborar e estender a
outras zonas da cidade j consolidada no perodo joanino, ainda que perifrica, algumas das concluses apontadas
nos trabalhos de pesquisa precedentes, em particular nos que se debruaram sobre o Bairro Alto.
Confirma-se, assim, a predominncia do lote estreito e comprido de origem medieval, correspondente a edifcios
de trs ou quatro pisos com um fogo por piso. De igual modo se verificou que esses fogos eram maioritariamente
constitudos por trs compartimentos dispostos em linha sala para a frente, cozinha para trs e quarto ou
alcova interior [Fig. 1A] , sendo tambm relativamente comum, em lotes ligeiramente mais largos e curtos, uma
6
CABRITA, Antnio Reis; AGUIAR, Jos; APPLETON, Joo Manual de apoio reabilitao dos edifcios do Bairro Alto. Lisboa: Cmara Municipal de Lisboa/
LNEC, 1993.
BARREIROS, Maria Helena op. cit. (cf. nota 4). BARREIROS, Maria Helena Casas em cima de casas: apontamentos sobre o espao domstico da Baixa
Pombalina. Monumentos. N 21 (2004), p. 88-97. BARREIROS, Maria Helena Habitar a Real Praa do Comrcio: casas pombalinas no eixo Alfndega
Arsenal. In FARIA, Miguel Figueira de (coord.) Do Terreiro do Pao Praa do Comrcio: histria de um espao urbano. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda/Universidade Autnoma de Lisboa, 2012. p. 135-155.
Cf. nota 4.
134
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
Figura 1A Calada de Santana n 85-87 (planta simplificada).
Desenho de Ana Rosado.
Figura 1B Rua do Arco da Graa n 27-29 (planta simplificada).
Desenho de Ana Rosado.
variante em que a cozinha e o quarto se dispem lado a lado junto ao tardoz comunicando ambos diretamente
com a sala da frente [Fig. 1B]. O sistema de acessos aos fogos semelhante nas duas variantes: uma escada de
tiro que sobe encostada a uma das empenas mas que, quando o edifcio relativamente curto e tem vrios
andares, dobra em L a partir do pequeno patamar do primeiro ou do segundo andares.
tambm semelhante o processo que leva conceo de fogos maiores e com mais divises a partir da matriz
de trs compartimentos. Em ambas as variantes, essa opo implica maior ocupao do lote em profundidade,
permitindo, na variante em linha, a introduo de mais um quarto ou alcova interior e, na segunda variante, a
introduo de uma fiada intermdia de compartimentos interiores dois quartos/alcovas em paralelo ou um
quarto e um curto corredor ou um vestbulo.
A ocupao de um lote estreito com um edifcio habitacional de um fogo por piso e trs compartimentos por
fogo, organizados em linha e correspondentes s trs funes bsicas do habitar estar/socializar, dormir e
comer/confecionar a alimentao ou s trs reas fundamentais da habitao rea social, rea privada
e rea de servio , tem certamente uma filiao medieval independentemente do facto de muitas das suas
variantes com maior nmero de compartimentos e/ou diferente disposio poderem ter uma origem posterior.
Contudo, ainda no possvel afirmar peremptoriamente que a maior parte deles foi construda de raiz como
135
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
habitao plurifamiliar e no como ampliao de simples casas unifamiliares de dois pisos. , por enquanto,
difcil determinar se, na origem, j correspondiam a dois fogos sobrepostos ou a uma s habitao com loja
por baixo. Os trabalhos de investigao que esto na base do presente artigo apenas confirmaram que, nas
reas estudadas, a maior parte dos prdios com trs ou mais pisos resultaram de sucessivas transformaes e
ampliaes executadas em diferentes pocas no s nos perodos de obras intensas realizadas, primeiro, a
pretexto dos danos causados pelo Terramoto, e, mais tarde, nas dcadas de transio do sculo XIX para o sculo
XX, mas tambm ao longo de toda a Idade Moderna e, nomeadamente, na poca joanina. Na origem, quase todos
eles teriam, de facto, apenas dois pisos.
Ao centrarmos o presente artigo no estudo e caracterizao do prdio de rendimento com dois inquilinos por
piso do perodo joanino, estamos no s a delimitar com mais clareza o objeto de estudo, tanto tipolgica como
cronologicamente, como a abordar edifcios que, com maior probabilidade, eram destinados para arrendamento
a vrios inquilinos desde a sua origem. Por conseguinte, se bem que, no que respeita Lisboa da primeira
metade do sculo XVIII, seja j indiscutvel a vulgarizao do prdio rendimento com um, mas tambm com dois
inquilinos por piso, este ltimo sobre o qual nos vamos debruar9 que constitui uma das mais interessantes
e significativas inovaes da habitao na cidade da Idade Moderna.
2 CONSIDERAES METODOLGICAS
O presente artigo apoia-se, portanto, num conjunto de quatro trabalhos de investigao que abordam a habitao
plurifamiliar corrente em Lisboa na poca pr-industrial10. Todos se dedicaram ao estudo, caracterizao
e documentao do edifcio corrente do ponto de vista da sua insero urbana e da sua organizao espacial,
funcional e morfolgica, procedendo-se, sempre que tal foi possvel, a uma caracterizao construtiva mesmo
que parcial.
exceo do primeiro desses trabalhos, realizado em 2011, cujo carter experimental levou a uma seleo de
edifcios mais restrita em trs diferentes zonas de Lisboa11, para cada um dos outros trs foi delimitada uma rea
de caractersticas morfolgicas homogneas do tecido urbano histrico da cidade Bairro da Madragoa, Bairro
da Bica e encosta de Santana , dentro da qual cada investigador analisou cerca de 60 prdios de entre os quais
selecionou, em mdia, 25 casos de estudo.
9
Tanto quanto nos foi possvel averiguar, o prdio de rendimento joanino de dois inquilinos por piso, em Lisboa, nunca foi alvo de uma pesquisa especfica
e ainda menos de uma investigao sistemtica.
10
GONALVES, Ana Rita Valadas op. cit. Foram estudados os seguintes ncleos: rua da Graa, correnteza de edifcios localizada no lado oriental do
extremo norte da rua; largo de Santa Brbara, correnteza de edifcios no lado oriental; rua de So Bento, edifcios localizados intermitentemente no lado
oriental da metade sul da rua.
11
136
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
O processo de investigao, enquadrado por consulta bibliogrfica, baseou-se na recolha de informao individual
referente a cada exemplar com recurso tanto a levantamentos mtricos e fotogrficos in situ como consulta de
processos de obra e fotografias antigas no Arquivo Municipal de Lisboa. Ainda que apenas para escassos casos, no
mbito do corpus dos edifcios estudados, existam nesse Arquivo registos que remontam aos finais do sculo XIX,
os projetos de alterao e os autos de vistoria encontrados foram fulcrais para, por cruzamento com o trabalho
de campo e com a bibliografia, detetar padres e tendncias de alterao destes prdios em diferentes pocas.
Com base nos desenhos dos processos de obra, retificados pelos levantamentos das fachadas e do interior dos
edifcios (sempre que foi possvel visitar os fogos), procedeu-se ento ao redesenho de cada caso de estudo tal
como se encontra hoje. Depois, face s alteraes descritas em autos de vistoria e registadas nos desenhos de
alteraes (vermelhos e amarelos), e a uma anlise crtica do estado atual do edifcio, foram retiradas todas as
camadas passveis de ser lidas como acrescentos ampliaes a tardoz, acrscimo de pisos, recompartimentaes
internas e desenhou-se uma hipottica reconstituio da edificao anterior s alteraes, porventura da
edificao original. Desta forma, sistematizou-se toda a informao disponvel sobre os prdios uniformizandose tambm os desenhos em escala e na expresso grfica. Por fim, por comparao e analogia, sistematizaram-se
os tipos habitacionais encontrados e fez-se uma caracterizao dos aspetos construtivos mais relevantes, fosse
pela sua frequncia, fosse por poderem ser representativos de uma evoluo na utilizao dos materiais e nos
modos de construir.
Apesar de cada uma das pesquisas de base ter tido um desenvolvimento autnomo e dirigido a um universo
de edificaes bem delimitado, na medida em que todas utilizam o mesmo mtodo podem ser tambm
complementares entre si. Permitem, assim (com a ajuda dos resultados das poucas pesquisas afins j realizadas),
caracterizar globalmente o prdio corrente e contribuir para a definio de uma tipologia da habitao
plurifamiliar da poca pr-industrial em Lisboa. Atravs de uma anlise comparativa possvel apontar
tendncias construtivas e morfolgicas e confirmar a existncia de tipos arquitetnicos que, no obstante
poderem ser pouco representativos num determinado bairro, reforam-se quando a amostra se alarga a outras
reas da cidade. O conhecimento assim produzido pretende contribuir para o aprofundamento da histria da
habitao multifamiliar em Lisboa, nas suas mltiplas vertentes (morfolgica, espacial, funcional, construtiva,
etc.), e sistematizar informao relevante tanto para a reflexo sobre a salvaguarda dos chamados bairros
histricos como para uma reabilitao mais informada, rigorosa e efetiva dos edifcios que os compem.
O mtodo seguido nas pesquisas parcelares j efetuadas, abarcando prdios cuja construo inicial se insere
desejavelmente no mbito cronolgico da Idade Moderna, mas susceptveis de terem sido profundamente
alterados desde ento e, em particular, na poca contempornea, encerra pouco rigor quando se pretende fazer
uma aproximao a cronologias mais especficas. Para complementar e aprofundar a pesquisa j realizada,
confinando-a, mesmo que grosso modo, primeira metade do sculo XVIII, foi necessrio recorrer a outros fundos
arquivsticos. s fontes anteriormente referidas acrescem, pois, os Livros da Dcima, os Livros de Cordeamentos
e os Ris de Confessados.
137
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
Os livros da Dcima da cidade de Lisboa e seu termo, conservados no Arquivo Histrico do Tribunal de Contas,
registam um imposto a dcima sobre as propriedades, prdios, ofcios e ordenados, capitais emprestados
a juros lucros do comrcio e da indstria12, cobrado com carter permanente a partir de 1762 e abrangendo um
perodo que, nalguns casos, vai at 184013. Ordenados por freguesias, os Livros de Propriedades Urbanas registavam
anualmente para cada rua, casa a casa, o nome dos respetivos proprietrios, a dcima paga e a composio
sumria dos imveis14, remetendo para o respetivo Livro de Arruamentos. Este, por sua vez, complementa o de
Propriedades com a indicao dos arrendamentos de cada parcela dos imveis e a identidade dos arrendatrios,
confirmando, assim, a larga difuso do sistema do prdio de rendimento na cidade15 independentemente do
reordenamento e sistematizao predial que, em paralelo, se tentava implantar na Baixa em reconstruo. Os
registos destes livros vm ainda confirmar a proliferao em todos os bairros histricos de Lisboa dos prdios de
mltiplos fogos por piso16, assim como a sua ampla existncia, enquanto tal, nos primeiros anos em que h registo
sistemtico da cobrana da Dcima (1762-1763).
Para efeitos do presente artigo, considerou-se que os edifcios registados nesses primeiros anos podiam
ser englobados no conjunto dos prdios de rendimento joaninos. Por um lado porque, pelo cruzamento dos
diversos fundos arquivsticos consultados, verifica-se que a maioria dos prdios arruinados ou danificados pelo
Terramoto de 1755, nas reas de Lisboa estudadas, ainda so identificados como runa no incio dos anos de
176017. Por outro lado, dado que os prdios pombalinos da Baixa s comearam a ser edificados aps a aprovao
do respetivo Plano, em Junho de 1758, no provvel que em 1762-63 j pudessem ter sido concludos, nos
bairros ento perifricos, edifcios de arquitetura caracteristicamente pombalina ou por esta influenciada. Se,
porventura, foram integralmente (re)construdos prdios de rendimento nestes bairros, no intervalo entre 1755
e 1762, podero ser considerados ainda edifcios joaninos mesmo que no marcados estilisticamente enquanto
tal e desde que no marcados estilisticamente como pombalinos.
REIS, Ana Rita; SIMES, Maria Jos de Freitas; RODRIGUES, Susana A dcima da cidade: contributo para a datao do edificado da Baixa. Monumentos.
N 21 (2004), p. 58.
12
13
Idem, p. 58.
Rua Bica Grande, pelo lado direito, principiando da Calada do Combro, n. 1 Propriedade do Excelentissimo D. Jos de Menezes que consta de tres lojas
e dous primeiros andares arrendada <...> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Propriedades, DC 305 P, 1762-1763.
14
15
Bica de Duarte Bello, pelo lado direito, <> n. 87 Propriedade de Pedro Hiber que consta de hua loja e trs andares. Primeira loja arrendada em 20
mil reis. Segunda loja arrendada em 22 mil reis a Joo (?), primeiro andar devoluto, sendo andar devoluto, outro andar devoluto. AHTC, Dcima da Cidade,
Livro de Arruamentos, DC 307 AR, 1766, f. 38 verso [note-se que este escrivo usa uma numerao contnua dos prdios da freguesia, pelo que o prdio n.
87 corresponde, na realidade, ao oitavo da rua pelo lado direito].
16
Rua Bica Grande, pelo lado esquerdo principiando da Calada do Combro: n.1 Propriedade de Henrique Nerney que consta de seis lojas, trs primeiros
andares, dous segundos andares e trs terceiros andares arrendada <> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Propriedades, DC 305 P, 1762-1763, f. 33.
17
Rua direita da Encarnao pelo lado Direito vindo pera a Santa. Igreja; N1; Cho de cazas cahidas que foi de Francisco de Moura Borralho sem poder ter
habitao alguma; N2 Cho de cazas cahidas de Joanna de Figueiredo desta como se afirma <...> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Propriedades, DC 925
PP, 1763, f. 188.
138
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O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
No entanto, em consequncia de os registos da Dcima terem sido efetuados por diferentes pessoas em diferentes
anos e conforme as freguesias, a profundidade da informao recolhida varivel. No existindo ainda, na poca,
nmeros de polcia para identificar os prdios, h documentos em que possvel localiz-los claramente, por
exemplo, quando se trata de gavetos, enquanto noutros a identificao do prdio feita apenas pelo nmero de
ordem na rua. Por outro lado, se h oficiais que iniciam uma nova contagem de prdios em cada rua (como se
verifica nas freguesias da Pena e Socorro) h outros que adotam uma contagem contnua para toda a freguesia
(por exemplo, em Santa Catarina), o que dificulta ainda mais a investigao. Tambm se verifica, nalguns casos,
a indicao, na sequncia de uma rua, dos chos devolutos e arruinados18, enquanto h outros casos em que,
sem ter havido qualquer referncia anterior a lotes desocupados, de um ano para outro registada uma nova
propriedade entre dois prdios de proprietrios j anteriormente referidos. Todos estes fatores dificultam a tarefa
de localizar de forma precisa e sistemtica cada prdio ou, to simplesmente, de enumerar a totalidade de lotes
de uma rua, tornando quase impossvel fazer coincidir aquele nmero de ordem com a sucesso de prdios atual.
Alguma da informao assim obtida pde ser complementada pela consulta dos Livros de Cordeamentos do
acervo do Arquivo Municipal de Lisboa onde, a partir de 1614, se registam os pedidos dos proprietrios ao
Senado para a realizao de obras bem como os respetivos autos de vistoria. Se, por um lado, a localizao dos
prdios sempre imprecisa, sendo referida apenas a rua, em regra sem qualquer outro ponto de referncia, por
outro, a informao obtida atravs deste tipo de documentos permite compreender as alteraes construtivas
comuns a determinada poca o que, por si s, uma mais-valia. Por interseo destes pedidos de cordeamento
com as referncias aos proprietrios nos Livros de Propriedades e Arruamentos da Dcima , por vezes, possvel
determinar a localizao de um imvel e perceber quais as alteraes a que foi sujeito num dado ano19, ou mesmo
identificar a data da sua construo.
Por fim, dever-se- ainda mencionar a importncia dos Ris de Confessados, do acervo do Arquivo Histrico
do Patriarcado de Lisboa, para o entendimento da cidade joanina. A propsito do dever pascal de confessar e
comungar, extensvel a todos os fiis com mais de sete anos, os priores faziam o registo de todos os habitantes
da sua parquia, agrupando-os por fogo e seguindo a sequncia das ruas. Apontando o homem cabea do fogo
(muitas vezes com a respetiva profisso), feita uma enumerao dos elementos da famlia e da sua relao
com o chefe de famlia, o que permite entender a composio dos agregados familiares bem como a frequncia
e quantidade de criados e escravos. Contudo, no estando os fogos associados a um nmero que identifique o
imvel, levanta-se o problema da relao entre o fogo e o imvel e da prpria definio de fogo na poca em
estudo. Segundo Isaas da Rosa Pereira um fogo constitudo por pai, me e filhos, desdobra[-se] em dois fogos
18
1700 <> Diz o Conde de Soure que elle possui humas cazas junto a Santa Catharrina do Monte Sinai, nas coais (?) nessas fazer obras e fazer um cunhal
e meter seus portais e jenellas de sacada <...> AML, Livro de Cordeamentos, 1700-1704.
19
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Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
quando um dos filhos casa e fica a viver no mesmo edifcio e em trs fogos, se um segundo filho casar20, mas
no fica claro se, luz do entendimento atual, cada fogo corresponde a um apartamento prprio e fisicamente
separado dos restantes, ainda que situado no mesmo edifcio, ou se o termo fogo se refere a cada uma das famlias
nucleares que continuam a viver, em comum, na mesma casa. Dever-se- ainda mencionar a frequente presena
de pessoas com apelidos distintos e sem relao de parentesco ou de servio explcita integrando um mesmo fogo,
hipottico indcio da prtica de subarrendamento. Apesar da dificuldade de se associar os fogos assim entendidos
aos respetivos imveis, os Ris de Confessados fornecem contributos complementares nomeadamente no que se
refere toponmia da cidade. Exemplo desta mais-valia a definio clara da estrutura viria do Bairro da Bica,
descrita em 1651 j com os nomes das ruas que hoje conhecemos (Rua do Cabral, Rua da Biqua Grande, Rua
do Almada, Rua do Larangeiro ...)21.
Apesar do imenso esplio arquivstico consultado, o trabalho de cruzamento de dados moroso no sendo
a recolha de dados linear nem homognea para cada caso. Assim, da larga amostra de prdios estudados nas
dissertaes de mestrado que motivaram este artigo, s foi possvel associar com preciso um cordeamento ou
registo de arruamento a um nmero reduzido de edifcios. Partindo dos Livros da Dcima, fez-se um levantamento
de todos os prdios situados nas ruas em estudo, registando a sua composio (nmero de pisos e fogos por piso),
proprietrio e posio relativa na rua. Apesar da alterao de nomes de algumas ruas, foi possvel identificar
alguns prdios, normalmente em lotes de incio de rua, bem referenciados, tendo-se verificado que muitos
mantm a morfologia de ento. Verificou-se de seguida todos os pedidos de obras dos Livros de Cordeamentos
para as mesmas ruas, tendo sido possvel, por cruzamento de proprietrios, confirmar obras nalguns destes lotes
melhoramentos, ampliaes ou at demolies e reconstrues a fundamentis. No obstante a dificuldade de
associar uma data precisa maioria dos edifcios inicialmente estudados, foi possvel reforar algumas concluses
dos trabalhos de investigao sobre habitao plurifamiliar do Antigo Regime em que aqueles se integravam e
identificar algumas tendncias da edificao joanina.
20
PEREIRA, Isaas da Rosa Os Ris de Confessados, seu interesse histrico e alguns problemas que suscitam a sua utilizao. Primeiras Jornadas de
Histria Moderna, 1, Lisboa, 1986 Actas. Lisboa: Centro de Histria da Universidade de Lisboa, 1986. Separata, p. 60.
21
AHPL, Livro dos Ris de Confessados, Freguesia de Santa Catharina, 1651 [ref. 2483].
140
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
de pequenos edifcios plurifamiliares organizados em banda, mas tambm prdios de maiores dimenses e
com os elementos compositivos da fachada mais elaborados, provavelmente destinados a uma classe social mais
abastada. So estes os que mais facilmente identificamos com a esttica do perodo joanino (em particular no que
se refere s molduras dos vos) e nos quais reconhecemos uma influncia da arquitetura erudita.
Na encosta de Santana, no s foi possvel encontrar vrios exemplares do prdio de rendimento comum com
dois inquilinos por piso, j construdos data dos primeiros registos sistemticos da Dcima da Cidade, como se
encontraram exemplares das outras duas variantes, acima referidas, igualmente anteriores a 1762-63.
O prdio de habitao corrente setecentista, tipicamente urbano, com mais de dois pisos e dois inquilinos por
piso o antepassado do prdio de rendimento , caracteriza-se por ter fachadas largas, com uma composio
tendencialmente simtrica e cinco vos largura: uma fiada de janelas axial, sobre a porta principal, para
iluminao da caixa de escadas, e, de cada lado, um par de vos para cada fogo.
Figura 3 Calada de Santana, n 202-206.
Planta do 2 andar.
Desenho de Ana Rosado
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Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
Um dos exemplares deste tipo, de cronologia comprovadamente joanina, situa-se no topo norte da Calada de
Santana22[Fig. 2]. O edifcio aparece mencionado nos Livros da Dcima da Cidade, em 1763, tendo como proprietrio
Fernando Lus Freire e constando de duas loges e quatro andares23 (depreende-se que so dois andares
esquerdo e direito em cada piso), e em 1764 com trs andares todos com parte esquerda e direita24. Embora
a discrepncia possa ser atribuda a alguma falta de rigor ou diferena de mtodo no registo das propriedades,
parece mais plausvel, luz destes registos, o terceiro andar ser resultado de uma ampliao ps-terramoto.
Trata-se, portanto, de um prdio de quatro pisos, com escada axial e dois fogos por piso, aproximadamente
simtricos, correspondente ao tipo acima enunciado com as duas janelas por fogo (as sacadas s aparecem no
terceiro e quarto pisos) e que, presumivelmente, tinha trs pisos na poca joanina. O prdio apresenta hoje outras
alteraes posteriores hipottica ampliao pombalina, como a trapeira que interrompe o beiral do telhado, a
adio de beirais sobre as janelas, ou as guardas de ferro forjado das varandas. A trapeira provavelmente um
acrescento de meados do sc. XIX (j existe em 1898-1908) e os beirais foram colocados em 1927. Estes so apenas
alguns exemplos de alteraes que imveis de gnese joanina, ou mesmo anterior, podem ter sofrido ao longo do
tempo e para cuja identificao precisa e eventual datao so indispensveis os processos de obras e os registos
fotogrficos do Arquivo Municipal de Lisboa, onde se conserva informao remontando aos finais do sc. XIX.
As escadas esto implantadas a eixo do edifcio e face da fachada beneficiando da iluminao da fiada de janelas
axial. Tm um nico lano entre cada piso, estando os vrios lanos sobrepostos e ligados entre si por corredores,
com o mesmo comprimento e desenvolvimento paralelo queles, que unem cada patamar de chegada, mais
interior, ao de incio dos lanos seguintes, junto janela da fachada. Este tipo de escada j foi identificado por
Maria Helena Barreiros que o entendeu como umas das caractersticas prprias do tipo de edifcio joanino que
designou por protopombalino25. Neste edifcio h apenas uma porta de entrada para cada fogo, embora a
configurao espacial dos patamares mais interiores e a organizao interna dos fogos indiciem existncia no
passado de um duplo acesso aos fogos: uma porta direta para a sala, que entretanto ter sido entaipada, e outra
mais prxima da zona de servio. O duplo acesso ao fogo a partir do mesmo patamar , significativamente, outra
das caractersticas do prdio protopombalino enunciadas por aquela autora.
A profundidade do lote superior sua largura e os fogos tinham, na origem, a mesma lgica distributiva
tradicional que se encontra sistematicamente nos prdios de habitao corrente, de um s fogo por piso, em todo
22
Cf. Calada de Santana, n. 202-206 in ROSADO, Ana Costa op. cit., vol. I, p. 47.
Rua directa de Santa. Anna vindo do dormitrio pelo Lado Esquerdo <> p. 157; N2; Propriedade de Fernando Lus Freire. que consta de duas loges e
quatro andares arrendada ao todo <> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Propriedades, DC 925 PP, 1763.
23
24
Rua direita de Santa Anna vindo do Convento pera abaxo pello lado esquerdo <> p. 131; N2; Propriedade de Fernando Lus Freire, Logea e sobrado
<>, 2 logea <>, 1 andr parte esquerda <>, 2 andr da p.e esquerda <>, 2 andr da parte direita <>, 3 andr da parte esquerda <>, 3 andr
parte direita <> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Arruamentos, DC 924 AR, 1764.
25
Prdios provavelmente da primeira metade do sc. XVIII com fachada simtrica, onde dois vos por fogo ladeiam a janela de iluminao da caixa de
escada, que se encontra em posio central, e se desenvolve atravs de lanos sobrepostos com corredor paralelo a fazer a ligao entre os patamares.
BARREIROS, Maria Helena Prdios de rendimento entre o Joanino e o Tardopombalino. In Patrimnio arquitectnico: Santa Casa da Misericrdia de Lisboa.
Lisboa: SCML, 2010. vol. II, tomo 1, p. 20.
142
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
Figura 4 Largo do Convento da Encarnao, n 2-6.
Fotografia de Ana Rosado.
o Antigo Regime: trs compartimentos dispostos em linha sala junto fachada, quarto interior e cozinha a
tardoz situados entre espessas paredes-mestras [Fig. 3].
Cf. Largo do convento da Encarnao, n. 2-6 in ROSADO, Ana Costa op. cit., vol. I, p. 50.
143
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
Figura 5 Calada do Garcia, n 28. Planta do
2 andar.
Desenho de Ana Rosado.
por seis andares o somatrio dos trs andares direitos com os trs esquerdos. As atuais guardas das sacadas, em
ferro forjado, tero substitudo outras mais antigas, provavelmente em madeira ou, em ferro, de varo e n.
O acesso aos fogos dos andares faz-se igualmente atravs de uma escada de lanos sobrepostos com corredor
paralelo para ligao dos patamares, mas com uma variante: o corredor tem trs degraus a meio que ajudam a
diminuir a extenso dos lanos e, consequentemente, a profundidade da caixa de escadas. A curta profundidade
do lote conduz tambm a uma variante na distribuio dos compartimentos, tendo cada fogo duas divises junto
fachada principal e duas junto ao tardoz (hoje trs, com a construo, no sc. XX, de instalaes sanitrias junto
cozinha).
Tem ainda o mesmo tipo de fachada o prdio da calada do Garcia n 28, correspondente a dois fogos por piso que,
no entanto, tinham maior rea que os dos dois prdios anteriores. S possvel estud-lo graas existncia de
um processo de obra no Arquivo Municipal de Lisboa, j que do edifcio apenas sobra a frontaria. Externamente,
27
N7; Propriedade de Joo Pedro Ramos consta de duas loges e seis andares <> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Propriedades, DC 925 PP, 1763, f. 190v.
144
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
Figura 6 Travessa do Forno do Torel, n 13-23.
Fotografia de Joo Vieira Caldas.
apresenta fortes semelhanas com o exemplo do largo do convento da Encarnao: se removermos virtualmente
o quarto piso, muito possivelmente acrescentado, as fachadas ficam iguais.
Este prdio aparece mencionado nos Livros da Dcima de 1762/63 como tendo duas lojas, dois primeiros andares
e dois segundos28. A restante informao s pode ser obtida atravs do processo de obra n 14397, onde podemos
encontrar uma planta do segundo andar29 tal como estava em 1962 e que mostra o mesmo tipo de escada de
lanos sobrepostos um lano por piso com corredor paralelo e grandes alteraes no interior dos fogos. Um
exerccio de reconstituio simples, considerando apenas as paredes que se repetem em ambos os fogos, aponta
para a existncia de trs divises: uma sala junto fachada principal, e quarto e cozinha, lado a lado, a tardoz [Fig.
5], distribuio esta tambm prxima da encontrada no exemplo do largo do convento da Encarnao.
Estes exemplos, marcadamente urbanos, desenvolvem-se em altura por estarem implantados em reas de grande
densidade construtiva. Nas franjas menos densas, onde os lotes podem adquirir maiores dimenses, um piso trreo
e um andar so suficientes. As solues associadas a zonas de menor presso demogrfica podem traduzir-se em
edifcios longos e baixos, constitudos pela repetio de vrios mdulos habitacionais organizados em banda30.
Um bom exemplo de prdio em banda encontra-se na esquina da travessa do Torel com a travessa Forno do
Torel31 [Fig. 6], j na zona de transio da encosta de Santana para a plataforma do Campo de Santana que, na
primeira metade do sculo XVIII, correspondia tambm transio para uma rea suburbana. Trata-se de uma
Rua do Arco da Graa ou Rua dos Livreiros Lado Direito entrando do Arco para (?) <> p.128; Dita Rua Lado esquerdo entrando do Arco da Graa <>
p.131v; N8; Propriedade do mesmo proprietrio consta de logea e dois primeiros andares e dois segundos andares; Primeira logea arrendada <>; Segunda
logea arrendada <>; (?)Prefeira arrendada <>; Primeiro andar arrendado <>; Primeiro andar arrendado <>; Dois segundoz andares arrendados <>
p.134v; AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Arruamentos, DC 1160 AR, 1762-1763.
28
29
31
Cf. Travessa do Forno do Torel, n. 13-23 in ROSADO, Ana Costa op. cit., vol. I, p. 51.
Maria Helena Barreiros identificou uma pequena banda de filiao joanina, embora com trs pisos, na rua D. Pedro V n. 18-30. Cf. BARREIROS, Maria
Helena op. cit., p. 23-25.
30
145
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
banda constituda por trs mdulos (prdios), cada um com quatro fogos dois no rs do cho e dois no 1
andar separados por uma escada de tiro axial. Os fogos do rs-do-cho so independentes e tm uma porta de
entrada direta a partir da rua.
um exemplar de grande integridade, que j existia com a configurao atual em 176332, mas cujas sacadas com
guardas de varo e n de apenas cinco vares, que pressupunham um forro de rotulados de madeira, so indcio
de uma possvel gnese seiscentista. A cada fogo do rs do cho corresponde uma porta de entrada e uma janela de
peito, enquanto a cada fogo do primeiro andar correspondem uma janela de sacada e uma de peito, alinhadas com
os vos do rs-do-cho respetivo. Sobre as portas de acesso s escadas abrem-se pequenos culos de iluminao.
Os fogos parecem seguir genericamente o modelo das trs divises em linha com uma variante mais evidente no
mdulo de esquina, cujos fogos tm quatro divises, duas para a frente e duas para trs. No 1 andar direito do
mdulo de esquina h um acesso ao sto, atravs de um lano sobreposto ao principal, possvel embrio das
escadas de lanos sobrepostos tal como existem nos prdios de rendimento de trs e quatro pisos.
32
Travessa do Forno pelo lado esquerdo;<>; N2; Propriedade de Roza Joaquina que consta de tres loges e quatro sobrados arrendada <>; AHTC,
Dcima da Cidade, Livro de Propriedades, DC 925 PP, 1763, f. 144 [A contagem feita no sentido sul-norte. Os fogos em falta so os do mdulo virado para
a Travessa do Torel].
Travessa do Forno vindo das Casas de P Joz pello Lado Direito; N1; Propriedade de Roza Joaquina ainda na Travessa do Torel; 1 Logea; O andr por
sima; 2 Logea; Andr por sima; 3 Logea na esquina devoluta; Andr por sima; 4 Logea j na Travessa do Forno; Andr por sima; 5 Logea; Andr por
sima; 6 Logea; Andr por sima <> AHTC, Dcima da Cidade, Livro de Arruamentos, DC 924 AR, 1764, f. 116 [A contagem feita no sentido norte-sul].
146
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
O terceiro tipo de prdio de rendimento joanino afasta-se do prdio corrente pela maior dimenso e complexidade
dos fogos e pela exibio de uma fachada de desenho mais erudito e de filiao barroca, expresso principalmente
no trabalho das cantarias. O uso sistemtico e exclusivo de janelas de sacada dispostas regularmente na fachada
ao nvel dos andares principais revela tambm que estes prdios, onde frequentemente o proprietrio vivia, se
destinavam a uma classe social mais elevada (negociantes e nobreza de toga)33.
No edifcio da calada de Santana n 136-15034, podemos observar estas caractersticas formais marcadamente
joaninas, embora tenha sido construdo, ou reconstrudo, depois do Terramoto como atesta o Auto de Vistoria de
1759 existente no Livro de Cordeamentos35. Embora seja referido naquele Livro o desejo de reedificar a fundamentis,
no evidente que essa inteno tenha sido seguida. Antes pelo contrrio. No s as referncias documentais a
reedificaes a fundamentis, embora muito comuns, poucas vezes correspondem realidade construda, como,
neste caso particular, o aproveitamento de estruturas pr-existentes a nica explicao para a irregularidade
da planta onde transparece tambm a juno de dois lotes, de resto assinalada na fachada principal por meio de
uma pilastra colocada no enfiamento da espessa parede mestra que teria dividido os primitivos edifcios.
A anlise deste edifcio permite concluir que foi reconstrudo como prdio de rendimento, caso no o fosse j
antes da reconstruo. No existe qualquer sinal distintivo de um piso nobre [Fig. 7]. O ritmo e configurao
dos vos, na fachada principal, igual nos dois primeiros andares tal como, no interior, ambos tm dois fogos
de dimenses equivalentes a cada lado da escada de tiro central que um auto de vistoria de 2010 indica ser em
Cf. MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira Estudos histricos e patrimoniais: conjunto de propriedades selecionadas na Colina de SantAna.
Anexo a Colina de Santana: documento estratgico de interveno [Em linha]. Lisboa: Cmara Municipal de Lisboa, 2013, p. 22 [Consult. 27.12.2013].
Disponvel na Internet: http://www.cm-lisboa.pt_fileadmin_VIVER_Urbanismo_urbanismo_planeamento_colina_Documento_Estrategico_da_Colina_de_
Santana_10dezembro.pdf.
33
34
1759 Abril 2. Joze da Silva Morais, Calada de Santa Anna. Dis Joze da Silva Moraes morador na Calsada de Santa Anna que por cauza do terramoto se
aruinaram humas cazas [...] de o supplicante abitava no dito sitio e as quer reteficar e o no pode fazer sem licena deste senado (...).
35
Auto de vestoria
Anno do nacimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil cetesentos sincoenta e nove annos aos dois dias do mes de Abril do dito anno nesta cidade de
Lisboa e calada de Santa Anna aonde foy o Dezembargador Manoel de Campos e Souza veriador do Senado da Camara que a seu cargo tem o pellouro
das obras em companhia dos offeciaes do Regimento das mesmas obras e de mim escrivam dellas para efeito de se ver e cordiar a obra que ahy pertende
mandar fazer Joze da Silva Morais nas suas cazas que pertende reidificar a fondamentis e sendo ahy lo(?) o dito Dezembargador mandou ao mestre e
medidor da cidade Manoel Antonio medice e cordiace o que fez e medindo do conhal ao conhal tem a travea que dece para o monturo para onde tambem
as cazas fazem frente dezaseis palmos e tres quoartos e medindo do dito conhal ao outro conhal fronteyro na Calada de Santa Anna tem esta trinta e cete
palmos de largo e do dito conhal para cima tem extrocimento direyto com cazas vezinhas e nam pora nenhum degrao na rua e nestes pontos hade abrir
alicerces asentar jenellas de sacada em altura d dezaseis palmos e nesta forma ouve o dito Dezembargador a vestoria por feita de que para constar em Meza
mandou (?) escrivam fizece este auto a que satis[...] e eu Antonio Cardozo Casseres escrivam o escrevy e asigney. / Antonio Cardozo Casseres / AML, Livro
de Cordeamentos de 1757-1759.
147
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
pedra36. No quarto piso, para l do tratamento de fachada claramente distinto, a escada passa a funcionar em
sistema de lanos opostos com patamar intermdio, mantendo-se no entanto a configurao dos fogos.
Embora este andar parea uma ampliao, dados a dimenso, o desenho dos vos e a sua posio acima do
primeiro beirado com cornija, para s-lo as respetivas obras teriam de ter ocorrido no decurso da reconstruo
ou pouco tempo depois, j que, em 1764, o Livro da Dcima descreve um prdio j com trs andares de fogos para
arrendar37. O facto de ambos os terceiros andares estarem ento devolutos pode corroborar a hiptese da sua
construo ter sido posterior dos restantes, assim como pode ser apenas uma coincidncia. O prdio tem ainda
umas guas-furtadas sobre este andar, mas estas no seriam necessariamente referidas nos Livros da Dcima
quando faziam parte integrante dos fogos do andar imediatamente abaixo.
Uma expresso erudita equivalente deste edifcio da calada de Santana pode tambm ser pontualmente
encontrada em prdios joaninos de outros bairros de Lisboa. Em todos parece refletir-se a vontade dos
proprietrios de que a arquitetura do prdio em que tencionavam viver exprimisse um certo estatuto social,
mesmo quando tinham dimenses correntes, como no edifcio da rua da Bica de Duarte Belo n 61-63 que tem
apenas trs pisos e dois fogos38. Os vos tm cantarias mais cuidadas, com lintis curvos, semelhantes s da
calada de Santana n 136-150, e as escadas tm lambris de azulejo com motivos ornamentais, em azul sobre
fundo branco.
4 CONSIDERAES FINAIS
O prdio de rendimento de dois fogos por piso parece ter uma origem ainda anterior ao sculo XVIII39, mas
ter sido durante o reinado de D. Joo V que se comeou a difundir com mais intensidade em Lisboa. Tal como
as outras modalidades de habitao multifamiliar setecentista no-pombalina, corresponde a uma tipologia
que se aperfeioa depois de 1755, sobretudo no que respeita regularidade da fachada, mas que se desenvolve
autonomamente, em paralelo com a arquitetura pombalina, nos bairros menos destrudos pelo Terramoto e que
ficaram de fora do Plano da Baixa.
Desde os mais vetustos exemplos, a respetiva planta apresenta uma distribuio tendencialmente simtrica,
com a escada sobre o eixo de simetria e cada par de fogos do mesmo piso organizado em espelho, reflexo da
36
AML, Obra n 1459. O estado de avanada degradao do imvel levou sua interdio, impossibilitando a visita ao interior e a recolha de imagens.
38
Cf. PINTO, Maria Gonalves Frazo da Rocha op. cit., vol. II, p. 129.
N 7; Propriedade de Joz da S de Morais; 1 quarto de Logea comporta <>; 1 andar vindo da Logea grande que ocupa <>; 2 andr p.e esquerda
<>; 2 andar da p.e direita <>; 3 andr p.e esquerda <>; (?); 1 Logea; Andr por sima desta Logea com <> 2 Logea na esquina a (?); Andr por sima
desta Logea arrendado <>; 3 Logea na Travessa do Monturo com <>; Na escada no (?);2 Terceiros andares da propriedade esto devolutos AHTC,
Dcima da Cidade, Livro de Arruamentos, DC 924 AR, 1764, f. 135.
37
39
Cf. CARITA, Helder op. cit., p. 113. Cf. CABRITA, Antnio Reis; AGUIAR, Jos; APPLETON, Joo op. cit., p. 48-49.
148
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
Figura 8
sua gnese na duplicao do fogo simples dos prdios de um fogo por piso. Por consequncia, a tipologia do
fogo assenta tambm em dois tipos base, em funo da largura e da profundidade do lote. Os mais simples
fogos emparelhados tm tambm trs compartimentos dispostos em linha, ou trs/quatro compartimentos em
contacto com as fachadas (um para a frente e dois para trs ou dois para a frente e dois para trs). Este tipo de
distribuio d continuidade a uma organizao funcional tripartida, comum, pelo menos, desde o incio da Idade
Moderna, onde a sala o compartimento maior e sistematicamente posicionado junto fachada principal
corresponde ao embrio de uma rea social, a cozinha salvo raras excees, posicionada junto ao tardoz do
prdio , corresponde ao embrio de uma rea de servios e o quarto, ou alcova, corresponde ao embrio de
uma rea privada. Nos fogos com as principais divises dispostas em linha, o quarto fica no meio da casa, entre os
outros dois compartimentos. Nos fogos de maior largura e menor profundidade, o quarto fica ao lado da cozinha.
Na verso com quatro compartimentos, a diviso extra fica ao lado da sala e tanto pode reforar a rea social,
como a rea privada, como ambas.
Na poca joanina, contudo, em particular na habitao corrente, a especializao funcional muito incipiente e
a noo de privacidade muito relativa. Nos fogos organizados em linha, nem sempre h corredor de ligao da
149
I
Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
Figura 9
sala cozinha passando ao lado do quarto, e, quando h, resulta frequentemente de uma interveno tardia. A
passagem fazia-se normalmente atravs do quarto sem qualquer parede de separao. Nos fogos organizados
em duas fiadas - frente e tardoz , ainda mais rara a existncia de um corredor de origem, sendo vulgar
comunicarem todos os compartimentos entre si. Costuma haver portas mesmo onde, aos olhos de hoje, seriam
de evitar, como entre a cozinha e o quarto contguo.
Com o aumento da superfcie dos fogos e alguma complexificao das funes habitacionais, prprias do fluir
do tempo, as reas funcionais comeam a surgir subdivididas. Veja-se o exemplo do prdio sito na rua de Sta.
Brbara, n12-12D40 em que, com a mesma distribuio linear de reas funcionais, a zona intermdia e de tardoz
so seccionadas e passam a corresponder a quatro divises.
40
150
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
A essa desmultiplicao pode corresponder, como no presente exemplo, uma duplicao da entrada nos fogos que,
se no uma inveno do perodo joanino41, certamente uma das caractersticas distributivas experimentais
que tem particular desenvolvimento na primeira metade de setecentos. Nestes casos verifica-se que, a partir do
mesmo patamar, h duas entradas para o mesmo fogo: uma diretamente para a rea social normalmente para
a sala, mais raramente para um espao vestibular , outra para a rea de servios diretamente para a cozinha
ou para uma passagem (compartimento ou corredor) que leva cozinha [Fig.8].
Mas se o duplo acesso corresponde a uma experincia caracteristicamente joanina, a escada comum de acesso
aos fogos que constitui o principal campo de experimentao na habitao deste perodo. Nos mais antigos
prdios de dois fogos por piso, que eram concebidos como uma duplicao dos edifcios estreitos de um fogo por
piso e com os compartimentos em linha42, utiliza-se o mesmo tipo de escada que era comum nestes ltimos a
escada de tiro que se desenvolvia tambm linearmente, com um nico lano entre cada piso e pequenos
patamares de acesso s portas dos fogos. este tipo de escada que ainda est presente no prdio de rendimento
erudito da calada de Santana n 136-150, datado de 1759 (que, mais que uma memria, pode ser uma prexistncia e um comprovativo adicional de que esta casa no foi reedificada a fundamentis), mas est sobretudo
presente nos primeiros exemplos de edifcio de dois fogos por piso.
Na rua de So Bento n 250-254 encontra-se um edifcio com dois pisos e sto, cuja origem pode ser anterior ao
sculo XVIII e que mostra uma soluo simples de escada de tiro servindo dois fogos com trs divises distribudas
linearmente43[Fig. 9]. Esta provavelmente a soluo mais comum, seno a nica, para aceder a dois fogos no
mesmo andar quando os edifcios tinham apenas dois pisos. Quando se acrescentavam novos pisos, criava-se um
problema no sistema de acessos.
A construo de edifcios com mais de trs pisos, ou a sua ampliao, trazia problemas ao prosseguimento deste
tipo de escadas por ser impossvel prolong-las para alm do tardoz. Nos edifcios de um fogo por piso esse
problema resolvia-se, at certo ponto, mudando uma ou mais vezes a direo das escadas. Em qualquer caso,
e independentemente do nmero de pisos do edifcio, a utilizao da escada de tiro obrigava a que a porta de
entrada nos diversos fogos fosse mudando de stio medida que se subia.
A poca joanina corresponde ao incio da decadncia da escada de tiro, sobretudo devido multiplicao dos
prdios de dois fogos por piso e com cada vez mais andares, onde a escada de desenvolvimento linear, ao contrrio
do que acontecia nos prdios de um fogo por piso, no tinha soluo de continuidade a partir de determinada
41
Helder Carita publica vrias plantas de edifcios em que h duplo acesso habitao, mas so de cronologia imprecisa, tm apenas um fogo por piso e uma
escada em L que propicia essa soluo. Cf. CARITA, Helder op. cit., p. 110 e 117.
42
43
151
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Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
altura. Observou-se, por exemplo, nos casos da travessa do Forno do Torel e na calada de Santana n 136-150
que uma escada de tiro servia dois fogos por piso. Na travessa do Forno do Torel, a existncia de um s andar
acima do rs do cho no traz problemas funcionais utilizao desse tipo de escada. J na calada de Santana,
a escada de tiro comea por causar alteraes na distribuio interior dos fogos porque a zona de entrada para
a casa, no segundo andar, se desloca para tardoz acompanhando a escada. E o acesso ao 3 andar j requer uma
nova soluo de acesso vertical porque, ao chegar parede de tardoz, a escada de tiro no pode, simplesmente,
continuar. Alm do mais, a escada desenvolvida em profundidade representava uma perda de rea habitacional.
At se chegar escada de lanos opostos com patamar intermdio, cujo desenho e uso foram sistematizados
com o prdio de rendimento pombalino (embora a arquitetura pombalina tivesse desenvolvido tambm
outras solues) e que a partir de ento passou a ser maioritariamente utilizada, vrias solues foram sendo
experimentadas. Uma delas, pouco frequente mas, mesmo assim, disseminada por vrios bairros de Lisboa44, a
que pode ser exemplificada no prdio n30-34 da rua da Bica de Duarte Belo45 [Fig. 10].
O edifcio, hoje com quatro pisos, seria, na sua origem, muito semelhante ao da rua de S. Bento n 259-254, com
apenas um sobrado e escada de tiro central servindo dois fogos de distribuio linear. O acrescento de dois pisos,
perfeitamente visvel pela introduo na fachada de janelas de sacada, janela central de iluminao e dois frisos
marcando o pavimento dos dois andares adicionais, levou, no interior, ao desenvolvimento de uma escada com
44
45
Por exemplo, no prdio da rua do Arco da Graa n 14-18. Cf. ROSADO, Ana Costa op. cit., vol. II, p. 107-109.
Cf. PINTO, Maria Gonalves Frazo da Rocha op. cit., vol. II, p. 157.
152
I
O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
lanos contnuos entre cada piso que, em vez de serem colocados sequencialmente, como nas escadas de tiro,
aparecem dispostos paralelamente mas em sentidos contrrios (como nas futuras escadas de lanos opostos, mas
sem patamar intermdio), permitindo que a escada se desenvolva na totalidade junto face interna da fachada
principal [Fig. 11]. O patamar de acesso aos fogos encontra-se, portanto, alternadamente, junto fachada e no
extremo interno dos lanos, sem que isso altere substancialmente o funcionamento dos fogos j que a entrada,
embora em posies diferentes, sempre feita pela sala.
Outra soluo que, tal como esta, permite o desenvolvimento vertical da escada numa zona confinada do edifcio
reforando o conceito de caixa de escada , mas que mantm o patamar de acesso aos fogos na mesma
posio, a escada de lanos sobrepostos e orientados sempre no mesmo sentido, j mencionada anteriormente.
Recorre a lanos contnuos e sobrepostos mas ligados entre si atravs de um patamar/corredor paralelo, que
pode ser plano ou ter alguns degraus para encurtar o comprimento do lano principal46. Este tipo de escada o
mais comum nos exemplares de cronologia joanina confirmada.
O desenvolvimento da escada junto fachada, ao contrrio do que acontece na escada de tiro que se vai afastando
cada vez mais da fachada medida que progride, permite a sua iluminao atravs de janelas de peito que
substituem com vantagem os pontuais culos que apareciam ao nvel do 1 andar nas escadas de tiro. Estas janelas,
46
A utilizao destes degraus paralelos ao lano principal mas de sentido oposto pode ter constitudo o embrio da escada de lanos opostos com patamar
intermdio. Cf. BARREIROS, Maria Helena op. cit., p. 18, nota 4.
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Joo Vieira Caldas, Maria Rocha Pinto, Ana Rosado
quando so da mesma dimenso das restantes janelas de peito e implantadas a eixo das fachadas, vo conferirlhes uma imagem de maior regularidade e eliminar as zonas cegas. No interior podem at ter conversadeiras,
como na calada do Garcia n 28. As conversadeiras, alis, constituem um tipo de dispositivo fixo relativamente
comum nos prdios correntes joaninos. H tambm uma srie de acabamentos que, no sendo exclusivos deste
perodo, se estendem a quase todos os prdios de rendimento joaninos, de entre os quais sobressaem, pela sua
frequncia e pela quantidade que chegou at ns, os tetos de madeira pintada de tipo saia e camisa.
O que uma tendncia da primeira metade de setecentos, transversal a quase todo o edificado habitacional de
Lisboa, a realizao de ampliaes, reconstrues ou simples melhoramentos nos edifcios, como atestam os
Livros de Cordeamentos. Seja por um contexto econmico favorvel ou devido a um fenmeno de moda, mesmo
os mais simples prdios com rs do cho e um ou dois andares eram intervencionados. Os pedidos de licena ao
Senado da cidade47 incluem reedificaes puras, com demolies e abertura de novos alicerces, reconstrues de
fachada, assentamento de cunhais e, sobretudo, abertura e alargamento de portas e janelas.
O pedido mais comum representa a larga maioria dos requerimentos ao Senado neste perodo e
constante em todas as reas da cidade o da abertura de janelas de sacada ou de substituio das existentes.
47
AML, Livros de Cordeamentos, fundo onde este tipo de pedidos se encontra registado.
154
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O PRDIO DE RENDIMENTO JOANINO
A construo destas janelas estava dependente de autorizao, dado o obstculo que as respetivas sacadas
poderiam constituir para a circulao na via pblica, em especial de carruagens e cavaleiros. Assim, a regra do
Senado clara: a pedra da varanda teria de ser encastrada a uma altura superior a 14 palmos a contar do solo,
embora haja frequentes pedidos para reduo dessa altura quando tal no prejudica o trnsito de veculos e
animais48. H tambm quem disponha de sacadas de madeira e pretenda substitu-las por sacadas de pedra
[Fig. 12]49. Podemos mesmo admitir, pela intensidade de solicitaes, que o uso sistemtico de janelas de
sacada se tenha generalizado na primeira metade do sculo XVIII, tornando aqueles elementos indispensveis
caracterizao do prdio corrente joanino.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Arquivo Histrico do Patriarcado de Lisboa
Livro dos Ris de Confessados, Freguesia de Santa Catharina, 1651 [ref. 2483]
Bibliografia
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humas janellas de sacada e por huma delas no chegar a ter quatorze palmos da postura, porem (?) adonde est no cauza impedimento dalguma serventia
de cidade <...> AML, Livro de Cordeamentos de 1707.
48
Diz Paula Maria de Faria que ella tem huas cazas na Rua Direita de Santa Anna as quais esta edificando e porque nellas (?) hua sacada de po e quer por
lhe sacada de pedra o que no pode fazer sem Lienssa deste Senado <> 23 de Julho de 1704 <> AML, Livro de Cordeamentos de 1700-1704.
49
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156
submisso/submission: 05/03/2014
RESUMO
aceitao/approval: 25/03/2014
O estudo do universo construdo da cidade passa, inevitavelmente, por uma anlise detalhada dos vrios ncleos
arquivsticos, quer se encontrem no Arquivo Nacional da Torre do Tombo ou noutros arquivos de Estado, quer
sobretudo aqueles que permanecem guarda do Arquivo Municipal de Lisboa. neste ltimo acervo que se
destacam os Livros de Cordeamentos, cuja utilizao pelos estudiosos nem sempre tem sido realizada de forma
sistemtica. No entanto, so uma fonte preciosa de informaes, em especial por registarem os requerimentos
ao Senado da Cmara para a realizao de obras, requerimentos depois informados com despachos e detalhes
construtivos da maior importncia para o conhecimento preciso da poca exata e pormenores dos programas de
* Jos Antnio Salgado Sarmento de Matos, olisipgrafo. Depois de frequentar o curso de Histria da Faculdade de Letras de Lisboa e Histria de Arte
da Universidade Nova de Lisboa, tem-se dedicado ao estudo da arquitetura civil palaciana da cidade de Lisboa. Nesta perspetiva desenvolveu trabalhos
sobre urbanismo e histria geral da cidade. Tem vrias obras publicadas sobre temticas olisiponenses, como Uma Casa na Lapa ou A Inveno de Lisboa
(2 vols.), entre outras. atualmente colaborador em matrias histricas e patrimoniais do Grupo de Trabalho da Colina de SantAna. Correio eletrnico:
[email protected]
** Jorge Lus Ferreira Marques Paulo licenciado em Histria e Mestre em Paleografia e Diplomtica, com especializao na escrita humanstica, em cujo
mbito prossegue estudos. No mbito da Olisipografia, colaborou em vrios peridicos e tem-se dedicado a estudos de carter histrico e patrimonial para
entidades pblicas e privadas, com particular incidncia em certas zonas de Lisboa, como a Lapa, Prncipe Real, Baixa Pombalina, S. Paulo, Mouraria, Colina
de SantAna e a zona oriental. A sua publicao mais recente data de 2013, em coautoria, Um stio na Baixa. Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 155 - 178
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I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
obras. No caso que aqui se revela, do palcio Sanches de Brito, ao Campo de Sant Ana, o requerimento datado de
1748 permite sem qualquer dvida datar a construo do atual edifcio, cuja histria particular andava enredada
nos informes inscritos no sculo XIX numa placa existente no interior.
PALAVRAS-CHAVE
Lisboa / Cordeamentos / Palcio / Construo / Arquitetura civil
ABSTRACT
The study of the built city universe passes, inevitably, through a detailed analysis of the various archival cores,
whether they're in Arquivo Nacional da Torre do Tombo or other State archives and, above all, those which
remain in the Arquivo Municipal de Lisboa custody. It is in this latter collection that the Livros de Cordeamentos
stand out, whose use by scholars has not always been performed systematically. However, they are a valuable
source of information, in particular for recording the requirements to the Senate Chamber for the execution
of works, which were later informed with orders and construction details of the utmost importance for the
accurate knowledge of the exact time and details of works programs. In the case that here arises - the Sanches
de Brito Palace, by the Campo de Sant ' Ana - the application, dated from 1748, allows, undoubtedly, to date the
construction of the actual building , whose particular history was entangled in registries graved in the nineteenth
century on an existing plate inside.
KEYWORDS
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DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
INTRODUO
No mbito do grupo de trabalho sobre a Colina de Sant Ana foram realizados vrios estudos histricos e
patrimoniais sobre imveis notveis existentes na zona abrangida. Entre outros, destacam-se o palcio Sanches
de Brito, objeto do presente trabalho, e o palcio Miranda Henriques, seu vizinho (em parte a atual embaixada
da Alemanha)1. Esses estudos preliminares, um dos quais em parte serve de base ao presente artigo, esto
inseridos no documento genrico do referido grupo de trabalho, disponvel no stio da Cmara Municipal de
Lisboa2. Como o conhecimento pormenorizado da construo do palcio de que em seguida se trata remete para a
informao importante contida nos Livros de Cordeamentos, parece pertinente aproveitar o ensejo para valorizar
a importncia desse acervo para o estudo mais seguro do patrimnio de Lisboa.
A histria do magnfico edifcio do Campo de SantAna, que hoje se pode designar por Sanches de Brito, dado
o nome da famlia responsvel pela construo e sua proprietria ao longo de mais de dois sculos, estava
condicionada partida por uma informao que se encontra gravada numa lpide oitocentista sobre uma das
portas no patamar da escadaria. Segundo esse informe, que no permite desvendar a fonte do conhecimento
que ainda hoje proclama, o edifcio teria sido construdo em 1730 sendo seu arquiteto Joo Frederico Ludovice
(1673-1752). Mesmo que alguns autores mais familiarizados com a construo da segunda metade do reinado
de D. Joo V colocassem algumas dvidas a essa informao, a verdade que o seu tom to afirmativo levava,
na maioria dos casos, repetio acrtica da mesma, sem sequer se procurar saber o nome do proprietrio
responsvel pela construo, sempre um inominado desconhecido3.
Ora, a resoluo da questo, da maior importncia para uma correta abordagem da arquitetura civil lisboeta
anterior ao terramoto, estava bem guardada no infindvel esplio escondido do Arquivo Municipal de Lisboa.
1
Cf. MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira Estudos histricos e patrimoniais: conjunto de propriedades selecionadas na Colina de SantAna.
Anexo a Colina de Santana: documento estratgico de interveno [Em linha]. Lisboa: Cmara Municipal, 2013. p. 220-327. Disponvel na Internet: http://
www.cmlisboa.pt_fileadmin_VIVER_Urbanismo_urbanismo_planeamento_colina_Documento_Estrategico_da_Colina_de_Santana_10dezembro.pdf.
2
A informao foi veiculada por ARAJO, Norberto de - Peregrinaes em Lisboa. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1938. Manuel Maia Athayde questionou
tal autoria, embora lhe parecesse "fora de dvida que a lio de Ludovice est presente na fachada principal". Cf. ATHAYDE, Manuel Maia - Monumentos e
edifcios notveis do distrito de Lisboa. Lisboa: Junta Distrital, 1975. p. 132-133.
3
4
Na sua totalidade, constituem um ncleo de 39 cdices factcios abrangendo um perodo entre os anos de 1614 e 1789. Apesar de perfazerem um conjunto
composto por vrios milhares de documentos, muitos outros se tero perdido na sequncia do Terramoto e dos incndios sofridos pelos Paos do Concelho,
cujas marcas, em alguns casos, ainda so visveis.
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Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
que em 1748 foi deitado abaixo o edifcio anterior da famlia Sanches de Brito, sendo dada a autorizao para a
construo de um novo, cuja descrio do corpo central corresponde ao atual. Portanto, no s se pode corrigir o
contedo da referida placa existente no interior, datando a construo com mais preciso de 1748, como inclusive
se fica a saber o nome do construtor, um dos membros da referida famlia, que deteve a propriedade por vrias
geraes, antes e depois da realizao desta construo final, em 17485.
semelhana deste caso em apreciao, a mesma fonte - os citados Livros de Cordeamentos - permite ainda
precisar com maior acuidade o estudo de edifcios j abordados em trabalhos anteriores ou em vias de realizao.
relevante, por exemplo, a informao constante no referido ncleo documental relativa obra do palcio de
Vasco Loureno Veloso, na rua da Cruz de Santa Apolnia, estudado na obra Guia Histrico do Caminho do Oriente,
cuja data certa de construo ento se desconhecia, apurando-se ento que o negociante de "grosso trato" j
vivia no arruamento desde o vero de 17326. No entanto, por um requerimento interposto por aquele ao Senado
da Cmara, inserto no Livro dos Cordeamentos, fica-se a saber que em 1734 as fachadas das suas cazas nobres
estavam arruinadas e as queria botar abaxo para as fundar de nouo, no mesmo citio em que se acho, e abrir
sacadas, o que no pode fazer sem Licensa deste Senado7.
Figura 1 Palcio de Vasco Loureno Veloso, na rua da Cruz de Santa Apolnia.
Fot. Eduardo Portugal. AML, PT/AMLSB/POR/0594398.
5
A famlia Sanches de Brito referenciada no Campo de Sant'Ana (tambm chamado Campo do Curral) pelo menos desde meados do sculo XVII. lvaro
Sanches de Brito, proprietrio ao longo de vrias dcadas, j a nascera, em 1656. Cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Registos Paroquiais,
Pena, Baptismos, liv. 4, f. 63v. A sua presena no stio, bem como a dos seus sucessores, at ao 2 quartel do sc. XIX, ser documentada adiante.
6
MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira - Guia histrico do Caminho do Oriente. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. Vol. 1. p. 72-79.
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 158v.-159v. (v. Anexos I: 2 - 1734). Existe ainda um outro cordeamento para
este palcio, datado de maio de 1754, que permite apurar que a propriedade de Santa Apolnia sofreu uma outra interveno, pela parte que confina com
a rua publica, que vay de Valle de Cavalinhos (AML, Livro de Cordeamentos de 1753-1755, f. 330-331v.).
7
8
Excelente exemplar da arquitetura civil setecentista, datvel de 1734. bem percetvel a continuidade na obedincia aos arqutipos estticos do chamado
barroco aristocrtico, definidos em finais do sculo XVII. sobretudo explcito desse gosto o arranjo floreado das cantarias laterais da janela sobre o
portal de entrada, bem como o recorte do fronto aberto sobre a mesma.
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DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
Importa ainda realar as informaes relativas a dois edifcios palacianos inseridos no levantamento patrimonial
em curso na Colina de SantAna, estudos que acompanham o trabalho relativo ao palcio Sanches de Brito, adiante
tratado9.
O primeiro o palcio Melo, na rua de Santo Antnio dos Capuchos, que hoje parte integrante do conjunto
hospitalar da mesma designao, notvel edifcio da primeira metade do sculo XVIII que a informao contida
nos Livros de Cordeamentos permite datar de 1726, de acordo com a indicao recolhida no requerimento ao
Senado da Cmara, em que se l que D. Joo de Melo e Abreu, o construtor, queria acabar as suas cazas que
tem principiado pello mesmo estrossimento que tem do quarto novo que est feyto10. Esta informao permite
apurar a datao das encomendas posteriores da notvel azulejaria das salas e escadaria do palcio, decorada
com as armas de Melo e Abreu.
Figura 2 Palcio Melo, na rua de Santo Antnio dos Capuchos.
Fot. Armando Serdio, 1968. AML, PT/AMLSB/SER/S0508611.
9
Refira-se, contudo, que o estudo relativo ao palcio Melo no integra o citado "Documento Estratgico de Interveno".
10
Apesar da complexidade da evoluo construtiva deste edifcio, com diversas campanhas de obras, sabe-se pela referncia dos Livros de Cordeamentos
que a parte principal data de 1726, por iniciativa de D. Joo de Melo e Abreu. Tambm aqui sensvel a continuidade dos modelos aristocrticos ainda
seiscentistas, apesar de o largo porto, disposto numa reentrncia cncava, bem como a escadaria nobre que nasce do ptio a que esse porto d acesso,
serem j de um gosto de transio. Alis, o pormenor dos balastres em mrmore da escadaria aproxima este apontamento arquitetnico da grande
escadaria do convento do Beato, iniciativa de D. Joo V quando ainda prncipe do Brasil, antes, pois, de 1707.
11
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O segundo o palcio Qufel Barberino (depois Pais do Amaral/Alverca por casamento), hoje Casa do Alentejo,
na rua das Portas de Santo Anto, propriedade cuja histria particularizada era ainda desconhecida, podendo
hoje no s datar-se a sua construo, como registar com mais segurana os sucessivos proprietrios. Num
requerimento inserto nos mesmos Livros de Cordeamentos, interposto por Lus Qufel Barberino12 e datado de
1734, afirma-se que elle h Senhor, e pessuidor de huma propriedade de cazas citas na Rua direita daNuniada
e seu Jrmo Manoel quifel. E porquanto se nesseita deitar a frontaria abaixo por estar aruinada e nella se ho de
meter algumas genelas de sacadas13.
Estes dois exemplos so do maior relevo para a compreenso da arquitetura praticada em Lisboa no perodo
joanino, pois ambos os casos refletem ainda a continuidade dos modelos palacianos aristocrticos definidos em
finais do sculo XVII, sem qualquer influncia da esttica do barroco romano que o rei se esforava por introduzir
em Lisboa, sobretudo a partir do incio das obras de Mafra, em 1716.
Figura 3 Palcio Qufel Barberino, na rua das Portas de Santo Anto/
S. Lus dos Franceses.
Fot. Joshua Benoliel, 1909-10. AML, PT/AMLSB/JBN/00028014.
12
Sobre a sua ascendncia, informou o prprio Lus Qufel Barberino em 1706, ao Santo Ofcio, que "seu avo nasceu em a cidade de Anveres filho terceiro
do Governador della Bartolomeu Quifel descendente legitimo da Caza dos Quifeis, e de sua mulher D. Catherina de Mayala Barbarino natural da cidade de
Florena descendente legitima da Caza Barbarina, e sahindo da sua terra o dito seu avo a correr terras sem licena de seus pays, veyo a esta cidade, aonde
se demorou por no ter dinheiro prompto para seguir a sua jornada, e cazou nella com D. Izabel de Fette Barbarino de cujo matrimonio nasceo Bartolomeu
Quifel Barbarino pay do suplicante, e D. Catherina Maria Quifel Barbarino, que cazou com o Dezembargador Manuel Rebello de Figueiredo natural da vila
de Sernancelhe, onde nascero, vivero e morrero todos seus pays, e avs, sendo da familia destes appellidos, e deste matrimonio nasceu filha unica D.
Thereza Maria de Figueiredo, que cazou com o pay do suplicante (...)". ANTT, Habilitaes do Santo Ofcio, m.18, n 101.
13
Tambm este edifcio revela uma continuidade com os modelos de finais do sculo XVII. sobretudo notvel o conjunto central portal janela, com
pinculos laterais, muito caractersticas desse gosto que se mantm bem arreigado na prtica lisboeta j bem entrado o sculo XVIII (1734).
14
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DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
Como estes exemplos bem demonstram, da maior relevncia para o avano seguro da histria da cidade todo o
trabalho de estudo e divulgao deste inestimvel patrimnio pertencente ao Arquivo Municipal, como o caso
dos Livros de Cordeamentos, que se mantm como um territrio desconhecido para muitos que se debruam
sobre a histria da cidade de Lisboa15. Para reforar esta ideia junta-se em seguida o essencial do estudo j
realizado sobre a evoluo histrica da propriedade e das fases de construo do palcio Sanches de Brito, no
Campo de SantAna, com particular incidncia na campanha de obras original. At hoje designado por palcio
do Patriarcado, por aqui ter sido a residncia dos patriarcas de Lisboa a partir de 1914, merecedor de uma
identificao mais apropriada sendo-lhe restituda a designao da famlia que o edificou e a ele esteve ligada
durante mais de dois sculos.
De acordo com a inscrio existente na placa sobre uma porta do primeiro andar deste edifcio, o palcio ter sido
construdo em 1730 sob a direo do arquiteto Joo Frederico Ludovice, "que o foi do Palcio de Mafra", sendo
restaurado em 1867. Foram encontradas referncias a esta propriedade nos antepassados da famlia Sanches de
Brito desde finais do sculo XVI, estando a mesma na posse de lvaro Sanches de Brito j nos incios do sculo
XVIII16. Este facto poderia corroborar a informao contida na placa, datando o edifcio de 1730 e indicando
15
Uma abordagem mais sistemtica a este fundo documental, embora para o perodo posterior ao Terramoto, foi feita por SILVA, Maria de Lurdes Ribeiro
da - Aspectos da interveno do Senado da Cmara na reconstruo pombalina: os livros de cordeamentos. In Colquio Temtico O municpio de Lisboa
e a dinmica urbana: sculos XVI-XIX, 1, Lisboa, 1995 - Actas das sesses. Lisboa: Cmara Municipal, 1997. p. 101-120. Outros autores, poucos, tm vindo
a utilizar os Livros de Cordeamentos, sobretudo a propsito de estudos sobre o Bairro Alto, casos de CARITA, Helder - A Igreja, a Rua Larga e o Bairro Alto
de So Roque, in OLIVEIRA, Maria Helena (coord.) - Patrimnio arquitectnico: Santa Casa da Misericrdia de Lisboa. Lisboa: Santa Casa da Misericrdia,
2006. vol. 1, p. 18-35; ALBERTO, Edite - O Bairro Alto de So Roque e os Jesutas: a nobilitao do Bairro. In CARITA, Hlder (coord.) - Bairro Alto, mutaes
e convivncias pacficas: Lisboa, Cmara Municipal, 2012. p. 31-45; COUTINHO, Maria Joo Pereira - Bairro Alto: os palcios e edifcios religiosos, in idem,
ibidem, p. 77-89.
16
So muitos os instrumentos notariais que o referenciam ali no Campo de Sant'Ana ou Campo do Curral, apenas mudando a forma como tal enunciado:
"morador no Campo de Santa Anna", morador ao Campo ou "Campo de Santa Anna e Cazas em que vive". A ttulo exemplificativo, registe-se: no ano de
1700, em dois emprstimos (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 429, f. 89-89v. e liv. 434, f. 24-24v.); em 1704, uma escritura
de obrigao (ANTT, 15 Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livros de Notas, liv. 448, f. 35); em 1727, uma escritura de dote de 600.000 reis para a sua
filha Antnia ingressar no Mosteiro de Sant'Ana (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 535, f. 34v.; em 1736, contrai um
emprstimo de 400.000 reis aos sobrinhos e testamenteiros de Bernardo Ramires Esquvel, cuja famlia, semelhana dos Sanches de Brito, teve uma
presena multisecular no Campo de Sant'Ana, nas casas mesmo ao lado, entre os scs. XVII-XX (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de
Notas, liv. 578, f. 39-40v.); em 1739 arrenda as suas casas no Largo dos Trigueiros (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 593, f.
16). O filho, Joo da Costa de Brito, tambm referenciado com frequncia como morador no Campo de Sant'Ana, como por exemplo em 1727 (ANTT, 15
Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 539, f. 3v.).
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Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
o nome de J. F. Ludovice. No entanto, esta informao, que no revela a fonte primordial em que se baseou,
contraditada por um documento de 1748, constante de um Livro de Cordeamentos.
De facto, conforme o requerimento interposto pelo capito de mar e guerra Joo da Costa de Brito, filho de lvaro
Sanches de Brito, ele era "Senhor de huma propriedade de cazas sitas no Campo do Corral as quaisquer demolir e
no mesmo cho fazellas de novo (...)17", solicitando pois a respetiva vistoria. Nesta conformidade, em 30 de abril
de 1748, trs dias depois do requerimento apresentado, os oficiais do regimento mais o escrivo do tombo dos
bens e propriedades do Senado da Cmara, o vereador detentor do pelouro das obras e o procurador da cidade,
foram
"ao Campo do Curral a ver a obra que em huas cazas que ahi tem pertende mandar fazer o Capito de mar, e guerra
Joo da Costa e Brito contheudo na petio retro nas quais se fez vestoria, e hade mandar fazer a obra na forma
seguinte: Estas cazas estrocem dereito com as paredes das cazas vezinhas, e por este estrocimento hade abrir os
alicerces da parede da frontaria sacada no meio aonde hade fazer o portico com ha janela de cada banda palmo, e
quarto para mayor formosura, e melhor semetria das ditas cazas, e nellas hade fazer janelas de sacada em altura de
dezaseis palmos. E hade fazer hum tilheiro para lavrar pedra defronte das ditas cazas de trinta palmos de comprido,
e vinte, e dous de Largo obrigandose o Mestre a desmanchalo Logo depois de acabada a obra (...)18".
A descrio contida no documento do novo corpo central da "frontaria sacada" (isto , saliente) perfeitamente
condizente com a construo ainda hoje existente. Alm disso, o pedido de construo fronteiro de um telheiro
de obra provisrio pode corroborar que a obra desejada implicava um estaleiro considervel, sobretudo para a
execuo do trabalho elaborado de toda a cantaria, que ainda hoje a marca mais significativa desta bela fachada.
Aquilo que se pode afirmar com segurana documental que no incio do sculo XVIII havia umas casas onde
habitava lvaro Sanches de Brito, casas essas que seu filho, Joo da Costa de Brito, fez demolir e substituir por
outras com uma fachada com um corpo central saliente. Alis, as caractersticas arquitetnicas do edificado
apontam para data mais tardia de 1730, como se dir adiante, levando outros autores a atriburem o edifcio ao
arquiteto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785), discpulo de Ludovice19. Curiosamente, o nome de Mateus
17
18
Cfr. ATHAYDE, Manuel Maia, op. cit., p. 133; QUEIRZ, Mnica Ribas Marques Ribeiro de O arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785): uma prxis
original na arquitectura portuguesa setecentista. Lisboa: FBA/UL, 2013. p. 77-79. Tese de Doutoramento em Cincias da Arte apresentada Faculdade de
Belas Artes da Universidade de Lisboa.
19
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DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
Vicente surge num contrato de 1756 a trabalhar no palcio de J. J. de Miranda Henriques, mesmo ao lado deste20.
"(...) se obriga o dito mestre a fazer todos os desmanchos que forem presizos a sua custa levantando de novo as
paredes que se julgarem persizas e necessarias como tobem fazer a semalha da frontaria de novo na altura que lhe
for dada pello risco do sargento mor Matheus Vissente ao que elle senhorio detriminar e mandar (...)"21.
Fazendo f na informao documental, que melhor se ajusta at leitura arquitetnica, o palcio atual dos Sanches
de Brito data, pelo menos, de 1748, de qualquer forma anterior ao terramoto de 1755, pois nos registos da
Dcima da Cidade, a partir de 1762, o palcio encontra-se sempre habitado, sem meno explcita a obras maiores
ou reconstruo, como acontece na esmagadora maioria dos casos. Portanto, como muitas outras construes
nesta parte da cidade e mais especificamente na "parte de cima do Campo", no foi afetada pelo sismo22.
Seria que as casas de residncia de lvaro Sanches de Brito foram objeto de uma interveno de Ludovice, em
1730? pouco provvel que uma obra realizada sob a orientao de Ludovice, por certo de monta, fosse demolida
dezoito anos depois, em 1748, para dar lugar a novo edifcio, alis bem aparentado com o gosto introduzido e
difundido em Lisboa pelo mesmo mestre alemo. Alis, Ludovice ainda estava vivo em 1748, pelo que poder
ter indicado o seu discpulo Mateus Vicente para dirigir o projeto. Esta afinidade poder ter induzido em erro os
autores dos restauros datados de 1867, afixando na placa a informao da autoria de Ludovice e a data de 1730.
Os membros sucessivos da famlia Sanches de Brito foram proprietrios e construtores, sendo o primeiro ligado
documentalmente ao Campo de Sant Ana (ou do Curral), no sculo XVIII, lvaro Sanches de Brito. Aqui nasceu
(1656)23 e viveu vrios anos, intercalando a residncia com a quinta de Caparide, semelhana do que fizera seu
20
De facto, o palcio vizinho, dos Miranda Henriques, foi objeto de duas grandes campanhas de obras por esta altura, primeiro em 1747/48, depois em
1756/57, encontrando-se essas obras, de forma pouco habitual, bem documentadas em instrumentos notariais, indicando quer os responsveis pelas obras
quer os mestres que as executaram: 1747 (30/04) - o pedreiro Antnio lvares (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 622, f.
27v.-29); 1747 (05/08) - Antnio lvares e Manuel Duarte, carpinteiro (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 623, f. 51-53v.);
1748 (23/02) - com Manuel Duarte e Antnio lvares, (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 625, f. 57-58v.); 1748 (08/08) - o
canteiro Jacinto Isidoro (ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 627, f. 66v.-68); 1748 (28/08) - Joo Franco (ANTT, 15Cartrio
Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 627, f. 87-89). Em 1756/57 seria de novo reedificado: 1756 (28/07) - o carpinteiro Antnio Franco (ANTT,
15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 661, f. 45v.); 1757 (02/02) - Antnio Franco (ANTT, 14Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de
Notas, liv. 4, f. 8-9v.). Foram trs os responsveis pelas obras: primeiro, o sargento-mor engenheiro Jos Sanches da Silva, entretanto falecido, depois, o
arquiteto do Senado Remgio Francisco (Abreu), e, por fim, Mateus Vicente (Cf. MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira, op. cit., p. 292-315).
21
22
23
ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A, Livro de Notas, liv. 661, f. 45v.
O palcio de J. J. de Miranda Henriques, por exemplo, sofreu alguns danos com o Terramoto, pelo que teve de ser, em parte, reconstrudo.
Aos 27 de dezembro. ANTT, Registos Paroquias, Pena, Baptismos, liv. 4, f. 63v.
167
I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
pai, sendo que ao longo das quatro primeiras dcadas de Setecentos vrios documentos o do como residente ao
Campo de Sant'Ana, onde viria a morrer em 174124.
Figura 4 Assinatura de lvaro Sanches de Brito, coronel de mar, em um instrumento notarial pelo qual contrai
um emprstimo de 600.000 reis (1727). ANTT, 15Cartrio Notarial de Lisboa, Ofcio A,
Livro de Notas, liv. 535, f. 35v.
A lvaro Sanches de Brito sucedeu o filho Joo da Costa de Brito, que manteve residncia na casa sendo o primeiro
proprietrio citado nos registos da Dcima da Cidade, logo em 1762, e depois o filho deste, Jos Sanches de Brito,
que permaneceu na propriedade mesmo durante o perodo em que, ao que parece, promoveu umas obras nas
casas grandes, referenciadas "por acabar" (1768) ou "hum quarto nobre por acabar" (1769)25.
O arrendamento da propriedade em vrios anos da dcada de 1770, primeiro ao cnsul da Rssia, por 400.000
reis, durante quatro anos (1773-76), e de seguida ao bispo de Elvas, certamente por razes de ordem financeira
devido dimenso das suas dvidas, parece indiciar que a obra entretanto se concluiu26. Pouco depois, logo em
1780, Jos Sanches de Brito regressou s casas do Campo de Sant'Ana, a sendo referenciado at 1801, ano em que
provavelmente faleceu, pois aps essa data j referida a herana de Jos Sanches de Brito como proprietria27.
Certamente, ter ficado como herdeiro principal o seu filho lvaro Sanches de Brito28.
possvel que estas campanhas de obras citadas (1768/9) se refiram exclusivamente ao corpo de tardoz, sob
o ptio com entrada pela rua de Santo Antnio dos Capuchos, construdo mais tardiamente. Esta hiptese
reforada por um cordeamento realizado em 4 de julho de 1758, depois de Jos Sanches de Brito pedir licena
para realizao de obras na sua "morada de cazas" na rua de Santo Antnio dos Capuchos, a fim de as "reedefficar,
e nellas por sacadas"29. Mais explicitamente, "fazer cazas onde era quinta".
24
No dia 9 de abril de 1741 falecia "o Coronel Alvaro Sanches de Brito solteiro morador no Campo pela parte de sima" (ANTT, Registos Paroquias, Pena,
bitos, liv. 11, f. 130).
25
26
27
Arquivo Histrico do Tribunal de Contas (AHTC), Dcima da Cidade, Pena, Livros de Arruamentos, m. 924, 926, 927.
Anteriormente j parte da propriedade tinha sido arrendada ao conde Aposentador-Mor, pagando 400.000 reis pelo primeiro andar e uma cocheira.
AHTC, Dcima da Cidade, Pena, Livros de Arruamentos, m. 929 a 942.
Tambm fidalgo da Casa Real, guarda marinha das fragatas da Coroa. Em 1773, ainda menor de 18 anos, ter acompanhado o pai, capito de mar e guerra,
que partia para os Estados da ndia no comando da nau Nossa Senhora da Madre de Deus, onde ambos prestariam servios no mbito da Marinha (ANTT,
Habilitaes da Ordem de Cristo, m. 31, n 4).
28
29
168
I
DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
Os Sanches de Brito constituem uma famlia de Lisboa com ligaes estreitas aos Mendes de Brito, residentes
no seu palcio do Carmo, riqussima famlia de raiz crist-nova, estigma este ainda bem presente em meados do
sculo XVIII, como se verifica nos processos de habilitao e suas "provanas" de limpeza de sangue, em que o
zelo dos inquiridores recorrentemente se deparava com a informao de que "a fama de christam novice sempre
houve na familia dos Britos", com toda a fundamentao genealgica testemunhal para o comprovar30.
O av do primeiro lvaro, Nuno Dias de Brito (Sanches, segundo Felgueiras Gaio31), casou com a herdeira de
um Diogo Mendes de Brito, neta de Simo Pires de Solis, figura de proa da comunidade crist-nova de Lisboa
na primeira metade do sculo XVII, que ter sido o responsvel pela aquisio da propriedade ao Campo de
Sant'Ana, em finais do sculo XVI, em 1592. J no segundo quartel do sculo XVII aqui viveu algum tempo Nuno
Dias de Brito e depois a sua viva - "junto a Santo Antonio dos Capuchos as cazas em que vive Biatris da Costa
de Brito veuva de nuno dias de Brito32" (1630). Um dos seus filhos, Francisco de Brito Sanches, pai de lvaro
Sanches de Brito, residiu aqui ao Campo do Curral bem como na sua quinta de Caparide, onde viveu vrios anos.
Os mencionados membros desta famlia Sanches de Brito, nos finais do sculo XVII e ao longo do sculo XVIII,
destacaram-se nas lides martimas, como oficiais de marinha de guerra, como coronis de mar e capites de mar
e guerra. O primeiro, lvaro, chegou a ser governador da fortaleza de So Loureno da Barra (Cabea Seca)33; o
Figura 5
30
31
32
GAIO, Manuel Felgueyras - Nobilirio de famlias de Portugal. Braga: Ed. Carvalhos de Basto, 1990. vol. IX, p. 305-306.
ANTT, Habilitaes da Ordem de Cristo, m. 10, doc. 9.
Boa parte do seu currculo biogrfico-militar est expresso em duas mercs de D. Pedro II, dadas em 1699 e 1705, respetivamente, o alvar de habilitao
para se opor s capitanias das naus da viagem e a carta de atribuio do posto de capito de mar e guerra. ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, liv. 43, f. 8-8v.
e Registo Geral de Mercs, D. Pedro II, liv. 12, f. 176 (v. Anexos II: 1 - 1699; 2 -1705).
33
169
I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
Figura 6
filho, Joo da Costa de Brito chegou a capito de mar e guerra, com uma carreira militar que ultrapassou os 40
anos ao servio da armada34.
Por fim, Jos Sanches de Brito, fidalgo da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo, chegou a almirante da
Armada Real. Este ltimo, Jos Sanches de Brito, contudo, deparou-se com dificuldades ou "impedimentos" na
sua habilitao na Ordem de Cristo, sendo mesmo considerado inbil para o efeito. Este julgamento resultou da
sua condio de filho natural de "me concubina do Pay", o mesmo se passando com a av paterna relativamente
ao av paterno, com o av materno despenseiro das naus da coroa e a av materna mulher de segunda condio35.
Assim, viu-se forado a recorrer boa vontade rgia atravs de petio em que exps que a merc do hbito lhe
provinha dos servios prestados no Pao por sua mulher, D. Lusa Margarida Leonor de Weinholtz, no foro de
aafata, situao em que o rei costumava dar a dispensa necessria, pois a merc seria para o marido com quem
fosse casada36.
Destacaram-se igualmente pela posse de inmeros bens (propriedades, quintas, etc.37) e o ltimo, Jos Sanches
de Brito, defrontou-se com vrios processos por dvidas acumuladas, cuja natureza explicada pelo prprio em
petio ou splica dirigida ao monarca, aludindo ao pai e ao av, afirmando que apesar do
"laboriozo servio do mar que principiaro e acabaro a vida chegando qualquer delles ao posto de Coronel de Mar e
contraindo ambos importantes dividas de que os no pudero livrar os incertos intereces do Real Servio passaro estas
ao supplicante como hereditarias, obrigando-se ao pagamento de todas, de que no tem podido libertar-se (...)"38.
Chegou mesmo a pedir ao rei um juiz para administrar a sua Casa para durante cinco anos se recompor sem ter
de atender aos credores, a quem devia mais de oito contos de reis. Isto no ano de 1769, em que parece concluir
34
35
ANTT, Registo Geral de Mercs, D. Jos, liv. 3, f. 293-293v. e Habilitaes da Ordem de Cristo, m. 31, n 4 (v. Anexos II: 3 - 1751).
ANTT, Habilitaes da Ordem de Cristo, m. 16, doc. 6.
Batizado em S. Vicente de Alcabideche, onde a famlia passava grandes temporadas, casou com D. Lusa Margarida de Weinholtz, natural de Rendsburg,
filha do Coronel Frederico Jacob de Weinholtz, natural do Ducado da Alscia, e de D. Maria Isabel Wederkop, natural de Rendsburg (ANTT, Habilitaes da
Ordem de Cristo, m. 31, n 4).
36
37
Em particular a quinta de Caparide - "com as suas pertensas, e vinha da vargem, e mais fazendas" -, que juntamente com as casas do Campo de Sant'Ana
estavam avaliadas ento em 35 contos de reis, respetivamente 21.000.000 e 13.000.000 reis (ANTT, Desembargo do Pao, Corte, m. 1312, n 2).
38
Idem.
170
I
DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
as obras na propriedade. Devia ento, s ao seu maior credor, a quantia de 47.000 cruzados, 15.000 dos quais
s em juros. Num documento relativo a um processo de dvidas, datado de 1769, Jos Sanches de Brito refere
expressamente:
"Humas casas nobres no Campo de Santa Anna, que arrendadas, rendem quinhentos e cinquenta e oito mil reis;
Humas casas na rua de Santo Antnio, para doze moradores, que arrendadas todas rendem duzentos e setenta e dois
mil ris; Humas casas grandes a S. Cristvo que lhe pago de foro oitenta mil reis"39.
relevante notar que apesar de contguas, as duas partes deste conjunto so tratadas ao tempo como
propriedades distintas, uma no Campo de SantAna e a outra, na traseira, abrindo autonomamente para a rua de
Santo Antnio dos Capuchos, subdividida em doze moradas, chegando a ser referenciadas como "infenitas cazas
de acomodaes".
Para se acompanhar a estrutura setecentista da propriedade, dever-se- compulsar a descrio constante de uma
vistoria realizada em 1770, a pedido do proprietrio Jos Sanches de Brito, para efeitos da avaliao das casas
ento hipotecadas40.
Pelo menos at 1833, a propriedade manteve-se na famlia, sendo mais tarde vendida famlia Costa Lobo,
responsvel pela campanha de obras de 1867, como parece indicar a existncia do seu braso de armas
em ferro sobre a porta de entrada. Nestas obras ter-se-o provavelmente acrescentado alguns elementos
decorativos em pedra, sobretudo em torno da mesma porta axial, bem como a balaustrada sobre a cornija e
as esttuas que a coroam.
Figura 7 Corpo traseiro do edifcio com entrada por um ptio pela rua de
Santo Antnio dos Capuchos.
Fot. dos autores, 2013
39
40
171
I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
No princpio do sculo XX esteve instalada no palcio a embaixada da Alemanha, ao tempo que era embaixador
o conde de Tattenbach, que aqui deu grandes festas, sobretudo aquando da visita a Lisboa do Kaiser Guilherme
II. Depois, um dos membros da famlia Costa Lobo doou a sua parte do edifcio Misericrdia de Lisboa, vindo
este a ser arrendado para instalao da residncia do patriarca de Lisboa, em 1913. A outra parte acabou por ser
adquirida pelo cnego Manuel Anaquim e pelo padre Antnio Joaquim Alberto que depois arremataram a parte
da Misericrdia (1923/24), mantendo-se o Patriarcado na sua posse at tempos recentes41.
ANLISE ARQUITETNICA
No existe qualquer referncia documental coeva relativa origem da informao registada na lpide existente
no interior do edifcio, inserida na sequncia das obras de 1867, segundo a qual o palcio foi construdo em 1730
e foi seu arquiteto Joo Frederico Ludovice, responsvel pelas obras do convento de Mafra. A tipologia do edifcio
poder corroborar essa informao, pois bastar comparar esta elegante fachada com o desenho daquela que
Ludovice concebeu para a sua casa/nobre/prdio do Bairro Alto, sobre So Pedro de Alcntara. Em ambos os
casos estamos perante uma das mais marcantes novidades do perodo joanino, isto , o palcio com dois andares
"nobres", ambos de janelas de sacada, contrariando a prtica tradicional do palcio com um nico andar nobre,
hierarquizado de forma ostensiva em relao ao restante conjunto.
41
Conservatria do Registo Predial de Lisboa(CRPL), Freguesia da Pena, antiga 1 Conservatria, liv. B40, n 10996, f. 96; G34, f. 178; G2, f. 63, 63v.
172
I
DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
Como a fachada da casa/prdio de Ludovice data de 1747, como est registado na prpria fachada, a fazer f na
placa atrs citada, este palcio do Campo de Sant Ana seria anterior dezassete anos, ganhando por isso foros de
pioneirismo na afirmao desse novo formulrio esttico, com profundas implicaes na orgnica interna do
prprio edifcio e na sua relao com o espao pblico. Uma arquitetura preocupada em revelar novos valores
urbanos, em certa medida antecessora do futuro prdio/nobre pombalino. Olhando-a, todavia, com alguma
ateno, essa datao to precoce parece pouco plausvel.
Na verdade, sempre perigoso aceitar como definitivas as informaes contidas em registos bastante mais tardios,
e sem referirem qualquer base documental segura. Esta espcie de "diz-se que" dever sempre que possvel ser
confrontado com eventual documentao existente, como neste caso se passa com os livros de cordeamentos,
registo precioso tantas vezes esquecido. Ora, segundo esta fonte, no ano de 1748 realizada uma vistoria
municipal obra em curso nas casas de Joo da Costa de Brito, para acompanhar a demolio do edifcio existente
e a construo da nova fachada, com um corpo central saliente, com um portal ladeado por duas janelas de peito,
como ainda l est. Este documento no d qualquer pista para se desvendar como seria o edifcio original,
nesta data demolido. Portanto, a nova fachada segue o modelo de Ludovice erguido no ano anterior (1747),
aproximando formalmente os dois edifcios contemporneos. Todavia, se confrontados com mais detalhe, notase de imediato que este palcio do Campo de SantAna, apesar de exibir idnticos pressupostos, no s mais
"ligeiro" na sua estrutura, como a exuberncia decorativa mais pronunciada. Ou seja, a fachada de Ludovice, no
173
I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
Bairro Alto, bastante mais pesada, mais presa ao cho, enquanto esta afirma valores estticos mais de acordo
com a "leveza" ascensional de outra sensibilidade de idntica matriz barroca. Tudo parece, por isso, indicar que a
obra se inicia em 1748, numa verso mais elegante e leve do modelo definido por Ludovice no Bairro Alto, sendo
plausvel aceitar que Mateus Vicente seguiu a orientao do mestre, mas norteado pelas suas opes estticas.
Figura 10 e 11
Corpo central das fachadas do palcio Sanches de Brito, de 1748 ( esq.), e do Ludovice, 1747 ( dir.), ambas com marcao
ostensiva de verticalidade.
esq., fot. dos autores, 2013; dir., fot. de Salvador de Almeida Fernandes. AML, PT/AMLSB/SAL/I00207.
De qualquer forma, a construo do palcio ser sempre anterior ao terramoto, pelas razes j atrs aduzidas,
tratando-se sem dvida de um dos mais notveis apontamentos da arquitetura palaciana do 2 quartel do
sculo XVIII, indicador das novas diretrizes introduzidas pela influncia da arquitetura romana deste perodo,
protagonizada por Ludovice, entre outros, e alimentada a peso de ouro pelo prprio rei D. Joo V.
Sobre o arquiteto Mateus Vicente de Oliveira foi apresentada uma tese de doutoramento na Faculdade de Belas
Artes da Universidade de Lisboa, em 2013, da autoria de Mnica Ribas Queiroz, na qual se coloca a hiptese
174
I
DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
de interveno de Mateus Vicente na construo deste edifcio. No entanto, a autora est ainda condicionada
pela informao constante da placa existente no patamar da escadaria, pelo que cuidadosa na afirmao da
autoria do conjunto. Contudo, a revelao contida nos Livros de Cordeamentos vem permitir outra segurana na
apreciao desta obra, ganhando-se a certeza que a fachada no de 1730, como se afirma na referida placa, mas
sim de 1748, como expressamente se diz no citado fundo documental do Arquivo Municipal. Parece, todavia,
pertinente a aproximao desta obra fachada de Queluz da responsabilidade de Mateus Vicente, como sugere
a referida autora.
Descontando pois alguns elementos introduzidos em 1867, como a balaustrada superior e as esttuas que a
coroam, esta fachada com os seus trs panos bem realados pelo jogo das pilastras, a marcao to evidente do
eixo central, acentuando a verticalidade do conjunto, a elegncia esguia das janelas, realada pelos flores que as
rematam, a ondulao to afirmativa das grades das varandas, quase rendilhadas constitui uma das obras mais
perfeitas do barroco joanino na arquitetura civil, merecendo por isso toda a ateno da parte dos estudiosos da
atividade artstica em Lisboa neste perodo.
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I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
ANEXOS
I - CORDEAMENTOS
1- 1726 (20/08). Lisboa. Cordeamento do Palcio de D. Joo de Mello e Abreu. AML, Livro de Cordeamentos de 17201729, f. 447-448v.
Jozeph Moreyra Mendona escriuo do Tombo dos bens e propiedades do senado da Camera destas cidades de Lisboa,
occidental e oriental e seos Termos e do Hospital de So Lazaro das ditas cidades cetera Certefico que eu fuy com o
Dezembargador Jeronimo da Costa de Almeida vereador dos senados da Camera, e quem a seu Cargo tem o pelouro
das obras das ditas Cidades, e com o Mestre medidor das ditas obras Jozeph Freyre e com o Homem das obras Joo
Baracho da gama, a Rua de Santo Antonio dos capuchos a ver e Cordear a obra que ahy quer continuar de humas Cazas
nobres Dom Joo de Mello Abreo contheudo na petio Retro proxima nas quais Cazas se acha hum quarto dellas feito
de nouo o qual fas hum Relecho pera fora da parede das Cazas Velhas de hum palmo e tres quartos pello qual pertende
extrocer a parede da frontaria das ditas cazas a morrer em ponta aguda no fim das ditas Cazas de sorte que ja no meio
da frontaria das ditas cazas no toma do publico mais que hum palmo e no fim donde hade fazer cunhal no velho que
ahy tem no toma nada do publico por extrocer direita a frontaria com as Cazas vezinhas da parte de sima asim Como
fica extrocendo o quarto nouo com as paredes vezinhas da parte de baixo e medindoe a largura da Rua na parede do
quarto nouo da parte de baxo Junto do Relexo se acha ter a Rua de largo neste ponto vinte e sinco palmos e meio e no
meio da frontaria das ditas Cazas donde pertende com o extrocimento tomar hum palmo do publico ficar a Rua dos
mesmos vinte e sinco palmos e meio e medindoce a Rua em sima no cunhal velho e no das Cazas vezinhas donde no
toma nada da Rua tem esta de largo vinte e sinco palmos e Concedendocelhe a licena na forma deste extrocimento
pera ficar a frontaria direita as sacadas que aCentar han de ficar em altura de dezaseis palmos pera sima e fazendo
Janellas de acentos Rasteiras do cho lhe no hade por grade de aranha que saque coiza alguma da parede pera fora
e nesta forma se fez o dito Cordeamento por vara de medir de sinco pal[mos] de que pasey a prezente por mim feita
e asignada pera se porpor em Meza de vereao Lisboa ocidental vinte de Agosto de mil e setesentos e vinte e seis
annos. / Jozeph Moreyra e Mendona.
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I
DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
2 - 1734 (23/07). Lisboa. Cordeamento do Palcio de Vasco Loureno Veloso. AML, Livro de Cordeamentos de 17301737, f. 158v.-159v.
Jozeph Moreyra e Mendona escriuo do Tombo dos bens e propiedades dos Senados da camera destas cidades
de Lisboa e do Hospital de So Lazaro cetera Certefico que o Dezembargador Jorge Freyre de Andrade vereador dos
Senados da Camera e que a seo cargo tem o pelouro das obras foy em companhia do procurador da cidade occidental
claudio gorgel do amaral e do Mestre medidor das obras Jozeph Freyre comigo escriuo Junto a Santa Apelonia a
ver e cordear a obra que pertende mandar fazer Vasco Loureno contheudo na petio Retro proximo e se lhe fez o
cordeamento na forma seguinte comvem a saber medindoce Junto do cunhal das cazas nobres ao parapeito fronteiro
neste ponto tem a Rua de largo trinta e oito palmos e trez quartos de palmo e medindoce no cunhal da parte de
baxo das casas velhas que se han de redeficar a parte das cazas fronteiras neste ponto ter a rua de largo quarenta e
oito palmos e tres quartos e medindoce em sima Junto do cunhal das cazas nobres da parte de Santa clara a parede
das cazinhas fronteiras tem a a rua de largo sincoenta e seis palmos e dahy pera sima extroce a frontaria que hade
acresentar em cazas com a parede das cazas serconvezinhas e as sacadas que asentar han de ficar em altura de
dezasees palmos pera sima e se no han de por degraos na Rua e nesta forma se lhe ouue por feito o cordeamento de
que pasey a prezente certido por mim feita e assinada em esta cidade de Lisboa occidental aos vinte e tres dias do
Mez de Julho de mil e setesentos e trinta e quatro annos. / Jozeph Moreyra e Mendona.
3 - 1734 (01/09). Lisboa. Cordeamento do Palcio de Lus Qufel Barberino. AML, Livro de Cordeamentos de 17301737, f. 253-254.
Jozeph Moreyra e Mendona escriuo do Tombo dos bens e propiedades dos Senados da Camera destas cidades
de Lisboa occidental e oriental e do Hospital de So Lazaro Etc. Certefico que o Dezembargador Jorge Freyre de
Andrade vereador dos Senados da Camera e que a seo cargo tem o pelouro das obras foy em companhia do procurador
da cidade oriental Antonio Pereyra de Viueiros e o Mestre medidor das obras Jozeph Freyre e o Homem das obras
Antonio da Silueira Baracho comigo escriuo do Tombo a Rua direita daNunciada a ver e cordear a obra da Redeficaso
das casas que ahy tem Luis quefel Barbarino contheudo na petio Retro proxima nas quais se fez o cordeamento na
forma seguinte comvem a saber medindoce a dita frontaria Junto do arco da serventia da sua obra a parede das cazas
fronteiras neste ponto tem a dita Rua de largo trinta e dous palmos e no mais extroce a frontaria das ditas cazas
com as cazas que correm para baixo da dita Rua e nesta forma se lhe ouue por feito o cordeamento e asentando
Janellas de sacadas hande ficar em altura de dezaseis palmos pera sima e no ha de por degraos na Rua de que pasey
aprezente em lisboa occidental o primeiro de Septenbro de mil e setesentos e trinta e quatro annos. / Jozeph Moreyra
e Mendona.
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I
Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
Eu El Rey fao saber aos que este meu Alvara virem que tendo respeito a Aluaro Sanches de Brito me hauer
seruido pella Repartiam da Junta do Comercio geral por Espaso de mais de doze annos em prasa de soldado e capitam
de infantaria no discurso do Referido tempo se embarcar em onze Armadas que foram ao estado do Brazil hauendose
nas viages com bom prosedimento E particularmente no anno de 682 quando a Charua Santa Maxima esteve em
Risco de se perder em hum bajxo ao sahir da Barra de Pernambuco acodir a todo o trabalho nos Bordos que se dauo
para hauer de se livrar E nas tromentas que houue se hauer com valor E uegilancia nos Comboes das frotas naos da
Jndia sendo pello seu prestimo nomiado por cabo de Artilheiro de Baixo E prasa darmas em seiscentos nouenta E
dous hir a Ilha terceira a buscar a nao da Jndia athe se Recolher neste porto sahindo segunda ves no mesmo anno de
guarda Costa obrando tudo o que por seus oficios mahores lhe foi emCarregado por ser muito inteligente nas Regras
da nauegao tomar o sol Cartiar. Hey por bem fazerlhe merce de o abelitar para se poder opor as Capitanias de naos
de uiage da Jndia pello que mando ao Prezidente E concelheiros de meu Concelho Vltramarino Cumpram e guardem
este aluara como nelle se contem (...) Manoel Penheiro de Fonseca a fes em Lisboa a des de Janeiro de 699 o Secretario
Andre Lopes do Laura o fes Escreuer (...) 17 de Janeiro de 1699.
2 - 1705 (11/03). Lisboa. Carta de atribuio do posto de Capito de Mar e Guerra a lvaro Sanches de Brito. ANTT,
Registo Geral de Mercs, D. Pedro II, liv. 12, f. 176.
178
Ouue Sua Magestade por bem tendo respeito aos merecimentos e mais partes que concorrem na pessoa do
Capito o dito Alvaro Sanches de Britto e aos seruios que tem feito por espao de 21 annos 5 mezes e 29 dias no 3
da junta do comercio geral em praa de soldado e no posto de Capito do mesmo 3 e se hauer embarcado em 18
armadas e algumas dellas gouernando naos sendo muitas dellas de perto de hum anno, embarcando no de 695 de
guarnio com a sua companhia na nao S. Joo de Deus que foi a cargo do Capito de Mar e guerra Ferno de Barros
Cidade da Bahya de comboy e de volta para este Reyno vista da Berlenga a envestiro 4 fragattas de Turcos que
todas lhe viero dar huma banda de Artilharia gouernando nesta occazio a Artilharia foi tal a promptido com que
se pelejou com ella que obrigou aos Turcos a se Retirarem, e no anno de 696 foi nomeado por cabo do 2 comboy da
Bahya levando em sua companhia as naos da Jndia por hauer partido diante delle o primeiro comboy, e as comboyou
the Cabo verde e voltando para este Reino indo Recolher na barra do Porto e vianna os nauios que vinho em sua
comserua lhe deu hum tempo Rijo com o qual dezaruorou hum pataxo de vianna a que acodio botando a sua lancha
fora com grande risco e a leuou concigo Rias de Galliza, e tornando a sair para fora com todos os nauios os fes
Recolher nas suas barras a salvamento, e no anno de 97 foy outra ves comboyando as naos da Jndia the Cabo Verde,
e no anno de 700 foi gouernando o 2 comboy ao Ryo de Janeiro e de volta para este Reino vendo apartar na altura
de Rias de Galliza os nauios do Porto se foi encorporar com elles, e Recolhendose por cauza do tempo em huma Rya
I
DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
teue nella toda a vigilancia para que se no dezencaminhasse a fazenda que houuesse de pagar direitos, e saindo
recolheo no Porto os nauios, e trouxe em sua companhia dous para esta cidade e se achou o anno proximo passado
na Campanha do Alentejo, e na Retirada do exercito adoeceo grauemente fazendo grande despeza de sua fazenda
hauendose sempre em todas as occazies com grande procedimento e confiar Sua Magestade delle que com o mesmo
se hauera em tudo o de que for encarregado do seruio Real pela confiana que faz de sua pessoa Ha por bem fazerlhe
merce do posto de Capito de Mar, e guerra das naos da Junta do Comercio geral que de nouo mandou criar com o
qual hauera 40 cruzados de soldo por mez pagos pella mesma junta na forma das ordens de Sua Magestade e nesta
confirmidade se lhe sentara sua praa nos Liuros a que tocar e gozara de todas as honras prehiminencias preuillegios
liberdades e franquezas que lhe pertencerem por rezo do dito posto de que por esta carta o ha Sua Magestade por
metido de posse a qual foi feita a 11 de Marco de 705.
3 - 1751. Lisboa. Merc de administrao de duas capelas a Joo da Costa de Brito. Inserto no processo de habilitao
da Ordem de Cristo de lvaro Sanches de Brito (1773). ANTT, Habilitaes da Ordem de Cristo, m. 31, n 4.
El Rey Nosso Senhor tendo respeito aos Servios de Joo da Costa de Brito, natural desta Cidade, e filho do Coronel
Alvaro Sanches de Brito, obrados no Regimento da Armada, em praa de soldado, e nos postos de Alferes, Tenente,
Capitam Tenente, e Capitam de Mar Guerra, por espao de quarenta e hum annos, onze mezes, e cinco dias, contados
com alguma interpolao, desde quatro de Julho de mil e settecentos e hum, te seis de Mayo de mil e settecentos
e cincoenta, em que ficava exercendo; e no referido tempo fazer trinta e hum embarques de Comboys, e Guardas
Costas, com grande prontido, acerto, e Vigilancia. Sendo Alferes no anno de 1714, e vindo embarcado na No Nossa
Senhora da Piedade, que comboyava a Frota do Rio de Janeiro, e a da Bahia, e duas Naos da Jndia, governar na falta do
Tenente a sua Companhia, com grande zelo, e cuidado, sem que no decuro desta viagem faltace a couza alguma da
sua obrigao. No de 717, se embarcar na mesma No, que por ordem do Governador do Rio de Janeiro, foy dar cassa
a hum Corsario Francez levantado, o qual dezaparecera daquella Costa, ao 4 dia que foy avistado; e nesta occazio
occupara a taifa da poupa (lugar de mayor perigo) por nomeao do Capitam de Mar Guerra. Sendo Tenente no anno
de 721, livrara de se hir a pique na Barra do Rio de Janeiro a hum Navio da Cidade do Porto; e assim mais por conta
da sua inteligencia, e prontido, lhe ordenara o Capitam de Mar Guerra em Pernambuco, deligenciasse o Socorro de
goa, e mantimentos de que estava falto, por cauza da larga viagem que trazia. E no de 725 fora nomeado pelo Capitam
de Mar Guerra da No Nossa Senhora Madre de Deos (que vinha por Cabo da Frota do Rio de Janeiro) por Capitam
Tenente da dita No, cujo posto exercera com boa satisfao. No de 727, hir na No Nossa Senhora da Victoria a Cabo
Verde, e dahi a Jlha de So Vicente, e de Santo Anto, de donde se trouce para esta Cidade o Capito Mr que a estava
governando; e nas refferidas occazioens, e nas mais que se lhe oferecero, se haver sempre como valerozo Soldado, e
com grande inteligencia. Em Remunerao dos sobreditos Servios feitos ate dois de Dezembro de mil e settecentos e
cincoenta. H por bem fazerlhe merce em sua vida, da administrao da Capella, que instituhio o Padre Joo Mendes,
e vagou por falecimento de Duarte Lobo da Gama, sita na Villa de Monte Mr o novo, e da Capella instituio Vicente
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Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
Domingues do Freixo, e vagou por falecimento de Dona Catharina da Rocha Bocarra, sita na Villa de Serpa; e tambem
lhe fas merce dos cahidos das mesmas Capellas, (com obrigao de satisfazer os encargos dellas, fazer os tombos, e
registar as Cartas) e assim mais, lha faz de doze mil reis de tena effectiva, em hum dos Almoxarifados do Reyno, em
que couberem sem prejuizo de 3, e no houver prohibio com o vencimento na forma das Ordens de Sua Magestade,
para os lograr a titulo do habito da Ordem de Christo, que lhe tem mandado lanar. Lisboa a 23 de Outubro de 1751.
Pedro da Motta e Silva.
4 - 1770 (08/02). Lisboa. Auto de vestoria; Certido com que se prova o valor das cazas do Campo de Santa Anna no
estado prezente em que esto. ANTT, Desembargo do Pao, Corte, m. 1312, n 2.
Diz o Capito de Mar e Guerra Joze Sanches de Brito que elle he senhor e pessuhidor de humas cazas nobres citas
no Campo de Santa Anna que se acham hipotecadas por este Juizo a quanthia de vinte e dois mil cruzados vincullados
ao Morgado de que [he] Administrador Ayres Antonio da Silva e porque o suplicante preciza mostrar o estado e
intrinzico vallor da dita propriedade pertende se proceda judicialmente a vestoria na dita propriedade e como o no
pode fazer sem despacho de vossa merce, pede a vossa merce lhe faa merce mandar se proceda judicialmente na dita
propriedade a vestoria, e receber a merce.
Despacho
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Anno do Nassimento de Nosso Senhor Jezus christo de mil e setecentos e setenta aos outo dias do mes de
Feuerejro do dito anno na cidade de Lixboa no campo de Santa Anna em huma propriedade de cazas nobres que
sam do capitam de mar e guerra Joze Sanches de Brito onde veyo o Doutor Joze Gonalues Correa que serue de
Prouedor dos orphos e Cappellas em companhia de mim Escrivo no fim deste asignado e ahy estavo prezentes
os Louuados por mim notheficados vicente Alues Mestre do officio de Pedrejro e Felliphe de Samthiago Mestre do
officio de Carapintejro ambos Juizes que tem sido dos seus officios aos quais o dito Doutor Prouedor deu o juramento
dos Santos Euangelhos e lhe emcarreguey que debayxo delles em boa e Sam comsiencia depois de vista e Examinada
a dita propriadade declarasem o quanto vallio de propriedade e Sendo por elles Recebido o dito juramento Logo
todos fomos ver e Examinar a dita propriedade e pellos Louvados foy dito que a dita propriedade de cazas nobres
que fica no campo de Santa Anna do Lado do comvento das Relligiozas da dita imvocasam com frente nobre fejta
com toda a arquitetura tudo bom a qual se acha com precizo de aprefejoar o quarto de todo Sima a qual consta de
loge grande de emtrada e dos lados dois corpos, e cada hum em seu portal grande de Coxeiras na frente e no interior
Serventia de rampa que vay para hum Pateo e para imfenitas cazas de acomodao da famillia com um Armazem
grande cozinha caualharice e seu quintal Palhejros e por Sima hum andar de cazas nouas digo de cazas nobres que
se acha aprefeioado que se compoem de quatorze cazas de bom comprimento e quatro na frente bem acabadas com
paineis nos membros de Releuado e ximenz e tectos tudo de Releuado e boas pedrarias e o Segundo andar com
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DA RELEVNCIA DOS LIVROS DE CORDEAMENTOS NO ESTUDO DA ARQUITETURA DE LISBOA O CASO DO PALCIO SANCHES DE BRITO
outras tantas cazas porem ainda por acabar e somente tem completas tres cazas e o que tudo uisto e Examinado
desero valler de propriedade treze contos de reis e he o que declararo debayxo do dito juramento de que fiz este
auto que dou fe pasar o comtheudo nelle na uerdade o qual todos asignaram e Eu Joo Manoel Xavier de Pontes Cabral
e Alcacere o Escreuy asigney // Joo Manoel Xauier de Pontes Cabral e Alcacere // Correa // Vicente Alves // Felliphe
de Samtheago //
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Cartrios Notariais de Lisboa, Livros de Notas,
14, liv. 4
15, Ofcio A, liv. 448, 535, 539, 578, 593, 622, 623, 625, 627, 661 e 673
Chancelaria de D. Pedro II, liv. 43
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Jos Sarmento de Matos, Jorge Ferreira Paulo
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submisso/submission: 17/02/2014
RESUMO
aceitao/approval: 17/04/2014
O artigo analisa os estuques decorativos ainda existentes na cidade de Lisboa, atribuveis ao reinado de D. Joo
V, a partir da linguagem decorativa utilizada, entre a regncia francesa e os primeiros sinais do rococ. Na
transmisso dessa linguagem tero tido um papel de destaque os estucadores do Ticino ento em Lisboa, exmios
maestri darte, alguns deles j com um longo percurso profissional noutros pases da Europa.
A partir de fontes documentais inditas so apresentados novos dados sobre as origens de Joo Grossi (Giovanni
Maria Teodoro Grossi), o mais famoso desses estucadores, e recuperam-se do esquecimento outros artistas do
Ticino que com ele provavelmente colaboraram: Domenico Maria Plura, Carlo Sebastiano Staffieri, Giovanni
Francesco Righetti, Sebastiano Toscanelli e Michele Reale.
PALAVRAS-CHAVE
Estuque / Estucadores / Joo Grossi / Ticino / Lisboa
* Emlia Isabel Mayer Godinho Mendona doutorada em Histria da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e professora da Escola
Superior de Artes Decorativas da Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva. Investigadora integrada do Instituto de Histria da Arte da Faculdade de
Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desenvolve presentemente investigao sobre Estuques Decorativos em Portugal, no mbito
de uma bolsa de ps-doutoramento da Fundao para a Cincia e Tecnologia. Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 185 - 220
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Isabel Mayer Godinho Mendona
ABSTRACT
This paper analyses the ornamental stuccos still existing in Lisbon that may be attributed to the reign of D. Joo V,
on the basis of their decorative elements, from the French Regency to the first signs of the rococo. The stuccoists
from Ticino living in Lisbon at the time highly skilled "maestri darte, some of them with years of professional
experience obtained previously in other European countries - played an important role in the transmission of
those artistic languages.
New data uncovers the origins of the most famous of those stuccoists, Joo Grossi (Giovanni Maria Teodoro
Grossi), and sheds light on other contemporary artists from Ticino that are likely to have woeked with him in
Lisbon: Domenico Maria Plura, Carlo Sebastiano Staffieri, Giovanni Francesco Righetti, Sebastiano Toscanelli and
Michele Reale.
KEYWORDS
Stuccowork / Stuccoists / Joo Grossi / Ticino / Lisboa
A utilizao de estuques de relevo na decorao arquitetnica renasceu em Portugal no reinado de D. Joo V,
depois de uma quase total ausncia durante a segunda metade do sculo XVII e os primeiros anos do sculo XVIII.
Para tal contriburam os estucadores do Ticino que ento trabalharam entre ns, sobretudo na regio de Lisboa,
onde ainda permanecem alguns notveis exemplos da sua atividade.
Antes de abordarmos o tema que aqui nos propomos, importante traar a fortuna crtica desta arte aplicada,
que s muito recentemente tem vindo a merecer a ateno dos historiadores da arte, apesar da sua presena
constante nos interiores portugueses, pelo menos desde meados do sculo XVIII.
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
O inventrio dos estuques decorativos ainda existentes em Portugal tornou-se por isso uma prioridade para
Flrido de Vasconcelos, que entre 1984 e 1991 levou a cabo um levantamento de estuques decorativos no Porto
e em outras cidades do Douro e Minho, com o apoio do Centro Regional de Artes Tradicionais do Porto e da
Fundao Calouste Gulbenkian2.
Na senda deste estudioso, propusemos aos nossos alunos do curso de especializao em Artes Decorativas/
Interiores, da Escola Superior de Artes Decorativas da Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva, um levantamento
sistemtico dos estuques decorativos do concelho de Lisboa que culminou com uma exposio em 19923.
A estas atividades pioneiras em prol do conhecimento dos estuques sucederam-se publicaes de vrios autores4
e dissertaes de mestrado e doutoramento entretanto defendidas na rea da Conservao e Restauro5 e no
VASCONCELOS, Flrido de Introduo a um inventrio de estuques do Porto. Estudo e defesa do patrimnio artstico. Porto: Centro de Estudos
Humansticos Studium Generale, Ministrio da Cultura, 1984. p. 39-47; VASCONCELOS, Flrido de - Estuques decorativos do norte de Portugal. Porto:
Centro Regional de Artes Tradicionais; Fundao Calouste Gulbenkian, 1991. A exposio esteve patente na Fundao Calouste Gulbenkian em 1992.
3
Parte deste inventrio guarda-se na biblioteca da Escola Superior de Artes Decorativas da Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva (ESAD/FRESS). Nos
anos subsequentes foram ainda realizados inventrios de estuques e esgrafitos aplicados em fachadas nos concelhos de vora e Tavira. Cf. BRAGA, Mnica,
CHARRUA, Alexandra Estuques e esgrafitos de vora. Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais, 1992.
4
Referem-se aqui apenas os estudos mais recentes sobre a temtica do estuque decorativo: MENDONA, Isabel Mayer Godinho Um tecto quinhentista na
capela-mor da igreja do convento de Santa Marta, em Lisboa. Monumentos. Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N 17 (Setembro
de 2002), p. 124-131; MENDONA, Isabel Mayer Godinho Dos estuques do Palcio de Belm. In Gaspar, Diogo (coord.) Do Palcio de Belm. Lisboa:
Museu da Presidncia da Repblica, 2005. p. 246-263; SILVA, Hlia Estuques maneiristas do Colgio de Santo Agostinho ou da Sapincia. Apontamentos
para o seu estudo. Monumentos. Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N 25 (Setembro de 2006), p. 76-85; SILVA, Hlia Trs
programas de estuque relevado em Vila Viosa. Monumentos. Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N 27 (Dezembro de 2007), p.
126-133; MENDONA, Isabel Mayer Godinho Estuques decorativos: a viagem das formas (sculos XVI a XIX). Lisboa: Patriarcado de Lisboa, 2009; BRAGA,
Mnica e CHARRUA, Alexandra Argamassas decorativas nos distritos de vora e Portalegre, no Alentejo. A cidade de vora. vora: Cmara Municipal de
vora. 2 srie N 8 (2009), p. 501-571; MENDONA, Isabel Mayer Godinho Inspiraes eruditas em estuques decorativos portugueses: entre o tratado de
Serlio e as gravuras flamengas. In Mendona, Isabel e Correia, Ana Paula Rebelo Iconografia e fontes de inspirao. Imagem e memria da gravura europeia.
Actas do 3 Colquio de Artes Decorativas da ESAD/FRESS, Novembro de 2009. [Em linha]. Lisboa: Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva; Instituto de
Histria da Arte da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa(UNL), 2011. p. 9-24. Edio em CD e disponvel na
internet: www.fress.pt.; MENDONA, Isabel Mayer Godinho Emblemas de Alciato na cpula da igreja de S. Pedro de Elvas. In Mendona, Isabel e Correia,
Ana Paula Rebelo - Iconografia e fontes de inspirao. Imagem e memria da gravura europeia. Actas do 3 Colquio de Artes Decorativas da ESAD/FRESS,
Novembro de 2009. [Em linha]. Lisboa: Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva; Instituto de Histria da Arte da FCSH-UNL, 2011. p. 157-164. Edio em
CD e disponvel na internet: www.fress.pt.; SILVA, Hlia Os estuques do salo nobre do Palcio do Machadinho. Revista Rossio. Lisboa: Gabinete de Estudos
Olisiponenses, N 0 (Outubro de 2012), p. 88-97.
5
COTRIM, Hlder Antnio Coelho Reabilitao de estuques antigos. Lisboa: [s.n.], 2004. Dissertao de mestrado em Construo apresentada ao Instituto
Superior Tcnico, exemplar policopiado; SALEMA, Sofia As superfcies arquitectnicas de vora. Os esgrafitos: contributo para a sua salvaguarda. vora:
[s.n.] Dissertao de mestrado apresentada Universidade de vora, exemplar policopiado; VIEIRA, Eduarda Maria Moreira da Silva Tcnicas tradicionais
de Stuccos em revestimentos interiores portugueses. Histria e teoria. Aplicao conservao e restauro. Valncia: [s.n.], 2008. Tese de doutoramento em
Conservao e Restauro de Bens Culturais apresentada Universitat Politcnica de Valncia, Facultad de Bellas Artes, exemplar policopiado.
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Isabel Mayer Godinho Mendona
mbito da Histria da Arte6. Nos ltimos anos tiveram tambm lugar trs encontros cientficos dedicados
arte do estuque, um deles internacional7, prova evidente do novo interesse por esta rea da Histria da Arte
portuguesa durante tanto tempo esquecida.
A obra compreendeu, segundo o mesmo autor, primores en requadros, cornisas, remates, con airosas conchas,
festones, Tarjas, y Jaspes imitados, con destreza, al natural, aplicados nas duas janelas e no portal. Uma
decorao em estuque de relevo, com ornatos barrocos ao gosto da poca, aparentemente aplicados sobre fundos
marmoreados, em substituio de uma projetada pintura de quadratura por el soberano pincel de Bacarelo,
que no chegou a concretizar-se.
Alguns anos mais tarde, perto do final da centria entre 1792 e 1794 , um outro cronista teatino, frei Toms
Caetano de Bem, referindo-se decorao do templo por altura das mesmas comemoraes, garantia que
Baccarelli tinha executado uma falsa fachada em famosa architectura e o annimo estucador milans apenas
estuques no interior9. Mas no custa a crer que a descrio do padre madrileno, escrita um ano somente aps as
festas da canonizao do santo teatino, esteja mais prxima da realidade.
6
PEREIRA, Liliana Maria Ferreira Figueiredo Estuques no espao domstico. (...) O Solar dos Pimenteis em Torre de Moncorvo. Lisboa: [s.n.], 2003, 2 vol.
Dissertao de mestrado em Histria da Arte apresentada Universidade Lusada, exemplar policopiado; SILVA, Hlia Cristina Tirano Toms da Giovanni
Grossi e a evoluo dos estuques decorativos no Portugal setecentista. Lisboa: [s.n.], 2005, 2 vol. Dissertao de mestrado em Arte, Patrimnio e Restauro
apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exemplar policopiado. LEITE, Maria de So Jos Pinto Os estuques do sculo XX no Porto. A
oficina Baganha. Porto: CITAR, Universidade Catlica Portuguesa, 2008.
7
Realizaram-se trs colquios dedicados ao estuque: o primeiro em 2007, em Cascais, de mbito internacional, organizado pelo Centro de Investigao em
Patrimnio da Universidade Lusada de Lisboa e pela Cmara Municipal de Cascais; em 2008, no Porto, no museu Soares dos Reis, fruto de uma parceria
entre o museu do Estuque e o museu Soares dos Reis; e em 2010, no palcio da Bolsa, no Porto, da responsabilidade do museu do Estuque. No mbito dos
dois primeiros encontros foram publicados livros de atas: A presena do estuque em Portugal. Do neoltico poca contempornea. Estudos para uma base
de dados. Cascais: Cmara Municipal de Cascais, 2009; I Encontro sobre Estuques portugueses. Porto: Museu do Estuque e Museu Soares dos Reis, 2010.
8
Noticia Individual del Sagrado Culto, con que la devocion desta Corte de Lisboa celebr en un Octavario de solemnes fiestas la canonizacion del gloriosissimo
S. Andres Avelino de los Clerigos Regulares Teatinos, en su Iglesia de nuestra Seora de la Divina Providencia, hizola, motivado por su devocion, un Espaol
Matritense en Lisboa. [s.l.]: Imprenta Real Deslandesiana, 1713, p. 3.
9
BEM, frei Toms Caetano de Memrias Histricas, Chronologicas da Sagrada Religio dos Clrigos Regulares em Portugal e suas Conquistas na ndia
Oriental. Lisboa: Rgia Officina Tipogrfica, 1792-1794. 2 vol. Citado por GOMES, Paulo Varela As iniciativas arquitectnicas dos teatinos em Lisboa, 16481698 (mais alguns elementos). Penlope, fazer e desfazer a Histria. Lisboa: Edies Cosmos. Ns 9/10 (1993), p. 73-82, p. 76.
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
Independentemente da localizao dos estuques, o que ressalta dos dois relatos e sobretudo nos interessa
a presena em Portugal, logo nos primeiros anos do reinado de D. Joo V, de um estucador milans, discpulo
de Giovanni Battista Ciceri. Este mestre estucador era natural de Ronco sopra Ascona, no lago Maggiore, e
provvel que o seu discpulo, referido como milans na descrio atrs mencionada10, fosse tambm natural da
regio dos Lagos, como conhecido o territrio talo-suo que abrange o extremo norte da Lombardia e o canto
helvtico do Ticino.
Desde tempos longnquos que a escassez de recursos naturais destas paragens montanhosas direcionou grande
parte da sua mo de obra para as atividades da construo (da arquitetura ao estuque, cantaria, escultura
ornamental), gerando um nmero elevado de artfices e artistas que a emigrao espalhou por toda a Europa.
Eram os maestri darte milaneses, suos, lombardos ou comascos, assim indiferentemente referenciados nos
sculos XVII e XVIII11.
Ciceri trabalhou em Florena entre 1689 (ano em que se inscreveu na confraria local dos lombardos) e 1715,
quando morreu na capital da Toscnia. Dirigiu uma operosa oficina que realizou vrias obras bem documentadas,
algumas ainda existentes, em colaborao com outros estucadores do Ticino, como Giovanni Battista Corbelini e
Giovanni Martino Portugalli, e vrios artistas toscanos12. Mas ainda no foi identificada a ligao com Portugal de
qualquer dos seus discpulos13.
Ao longo do reinado de D. Joo V, outros estucadores oriundos da regio dos Lagos vieram para Lisboa, ajudando a
divulgar uma moda decorativa h muito implantada noutras cidades europeias. O gosto pelos estuques em relevo
imps-se finalmente sobre a moda at ento vigente da pintura de brutesco e dos tetos de caixotes entalhados
ou pintados14.
10
Sobre a emigrao da regio do Ticino, indicando bibliografia especializada, veja-se SUGRAYNES FOLETTI, Silvia La coleccin di dibujos Rabaglio.
Un ejemplo de la actividad de los maestros emigrantes italianos en Espaa (1737/1760). Madrid: [s.n.], 2001. Tese de doutoramento em Histria da Arte
apresentada Facultad de Geografa y Historia da Universidad Complutense de Madrid, Departamento de Arte II (Moderno), p. 20 a 31, nota 28.
11
12
FACCHIN, Laura Stuccatori ticinesi a Firenze. Un primo repertorio dei ticinesi tra Sei e Settecento. Arte & Storia: Svizzeri a Firenze. Lugano: Edizioni
Ticino Management, N 48 (2010), p. 100-131.
13
No parece crvel a ligao entre Ciceri e o mestre pedreiro e escultor Carlos Baptista Garvo, que trabalhou para os jesutas em Santo Anto e na igreja de
Santarm, como sugere GOMES, Paulo Varela, op. cit., p. 73-82. Carlos Baptista era filho de Joo Batista Garvo, natural de Bissone, no Ticino, mas j residente
em Lisboa desde 1672. Sobre a famlia Garvo, veja-se o recente artigo de VALE, Teresa Leonor Os Garvo: uma famlia de artistas italianos em Lisboa e o
seu papel no contexto da arte portuguesa de seicentos e setecentos. Le nove son tanto e tante buone, che dir non se p. Lisboa dos Italianos: Histria e Arte
(scs. XIV-XVIII). Lisboa: Ctedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste da Universidade de Lisboa, srie monogrfica Alberto Benveniste. Vol. 4
(2014), p. 175-187.
14
Sobre a pintura de tetos de brutesco e a persistncia da tradio dos tetos de caixotes decorados com temtica figurativa e ornamental que dominaram o
perodo do chamado barroco nacional, veja-se sobretudo SERRO, Vtor O Barroco. Histria da Arte em Portugal. Lisboa: Ed. Presena, 2003.
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Isabel Mayer Godinho Mendona
Cirilo refere com mais pormenor Joo Grossi, que diz nascido em Milo por volta de 1719, tendo aprendido "a
modelar em cera e barro"16 e passando depois a Espanha, onde serviria como desenhador no exrcito espanhol,
j durante o reinado de Fernando VI. Teria ento fugido para Portugal na sequncia de um episdio pitoresco,
que descreve assim:
Tendo-se desafiado com o sobrinho do seu Coronel, sucedeu mat-lo no duelo; mas como era protegido pde-se
ausentar, escapando do quartel onde estava preso, disfarado com o traje da sua Lavadeira17.
Na capital portuguesa acolheu-se em casa de um parente, o comerciante Domingos Lepori, que lhe ter angariado
o seu primeiro trabalho: a reconstruo do teto da primitiva igreja dos Mrtires, empreitada que Cirilo tanto
situa em 1746 como em 1748 ou 174918 e em que teria sido ajudado por Plura e Gomassa j que, a crer no
memorialista, era a primeira vez que Grossi executava uma obra em estuque.
A partir da, revelada a sua qualidade artstica, as encomendas no teriam cessado. Cirilo enumera as principais,
no deixando de referir a proteo "excessiva" que lhe foi concedida pelo marqus de Pombal, que para ele criou
a Aula de Desenho e Estuque nas Reais Fbricas do Rato e viria a arrast-lo na desgraa aps a morte de D. Jos e
a rvanche da Viradeira, at morrer na misria, cego e humilhado, "pelos anos de 1781"19.
15
MACHADO, Cirilo Volkmar Colleco de memorias relativas s vidas dos pintores, e escultores, architectos, e gravadores portuguezes, e dos estrangeiros,
que estivero em Portugal, recolhidas e ordenadas por Cyrillo Volkmar Machado, pintor ao servio de S. Magestade o Senhor D. Joo VI. 2 ed. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1922. p. 215.
16
Idem, ibidem.
18
17
Idem, ibidem.
19
Idem, ibidem, p. 217. Joo Grossi faleceu no em 1781, como sugere Cirilo, mas em janeiro de 1780, como adiante referiremos.
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
Figura 1
Mapa reproduzido em Panzeri, Fabrizio (coord. de). Il Piano del Vedeggio dalla
Strada Regina allAeroporto. Lugano: Salvioni Ed., 2008, a p. 42 (a partir do mapa
original em GHIRINGHELLI, Paolo Helvetischer Almanach fuer das Jahr 1812.
Zurique: Orell Fuessli, 1812).
20
21
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Arquivo Distrital de Lisboa (ADL), Registos Paroquiais, Freguesia de Mercs, Casamentos, livro C 3, f. 49.
Arquivo da Igreja do Loreto (AIL), Livro Segundo de Baptizados, f. 25, 66 e 101v.
As informaes sobre a biografia de Grossi que aqui coligimos constaram da nossa comunicao ao IV Congresso Internacional promovido em novembro
de 2012, em Lisboa, pela Associao Portuguesa de Historiadores da Arte. Aguarda-se a publicao do respetivo texto, com o ttulo "O que Cirilo no sabia
sobre Joo Grossi e outros estucadores suos em Lisboa".
22
23
Archivio Parrochiale di San Maurizio di Bioggio (APSMB), Libro dei Battesimi, ad annum, no paginado. Agradecemos ao curador do arquivo paroquial, o
estudioso local Agostino Lurati, as facilidades concedidas para a consulta da documentao em que nos baseamos.
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Isabel Mayer Godinho Mendona
O padre que redigiu o assento, D. Pietro Nana, em substituio do proco, D. Domenico Staffieri, registou ainda
um pormenor curioso: Giovanni Theodoro teve um irmo gmeo, que chegou a ser batizado como Francesco
Antonio, mas parece ter morrido nascena, num parto que se adivinha laborioso. Joo Grossi teve ainda, pelo
menos, mais dois irmos e cinco irms, que viram a luz entre 1704 e 1721, sendo o penltimo da fratria24.
Ambos os progenitores eram naturais do Ticino. Pietro Grossi era filho de Giorgio Grossi, de quem apenas se
sabe que ter nascido cerca de 1620 e falecido antes de 1696, sempre em Bioggio. No se conhece a atividade
de Giorgio nem do filho Pietro, nascido cerca de 1674, embora este comparecesse regularmente no cartrio do
notrio local, Pietro Francesco Staffieri, figurando como testemunha em diversas escrituras e assessorando o
tabelio em alguns atos, pelos quais cobrava honorrios (inventrios, nomeadamente25). Faleceu com avanada
idade, j vivo, em 7 de janeiro de 176326.
A famlia Grossi, com origens em Vallemaggia, na regio de Locarno, e instalada em Bioggio desde o sculo XVI,
pertencia ao chamado patriziato, a elite local mais abastada, cujos membros participavam na gesto dos bens
comunais, elegiam o representante da povoao o console na Congregazione della Pieve di Agno, a circunscrio
civil e eclesistica na qual estavam representadas todas as povoaes da regio. Os Grossi dedicaram-se, tal como
muitas outras famlias da zona, a obras de construo, integrando as equipas de ticinenses que regularmente
migravam para outros pases da Europa. Entre os seus membros mais conhecidos destacam-se Giovanni Battista
Grossi, que trabalhou na regio de Parma no segundo quartel do sculo XVIII, Gerolamo Grossi (1749/1809),
engenheiro e arquiteto, que esteve ao servio do rei da Sardenha e do duque de Modena, ingressando aos 30
anos na ordem dos carmelitas descalos, de que foi provincial, e Pietro Grossi (1755/1845), irmo de Gerolamo,
console de Bioggio, nomeado representante da Pieve di Agno no governo provisrio de Lugano em 1789 e, a partir
de 1824, presidente da Assembleia Patricial do Ticino27.
A me, Marta Maria Taddei, provinha de uma conhecida famlia de estucadores e engenheiros militares originria
de Gandria, na orla do lago de Lugano, que depois se espalhou por outras localidades vizinhas, como Castagnola
e Fulmignano, hoje integradas na cidade de Lugano. Era filha de MarcAntonio Taddei, o capomastro (mestre
de obras) responsvel pela construo do hospital de Santa Maria de Lugano. O irmo, Martino, padrinho de
24
O nmero de irmos de Grossi est ainda por determinar com exatido, visto dispormos apenas de informaes fragmentrias recolhidas, nomeadamente,
nos registos da parquia de S. Maurcio de Bioggio e nos apontamentos dos notrios de Bioggio e localidades vizinhas. Dos stati animarum (ris de
confessados) da parquia de S. Maurcio, que poderiam fornecer indicaes preciosas sobre a composio da famlia, s so conhecidos os referentes a
1696 e 1717.
25
26
Archivio di Stato del Cantone Ticino (ASCT), Bellinzona, Archivio Notarile Staffieri di Bioggio (Pietro Francesco Staffieri di Domenico).
APSMB, Registro dei Defunti, ad annum, no paginado.
Sobre os Grossi e as famlias patrcias da regio veja-se o estudo de STAFFIERI, Giovanni Maria Le Famiglie Patrizie di Bioggio e Gaggio (appunti storicogenealogici). Bioggio: Patriziato di Bioggio e Giovanni Maria Staffieri, 1992.
27
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
Grossi, seguiu as pisadas do pai, reconstruindo em 1741 a cpula do mesmo hospital28. O artista mais famoso da
famlia ter sido Carlo Giuseppe Taddei, engenheiro e estucador, que trabalhou com os filhos, Francesco Antonio
e Michelangelo, sobretudo no Schleswig Holstein, mas tambm deixou obra documentada na sua Gandria natal
e em igrejas da capital do Ticino29. Marta nasceu em Castagnola, tendo falecido em 2 de novembro de 1753, em
Bioggio, com cerca de 70 anos30.
Uma possibilidade em aberto a de que Joo Grossi tenha aprendido os rudimentos da profisso de estucador
e modelador junto de familiares da sua linha materna, eventualmente at o prprio padrinho, em Castagnola ou
em Gandria. apenas uma hiptese sem suporte documental, mas de presumir que tivesse recebido qualquer
formao como escultor ou estucador antes de chegar a Lisboa. Essa aprendizagem, quando no acontecia no
mbito familiar, durava normalmente quatro ou cinco anos e era antecedida de um contrato (o pactum ad artem)
firmado entre o pai do jovem aprendiz (o garzone) e o mestre que lhe transmitiria os conhecimentos da sua arte.
Sabemos hoje que muitas destas famlias de artistas e artesos da regio dos lagos de Como e de Lugano estavam
organizadas como pequenas empresas oficinais, em que os elementos mais jovens realizavam o seu tirocnio
antes de partirem, como muitas vezes sucedia, para regies mais distantes31.
No encontrmos qualquer prova da passagem de Joo Grossi por Roma, durante a dcada de 1730, onde teria
trabalhado na obra escultrica da fonte de Trevi, hiptese avanada por Francisco Jos Gentil Berger32 e repetida
por Hlia Silva33. O escultor em questo, que trabalhou em Roma, nos relevos escultricos da fonte de Trevi,
foi Giovanni Battista Grossi. De naturalidade ainda desconhecida, mas com uma atividade romana seguramente
documentada entre meados do sculo XVIII e 1780, iniciou a sua colaborao com Pietro Bracci, Filippo Della
Valle e Andrea Bergondi nos relevos da fonte de Trevi apenas em 175934.
Cf. BRENTANI, Luigi Antichi Maestri dArte e di Scuola delle Terre Ticinesi. Notizie e Documenti. Como: Tipografia Emo Cavalleri, [s.d.]. vol. III, IV;
BRENTANI, Luigi Antichi Maestri dArte e di Scuola delle Terre Ticinesi. Notizie e Documenti. Lugano: Tipografia Cavalleri, 1939, 1941, 1944. vol. V. doc.
557, 573, 620.
28
29
30
Cf. BRENTANI, Luigi, op. cit., vol. IV, 1941, doc. 960.
Cf. DUBINI, M. I pacta ad artem, una fonte per la storia dellemigrazione. Bolletino Storico della Svizzera Italiana. Bellinzona: N CIII. (1991), p. 73
81; BIANCHI, Stefania Parte chi impara larte. I Cantoni e la formazione di cantiere: appunti di percorso per una sintesi dinsieme. In Percorsi di ricerca.
Working papers. Mendrisio: Universit della Svizzera Italiana; Accademia di Architettura; Laboratorio di Storia degli Alpi, 2010, p. 21-30.
31
32
BERGER, Francisco Jos Gentil Lisboa e os arquitectos de D. Joo V: Manuel da Costa Negreiros no estudo sistemtico do barroco joanino na regio de
Lisboa. Lisboa: Edio Cosmos, 1994, p. 300.
33
SILVA, Hlia Cristina Tirano Toms da - Giovanni Grossi e a evoluo dos estuques decorativos no Portugal setecentista, op. cit., vol. I, p. 126.
CARLONI, Rosella Grossi, Giovanni Battista. Dizionario Biografico degli Italiani [Em linha]. Vol. 59 (2003). [Consult. 12.04.2014]. Disponvel na internet:
http://www.treccani.it/enciclopedia/giovanni-battista-grossi_(Dizionario-Biografico)/
34
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Isabel Mayer Godinho Mendona
Os maestri darte ou maestri della pietra, como eram conhecidos os profissionais da construo da Regio dos
Lagos que ento chegaram a Madrid, integravam mestres e oficiais de pedreiros, ladrilhadores, marmoristas,
escultores, estucadores e pintores. A sua habilidade e profissionalismo, aliados ao conhecimento das tcnicas
de construo e experincia na gesto das obras adquirida nos estaleiros de Turim, onde tambm tinham
trabalhado os dois arquitetos italianos, foram determinantes nas contrataes iniciais, efetuadas em Itlia. A
estes seguiram-se levas sucessivas de aventureros, os artistas e artfices sem contrato, que se integravam na
maestranza, embora sem todas as benesses dos que chegaram em primeiro lugar.
Entre todos estes "italianos", na realidade quase sempre suos, encontramos os nomes de vrios maestri que,
algum tempo depois, medida que vai diminuindo a necessidade de pessoal nos estaleiros madrilenos, passam
a Portugal. So geralmente estucadores, mas aqui, como em Espanha, poucas vezes so designados como tal: nas
obras de Madrid todos eram albailes (pedreiros ou alvenis, para usar a palavra com idntica raiz, em portugus),
35
Sobre as obras dos Bourbon e concretamente o palcio real de Madrid, veja-se BOTTINEAU, Yves El arte en la corte de Felipe V (1700/1746). Madrid:
Fundacion Universitaria Espaola, 1986; PLAZA SANTIAGO, F. J. de la Investigaciones sobre el Palacio Real nuevo de Madrid. Valladolid: Universidad de
Valladolid, 1975; BLASCO ESQUIVIAS, B. Monarquia y arquitectura: la reforma de las obras reales y la construccin del Real Palacio nuevo. In Bonet
Correa, A. (coord. de) Arquitecturas y ornamentos barrocos. Los Rabaglio y el arte cortesano del siglo XVIII en Madrid. Madrid: Real Academia de Bellas
Artes de San Fernando, 1997, p. 73-87.
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
qualquer que fosse a especialidade em que primavam e certo que eram trabalhadores polivalentes, que no
hesitavam em passar semanas a fabricar ladrilho ou a levantar paredes, por exemplo, se no havia trabalhos de
estuque para realizar.
Um caso paradigmtico desta complementaridade de funes o de Sebastiano Toscanelli, que alguns anos mais
tarde integrar a equipa de estucadores dirigida por Joo Grossi que realizou os estuques da capela da Ordem
Terceira de Nossa Senhora de Jesus e da igreja do convento dos Paulistas da Serra de Ossa, em Lisboa. Entre
1740 e 1742 integrava a lista dos oficiais albailes de terceira classe, com o ordenado de 14 reais de bilho (liga
de prata e cobre) por dia, dedicando-se ainda ao fabrico de tijolos quando o trabalho escasseava36. Entre 1743 e
1747 colaborou com Vigilio Rabaglio, um dos arquitetos ajudantes de Sacchetti, na obra da igreja dos Santos Justo
e Pastor, em Madrid, patrocinada pelo cardeal infante Lus de Bourbon37. Em outubro de 1752 j referido como
estucador de Palacio, no livro de registo dos novos alunos da recm-criada Academia Real de S. Fernando, entre
os quais se contava o seu filho Joseph Toscanelo38. Em dezembro de 1753, encontrmo-lo de novo ocupado em
trabalhos da sua especialidade para a Casa Real, desta feita nos estuques do palcio do Escorial39.
Quanto a Giovanni Maria Teodoro, o Joo Grossi que ir notabilizar-se em Lisboa, persistem algumas dvidas
acerca da sua atividade em Madrid. que no imenso fundo documental do Palcio Real encontrmos no um, mas
dois "italianos" chamados Juan Grossi, alm de Pietro Antonio Grossi e de Francesco Grossi, todos trabalhando ao
mesmo tempo nas obras reais de Madrid.
Pietro Antonio e Francesco Grossi eram irmos, filhos de um Giovanni Grossi que nos aparece mencionado em
1696 num dos raros ris de confessados ainda existentes, onde so registados os membros das famlias de
Bioggio que nesse ano cumpriram o preceito pascal. Alm deste ramo da famlia Grossi, ento representado por
Giovanni, de 23 anos e ainda solteiro, habitavam Bioggio em 1696 outros dois ramos da mesma famlia: o de
Pietro Grossi, com 22 anos de idade e ainda solteiro (o pai de Giovanni Maria Teodoro, o "nosso" Joo Grossi), e
um terceiro ramo encabeado por Benedetto, com 40 anos, j casado e com filhos40.
Os dois irmos constam das listas de pagamentos do palcio real de Madrid nos anos de 1740 e 1741 entre
os oficiais albailes mais bem pagos, vencendo 19 reais por dia41. Devem ter voltado para Bioggio na primeira
36
Archivo de Palacio (AP), Administracin General de Palacio (AGP), Obras de Palacio, caixas 103, 123, 125 e 127.
AGULL y COBO, Mercedes La Basilica pontificia de San Miguel (antigua parroquia de Santos Justo y Pastor). Madrid: Instituto de Estudios Madrileos/
Ayuntamiento de Madrid, 1970. p. 22.
37
38
Academia Real de San Fernando, Madrid (ASF), Libro en donde se sentan los Discipulos de esta Real Academia de San Fernando desde el ao de 1752 en
adelante, f. 64v.
39
41
AP, AGP, Obras de Palacio, caixas 73, 74, 75, 76, 79, 84, 87, 91, 92, 98, 101, 103, 119.
Agradeo ao Sr. Agostino Lurati, o curador do Arquivo Paroquial de Bioggio, a cedncia da cpia deste manuscrito que se encontra no Arquivo Diocesano
de Lugano, que tem estado encerrado ao pblico.
40
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metade de 1742, pois desaparecem das listas da maestranza italiana aps a reorganizao do estaleiro de
obras do palcio real, em Junho de 174242. Ambos faleceriam em Bioggio, Pietro Antonio em 1747 e Francesco
em 177243 .
Na lista de pagamentos do palcio real figura tambm um Juan Grossi, trabalhando como segundo oficial albail,
com uma diria de 17 reais, entre 28 de fevereiro de 1740 e 21 de agosto de 1745, data em que os seus servios
so dispensados por determinao do arquiteto-mor e autorizado o seu regresso ptria44.
Um outro Juan Grossi aparece pela primeira vez na lista dos pagamentos do palcio real a 21 de novembro de
1740. Numa nota anexa escrita por Sacchetti, o arquiteto-mor identifica-o como Juan Grosi Biogio, nomeando-o
para o lugar de Domingo Marquez, que nessa mesma data despedido:
Digo aver despedido de la obra de este nuevo Real Palacio a Domingo Marquez oficial Albanil Italiano en la Clase de a
diez y seis Reales desde el dia beinte inclusive del presente; y en su lugar y Clase he reemplazado a Juan Grosi Biogio
oficial Albanil Italiano desde el dia veinte y uno del mismo inclusive45.
Este Juan Grossi continuar a aparecer at incios de 1742 na lista dos oficiais ajudantes, na categoria dos que
vencem 16 reais por dia, referido apenas como Juan Biogio, a par dos outros trs Grossi46. O arquiteto mor,
ao juntar o nome da povoao de onde era originria a famlia Grossi ao apelido deste novo oficial albail, ter
pretendido evitar a confuso de identidades com o seu homnimo que j trabalhava no estaleiro.
bastante plausvel, pois, que o recm-chegado fosse o Giovanni Maria Teodoro Grossi que mais tarde se envolveu
no duelo referido por Cirilo e veio a acabar os seus dias em Portugal.
44
AP, AGP, Obras de Palacio, caixas 73 a 76, 79, 84, 87, 91, 92, 98, 101, 103, 119, 121 a 125, 127 e 166 a 173.
APSMB, Registro dei Defunti, ad annum, no paginado. Um ato notarial de 1751 o processo de partilhas da herana do pai de Pietro Antonio, de Francesco
e de um terceiro irmo, Giovanni Battista Benedetto revelou-nos a constituio do agregado familiar de Pietro Antonio, j ento falecido, representado
pela viva Anna Sermini e pelos seus dois filhos, Serafino e Antonio. Cf. ASCT, Archivio Notarile Rusca della Cassina dAgno (Angelo Maria di Carlo Antonio),
caixa 1415.
43
45
46
Idem, ibidem, caixas 87, 91, 92, 98, 101, 103 e 119.
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Sebastio47. O pormenor da morada sugere a sua ocupao na altura. muito possvel que, naquela freguesia
ento extramuros e relativamente afastada do centro da cidade, estivesse empregado, como vrios outros
estucadores seus patrcios, nas obras do palcio do provedor dos armazns, Fernando de Larre, tal como
referido por Cirilo Volkmar Machado48.
Este palcio, delimitado pelas estradas do Rego e de Palhav e pelo largo de S. Sebastio da Pedreira, desapareceu
para dar lugar ao palcio Vilalva, mandado construir na dcada de 1860 pelo capitalista e par do reino Jos Maria
Eugnio de Almeida49.
Em maro de 1722, Fernando de Larre pediu s autoridades municipais o cordeamento da obra (ou seja, o
alinhamento) que pretendia fazer assim de cazas nobres como todo o muro da dita quinta pella parte da eztrada
de Palhavam50, que se encontrava arruinado e muito irregular. Pretendia ainda puxar a frontaria das casas
face da dita estrada (...) da parte de So Sebastio51 e construir galerias sobre as estradas de Palhav e do Rego,
para seu melhor ornato e nobreza52. O Senado da Cmara de Lisboa exigia, em contrapartida, que as janelas de
sacada ficassem com a altura de dezasseis palmos para sima e que as janelas de assento, rasteiras do cho,
no levassem grades de aranha, para no roubarem espao estrada53.
Embora no existam referncias documentais s obras de decorao destas casas nobres, em que o estuque de
relevo teve um papel de destaque, provvel que as mesmas se tenham prolongado no tempo e que nelas ainda
tenha trabalhado Joo Grossi, logo aps a sua chegada a Lisboa, a adquirindo talvez a prtica de estucador que
lhe faltava.
Na Quaresma de 1745 e de 1746, o rol de confessados do Loreto regista de novo a sua presena, bem como a
sua residncia no centro da cidade, sucessivamente aos Remolares, na freguesia de S. Paulo, e em S. Caetano, aos
Mrtires54.
47
48
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana (1739/1744), f. 70.
MACHADO, Cirilo Volkmar, op. cit., p. 215.
Sobre o palcio Vilalva veja-se LEAL, Joana Cunha s portas de Lisboa: O Palacete de J. M. Eugnio de Almeida em So Sebastio. Revista de Histria da
Arte. Lisboa: Instituto de Histria da Arte da FCSH-UNL, N 2, 2006, p. 106-125.
49
50
51
52
53
54
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 3 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Ocidental, f. 71 a 80, f. 74v.
Idem, ibidem, f. 76.
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana (1745/1748), f. 11 e 21v.
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Isabel Mayer Godinho Mendona
Nesta ltima freguesia Grossi ter passado uma boa parte do ano de 1746, trabalhando na nova obra de estuque
da igreja paroquial, tal como atestou frei Apolinrio da Conceio na sua Demonstraam Historica da Primeira e
Real Parochia de Lisboa de que singular patrona, e titular N. S. dos Martyres, publicada em Lisboa em 175055. Na
sua descrio, o frade capucho elogiou a perfeio dos estuques e referiu o nome, a origem e a idade do seu autor:
Pela muita [perfeio] com que o formou o seu artifice he justo que lhe expressemos aqui o nome, e a Patria, he esta a
cidade de Milo na Italia, e o seu nome Joo Grossi de 31 annos no complectos de idade.
A referncia idade de Grossi (31 annos no complectos) permite-nos confirmar a data em que a obra foi
realizada: antes de 7 de outubro de 1746, dia em que Grossi completou os 31 anos, j que nascera a 7 de outubro
de 1715.
O teto em estuque substituiu um anterior de caixotes, que integrava 72 painis com cenas da vida de Cristo,
pintados por Jos de Avelar Rebelo entre 1639 e 164856. A obra foi certamente polmica, a avaliar pelas palavras
de frei Apolinrio: No faltaro apaixonados dos paineis que guarneciam o antigo teto e que pretendiam que
os mesmos se voltassem a pr. Mas a contestao no vingou, determinando-se que o novo tecto fosse de
estuque, sem se attender a mayor despeza, porem sim a mayor perfeio57.
Os novos estuques da igreja so pormenorizadamente descritos por frei Apolinrio, que refere os detalhes
ornamentais e os emblemas alusivos ao Santssimo Sacramento em redor da tela de grandes dimenses de Vieira
Lusitano (que representava a tomada de Lisboa aos mouros por D. Afonso Henriques) e ainda as figuras de vulto
de anjos e serafins sobre as janelas e o arco triunfal:
Sobre cada huma das janellas lateraes huma primoroza tarje com seu remate, e por todo o tecto flamantes ramos,
flores, fructos, Enigmas do SS. Sacramento, anjos e Serafins com que est adornado. Sobre a cimalha de ponto da
janella principal do frontespicio da Igreja, huma tarje imperial em que se l: Regina Martyrum, e de cada lado huma
figura da fama com seu clarim. Na cimalha do Oculo do frontespicio da Capella mr hum Anjo de cada banda com
representao, de que esto adorando ao SS. Sacramento; a quem e a Maria Santissima sejo proferidos muitos
louvores pela grande perfeio em que vemos este seu templo58.
55
CONCEIO, frei Apolinrio da Demonstraam Historica da Primeira e Real Parochia de Lisboa de que singular patrona, e titular N. S. dos Martyres.
Devedida em dous tomos, tomo primeiro, em que se trata da sua origem e antiguidade, e se mostra a sua primasia, a respeito das mais parochias da mesma
cidade que escreveo, e offerece mesma senhora, por mo do senhor Pedro Antonio Vergolino (...) frei Apolinario da Conceiam religioso capucho da Provincia
do Rio de Janeiro, natural de Lisboa, e bautizado na mesma freguesia. Lisboa: Officina de Ignacio Rodrigues, 1750. p. 392.
56
57
58
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Curiosamente, o cronista no refere nem Plura, nem Gomassa, os dois estucadores que Cirilo menciona nas suas
Memrias, dando a entender ter sido Grossi o nico autor dos estuques o que dificilmente ser verdade,
se atendermos envergadura da obra (a nave, com teto de volta e planta retangular, tinha 112 palmos de
comprido por 62,5 de largura59) e prtica corrente de colaborao oficinal com outros artfices da mesma arte.
No h ainda certezas sobre a identidade do "Francisco Gomassa referido por Cirilo, certamente uma adaptao
para o portugus de um nome italiano. Uma forte possibilidade que se trate de Francesco Somazzi, que
encontrmos a trabalhar como pedreiro e estucador no palcio real de Madrid, membro de uma famlia de Lugano
que contou com vrios maestri darte nas suas fileiras60.
Julgamos contudo ter identificado com alguma certeza o Plura referido por Cirilo61. Tratar-se- muito
provavelmente de Domingos Maria Plura, mais conhecido entre ns como escultor, que por volta de 1733 recebeu
6.246$000 pelas esculturas de oito Virtudes e de quatro anjos para a sacristia nova do colgio jesutico de Santo
Anto62. Domenico Maria Plura era natural da freguesia de S. Loureno, novamente na cidade de Lugano, como
referido no registo de nascimento do seu filho Jos Antnio63. A 16 de junho de 1744 casou-se em segundas
npcias com Teresa Maria, moradora em casa de Jos Antnio de Macedo e Vasconcelos, em S. Sebastio da
Pedreira, que testemunhou o acto como padrinho. Ora, Jos Antnio de Macedo e Vasconcelos era precisamente
o escrivo dos Armazns Reais e trabalhava portanto em ntima ligao com Fernando de Larre, o provedor
dos Armazns da Mina, Guin e ndia, de quem para mais era vizinho. Esta coincidncia muito sugestiva da
colaborao de Domingos Plura nas obras de estuque do palcio do Provedor em S. Sebastio da Pedreira.
Vrios outros estucadores do Ticino viveram e trabalharam em Lisboa durante o reinado de D. Joo V,
nomeadamente Carlo Sebastiano Staffieri, Giovanni Francesco Righetti, Sebastiano Toscanelli e Michele Reale,
que fomos encontrar no Arquivo do Loreto.
Staffieri era primo de Grossi e como ele natural de Bioggio, onde nasceu em 1694. conhecida a sua atividade na
Dinamarca, onde esteve em 1731 e em 1738 ao servio da corte. Integrou uma equipa liderada pelo estucador
Giovanni Andreolli, de Vico Morcote, da qual faziam parte Carlo Fossati, de Meride, e Carlo Maria Pozzi, de
Lugano64. Infelizmente, desapareceram todos os estuques realizados por esta equipa nos palcios de Hirschholm,
59
60
61
MARTINS, Fausto Sanches A Arquitectura dos primeiros colgios jesuticos de Portugal. 1542-1759. Cronologia, artistas, espao. Porto: [s.n.], 1994. Tese
de doutoramento em Histria da Arte, apresentada Universidade do Porto. vol. II. p. 114, 115.
62
63
ANTT, Arquivo Distrital de Lisboa, Registos Paroquiais, Freguesia de S. Sebastio da Pedreira, livro 3 de Baptizados, f. 166.
Veja-se GRANDJEAN, Bredo L'activit des stucateurs italiens et tessinois en Danemark (1670-1770). In Arslan, Edoardo (coord. de) - Artisti dei Laghi
Lombardi. Gli stuccatori dal Barocco al Rococo. Como: Tipografia Artistica Antonio Noseda, 1962. p. 153-164.
64
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na Dinamarca, e de Drage, no Holstein (actualmente integrado na Alemanha). Julga-se que trabalhou em Itlia
entre 1736 e 1738. Em 1740 tinha j regressado a Bioggio, mas a partir da as fontes locais perderam-lhe o
rasto, sendo totalmente desconhecida a sua vinda para Lisboa65. Em 1743 e em 1744 encontramo-lo nos ris de
confessados do Loreto, cumprindo os preceitos pascais66. Morreu dois anos depois, a 19 de abril de 1745, e foi
sepultado na igreja dos italianos67.
Ao contrrio de Staffieri, Giovanni Francesco Righetti, conhecido em Portugal como Joo Francisco Riquete, teve
uma atividade continuada como estucador na capital portuguesa e parece ter tencionado transferir-se para o
Brasil. Nos fundos notariais do arquivo de Bellinzona, na Sua, encontrmos referncia a uma procurao que
passou em 1751 ao irmo, Carlo Maria, junto do notrio apostlico em Lisboa, Giovanni Carlo Romagnoli, dando-lhe poderes para o representar no processo de partilhas por morte de um irmo de ambos68. Righetti era natural
de Aranno, uma povoao nas imediaes de Bioggio, a terra natal de Grossi e de Staffieri. Os ris de confessados
do Loreto registam a sua presena com alguns hiatos entre 1744 e 1784, o ano da sua morte69.
Pouco antes, em 1783, Righetti trabalhou ainda nos estuques da Casa da Msica, junto Real Barraca, como foi
conhecido o palcio no Alto da Ajuda onde a corte se instalou a seguir ao terramoto, integrado numa equipa de
mais de vinte estucadores, portugueses e suos70. Dessa obra resta apenas a sala dos Serenins, um espao onde
ainda existe uma quadratura realizada por pintores portugueses sob a direo do arquiteto bolonhs Giacomo
Azzolini e um pavimento com embutidos de madeiras de vrias cores71.
Michele Reali ou Reale (Miguel Real, como foi conhecido entre ns), natural de Cadro, uma povoao hoje
integrada na cidade de Lugano, aparece nos ris de confessados do Loreto na Quaresma de 1745. ento referido
como svizzero (suo), residente na rua do Atade, na freguesia da Encarnao. Entre 1753 e 1775 o seu nome
Cf. STAFFIERI, Giovanni Maria Notizie sullo stuccatore Carlo Sebastiano Staffieri da Bioggio (1694-1746). Bolletino Storico della Svizzera Italiana.
Bellinzona: Arti Grafiche A. Salvione & Co., s.a. Vol. 83 fasc. 4 (1971), p. 155-165.
65
66
67
68
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana, 1743, f. 70v. 1744, f. 78v.
AIL, Livro Primeiro de bitos (1669/1776), ad annum.
ASCT, Archivio Notarile Rusca della Cassina dAgno (Angelo Maria di Carlo Antonio), caixa 1372, documento no numerado.
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana, 1744, f. 83v. 1745, f. 6v. 1748, f. 46v. 1750, f. 74, 1753, f. 25, 1754, f. 41,
1755, f. 51v. 1759, f. 103, 1760, f. 115, 1765, f. 182v. 1769, f. 261, 1770, f. 6, 1772, f. 41, 1773, f. 70, 1775, f. 110v. 1777, f. 135, 1779, f. 163v.; e Livro Segundo
de bitos, f. 26.
69
70
ANTT, Casa Real, caixa 3129, documento no numerado. Sobre a Real Barraca vejam-se os estudos de BASTOS, Celina A Real Barraca no stio de
Nossa Senhora da Ajuda e as encomendas da Casa Real: alguns elementos para o seu estudo. Revista de artes decorativas. Porto: Centro de Investigao
em Cincias e Tecnologias das Artes / Universidade Catlica Portuguesa. N 1 (2007), p. 193-228, e de ABECASIS, Maria Isabel Braga A Real Barraca: a
residncia na Ajuda dos reis de Portugal aps o terramoto (1756/1794). Lisboa: Tribuna da Histria, 2009.
71
Estamos neste momento a preparar um texto sobre esta sala e a decorao nela integrada ainda existente, com base na documentao encontrada.
200
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
figura, com alguns hiatos, nos ris de confessados do Loreto72. Em 1772 vivia na rua de S. Boaventura, n 147, em
casas alugadas a Francisco de Sales, e pagava de maneio (um antepassado do imposto profissional) 400 ris por
ano pela atividade de oficial de estucador73. Regressou sua terra natal antes de 1779, ano em que as fontes
locais atestam a sua presena nas obras de estuque da igreja paroquial de Santa gata, com o irmo Sebastiano,
tambm estucador74.
Em 1747 encontrmos o j referido Sebastiano Toscanelli no rol dos confessados da igreja do Loreto, residindo
na freguesia de S. Sebastio da Pedreira75. Desaparece dos registos do Loreto logo no ano seguinte, voltando a
Madrid em data indeterminada, para regressar a Lisboa, onde novamente registada a sua presena em 1760 e
1761, acompanhado dos filhos Giuseppe e Giovanni Antonio, este com 15 anos e provavelmente seu aprendiz76.
Natural de Sonvico, no Ticino, Sebastiano Toscanelli trabalhou, como referimos, nas obras dos palcios reais de
Madrid. O filho mais velho, Giuseppe, foi um dos primeiros alunos da Academia de S. Fernando, admitido a 16 de
novembro de 175277. Recebeu o segundo prmio de escultura em 1753 e em 1757, ano em que acumulou esta
distino com o primeiro prmio de pintura78. de Giuseppe (e no do pai) que fala Cirilo, ao referir o painel e
baixos relevos do teto dos Paulistas, primorosamente feitos pelo Toscanelli, primo de Grossi, o qual era Pintor,
discipulo de Corrado, adiantando ainda que tinha ganhado premios em desenho na Academia de S. Fernando
de Madrid79.
De todos os estucadores talo-suos presentes em Lisboa no perodo que antecedeu o terramoto, Joo Grossi
foi indiscutivelmente aquele que mais se destacou. Desde cedo assumiu a liderana das obras de estuque
em que participou, talvez pelas boas relaes que conseguiu estabelecer com os estratos mais influentes da
sociedade de ento.
72
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana, 1745, f. 8v.; 1753, f. 26; 1759, f. 104; 1762, f. 146; 1764, f. 177v.; 1765, f.
198; 1766, f. 207v.; 1767, f. 231v.; 1769, f. 269v.; 1775, f. 109v.
73
Arquivo do Tribunal de Contas (ATC), Dcima da Cidade, Freguesia das Mercs, DC 759 AR 1772 e DC 759 M 1772, f. 53v.
75
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana, 1747, f. 34.
Relatrio que acompanhou o restauro realizado em 2005 e 2006 pela firma Studi Associati Architetti Buletti/Fumagalli [Consult. 02-02-2014]. As imagens
da igreja podem ser vistas em: http://www.buletti fumagalli associati.ch/144%20Chiesa%20Cadro.ht.
74
76
77
AIL, Livro da Dezobrigao do Perceito Annual da Quaresma da Nao Italiana, 1760, f. 109v. 111; 1761, f. 124v. 126v. 134v.
ASF, Libro en donde se sentan (...), f. 64v.
Cf. PARDO CANALIS, Enrique Los registros de matrcula de la Academia de San Fernando de 1752 a 1815. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Cientficas / Instituto Diego Velasquez, 1967, p. 111. No arquivo da Academia guardam-se dois desenhos de Toscanelli, um deles premiado (1532/P), mas
j no existem os relevos escultricos que realizou para os dois concursos.
78
79
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I
Isabel Mayer Godinho Mendona
Cirilo menciona o apoio que inicialmente recebeu de Fernando de Larre, o provedor dos armazns, que o
introduzio com o Marquez de Pombal, e sobretudo a proteo excessiva do prprio Sebastio Jos, que lhe
dava, ou pedia lhe dessem a fazer todas as grandes Obras que ento se construio, que ero muitas, e pagas por
altos preos80. Cirilo referia-se, certo, ao perodo ps terramoto e ao af construtivo que ento se verificou.
Mas as encomendas do futuro marqus e de outras figuras influentes da sociedade de ento comearam ainda no
perodo que antecedeu o terramoto.
A queda de Pombal, em 1777, acabaria por arrastar Joo Grossi. As novas autoridades deixaram de reconhecer as
benesses que lhe tinham sido concedidas no anterior regime. Sem rendimentos e sob a ameaa de ser despejado
com a famlia das casas em que vivia na praa das Amoreiras (que lhe foram atribudas a ttulo gratuito, mas pelas
quais teve de comear a pagar renda81), acabou por cegar e empobreceu at misria. Quando faleceu, em 26 de
janeiro de 1780, j perdera as casas das Reais Fbricas e habitava num casebre aos Arciprestes, em S. Mamede
onde ficaram a viver a viva e os quatro filhos, ainda crianas, que sobreviveram ao pai. Morreu sem testamento
e foi sepultado no Loreto, amortalhado no hbito de S. Francisco82.
Dos tetos analisados, o mais antigo parece ser o da casa de fresco da quinta do Meio, na encosta que de Belm
sobe para a Ajuda, integrada na propriedade de casas nobres, jardins, cerca, foros e vrias moradas de casas
comprada em 1726 por D. Joo V ao 3 conde de Aveiras, D. Joo da Silva Tello de Meneses84. Tambm chamada
Casa do Veado, por causa da figura de vulto de um veado sobre o portal, est atualmente integrada no Jardim
Botnico Tropical. A casa de fresco j identificada na escritura de venda como uma casa de recreao no canto
do prazo de cima com janela para o campo sobre a ribeira dos Gafos com ornato de estuque e uma fonte com
esttua de mrmore de Itlia85.
80
81
82
ANTT, Real Fbrica das Sedas, livro 427, f. 109 e 141v., livro 445, f. 48v. e livro 446, f. 126v.
AIL, Livro Segundo de bitos (1777/1846), f. 10.
Sobre os estuques lisboetas setecentistas, em que se incluem alguns dos que aqui tratamos, veja-se a dissertao de mestrado de Hlia Silva, op. cit., em
que pela primeira vez abordada de forma sistemtica a obra que Joo Grossi ter realizado na regio de Lisboa.
83
84
Museu da Cidade (MC), Carta de Padro de Venda da Quinta de Belm, f. 1v. Sobre o palcio dos condes de Aveiras cf. OLIVEIRA, Lina Marrafa de
Arquitetura dos sculos XVII e XVIII. In Gaspar, Diogo (coord. de) Do Palcio de Belm. Lisboa: Museu da Presidncia da Repblica, 2005. p. 304-329.
85
Idem, ibidem, f. 4.
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
Figura 2
O teto mostra ainda belos estuques relevados em branco sobre fundo branco nos oito panos da cpula de
cobertura86. Os motivos decorativos, tratados com grande plasticidade e relevo acentuado, so ainda barrocos
um floro central de onde partem as nervuras sublinhadas com festes que delimitam os oito panos, a que
habilmente se conformam grandes conchas apoiadas na sanca, volutas, cestos floridos, enrolamentos vegetalistas
e fitas em C. Tambm em estuque relevado so os ornatos do nicho onde se encaixa a bacia em mrmore, em
frente porta principal: uma grinalda de flores e frutos e uma concha preenchendo a abbada em quarto de
esfera.
Numa das paredes foi colocado, em 1927, um painel em azulejo com a seguinte legenda: Os Estuques desta
Casa do Veado so atribudos pelo conde Rackzinski ao mestre Joo Grossi. Esta notcia resulta, contudo, da
leitura apressada da obra deste conhecido memorialista, que na entrada sobre Grossi do seu dicionrio apenas
se limitou a traduzir para francs as informaes de Cirilo o qual, por sua vez, nunca se refere decorao desta
casa de fresco87.
Os estuques da Casa do Veado so muito provavelmente anteriores vinda de Joo Grossi para Lisboa. Trata-se de uma obra ainda barroca, revelando pontos de contacto com a obra de lao flamenga, nas volutas e nos
enrolamentos em C que envolvem as grandes conchas joaninas. Exemplar raro no contexto dos estuques
nacionais, mostra uma linguagem decorativa identificvel com o estilo do barroco joanino, atribuvel dcada
de 1720, ainda durante as obras do conde de Aveiras, ou j dcada de 1730, logo aps a compra da quinta pela
Casa Real.
86
87
Sobre a casa de fresco da Quinta do Meio, veja-se MENDONA, Isabel Mayer Godinho Dos Estuques do Palcio de Belm (...), op. cit., p. 249 a 252.
RACKZYNSKI, Athanasius Dictionnaire historico-artistique du Portugal. Paris: Jules Renouard, 1847. p. 125 127, e MACHADO, Cirilo, op. cit..
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Isabel Mayer Godinho Mendona
Em Lisboa existe ainda um conjunto de tetos estucados em interiores religiosos e civis que utilizam uma linguagem
decorativa caracterstica da regncia francesa, por vezes associada a elementos do barocchetto italiano.
A regncia francesa (perodo durante o qual o governo da Frana foi assegurado pelo regente, Filipe de Orlees,
durante a menoridade do futuro Lus XV, entre 1715 e 1723) caracteriza-se pela utilizao de ornatos em C e em
S, de fitas entrelaadas, gradinhas preenchidas por pequenas flores, conchas, palmetas, mascares femininos
com toucado de plumas ou coroa de palmetas, lambrequins, entre outros.
Este novo gosto, que cedo se espalhou por toda a Europa, divulgado pelas gravuras realizadas a partir dos
desenhos ornamentais de Jean Brain (1637/1711), decorador de Lus XIV, chegou a Portugal durante o reinado
de D. Joo V, dominando as artes decorativas durante as dcadas de 1730, 1740 e os primeiros anos da dcada
de 1750.
Ao gosto regncia associaram-se por vezes elementos decorativos oriundos do barocchetto de matriz italiana,
que em certas zonas de Itlia, nomeadamente em Gnova e Veneza, antecederam as primeiras manifestaes do
rococ francs, ainda na transio do sculo XVII para o XVIII88: cartelas enquadradas por volutas assimtricas,
gordos concheados orgnicos, de contornos contidos, a que se associam conchas e ainda elementos do estilo
auricular, de incios de Seiscentos (assim designado pelos ornatos de carcter naturalista que lembram as
cartilagens da orelha).
Uma outra caracterstica dos tetos estucados deste perodo a utilizao da quadratura, ou seja, a sugesto
de elementos arquitetnicos perspetivados, enquadrando a composio central: um parapeito rematado por
arquitrave ou por uma simples moldura, por vezes vazado, outras vezes percorrido por balastres; ou ainda
simples plintos servindo de suporte a figuras ou objetos.
As sugestes para estes enquadramentos arquitetnicos partiram, como habitualmente, de lbuns de gravuras
para tetos. Uma das obras ilustradas que maior impacto tiveram, sobretudo na Alemanha e no norte da Europa,
Artis Sculptoriae Paradigmata, deve-se ao estucador Carlo Maria Pozzi, de Lugano o mesmo que integrou a
equipa de Giovanni Andreolli, com os estucadores Carlo Fossati e Carlo Sebastiano Staffieri, no norte da Alemanha
e na Dinamarca, como atrs referimos. Gravada por J. A. Corvinus, foi editada em Augsburgo por Jeremias Wolff
em 170889.
88
Sobre o barocchetto e a sua utilizao nos estuques do norte da pennsula itlica, cf. ARSLAN, Edoardo Prembulo. In Arslan, Edoardo (coord. de) - Artisti
dei Laghi Lombardi. Gli stuccatori dal Barocco al Rococo. Como: Tipografia Artistica Antonio Noseda, 1962. p. IX-XVI.
89
Cf. GRANDJEAN, Bredo, ob., cit. e DOERY, B. L. Die Taetigkeit Italienischer Stuckateure 1650-1750 im Gebiet der Bundesrepublik Deutschland. Mit
Ausnahme von Altbayern, Schwaben und der Oberpfalz. In Arslan, Edoardo (coord.) - Artisti dei Laghi Lombardi. Gli stuccatori dal Barocco al Rococo. Como:
Tipografia Artistica Antonio Noseda, 1962. p. 129-152.
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
Vamos encontrar todas estas novidades nos estuques de um outro palcio de Lisboa que pertenceu ao provedor
dos Armazns, Fernando de Larre, este na calada do Combro, mesmo ao lado do convento e da igreja dos
Paulistas da Serra de Ossa, a atual igreja paroquial de Santa Catarina. O edifcio rene nos seus interiores um
notvel conjunto de tetos com estuque de relevadoz, feitos no ltimo primor da arte, como so classificados
num inventrio por morte da viva de Larre90.
No salo nobre, a maior das divises do palcio, a configurao rara do teto, em duplo sanqueado, s possvel
graas sua estrutura de fasquiado. Destacam-se as figuras de vulto e em alto relevo de meninos gesticulantes,
aos pares, segurando cestos de flores e fruta, e os bustos de heris clssicos coroados de louros. A meio dos lados
maiores do teto, cartelas assimtricas enquadram as iniciais entrelaadas do nome do proprietrio: F e L.
Na sala contgua, do lado poente, o teto em estuque centrado por uma pintura com a representao da Aurora.
Os panos laterais so preenchidos por uma malha arquitetnica composta por plintos e volutas em que se
Figura 3
Figura 4
ANTT, Feitos Findos, Inventrios, letra F, mao 186, n 9: Inventrio por morte de D. Filipa Leonor da Fonseca Azeredo. Sobre os estuques deste palcio
e a sua histria, veja-se MENDONA, Isabel Mayer Godinho O palcio de Fernando de Larre na calada do Combro e os seus estuques. Estudos de Lisboa.
Revista de Histria da Arte. Lisboa: Instituto de Histria da Arte da FCSH-UNL (no prelo).
90
91
Fotografia realizada no mbito do projeto de investigao intitulado A casa senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro. Anatomia dos interiores (PTDC/
EAT-HAT/11229/2009), em curso no Instituto de Histria da Arte da FCSH-UNL, tendo com investigadora responsvel Isabel Mendona.
92
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Isabel Mayer Godinho Mendona
Figura 5
apoiam vasos floridos, meninos brincando com ces e bustos emoldurados. Nos quatro cantos do teto, dentro de
cartelas, representaes alegricas inspiradas na Iconologia de Ripa figuram o Entardecer, a Vigilncia, o Sono e
a Esperana.
A pequena sala que se segue, de baixo p direito e teto de um plano com estuques em baixo relevo, mantm
ainda o ambiente intimista da sua provvel funo inicial de quarto de toucador ou de pentear, a que aludem os
meninos sentados em plintos, segurando um gomil, um espelho, joias e flores. Nos cantos esto figuradas cenas
com divindades do panteo clssico.
Os estuques dos tetos das trs salas do lado nascente so muito mais sbrios, com o pano central compartimentado
por uma moldura recortada e apontamentos de flores e mascares. No painel central do teto da ltima sala,
meninos seguram instrumentos de escrita, apontando a sua funo primitiva de gabinete ou escritrio.
A norte do trio do piso nobre fica o oratrio do palcio, um excelente exemplo de obra de arte total, em que
o estuque se combina na perfeio com um conjunto de nove telas aplicadas nas paredes e ainda com um silhar
de azulejos. Os estuques revestem o teto de perfil sanqueado e as paredes, onde se destacam os bustos em alto
relevo dos doze apstolos.
No teto da casa da escada encontramos quatro bustos de heris da Antiguidade coroados de louros marcando
os quatro panos da masseira, associados uma vez mais a cartelas compostas pelos ornatos caractersticos do
barocchetto.
93
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
O palcio foi arrematado em hasta pblica em 1742 por Fernando de Larre, e os estuques foram muito
provavelmente realizados entre as quaresmas de 1744 e 1746, perodo durante o qual a famlia do provedor
no residiu no palcio, provavelmente por causa de obras em curso. No rol de confessados de 1745 os nicos
moradores a referidos pelo proco de Santa Catarina so dois criados de Larre94.
Este notvel conjunto de estuques decorativos, realizados aparentemente durante a mesma campanha de obras,
talvez o mais importante testemunho que subsiste da atividade desenvolvida na capital pelos estucadores
ticinenses na ltima dcada do reinado joanino.
Um outro teto ainda existente e realizado muito provavelmente pela mesma equipa de estucadores que trabalhou
no palcio de Larre, dadas as proximidades da linguagem decorativa, a cobertura da casa da escada do convento
de Nossa Senhora da Conceio do Monte Olivete, outrora cabea da ordem dos Eremitas Descalos de Santo
Agostinho. Tambm conhecido como convento do Grilo, atualmente sede de um dos recolhimentos da capital95.
No painel central deste teto em forma de masseira, de grandes dimenses, pode ainda ler-se, num livro aberto
que dois meninos seguram, a data de 1746. A mesma data repete se numa das cartelas dos panos laterais, numa
tabela aparentemente a colocada mais tarde, onde se pode ler: Feito em 1746. A mesma grafia foi utilizada
numa outra inscrio do lado oposto, assinalando a data do restauro: Retocado em 1870.
Figura 6
94
Arquivo do Patriarcado de Lisboa (APL), Rol dos Confessados da Freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai, cdice 2502, f. 49.
Sobre a histria deste convento veja-se MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira Caminho do Oriente. Guia Histrico. Lisboa: Livros Horizonte,
1999. Vol. II, p. 64-71.
95
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Isabel Mayer Godinho Mendona
Figura 7
O painel central dominado pela figura de um velho de longas barbas com um compasso na mo (o Pai Tempo?)
apontando um globo terrestre; no ar revolteia um menino com um esquadro, enquanto dois outros sustentam
o livro aberto, atrs referido. Nos panos menores do teto esto representadas duas figuras femininas em alto
relevo, sentadas em plintos, uma segurando uma ampulheta, uma aluso fugacidade do tempo, a outra com os
atributos da deusa grega da sabedoria, Pala Atena um elmo na cabea, uma lana numa das mos, um livro na
outra. Nos lados maiores, dentro de cartelas, alegorias Geografia e Geometria, figuradas por pares de meninos
segurando um mapa e um quadro com figuras geomtricas. Sobre as cartelas, figuras femininas tocam trombetas
e seguram palmas.
Tal como nos estuques do palcio de Fernando de Larre, tambm aqui encontramos a mesma original
combinao de elementos decorativos da regncia francesa com ornatos caractersticos do barocchetto italiano:
as cartelas enquadradas por volutas assimtricas (nomeadamente as que figuram nos quatro cantos, logo
abaixo da cimalha), os gordos concheados, as mesmas fitas enlaadas servindo de caule a flores em forma de
palmeta, idnticas gradinhas. A mesma malha arquitetnica envolve os panos laterais do teto, servindo de apoio
a vasos, meninos e figuras alegricas gesticulantes. O peso escultrico acentuado, com algumas das figuras em
alto relevo, tambm uma caracterstica que aproxima este teto daquele que cobre o salo nobre do palcio de
Larre na calada do Combro96.
96
Sobre os estuques desta escada veja-se MENDONA, Isabel Mayer Godinho O palcio de Fernando de Larre na calada do Combro e os seus estuques,
op. cit. (no prelo).
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
No antigo convento de Nossa Senhora das Necessidades, de fundao rgia, encontramos no teto do oratrio do
Santssimo uma composio que lembra a do teto da sala de Aurora do palcio de Fernando de Larre, quer na
configurao uma masseira com uma tela pintada aplicada num recesso no pano central quer na linguagem
decorativa da regncia francesa, organizada em torno de uma bem estruturada quadratura. Os meninos
gesticulantes, em posies sempre diferentes, foram modelados pela mesma mo. Aos estuques associam-se
pinturas alegricas as quatro virtudes cardeais, representadas por figuras femininas segurando os respetivos
emblemas a outras meramente ornamentais.
Os estuques deste teto tero sido executados nos ltimos anos da dcada de 1740, na fase final das obras, que
estariam j concludas em meados de 1750, data de abertura das aulas da Congregao do Oratrio.
Frei Manuel do Portal descreve-os assim, pouco tempo depois, num apontamento de 1756:
O tecto he de estuque de relevo com festoens de flores de branco, e ouro, e no meyo hum paynel, com a imagem de S.
Fellippe de Neri. He o tcto obra to primorosa, e de tanta perfeyo, que custou cem moedas de ouro de quatro mil,
e outocentos s das mos do pintor97.
Um ltimo exemplo de estuques realizados ainda durante o reinado de D. Joo V o da pequena capela do Senhor
dos Passos, situada na ala norte do claustro do mosteiro de Santos-o-Novo, das comendadeiras da Ordem de
Santiago, onde hoje est igualmente instalado um recolhimento lisboeta98.
Figura 8
97
Sobre a obra das Necessidades, cf. FERRO, Leonor A Real Obra de Nossa Senhora das Necessidades. Lisboa: Ministrio dos Negcios Estrangeiros;
Editora Quetzal, 1994, onde se transcreve este documento, p. 297-304. A referncia aos estuques da capela do Santssimo encontra-se na p. 252, nota 122.
Sobre este mosteiro, vejam-se os vrios artigos que lhe dedicou a revista Monumentos. Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N.
15 (Setembro de 2001).
98
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Isabel Mayer Godinho Mendona
A capela, de pequenas dimenses, sede da irmandade do Senhor dos Passos, fundada em 1705, outro notvel
espao de arte total, com um revestimento integral de azulejo, talha dourada e estuque decorativo. Os elementos
decorativos da regncia francesa esto presentes na abbada de arestas com penetraes, enquadrando cartelas
com emblemas da paixo de Cristo e as iniciais marianas, e tambm dominam os revestimentos em talha dourada
e azulejo das paredes99.
Nos cinco anos que se seguiram morte de D. Joo V, entre 1750 e 1755, a linguagem da regncia francesa
continuou a ser utilizada nos estuques dos interiores lisboetas, associando-se gradualmente aos motivos
decorativos que vo caracterizar o rococ: concheados de forte assimetria, por vezes vazados, com contornos
flamferos, em asa de morcego ou lembrando a gua congelada de cascatas.
Exemplos dos estuques realizados em Lisboa neste perodo encontram-se na capela do Senhor Jesus dos Perdes100
e na biblioteca do anexo palcio do Mitelo, de 1752, nas capelinhas do coro baixo da igreja do convento da
Encarnao101, em duas salas do palcio dos Carvalhos (o salo nobre e a sala verde ou da Aurora, provavelmente
as primeiras obras realizadas por Grossi para Sebastio Jos de Carvalho e Melo) e, finalmente, no teto de uma
Figura 9
Figura 10
Francisco Lameira e Jos Meco atribuem mesma dcada a talha e os azulejos da capela. Cf. LAMEIRA, Francisco A arte da talha. Monumentos. Lisboa:
Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N 15 (Setembro de 2001), p. 32-39; MECO, Jos Azulejos e mrmores embutidos. Monumentos.
Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. N 15 (Setembro de 2001), p. 40-47. Cf. tambm MENDONA, Isabel Mayer - Godinho
Estuques decorativos: a viagem das formas (sculos XVI a XIX), op. cit., p. 84-85.
99
100
101
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ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
das salas do palcio do Machadinho, que Cirilo atribui ao ano de 1755102, e nas casas de fresco de dois palcios da
Casa Real o ninfeu do palcio de Belm e a sala dos esguichos do palcio da vila, em Sintra , decoradas muito
provavelmente pela mesma altura, dadas as grandes semelhanas da linguagem decorativa utilizada103.
Alm dos estucadores estrangeiros referidos por Cirilo Volkmar Machado105, um mestre estucador lisboeta est
documentado nas obras da S do Porto, a partir de 1719 Antnio Pereira, coadjuvado pelo oficial tambm
lisboeta, Francisco Xavier. Foi ele o responsvel pelo revestimento em estuque de praticamente todo o interior
do velho templo medieval e, muito provavelmente, pela sua transfigurao barroca, descrita em pormenor no
relato manuscrito do Arquivo Distrital do Porto revelado por Artur de Magalhes Basto em 1940106. Antnio
Pereira, referido na documentao como mestre do estuque e como mestre pedreiro do estuque107, vai ter
um importante papel no s como estucador, mas tambm como mestre de obras e mesmo como reconhecido
arquiteto em outras obras do norte do pas por exemplo, no Recolhimento das rfs de Nossa Senhora da
Esperana, na casa de S. Joo Novo, na igreja dos Clrigos e na igreja de Santo Ildefonso, na cidade do Porto, e
ainda na S de Lamego108.
Cf. MACHADO, Cirilo Volkmar, op. cit., p. 215. Sobre os estuques deste palcio veja-se SILVA, Hlia Os Estuques do Salo Nobre do Palcio do Machadinho,
op. cit., p. 88-97.
102
103
Cf. MENDONA, Isabel Mayer Godinho Dos estuques do Palcio de Belm (...), op. cit., p. 256-260.
105
AML, Livro dos Regimentos dos oficiais mecnicos, f. 125-128v. AML, Regimento e compremisso da bandeira do bemaventurado So Joseph dos officios dos
Carpinteiros e Pedreiros desta Cidade de Lisboa copiado do original antigo anno de 1684, f. 196-210v. In Livro 1 do acrescentamento dos regimentos dos
oficiais mecnicos, f. 193-211.
104
BASTO, Artur de Magalhes A S do Porto. Documentos inditos relativos sua igreja. Porto: Marnus, 1940. p. 37-55. Vejam-se tambm as fotografias
publicadas em AA.VV. S Catedral do Porto. Boletim da Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. Lisboa: Direco-Geral dos Edifcios e
Monumentos Nacionais. N 40-43 (1945-1946).
106
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime Arquitectos: riscadores, artistas e artfices que trabalharam na S do Porto nas obras promovidas pelo cabido
durante a sede vacante de 1717 a 1741. Artistas e artfices e sua mobilidade no mundo de expresso portuguesa (Actas do VII Colquio Luso Brasileiro de
Histria da Arte). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005. p. 191-220, p. 196.
107
108
211
I
Isabel Mayer Godinho Mendona
A referncia a Antnio Pereira como mestre pedreiro estucador suporta a nossa convico de que o ofcio
de estucador estaria associado ao de pedreiro. O facto de nunca aparecer referido nos regimentos do ofcio de
pedreiro pode explicar-se talvez pelo facto de esta profisso no ter ainda obtido o reconhecimento artstico
que viria a merecer aps a vinda dos estucadores estrangeiros durante o reinado de D. Joo V. sabido que a
Casa dos Vinte e Quatro no abrangia todos os ofcios manuais existentes, mas apenas os que estavam mais bem
representados na sociedade ou que eram considerados indispensveis, o que provavelmente no acontecera
ainda com os estucadores109.
De qualquer forma, a necessidade de reforma dos regimentos dos oficiais mecnicos levou o procurador da
cidade de Lisboa, Antnio Pereira de Viveiros, a requer-la a 27 de agosto de 1728, devendo para tal os juzes dos
vrios ofcios apresentar o regimento respetivo e compar-lo com as obras que hoje se fazem e os preos porque
se devem fazer110. A reforma dos regimentos, adequados s novas realidades, s viria a acontecer bastante mais
tarde, em finais de 1771, continuando a no contemplar qualquer referncia ao ofcio de estucador111.
Mas as razes eram outras. O ofcio de estucador tinha entretanto sido regulamentado por outra via. A 28 de
agosto de 1764 fora criada a Aula de Desenho e Estuque inserida na Real Fbrica das Sedas, sendo a sua direo
entregue a Joo Grossi, nomeado lente com um ordenado de 600$000 ris por ano112. Todos os anos eram
admitidos quinze discpulos que recebiam como ajuda de custo 100 ris dirios113. A idade de entrada variava
entre os 10 e os 16 anos, e a aprendizagem demorava cerca de cinco anos, finda a qual eram examinados e
recebiam carta de oficiais114. Todos os oficiais eram obrigatoriamente membros da irmandade de Nossa Senhora
de Monserrate das Amoreiras, sem o que no podiam ser admitidos pelos mestres 115.
Medidas legais foram ainda criadas para proteger os estucadores formados na Aula. A 23 de dezembro de 1771
um alvar rgio proibiu, sob pena de seis meses de cadeia e 40$000 ris de multa, o exerccio da profisso de
estucador aos pedreiros, carpinteiros, canteiros e moldureiros que no tivessem uma carta de exame. Com estas
LANGHANS, Franz-Paul As antigas corporaes dos ofcios mecnicos e a Cmara de Lisboa. Revista Municipal. Lisboa: Publicaes Culturais da Cmara
Municipal de Lisboa. Separata N 7, 8 e 9 (1942).
109
110
AML, Livro 7 do Registo de Consultas e Decretos de D Jos I, f. 57- 60v.; AML, Livro 2 de Registos e Decretos de D. Jos I, f. 90v. a 92v.; e AML, Livro 17 de
Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I, f. 233-237.
111
Cf. MENDONA, Isabel Mayer Godinho Dos estuques do Palcio de Belm, op. cit., p. 254. As informaes sobre a Aula foram recolhidas do fundo Real
Fbrica das Sedas do ANTT. Veja-se tambm SEQUEIRA, Gustavo de Matos Depois do terramoto. Subsdios para a histria dos bairros ocidentais de Lisboa.
Lisboa: Academia das Cincias, 1933. vol. IV, p. 228-230.
112
ANTT, Real Fbrica das Sedas, Livro 355, Balano demonstrativo da Real Fbrica das Sedas desde 16 de Agosto de 1757 ath 31 de Dezembro de 1769,
f. no numerado.
113
114
115
ANTT, Real Fbrica das Sedas, Livro 422, f. 190, 195, 196, 206, 242, Livro 427, f. 17v., 32 e 32v.
ANTT, Real Fbrica das Sedas, Livro 429, f. 86v.
212
I
ESTUCADORES DO TICINO NA LISBOA JOANINA
medidas protecionistas pretendia-se defender uma profisso considerada fundamental para a reedificao da
cidade de Lisboa, em relao a pessoas de officios diversos, como so Pedreiros, Carpinteiros, Canteiros, e
Moldureiros que tomavam por sua conta as obras que lhes no pertencem116. A 3 de abril de 1772 Grossi
conseguiu que esta determinao fosse tambm alargada a outros estucadores, que eram obrigados a obter carta
de exame junto da Aula, como condio para poderem tomar a seu cargo obras de estuque117.
Embora se tenha mantido em vigor, muito provvel que este alvar no tenha sido cumprido aps o encerramento
da Aula e o afastamento de Grossi, como parece deduzir-se de um requerimento apresentado em 1825 por trs
estucadores de relevo Domingos Loureno da Silva, Manuel Flix Amaro dos Santos Campos e Jos Eli de
Mendona que, sentindo ameaada a sua subsistncia, tinham exigido que fosse aplicado o alvar rgio de 1771
que previa pena de cadeia e multas pecunirias aplicadas a todos aqueles que exercessem essa arte sem terem
uma carta de exame118.
Os juzes dos ofcios de pedreiro e carpinteiro da Casa dos Vinte e Quatro conseguiram a suspenso do alvar,
alegando que uma vez terminada a Aula, dirigida pelo habil Mestre Joo Grossi, no se justificava esta medida
protecionista, devendo voltar os officios a gosar da mesma liberdade antecedente para poderem ajustar,
juntamente com os da sua profisso, obras de estuque que de ordinario lhes vem annexas119.
Este argumento dos juzes da Casa dos Vinte e Quatro comprova de forma inequvoca que o ofcio de estucador,
embora no referido nos regimentos, esteve de facto sempre associado atividade dos mestres e oficiais da
construo, nomeadamente aos pedreiros e carpinteiros, unidos sob a bandeira de S. Jos.
***
Os estuques decorativos tiveram um importante papel na decorao arquitetnica do reinado de D. Joo V como
pode ainda ser comprovado atravs dos exemplos que chegaram aos nossos dias e que neste texto revisitmos.
Os seus autores foram, ao que tudo indica, os estucadores do Ticino que antes de virem para Portugal estiveram
em contacto com as tendncias artsticas das principais cortes da Europa.
ANTT, Real Fbrica das Sedas, Livro 384, f. 151v., 152 e Arquivo do Ministrio das Obras Pblicas (AMOP), Junta do Comrcio, Avisos e Ordens (17571833),
documento no numerado.
116
117
119
Domingos Loureno fora ainda aluno de Grossi na Aula de Desenho e Estuque, Daniel Flix aprendera a sua arte com o pai, Manuel Francisco dos Santos,
e Jos Eli com Paulo Botelho. Tanto Manuel Francisco dos Santos como Paulo Botelho tinham sido nomeados mestres ainda durante a vigncia da Aula.
Cf. MENDONA, Isabel Mayer Godinho Dos estuques do Palcio de Belm, op. cit., p. 253-255. MENDONA, Isabel Mayer Godinho Estuques decorativos:
a viagem das formas, op. cit., p. 65, 66.
118
213
I
Isabel Mayer Godinho Mendona
De todos aqueles que ento exerceram a sua atividade em Lisboa, sobressaiu Joo Grossi. As ligaes privilegiadas
que conseguiu estabelecer em Portugal e o seu esprito de liderana explicaro em parte o anonimato a que
foram votados quase todos os outros nomes de estucadores, cujo percurso artstico procurmos traar atravs
das fontes disponveis e cujo trabalho ainda hoje reflete a alta qualidade dos maestri d'arte da Regio dos Lagos.
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a sua primasia, a respeito das mais parochias da mesma cidade que escreveo, e offerece mesma senhora, por mo do senhor
Pedro Antonio Vergolino (...) frei Apolinario da Conceiam religioso capucho da Provincia do Rio de Janeiro, natural de Lisboa,
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220
submisso/submission: 21/01/2014
aceitao/approval: 11/04/2014
RESUMO
A baslica patriarcal dignidade a que foi elevada a capela real por bula de 1716 do papa Clemente XI constitui-se como um dos edifcios mais emblemticos e significativos da Lisboa joanina, tanto pelas suas caractersticas
fsicas e localizao no contexto da urbe, bem como pelo significado que assumiu nas relaes estabelecidas entre
Portugal e a Santa S durante o reinado do Magnnimo, como sabido nem sempre pacficas. Tornou-se, assim,
tal edifcio objeto de uma crescente ateno por parte do monarca, o que, naturalmente, significou tambm um
cada vez maior enriquecimento artstico do espao e o consequente aumento de encomendas de obras de arte a
ele destinadas, bem como um crescente investimento na elaborao e sofisticao do cerimonial a praticado, que
se pretendia fosse realizado imagem daquele pontifcio.
* Licenciada (1989), mestre (1994) e doutora (1999) em Histria da Arte. Docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora
integrada do ARTIS-Instituto de Histria da Arte da mesma Universidade. Autora de diversos livros e artigos no mbito da histria da arte e especialmente
sobre arte e cultura do Barroco, publicados em Portugal, Espanha, Frana, Itlia e Reino Unido. Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 223 - 249
223
I
Teresa Leonor Magalhes do Vale
No presente texto efetuar-se- uma aproximao s preocupaes havidas com o cerimonial bem como s alfaias
litrgicas no mbito da ourivesaria que estiveram ao seu servio, sendo que tanto para o primeiro as segundas
tinham a sua origem na Roma, to admirada e emulada pelo Magnnimo.
PALAVRAS-CHAVE
Patriarcal / Cerimonial / Altar / Ourivesaria / D. Joo V
ABSTRACT
The Patriarchate Basilica originally the Royal Chapel that was elevated in 1716 through Pope Clement XI papal
bull is in itself as one of the most emblematic and significant buildings of king John V Lisbon, both because of
its physical characteristics and location in the context of the city, but also for the meaning that it assumed in
the troubled relationships between Portugal and the Holy See during his reign. This building was subject to a
growing attention from the monarch, which, of course, also meant a increasingly artistic enrichment of space
with works of art, and a growing investment in the ceremonial preparation and sophistication, intended to be
performed in the image of the pontifical city.
This paper will discuss the measures taken to assure this ceremonial was performed in the papal way and also
the silver pieces used. Ceremonial and silver both having their origin in Rome, the admired pontifical city.
KEYWORDS
Patriarchate Basilica / Ceremonial / Altar / Silver / King John V
224
I
ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
A Patriarcal constitui-se como um dos edifcios mais emblemticos e significativos da Lisboa joanina, pelas suas
caractersticas fsicas e localizao no contexto da urbe, bem como pelo significado que assumiu nas relaes
estabelecidas entre Portugal e a Santa S durante o reinado do Magnnimo.
Assim, a Patriarcal onde tinham lugar as mais importantes cerimnias que marcavam o ritmo da vida da
famlia real e de onde saa o maior nmero de procisses que percorriam as ruas da capital2 foi sendo alvo
de uma crescente ateno por parte do soberano, o que, naturalmente, significou tambm um cada vez maior
enriquecimento artstico do espao e o consequente aumento de encomendas de obras de arte a ele destinadas,
bem como um crescente investimento na elaborao e sofisticao do cerimonial, que se pretendia fosse realizado
imagem daquele pontifcio.
1
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Ocidental, f. 98-99. (Nota do Conselho Editorial: veja-se, em
anexo, transcrio do documento).
2
Como bem testemunham os inmeros avisos e cartas que se conservam no AML. Vejam-se, a ttulo de exemplo: Carta do Patriarca comunicando ao
Senado da Cmara de Lisboa Ocidental que se iria realizar a procisso do Mrtir So Sebastio e que sairia da s Patriarcal, de 11 de janeiro de 1717 AML,
Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 95; Aviso ao Senado para que participe na procisso da Sade, que sair da santa igreja
Patriarcal at ao convento de So Domingos e aviso do patriarca dirigido ao presidente do Senado da Cmara, conde da Ribeira Grande de 11 de abril de
1717 AML, Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 87; Aviso informando que no dia 4 o rei ir na procisso do Corpo de Deus
acompanhado pelo prncipe e pelos infantes D. Francisco e D. Antnio, que levaro as varas do plio na sada da igreja Patriarcal. Como os outros vereadores
se encontram impossibilitados, ordenado a Jernimo da Costa Almeida que leve a vara do plio pertencente Cmara, de 2 de junho de 1733 AML, Livro
8 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 91; Aviso ao Senado para que acompanhe o rei igreja Patriarcal, para a celebrao do Te
Deum Laudamus pelo feliz parto da princesa, nora de D. Joo V, de 7 de outubro de 1736 AML, Livro 11 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado
Ocidental, f. 109; Aviso para que o Senado assista ao batizado da infanta, filha do prncipe D. Jos, que se realizar na igreja Patriarcal de 19 de novembro
de 1736 AML. Livro 11 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 109; Aviso ao Senado para que assista ao Te Deum Laudamus, pelo
feliz parto da princesa, nora de D. Joo V, que se realizar na santa igreja Patriarcal de 7 de novembro de 1736 AML, Livro 12 de Consultas e Decretos de
D. Joo V, do Senado Oriental, f. 68; Aviso para que o Senado comparea no ptio da igreja Patriarcal para acompanhar a procisso do Corpo de Deus, de 13
de junho de 1740 AML, Livro 16 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 42; Aviso ao Senado para que sejam limpas as ruas onde ir
passar a procisso de Nossa Senhora da Penha de Frana, que sair da santa igreja Patriarcal para a igreja do convento dos Religiosos Agostinhos Calados
da Penha de Frana, de 14 de junho de 1742 AML, Livro 17 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 70; Aviso a solicitar a presena
dos ministros do Senado na santa igreja Patriarcal, a fim de assistirem ao Te Deum, pelo feliz parto da princesa, de 25 e 26 de julho de 1746 AML, Livro
22 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, f. 200-201.
225
I
Teresa Leonor Magalhes do Vale
Para o efeito, importava desde logo conhecer o cerimonial pontifcio pelo que se encomendaram naturalmente
livros consagrados temtica. Porm, tal tipo de fonte no era suficiente para satisfazer os desejos de emulao
do soberano, pelo que desde Roma se remeteram tambm desenhos e, como se ver, algo muito mais especfico:
rplicas de altares da baslica vaticana, realizados, em madeira pintada, na escala 1/1.
A documentao em particular um conjunto de listas de caixas, remetidas para o reino entre 1741 e 1750, que
se conserva nos fundos da Biblioteca da Ajuda3 revela o envio de livros, desenhos e destas rplicas de altares
da baslica de S. Pedro do Vaticano, com vista decerto prtica ou ensaio das cerimnias como se efetivamente
estivesse na baslica vaticana.
Com efeito, constitudas por diversas partes, todas cuidadosamente identificadas e acompanhadas das respetivas
instrues de montagem desenhadas, reconhecem-se dentro de vrias caixas, cpias dos altares da Confisso, da
capela do Santssimo Sacramento e da capela Gregoriana.
A questo que com maior pertinncia se coloca, relativamente realizao e envio para o reino destas rplicas
de altares, e como j tivemos ocasio de assinalar noutra sede4, a da finalidade do seu envio para a capital, a
da sua funo em Lisboa. Embora neste ponto da nossa investigao no possuamos uma resposta definitiva
para esta questo, um facto nos parece indiscutvel: o de, subjacente realizao destas rplicas, se encontrar
a preocupao com o conhecimento e inerente emulao do cerimonial pontifcio em determinadas ocasies,
muito em concreto aquando da Exposio do Santssimo. Esta questo perpassa alis de outra documentao,
designadamente da correspondncia trocada entre Lisboa e Roma. Entre mltiplos outros exemplos passveis de
serem citados, recorde-se uma carta de Jos Correia de Abreu para frei Jos Maria da Fonseca vora, datada de
22 de junho de 1734 e na qual se podia ler uma passagem alusiva a um aspeto especfico da Exposio:
Deseja sse saber se em Italia e principalmente em Roma, e ahi com alguma especialidade nas Igrejas em que mais
Rigorosamente se observo as cerimonias, se v quando se adora o Santissimo exposto em torno alguma parte da
extremidade do Corporal, sobre que esta posta a Costodia se v ao menos a renda do tal corporal pendente, ou de huma
ou de mais faces da extremidade do trono, ou finalmente se nada se v do tal corporal; e mande Vossa Reverendissima
responder a isto Logo, e com individuao5.
3
Essa documentao foi revelada e abordada em VALE, Teresa Leonor M. - Roma em Lisboa: as artes decorativas no contexto das obras de arte enviadas da
cidade pontifcia para a capital portuguesa no reinado de D. Joo V. Revista de Artes Decorativas, Porto: Escola das Artes-Universidade Catlica Portuguesa,
Centro Regional do Porto, N 5 (2012), p. 57-78 e VALE, Teresa Leonor M. - Ainda Roma em Lisboa: as rplicas de altares da baslica de S. Pedro do Vaticano,
enviadas para a capital portuguesa entre 1741 e 1745, comunicao apresentada ao Colquio Lisboa e os Estrangeiros | Lisboa dos Estrangeiros antes do
Terramoto de 1755, Fundao das Casas de Fronteira e Alorna Grupo Amigos de Lisboa, maro de 2013 (no prelo). Note-se que neste ltimo texto se
abordam alguns aspetos retomados no presente estudo.
4
Cf. VALE, Teresa Leonor M. - Ainda Roma em Lisboa: as rplicas de altares da baslica de S. Pedro do Vaticano, enviadas para a capital portuguesa entre
1741 e 1745 op. cit.
5
Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), Seco de Reservados, Fundo Geral, Ms. 41, N 7, doc. 76. Transcrio nossa; este documento foi parcialmente
publicado por CARVALHO, A. Ayres de - D. Joo V e a Arte do Seu Tempo. Vol. II. Lisboa: Edio do autor, 1962, p. 424.
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
J em maro de 1745, num documento no qual se tecem consideraes quanto colocao da banqueta, sacrrio
e maquineta no altar da capela de S. Joo Baptista, particular ateno concedida circunstncia da Exposio
do Santssimo6. Estes dois exemplos, evidenciam como as questes do cerimonial religioso, tal como praticado
em contexto romano, assumiam a maior relevncia na poca e para a Coroa portuguesa e conheciam, assim,
particular traduo na importao deste tipo de obras. Com efeito, cremos que estas rplicas de altares se
destinavam a funcionar como meio para ensaiar esses cerimoniais que depois o Magnnimo queria ver praticados
na Patriarcal. Se se atentar no contedo de outras caixas dos elencos referidos, podem reconhecer-se outras
peas que reforam esta ideia de que era o conhecimento e prtica do cerimonial no apenas da Exposio do
Santssimo mas de outras cerimnias que estava na origem da vinda destas rplicas de altares da baslica de S.
Pedro do Vaticano para Lisboa, seno vejamos: sabemos da vinda para a capital de uma cpia do baldaquino usado
para a Exposio do Santssimo na baslica de S. Pedro, de um baldaquino de brocado vermelho (semelhante ao
usado na capela pontifcia aquando das cerimnias de Sexta-feira Santa), um pano negro e uma colcha de lhama
de ouro e ainda quatro representaes de armas, que se usavam na celebrao de exquias fnebres na baslica
do Vaticano. Foram ainda remetidas para a capital do reino uma cpia do cibrio transportvel da mesma baslica
vaticana, uma rplica do cibrio encimado pelo baldaquino da baslica de S. Joo de Latro e a cpia prateada de
um baldaquino grande, integralmente em prata, da baslica de S. Pedro, o qual se colocava nel mezzo dellAltare
della Catedra, e vi fa lEsposizione del Venerabile in tutti gli otto giorni del Corpus Domini7.
Tambm os bancos, nos quais tinham assento os cardeais na capela grande do palcio do Quirinal (e as respetivas
tapearias que os cobriam), foram reproduzidos e enviados para Lisboa8. Desejaria D. Joo V fazer sentar os
cnegos da Patriarcal semelhana dos cardeais romanos na capela pontifcia?
Por outro lado, inserto no mesmo cdice que contm as listas9, encontra-se um texto intitulado Qualit e quantit
de Candelieri, che vanno in opera, e posti in ciascuna delle esposizioni, che si fanno nella chiesa di S. Pietro, come
si riconosce dal Libro nella Cassa n.107. e mais adiante, no mesmo cdice10, reconhece-se um outro texto, este
intitulado Descrizione delle Funzioni che si Sogliono fare nella Sacrossanta Basilica di S. Pietro in Vaticano.
Finalmente, ainda no mesmo volume11, encontra-se aCommissione della Cappella Gregoriana della Basilica di S.
Pietro sia l'Esposizione del Santissimo che si f in essa il Giovedi Santo (sublinhado nosso), constando do flio
13 e seguintes do clebre lbum Weale, a que adiante se far referncia, a respetiva ilustrao desta cerimnia.
6
7
8
9
Biblioteca da Ajuda (BA), Ms. 49-VIII-27, doc. 20 (p. 137-139 da numerao a lpis).
B.A., Ms. 49-VIII-26 e Ms. 49-VIII-35.
B.A., Ms. 49-VIII-26.
10
11
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
Todos estes aspetos sublinhados ainda pela importao de livros como sejam o Pontificale Romanum de 1739
ou o Rituale Romanum de 1731, o De ottavi Festorum e ainda a "Pratica delle Sacre Ceremonie", que igualmente
se reconhecem entre os contedos destas caixas confirmam a nossa ideia de que estas rplicas se constituam
como um instrumento da reproduo de determinados cerimoniais romanos que o soberano muito desejava ver
praticados em Lisboa com o maior rigor possvel, no que pode considerar-se mais uma tentativa de aproximao
ao modelo romano que marcou indelevelmente todo o seu longo reinado.
Ora o cerimonial da Patriarcal joanina, obsessivamente emulado daquele pontifcio, como se viu, necessitava de
vrios intervenientes para alm dos eclesisticos. Eram deste modo muitos os profissionais envolvidos na sua
concretizao, entre os quais emergiam com naturalidade os msicos que, recebiam assim vrios privilgios,
sendo destes bom exemplo a entrega de trs pipas de vinho isentas de direitos, como lhes era concedido por
aviso rgio de 28 de novembro de 1730, conforme aviso do secretrio de estado Diogo de Mendona de Corte
Real12.
Por outro lado e de um ponto de vista que mais nos importa para o teor do presente texto, tal cerimonial s
poderia concretizar-se em pleno se devidamente servido por alfaias litrgicas altura. Assim, a ourivesaria
assume particular protagonismo, sendo elevadssimo o volume de encomendas efetuadas e concretizadas
sobretudo em contexto romano.
Desde sempre que o volume e a riqueza dos objetos de prata da Patriarcal foram reconhecidos como
extraordinrios, facto alis bem atestado por numerosos textos13 e, quanto a ns, por um aspeto de ainda maior
significado: a existncia de um compartimento especfico (anexo ao templo propriamente dito) e de considervel
12
AML, Livro 6 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental, doc. 138, f. 197-197v.
Entre os quais merece particular meno, pela mincia da descrio, bem como pela fiabilidade do seu autor, o seguinte: MACHADO, Incio Barbosa Histria Critico Chronologica da Instituiam da Festa, Procissam, e Officio do Corpo Santissimo de Christo. Lisboa: Officina Patriarcal, 1750 (note-se que a data
de redao do texto ser c. 1720).
13
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
dimenso para o armazenamento da prata as Cazas de guardar Pratas de uso da Santa Igreja, de acordo
com a legenda da planta (datvel de c. 1755) do complexo arquitetnico da baslica patriarcal, que se guarda na
Biblioteca Nacional de Portugal e que foi publicada em 1989 por Marie Thrse Mandroux-Frana14.
As peas, que comeam a chegar a Lisboa em fevereiro de 1742, atestam bem da riqueza e magnificncia desejadas
pelo Magnnimo mas tambm da constante preocupao joanina em imitar/igualar a organizao, a decorao e
a prtica observada nos mais importantes espaos litrgicos da cidade pontifcia.
Chegam assim desde Roma, no mbito das artes dos metais e ourivesaria, as grades brnzeas destinadas s vrias
capelas da patriarcal (obviamente inspiradas em modelos romanos, conforme indicao expressa de Lisboa),
uma pia batismal cuja tampa ostentava opulentos ornamentos de bronze dourado, duas banquetas (ou melhor,
trs, as duas primeiras de Antonio Arrighi datando ainda da dcada de trinta e uma terceira j dos anos quarenta),
inmeros relicrios, um inteiro apostolado igualmente em prata, lampadrios, para alm dos numerosos objetos
destinados ao servio litrgico propriamente dito e ainda uma esttua de Nossa Senhora da Conceio em prata
dourada e um relevo da Virgem com o menino em bronze dourado15.
Tendo tais obras desaparecido na sequncia do Terramoto de 1755 e subsequente incndio, a aproximao s
mesmas pode efetuar-se to-s por meio de dois tipos de fontes: as escritas e as iconogrficas. Entre as fontes
escritas contam-se vrios textos impressos mas avulta sobretudo o volume documental manuscrito, que se guarda
na Biblioteca da Ajuda e entre o qual assume particular relevncia o fundo dos livros de contas da embaixada de
Portugal em Roma. Com efeito, graas preocupao do embaixador Manuel Pereira de Sampaio (1691-1750),
em registar todas as despesas efetuadas em nome da Coroa portuguesa, a dcada de quarenta do sculo XVIII
encontra-se particularmente bem documentada. A correspondncia (de carcter oficial sobretudo) surge como
um segundo nvel de informao importante, no contexto das fontes escritas a considerar para o conhecimento
das obras de ourivesaria italiana existentes na Patriarcal antes dos efeitos destruidores do terramoto.
Cf. MANDROUX-FRANA, Marie Thrse - La Patriarcale du Roi Jean V de Portugal. Colquio. Artes. Lisboa: 2 Srie, 31 Ano, N 83 (dez. 1989), p. 36;
Marie Thrse Mandroux-Frana autora de trs textos fundamentais consagrados diretamente Patriarcal joanina, um publicado em 1989 supra referido,
outro em 1993 (A Patriarcal do Rei D. Joo V. In AAVV, Triunfo do Barroco. Lisboa: Fundao das Descobertas, 1993) e finalmente um terceiro em 1995 (La
Patriarcale del re Giovanni V di Portogallo. In ROCCA, Sandra Vasco e BORGHINI, Gabriele (coord.) - Giovanni V di Portogallo e la Cultura Romana del suo
Tempo. Roma: rgos Edizioni, 1995).
14
15
Sobre as peas de ourivesaria veja-se VALE, Teresa Leonor M. - Roman Baroque Silver for the Patriarchate of Lisbon. The Burlington Magazine, Vol. CLV,
N 1.323 (jun. 2013), p. 384-389; sobre as obras de carcter mais escultrico veja-se VALE, Teresa Leonor M. - A Esttua de Nossa Senhora da Conceio
da Patriarcal de Lisboa e a eleio de modelos pictricos para obras de escultura, num texto de Joo Frederico Ludovice. Artis. Lisboa: Instituto de Histria
da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa, N 7-8 (2009), p. 317-332 e VALE, Teresa Leonor M.- Di bronzo e dargento: sculture del Settecento italiano nella
magnifica Patriarcale di Lisbona. Arte Cristiana. Rivista Internazionale di Storia dellArte e di Arti Liturgiche. Milo: Ano 100, N 868 (jan.-fev. 2012), p. 57-66.
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
Entre as fontes iconogrficas (mais ou menos) diretas destacam-se os desenhos constantes sobretudo das
colees do Museu Nacional de Arte Antiga e da Seco de Iconografia da Biblioteca Nacional de Portugal mas a
pea mais importante , indiscutivelmente, o denominado lbum Weale (designao advinda do nome do editor
ingls John Weale em cuja posse esteve). O volume em questo, aps vicissitudes vrias, que fizeram mesmo
equacionar uma sua eventual destruio16, consta na atualidade dos fundos da Biblioteca da cole Nationale
Suprieure de Beaux Arts de Paris17. Composto por 160 folhas numeradas (frente e verso) de 1 a 319, o lbum
consiste no minucioso registo, escrito e desenhado, das encomendas de obras de arte italianas destinadas a
Lisboa (designadamente Patriarcal e capela de S. Joo Baptista), assim reunido sob o ttulo de Libro degli
Abozzi de Disegni delle Commissioni che si fanno in Roma per Ordine della Corte, compilao preciosa, resultante
uma vez mais do escrpulo do comendador Manuel Pereira de Sampaio em registar tudo o que tivesse a ver com
a sua embaixada romana.
O denominado lbum Weale, elemento fundamental para a compreenso das encomendas joaninas efetuadas no
ambiente romano dos anos quarenta do Settecento, assume particular relevncia no que Patriarcal concerne,
uma vez que se trata da quase nica fonte visual capaz de viabilizar uma aproximao s obras perdidas.
De seguida, partindo das fontes escritas e iconogrficas acima mencionadas, procuraremos empreender uma
aproximao no ao recheio de ourivesaria romana da Patriarcal, por razes de economia de texto, mas apenas
das peas em uso no altar-mor, ponto fulcral do templo, da celebrao e do cerimonial e aparato barrocos a ela
indelevelmente associados.
Com a cota Ms. 497 e onde ingressou pela doao do arquiteto Joseph-Michel Lesoufach (1809-1887), em 1889.
Correia de Abreu foi responsvel pela Academia de Portugal em Roma at ao ano de 1728, em que se verificou a interrupo de relaes diplomticas
entre Portugal e a Santa S por iniciativa de D. Joo V.
18
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
figura de Nossa Senhora das Dores com motivos vegetalistas, entre os quais se reconheciam uma palma e um
ramo de pltano, trabalho que estaria concludo a 23 de dezembro desse ano19. Sucede-se a esta encomenda,
outra, bem mais vultuosa, de uma inteira banqueta destinada ao altar-mor.
Os vrios autores que deste assunto se ocuparam afirmam que D. Joo V encomendou a Antonio Arrighi, atravs
do franciscano em misso diplomtica frei Jos Maria da Fonseca vora (1690-1752), uma banqueta em prata
dourada destinada Patriarcal20, no evidenciando porm grande preocupao em datar tal encomenda. O que
todos reconhecem o facto de, para dar continuidade aos trabalhos em curso, Antonio Arrighi se ter deslocado
de Roma para Florena. Com efeito, devido interrupo de relaes diplomticas entre Portugal e a Santa S,
ocorrida em 1728, Arrighi deslocou parte da sua oficina para a cidade de Florena (territrio do gro-ducado da
Toscana e no territrio pontifcio), de molde a poder continuar o trabalho e satisfazer as encomendas de Lisboa.
Tal facto, por si s, atesta bem da importncia que a empreitada tinha para o ourives. Em maio de 1732 a situao
alterara-se, o conflito diplomtico encontrava-se resolvido, pelo que Correia de Abreu sugeria que Fonseca vora
enviasse para Lisboa as peas j prontas e que Arrighi conclusse j em Roma as que faltavam.
Nestes anos, para alm da banqueta de sete castiais e no seis, como era habitual, tendo em conta o privilgio
do Patriarca de Lisboa em celebrar missa pontifical , Arrighi realizou ainda quatro vasos em prata parcialmente
dourada com ornamentao relevada, decerto destinados a completar a decorao do altar-mor da baslica, a
qual se veria ainda eventualmente enriquecida com a presena de bustos doze encomendados em 1734 e mais
dez (de maiores dimenses), encomendados em 1736 e esttuas de santos em nmero de oito, mais uma da
Virgem , de cuja realizao dispomos de notcia em maio de 173621.
Esta obra de Arrighi foi muito apreciada desde logo em Itlia, facto a que alude o Dr. Jos Correia de Abreu que
desde a Secretaria de Estado coordenava as encomendas de obras de arte numa carta dirigida a Fonseca, escrita
em vora a 13 de maio de 1732:
19
Archivo di Stato di Roma (ASR), Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 228.9 (Arm. M, N 9, Parte 4), f. 88-91v. Devemos referir que toda a documentao
do Archivio di Stato di Roma relativa oficina Arrighi nos foi com grande generosidade facultada pela Professora Jennifer Montagu (Warburg Institute,
University of London) a quem muito agradecemos mesmo antes da publicao do seu livro Antonio Arrighi, a silversmith and bronze founder in Baroque
Rome. Todi: Tau Editrice, 2009, no qual a mesma foi includa.
Cf. AAVV - Le Triomphe du Baroque. Bruxelas: Europalia 91-Portugal, 1991, p. 278 e tambm CALADO, Maria Margarida - Arte e Sociedade na poca de D.
Joo V. (Dissertao de Doutoramento em Histria da Arte apresentada Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa). Vol.
1. Lisboa: 1995, p. 33 (texto policopiado).
20
21
ASR, Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 228.9 (Arm. M, N 9, Parte 4), f. 61v.-62, f. 100-101v., e Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 229.15, f. 4962v. 63-64; acerca destas peas veja-se MONTAGU, Jennifer - Antonio Arrighi, a silversmith and bronze founder in Baroque Rome, (), p. 29-31; cf. tambm
BA, Ms. 49-IX-25, f. 4.
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
Estimo que tivessem to grande aplauzo a Cruz e Candieiros que fes Antonio Arighi pera esta Santa Igreja Patriarchal, os
quais quando eu os mandei fazer ja foi com a mira de que excedesse no primorozo e na riqueza aos da Bazilica Vaticana.
() Vossa Reverendissima faa solecitar a conduo da Cruz e Candieiros ricos visto se acharem acabados, e Antonio
Arighi pode fazer ahi o septimo Candieiro que se lhe encomendou, pois sempre sahir com mais commodidade que
feito em Florena; havendo ja seado o motivo porque se mandou que estas obras se viessem acabar a Florena ()22.
A banqueta, indiscutivelmente excepcional, foi observada por Francesco Valesio aquando da sua exposio no
palcio romano do cardeal Cienfuegos, embaixador do Imprio na cidade pontifcia, e assim mencionada no seu
Diario di Roma: Gli bellissimi candelieri e croce dargento dorato di esquisito lavoro e di straordinaria grandezza
fatti lavorare dal re di Portogallo, che per alcuni giorni furono in palazzo, ora si veggono nel palazzo del Cardinale
Cienfuegos23.
Desaparecida na voragem destruidora de 1755, a mais eficaz aproximao visual ainda possvel a esta banqueta
de Antonio Arrighi reside na obra coeva (1732) do padre mestre Benvenuto Benvenuti, Distinto Ragguaglio del
Disegno, e Lavoro deFamosi Candellieri Fabbricati in Firenze per Ordine della Sacra Real Maesta di Giovanni V.
Re di Portogallo, onde pode ler-se uma minuciosa descrio feita pelo autor, a qual se constitui como o mais
detalhado texto sobre o assunto, apesar do autor advertir desde logo no prembulo que:
Non si pu mai () rappresentare con morti caratteri, ed esprimere com termini sufficienti quella maestosa, inaspettata
comparsa, che fanno agli occhi di chi le vaghegia, e la ricchezza della preziosa matria, e la nnobilt del nuovo disegno,
e la grandiosa architettura di tuttta lOpera, e pi dogni altra cosa il numero, i gruppi, le azioni, e misteriosi significati
di quelle tante statue, e bassi-rilievi, che senza minima confusione, anzi com ammirabile ordinanza, e simmetria
formano il principale ornamento24.
Como de imediato se depreende a partir do pequeno excerto citado, a descrio de Benvenuto Benvenuti
acentua aspetos notveis da banqueta, os quais merecem meno mesmo no contexto artstico italiano e que,
naturalmente, tero causado o expectvel impacte em contexto nacional, como sejam: o carcter escultrico da
banqueta () e pi dogni altra cosa il numero, i gruppi, le azioni, e misteriosi significati di quelle tante statue,
e bassi-rilievi ().25 , a grande quantidade de gemas e a prpria dimenso das peas (note-se que a cruz possua
BNP, Seco de Reservados, Fundo Geral, Ms. 41, N 7, Doc. 52, f. 1v. e 2v.. Transcrio nossa; este documento foi parcialmente publicado por CARVALHO,
A. Ayres de op. cit., p. 416.
22
23
VALESIO, Francesco - Diario Romano. (edio de Gaetana Scano e Giuseppe Graglia). Vol. V. Milo: Longanesi, 1979, p. 454 (1 edio 1729-1736).
25
BENVENUTI, Benvenuto - Distinto Ragguaglio del Disegno, e Lavoro deFamosi Candellieri Fabbricati in Firenze per Ordine della Sacra Real Maesta di
Giovanni V. Re di Portogallo. Florena: Stamperia allato a S. Apollinare, allInsegna di Pallade ed Ercole, 1732, p. 3.
24
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
nove palmos de altura e seis de largura, por exemplo)26. O texto de Benvenuti detm-se ainda no rico programa
iconogrfico veiculado pela banqueta de carcter obviamente sacro e transcreve as inscries constantes na
mesma (as quais consistiam sobretudo em citaes de livros do Antigo Testamento)27.
A autoria ficara tambm devidamente registada na obra, aludindo a tal facto o padre mestre Benvenuto Benvenuti:
Si rende in ultimo degna dosservazione la singolare innata modestia dellArtefice, che obbligato ad eterna memora
di una tanta Opera ad incidere il prprio nome in luogo degno. E ragguardevole, ha voluto collocarlo nellinfimo, e pi
abjetto del piedistallo, cio nel libro aperto, che spiega quella figura del gruppo a sinistra rappresentante lEresia, ove
confusamente si leggono queste parole latine: Antonius Arrighi Romanus inventit, modellavit, & sculpsit Romae, &
Florentiae, Anno 173228.
Tambm os autores nacionais se ocuparam em registar por escrito as suas descries da banqueta de Arrighi, por
certo no to minuciosas como a de Benvenuti mas tambm de interesse porque reveladoras da viso nacional de
tais peas. Assim, desde logo o Novidades de Lisboa, noticiava nos dias 10 a 12 de setembro de 1732, o seguinte:
Os castiais que viero a El Rey como se disse neste dirio em 27 do passado, foro feitos em Florena, e custaro 250
mil cruzados, porque so todos embutidos de huma pedra que h em Italia, a que chamo lpis lazaro [sic], Seguro
todos os coriozos, e professores que h a ultima perfeio da arte, tambm no veyo cruz como se disse, seno sete
castissaes sendo hum para se por por atras da cruz, e dizem que so para a Patriarchal nova que El Rey quer, ou
intenta fazer29.
O Dirio de autor no identificado, que se conserva na Biblioteca Pblica de vora, escrevia no dia 23 de
setembro: Os nove castiais, e crus, so de obra tam admirvel que dizem se no vio semelhante assim pelo
debuxo e dourado como pelo lpis lazuli imbutido mas como neecito de hum altar de mais de 30 palmos parece
que haver nova Patriarchal que dizem sera no mesmo lugar30. Tambm o autor do Mappa de Portugal, Joo
Bautista de Castro, que decerto teve ocasio de observar a excecional banqueta (ou de se basear no relato de
quem diretamente a observou), se deteve numa sua descrio:
26
Idem, p. 4.
28
Nomeadamente dos livros dos profetas, Ezequiel, Daniel, Oseias, Naum, Isaas, Jeremias mas tambm do Deuteronmio e do Cntico dos Cnticos cf.
BENVENUTI, Benvenuto - op. cit., p. 6 e p. 12, por exemplo.
27
BNP, Seco de Reservados, Fundo Geral, Cdice 10.745, f. 64v. cf. LISBOA, Joo Lus; MIRANDA, Tiago C.P. dos Reis; OLIVAL, Fernanda - Gazetas
Manuscritas da Biblioteca Pblica de vora. Vol. II (1732-1734). Lisboa: Edies Colibri-Centro Interdisciplinar de Histria, Culturas e Sociedades da
Universidade de vora-Centro de Histria da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 2005, p. 150-151
29
30
Biblioteca Pblica de vora (BPE), Cdice CIV/1-5d a CIV/1-8d, publicado por, LISBOA, Joo Lus; MIRANDA, Tiago C.P. dos Reis; OLIVAL, Fernanda - op.
cit.. Vol. II, p. 151
233
I
Teresa Leonor Magalhes do Vale
Entre ellas [as riqussimas alfaias] so dignos de especial memria os nove riquissimos castiaes, e maravilhosa cruz
de exquisita, e nova inveno, que a sua herica piedade mandou fabricar a Florena, e a Roma no ano de 1732,
pelo desenho, e artificio do famoso Antnio Arrighi Romano, cuja primorosa, e incomparavel arquitectura excedeo a
importancia de trezentos mil cruzados. Toda a maquina de prata excellentemente dourada, que frma a grande cruz,
se levanta na altura de dezassete palmos desde a planta do p de figura quadrangular, que tem tres palmos e meyo de
diametro. He esta obra no seu genero nica e singular (). Vem-se distribudos com admiravel simetria pelas bazes,
e balastres assim da cruz, como dos castiaes muitos symbolos, jeroglyficos e gnios, Querubins, e estatuas, humas
de vulto, outras de meyo relevo com differentes aces que alludem com propriedade aos myterios de Christo, e de
Maria Santisssima: outros caracterizo a magnificncia da Santa Igreja Patriarcal, outros o Imperio da Magestade
Portugueza no Reyno, e suas Conquistas; porem tudo guarnecido com muitos, e polidos festes da mesma prata
dourada, com muitas tarjas, e quartellas de perfetissimo lapislazuli, com muitos engraados esmaltes, e embutidos de
epigrafes, de pedras e diamantes preciosssimos31.
Outro sinal do enorme apreo e prestgio conhecidos por esta banqueta a meno que lhe feita aquando da
aclamao de D. Jos I, no dia 7 de setembro de 1750, ocasio em que a mesma utilizada e se sublinha o seu uso
em momentos excecionais: No altar mr [da Patriarcal] porm estava na banqueta os castiaes riquissimos de
lapis lazuli, os quaes so servem em dias de bautisados de Pessoas Reaes, ou semelhantes funes32.
Finalmente, frei Cludio da Conceio confirmava, anos mais tarde e j aps o terramoto que tudo destrura, a
singularidade desta banqueta, seguindo de muito perto o texto setecentista, no qual com toda a probabilidade se baseou:
Mandou fabricar nove riquissimos castiaes, e maravilhosa cruz de exquisita, e nova inveno a Florena e Roma em
1732, pelo desenho de Antonio Arrighi, Romano, que excedeo a trezentos mil cruzados. Toda a maquina de prata
excellentemente dourada, que formava a grande cruz, se levantava na altura de dezesete palmos desde a planta do p
de figura quadrangular, com tres palmos e meio de diametro. Era esta obra nica e singular no seu genero, e mereceo
os elogios, e attenes do Sacro Collegio Pontificio, Princepes e Nobreza Romana, a primeira vez que lhe foi mostrada.
Vio-se distribudos com admiravel symetria pelas bases, e balastres, assim cruz como castiaes, muitos symbolos,
jeroglyficos, e gnios, Querubins, e estatuas, humas de vulto, outras de meio relevo, com differentes aces alludindo
com propriedade aos myterios de Christo, e Maria Santisssima; outros caracterizavo a magnificencia da Santa Igreja
Patriarcal, outros o Imperio da Magestade Portugueza no Reino, e suas Conquistas; porm tudo guarnecido com
muitos, e polidos festes da mesma prata dourada com muitas tarjas, e quartellas de perfetissimo lapislazuli, com
muitos engraados esmaltes, e embutidos de epigrafes, de pedras e diamantes preciosissimos33.
CASTRO, Joo Bautista de - Mappa de Portugal. Lisboa: Officina Patriarcal de Luiz Francisco Ameno, 1758, Parte V, Cap. II, p. 291-293; cf. tambm
MURPHY, James - Viagens em Portugal (edio de Castelo-Branco Chaves). Lisboa: Livros Horizonte, 1998, p. 144 e 302.
31
32
Auto do levantamento, e Juramento, que os Grandes, Titulos Seculares, Ecclesiasticos, e mais pessoas que se achara presentes, fizeram ao Fidelissimo, Muito
alto, e muito poderoso Senhor El Rey D. Joseph o I nosso Senhor, na Coroa destes Reinos, e Senhorios de Portugal, em a tarde de 7 de Setembro de 1750. Lisboa:
Officina de Francisco Luiz Ameno, 1752.
33
CONCEIO, Fr. Cludio da - Gabinete Histrico. Tomo X. Lisboa: Imprensa Nacional, 1823, p. 141-143.
234
I
ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
Os pagamentos oficina familiar dos Arrighi, com incio ainda no final da dcada de vinte, ampliam-se a partir
dos ltimos anos da dcada de trinta e mantm-se com extraordinria frequncia durante todo o reinado do
Magnnimo, s terminando alguns anos aps o falecimento do soberano. Todavia, difcil destrinar a que peas
correspondem de facto tais pagamentos, pois, precisamente devido ao volume de trabalhos que tinham em
curso para a Coroa portuguesa, os Arrighi limitavam-se a referir nos seus sucessivos recibos que os montantes
se deviam aos trabalhos em curso (lavori che si fanno, lavori fatti e da farsi, etc.), soluo que os assentos
nos livros de contabilidade da embaixada portuguesa em Roma igualmente adotam. Assim, mesmo cruzando a
informao destes manuscritos da Biblioteca da Ajuda34, com os registos de contas da oficina familiar dos Arrighi,
que se guardam no Archivio di Stato di Roma, no possvel apurar quantias totais (exatas) para as diferentes
obras realizadas pelos Arrighi para Portugal, entre as quais se conta a extraordinria banqueta da Patriarcal.
A questo da autoria, aparentemente resolvida pela inscrio existente na base da cruz, desde logo transcrita
por Benvenuto Benvenuti: Antonius Arrighi Romanus inventit, modellavit, & sculpsit, no todavia um aspeto
clarificado por completo, uma vez que se nos afigura - sobretudo tendo em conta a complexidade do programa
veiculado e ao qual j se aludiu -, mais do que provvel a existncia de desenhos eventualmente idos de Lisboa.
Jennifer Montagu alude a isso mesmo na sua monografia dedicada a Antonio Arrighi35. O candidato bvio,
como a mesma autora tambm reconhece, seria Joo Frederico Ludovice mas nada nos foi dado encontrar que
confirmasse o que apenas uma suposio.
Uma segunda banqueta para a Patriarcal de Lisboa foi executada na oficina familiar dos Arrighi ainda na dcada
de trinta. Decerto bem mais simples e comprovadamente menos dispendiosa, esta outra banqueta tambm
constituda por uma cruz de altar e sete castiais de prata dourada surge com detalhe descrita nos registos de
contas da oficina romana, datando os pagamentos de 1733 e 1734 e tendo a sua entrega (junto da embaixada
portuguesa de Roma) sido efetuada com toda a probabilidade em dezembro de 173536.
Desconhecemos as motivaes que tero levado encomenda de uma terceira banqueta para a Patriarcal,
considerando a existncia daquela sumptuosa da autoria de Antonio Arrighi e ainda de uma segunda, da autoria
do mesmo ourives romano. Podemos apenas supor que esta terceira banqueta no se destinasse eventualmente
ao altar-mor mas sim ao altar de uma outra capela da baslica. O que facto que uma terceira banqueta,
destinada Patriarcal, ter chegado capital em maio de 1746. Assim, segundo o Mercrio Histrico de Lisboa, do
dia 1 de maio de 1746, teriam acabado de chegar a Lisboa uma cruz patriarcal e sete castiais de prata dourada,
34
Nos fundos da Biblioteca da Ajuda localizmos pagamentos aos Arrighi em inmeros volumes, designadamente nos seguintes: Ms. 46-XIII-9, Ms. 49-VII-13
(1728-1733), Ms. 49-VIII-12 (1739-1741), Ms. 49-VIII-13 (1742-1744), Ms. 49-VIII-14 (1745), Ms. 49-VIII-15 (1746), Ms. 49-VIII-16 (1747), Ms. 49-VIII-17
(1748), Ms. 49-VIII-18 (1749-1750), Ms. 49-VIII-20 (1750), Ms. 49-VIII-21 (1751), Ms. 49-VIII-22 (1751-1752), Ms. 49-IX-22, Ms. 49-IX-25 e Ms. 49-IX-31.
35
Cf. MONTAGU, Jennifer - Antonio Arrighi, a silversmith and bronze founder in Baroque Rome. Todi: Tau Editrice, 2009, p. 28.
ASR, Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 228.9 (Arm. M, N 9, Parte 4), f. 101v.-103 e Busta 229.15, f. 37-41v. publ. por MONTAGU, Jennifer - Antonio
Arrighi, a silversmith and bronze founder in Baroque Rome, (), p. 212-213 e 249-251
36
235
I
Teresa Leonor Magalhes do Vale
integrantes de uma banqueta, realizada em Roma pelo ourives Filippo Tofani (1694-1767)37. Costantino Bulgari,
na sua obra fundamental, Argentari, Gemmari e Orafi dItalia, alude aos pagamentos relativos a estas peas,
efectuados pela Coroa portuguesa ao ourives romano. Refere este autor expressamente um pagamento de 13
de novembro de 1746, no montante de 5013 escudos romanos, concretizado atravs do padre Antnio Cabral
(em nome do rei de Portugal) e relativo aos castiais, sendo que os maiores do conjunto teriam seis palmos e
meio de altura38.
Finalmente, e ainda no que a banquetas concerne, deve referir-se que, segundo o Diario Ordinario de Chracas de
4 de setembro de 1745, uma quarta banqueta ter sido realizada em Roma. Com efeito, o ourives e fundidor
Francesco Giardoni (1692-1757) efetuou um conjunto de sete castiais (de dez palmos de altura) e de uma cruz
em prata dourada, destinados a Portugal, sem que todavia fosse indicado com preciso o destino desta banqueta.
Porm, o nmero de castiais pode levar-nos a pensar destinar-se tal banqueta Patriarcal, acerca da qual no
dispnhamos porm de qualquer outra informao para alm daquela veiculada por Chracas que revela ter em
data prxima de 4 de setembro, o
celebre Professore Sig. Giardoni () ha fatto porre in mostra nella sua bottega, existente nella strada del Pellegrino
allInsegna del Gallo, una porzione della nobilssima muta di sette Candelieri dargento dorati di alteza ciascheduni di
palmi 10. con sua Croce simile, e di alteza proporzionata ad essi, che ci sono ivi lavorati per trasmettersi in Portogallo
quando saranno del tutto terminati ()39.
O excerto do Diario Ordinario permite depreender que a banqueta no se encontrava ainda concluda e que s
em parte havia sido exibida na oficina de Giardoni, a qual recebeu o concurso de muita gente para apreciar a
obra, () particolarmente di Persone inteligenti di tal materia per osservarne il buon gusto del disegno, e la
perfezione del lavoro, che pu dirsi essere uno de pi belli, che in questo genere [si]hano veduti.40.
Acerca de Filippo Tofani veja-se BULGARI, Costantino - Argentieri, Gemmari e Orafi dItalia, Vol. II. Roma: Lorenzo del Turco, 1959, p. 467 e CALISSONI,
Anna Bulgari - Argentieri, Gemmari e Orafi di Roma. Roma: Fratelli Palombi Editori, 1987, p. 415-416.
37
38
Cf. BULGARI, Costantino - op. cit. Vol. II, p. 467. Devemos neste ponto notar a circunstncia de os registos dos pagamentos a este ourives, que se encontram
no contexto da vasta documentao que se conserva na Biblioteca da Ajuda (nomeadamente livros de contabilidade da embaixada de Portugal em Roma no
perodo joanino), no se reportam nunca a este trabalho, mas apenas a despesas com materiais, douramentos de peas e, sobretudo, a peritagens que efetua
de obras de outros ourives. Contudo, a preciso das referncias de Costantino Bulgari (data e montantes) assentam decerto na consulta de documentos no
referenciados e que no nos foi dado ainda localizar. Temos em elaborao um texto especificamente dedicado obra produzida por Tofani para Portugal
pelo que no presente texto as menes mesma procuraro ser menos desenvolvidas, a fim de evitar desnecessrias repeties ainda que a posteriori.
39
40
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I
ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
Esta banqueta encontra-se porm documentada no contexto de um fundo relativo correntemente denominada
herana Sampaio (do embaixador Manuel Pereira Sampaio) que se conserva no Archivio di Stato di Roma. Com
efeito, com data de 16 de setembro de 1756, reconhecvel uma conta de Francesco Giardoni, que se reporta a
trabalho realizado no ano de 1745 e na qual se detalham diversas despesas relativas realizao da banqueta,
algumas das quais se revelam do maior interesse quanto ao processo de elaborao da mesma. Por exemplo,
refere-se desde logo, que as peas foram feitas segundo desenhos que haviam sido facultados a Giardoni:
secondo li Disegni dati, e lavorati com rigore anche per secondare il stile de medesimi, con aver ricercate tutte le parti
s per le premurose istanze venute di fuori, come per lassistenza del Signor Francesco Nicoletti Architetto, onde non
si sparmiata fattura tanto nel cisello, come nello stare attaccato alli sudetti Disegni, ed in tutte le sue proporzioni41.
Tambm o ouro, para dourar a prata das peas, lhe havia sido fornecido, pois da mesma conta constam os custos
de ter sido o mesmo refinado pelo ourives para o efeito: E pi per la spesa dia ver raffinato tutto lOro, che mi
f consegnato per dorare ()42.
Mais se revela no mesmo documento uma informao do maior interesse para a temtica da nossa investigao,
assim especificado que o modelo do Crucificado, da cruz da banqueta, foi executado pelo escultor lombardo
muito apreciado pela Coroa portuguesa Giovanni Battista Maini (1690-1752). Por esta tarefa pela qual recebeu
o escultor a quantia de 125 escudos romanos: E pi pagato al Signor Giovanni Battista Maini Scultore per il
Modello del Crocefisso per la detta Croce --- s. 12543.
O APOSTOLADO
Juntamente com a terceira banqueta, que acima se mencionou, haviam aportado capital, doze esttuas de
apstolos igualmente realizadas em Roma pelo ourives Filippo Tofani, segundo projeto de Joo Frederico
Ludovice, de acordo com o que noticiava o Mercrio Histrico de Lisboa de 21 de maio de 1746:
Chegaram de Roma doze Estatuas dos Apostolos de prata massisa dourada de quatro palmos de altura com huma
Cruz patriarcal de nove palmos, e sete castiaes irmos de grande altura da mesma materia, e esto nos seos caixotes
41
42
ASR, 30 Not. Cap., Uff. 29, Busta 403, f. 198v.-199; devemos a indicao deste documento Professora Jennifer Montagu, a quem muito agradecemos
ASR, 30 Not. Cap., Uff. 29, Busta 403, f. 199v.
ASR., 30 Not. Cap., Uff. 29, Busta 403, f. 199. No Arquivo do Instituto Portugus de Santo Antnio de Roma existe uma verso abreviada deste documento,
a qual, naturalmente, com menos detalhe, reitera no essencial a informao veiculada no manuscrito do Archivio di Stato Arquivo do Instituto Portugus
de Santo Antnio de Roma (AIPSAR), Ms. E. I., Int. 14, N 32.
43
237
I
Teresa Leonor Magalhes do Vale
em huma galeria do pao: viero juntamente cancellos e outras muytas peas de considervel valor, e arteficio, que
serviram na nova Igreja Patriarcal ()44.
Pela realizao do apostolado recebeu Tofani da Coroa portuguesa (atravs da pessoa do padre Antnio Cabral),
no dia 13 de novembro de 1746, a quantia de 7467 escudos romanos por treze Statue degli Apostoli, isolate,
in argento dorato tutte dun pezzo, ricche di panneggiature () alte 5 palmi luna e com base ottagonale pure
dargento dorato45.
a documentao que se conserva no Archivio di Stato de Roma (secundada por aquela do Arquivo do Instituto
Portugus de Santo Antnio) que revela que o nmero de treze esttuas (aparentemente inusitado para um
apostolado mas afinal no to estranho quanto isso, como outras circunstncias confirmam) ficava a dever-se
reunio de uma figurao de S. Paulo s dos restantes apstolos e que as ditas treze esttuas foram efetivamente
pagas a Filippo Tofani nesse ano de 1746, ainda que nesses manuscritos as mesmas surjam referenciadas como
tendo mais de seis palmos e meio de altura46.
Cremos que o efeito que se pretendia ao encomendar este apostolado em prata era efectuar uma composio com
os castiais da banqueta, dispondo as peas em alternncia sobre o altar. De notar que o prprio ourives alude
disposio das esttuas em articulao com uma banqueta, como se constata pela anlise da conta de Tofani
que se conserva no Arquivo do Instituto Portugus de Santo Antnio (ainda que considerasse a incluso de seis
esttuas de cada vez e no da totalidade do apostolado):
Conto di numero 13. Statue dArgento dorato fatte &c Rappresentante gli Apostoli compresovi ancora S. Paolo figure in
piedi tutte isolate, e tutti dun pezzo ricche di panneggiatura con suoi svolazzi, e rivolti fuori di squadra, e ciascuna con
in mano, e alli piedi li loro Misteriosi distintivi, cio Chiavi Spada, Libri, Aquila, Sbordone, sega, Tempietto, squadra, ed
altri simili dellaltezza di palmi cinque luna con sua base parimente di argento dorato centinata tutta dArchitettura
di forma ottangolare, e nelle sue facciate, collIscrizione nel mezzo. Opera tutta di gettito in luto &c. Pesano le descrite
statue con le sue 13. base sotilissime e leggierissime, essendo stato raccomandato di farle a quella maggior, e singolar
sottigliezza, che puol arrivar larte, atteso che devono continuamente trasportarsi per stare esposte numero 6. per
volta sopra lAltar Maggiore &c. (...)47.
44
BULGARI, Costantino, op. cit.. Vol. II, p. 467, cf. igualmente DELAFORCE, Angela - Art and Patronage in Eighteenth-Century Portugal. Cambridge: Cambridge
University Press, 2002, p. 191
45
46
Cf. ASR, 30 Not. Cap., Uff. 29, Busta 403, f. 203-204v. e AIPSAR., Vol. E. I., Int. 14, N 30 cf. MONTAGU, Jennifer - Gagliardi versus Sampajo, the Case for
the Defence. Antologia di Belle arti. Studi Romani. I, Nova Srie, N 67-70 (2004), p. 87 e nota 65, em particular.
47
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
Esta ideia, da articulao da banqueta e de um apostolado, v-se confirmada por uma carta ida da Secretaria de
Estado de Lisboa a 23 de janeiro de 1748, assinada por Pedro Antnio Virgolino e endereada a Francisco Mendes
de Gis, agente da Coroa portuguesa em Paris, na qual se procurava esclarecer alguns aspetos das encomendas
de peas de prata que ento tambm se efetuavam em Frana. Nesta mesma missiva, pede-se desde Lisboa que
se no d continuidade a uma encomenda (anteriormente feita) de um apostolado ao ourives Thomas Germain
(1673-1748), porque haviam chegado de Roma
() os doze Apstolos dourados que servem com a muta dos castiaes que Vossa merc Remetteo, entendo que
se confundiro as espcies, e que tal no Lembra; isto Suposto, parece-me, que Vossa merc pde assolver a Germain
desta encomenda ()48.
Esta carta suscita todavia algumas consideraes: antes de mais aquela que diz respeito ao que pode depreenderse ser o enorme volume e diversidade de encomendas e s eventuais confuses que tal circunstncia poderia
suscitar, e, seguidamente, a utilizao e disposio em simultneo de peas francesas e italianas. Com efeito,
o apostolado de Filippo Tofani parece estar colocado juntamente com os castiais franceses (eventualmente
tambm de Germain) e no com aqueles romanos tambm recentemente aportados a Lisboa.
Ainda quanto ao apostolado de Tofani h que mencionar um ltimo recente contributo para uma sua mais
completa compreenso, ainda que no possamos efetuar o necessrio confronto com a obra. Com efeito, num
dos conjuntos de desenhos da autoria do escultor lombardo ativo em Roma Giovanni Battista Maini que muito
trabalhou e foi apreciado em Portugal, como sabido , que se encontram na posse de colecionadores particulares
de Malta, a investigadora britnica Jennifer Montagu identificou alguns que teriam constitudo um apostolado,
incluindo tambm um desenho de S. Paulo. A autora considerou desde logo tentadora a hiptese de aproximar
estes desenhos do apostolado realizado por Tofani para a patriarcal de Lisboa, pelas razes que teve ocasio de
aduzir:
Such figures would have been difficult to execute in marble, and the relationship of the figures to the plints below
suggest that they were to be executed in small scale. I suspect that they were designed for metal. Given the favour in
which the sculptor was held by the court in Portugal, it is very tempting to imagine that these might have been made
for the set of thirteen silver statues, five palmi high (over 111 centimetres) with their elaborate octagonal bases, made
by Filippo Tofani for the Patriarcale in Lisbon in 1746; but there is no contemporary evidences as to what models the
silversmith used49.
48
Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), Ministrio dos Negcios Estrangeiros -Frana, Mao 18, publ. in Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes.
Documentos Relativos Ourivesaria Francesa Encomendada para Portugal. Vol. I. Lisboa: Academia Nacional de Belas-Artes, 1935, p. 53. Negrito nosso.
49
MONTAGU, Jennifer - Giovanni Battista Maini, draftsman and sculptor. In SCHERF, Guilhem, (coord.) - Dessins de Sculpeurs I. Troisimes Rencontres
Internationales du Salon du Dessin. Paris: Socit du Salon du Dessin, 2008, p. 43.
239
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
Deve porm notar-se, quase a ttulo de nota de rodap desta questo, que Lus Xavier da Costa, na sua obra As
Belas Artes Plsticas em Portugal Durante o Sculo XVIII, afirma, a dado passo, ter sido efectuado um apostolado
em prata para a patriarcal por um Loureno Maini50, ora no seria a primeira vez que se registavam confuses
com o nome de batismo de Maini e tal afirmao pode constituir um indcio relevante para a problemtica em
anlise51.
Finalmente, Filippo Tofani ter ainda realizado um outro conjunto de seis castiais para a baslica Patriarcal, em
prata dourada, cuja conta surge no seguimento daquela do apostolado. A ausncia de um stimo castial permite
supor que este conjunto (que pode ser entendido como uma banqueta, visto que, do ponto de vista das dimenses,
os castiais estavam organizados em pares, um menor, um mdio e um maior, como habitual) se destinava
no ao altar-mor da baslica mas a outro dos altares do templo. Um aspeto do maior interesse relativamente
feitura destes castiais o de se mencionar de forma explcita na conta do ourives que os mesmos eram de
grande complexidade, sobretudo no que ornamentao concerne minutissimi, e tritissimi ornati consistenti
in cartelline, cartoccetti, picciolissime conchiglie, e fruti, cornicette, ovatini, ecc.52 visto que se tinham seguido
os elaboradssimos desenhos enviados de Lisboa:
come apparisce dallOriginale, e dalli faticosissimi Disegni mandati da Lisbona, a tenore de quali ha bisognato con
ogni esatezza, e infinito travaglio per stare alle giuste misure cavate con tutte le regole dallArchitettura, in tutto e per
tutto rimmettersi per modellarli, ecc.53
Estas passagens sublinham a circulao de informao entre Lisboa e Roma e colocam em evidncia como os
desenhos poderiam ter origem na capital do reino e se, no caso do apostolado, pode ser menos plausvel associar
a figura de Joo Frederico Ludovice sua autoria (como noticia o Mercrio Histrico de Lisboa), j quanto a estes
castiais do mesmo Tofani fica clara a origem do projeto, ainda que no seja mencionado qualquer nome, ao qual o
ourives romano procurou ser fiel con ogni diligenza e perfezione in tutto, e per tutto secondo lidea dellautore54.
50
Cf. COSTA, Lus Xavier da - As Belas Artes Plsticas em Portugal Durante o Sculo XVIII. Lisboa: J. Rodrigues e Cia. Editores, 1934, p. 49
52
Um ltimo apontamento, quanto ao apostolado de prata da patriarcal joanina. Nos primeiros anos do sculo XIX, o escultor Joaquim Machado de Castro
(1729-1822) d notcia da sobrevivncia de dois apstolos de prata, com toda a probabilidade parte do apostolado de Tofani: dous Apostolos de prata
na mesma Santa Igreja [patriarcal], que escaparo ao Terremoto., CASTRO, Joaquim Machado de - Analyse graphicortodoxa, e demonstrativa. Lisboa:
Impresso Rgia, 1805, p. 11. Tal passagem permite assim equacionar a possibilidade da no total destruio deste conjunto de ourivesaria romana, como
tambm teve ocasio de notar SALDANHA, Sandra Costa - Os Apstolos em Prata para a Patriarcal de Lisboa: modelos de ourivesaria dos escultores Jos de
Almeida (1708-1770) e Joaquim Machado de Castro (1729-1822). Revista de Artes Decorativas. Porto: Escola das Artes-Universidade Catlica Portuguesa,
Centro Regional do Porto, N 2 (2008), p. 48; se tais peas chegaram atualidade, desconhecemos a sua localizao.
51
53
54
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
J a 23 de abril do ano seguinte, os pagamentos a Arrighi, eram devidos realizao de quatro sacras (ento
concludas e entregues), tambm elas minuciosamente descritas pelo seu autor:
()consegniato il lavoro terminato delle quatro Carte Glorie grande per averlle fatte fare di novo con dui Angelli
grandi, e dui cartocioni per piede e dui cartoci di sopra dal Angelli, e una piastra di cartoci, e cartelle con archichetura
[sic], e lavori nella cornice con ovoletti, che ci posano sopra dui putti di Angeli intieri che regono la cornice ovata dove
sta il basso rilievo di piastra della Deposizione della Croce, con dui festoni che caschano di qua, e di la con fetucine,
e dui testte di Angelli, con sue alle, e la piastra dove si scrive dargento che sembra una carta, che tengano in mano li
dui Angelli grandi, e sotto vi sono dui putti di Angelli intieri si come quelli che regono li altri bassi rilievi delle altre
tre Carte Glorie simille, e un basso rilievo della Nascita dell Presepio, e nel altra il Cenacollo delli Apostoli, e nel
altra la Lavanda delli Apostoli, che sonno un diferente dal altra li quatro basi rilievi solli, e li dui putti, che stano da
baso per ogni Carte Gloria, uno tiene in mano un plateno, e laltro la palma, e tutti e due schersano di regere la mitria
Patriarchalle da vescovo di Lisbona e sono di getitto sollo, che le piastre dove va la scrizione, e laltra lavorata di rilievo
sotto dove stano li basi rilievi, e saldate a tutte con le vitte dargento, e sue madre vitte tutte di argento ()56.
Finalmente, deve fazer-se meno a uma obra de Antonio Arrighi ainda sobrevivente que poder ter sido realizada
para a Patriarcal e, por um qualquer motivo, ter sido deslocada para a velha S e a ter sobrevivido. Referimonos custdia que hoje se conserva no Tesouro da S de Lisboa, a qual ostenta a marca de Antonio Arrighi, e
se apresenta uma decorao constituda por motivos alusivos Eucaristia (concretamente cachos de uvas) e
animada por numerosas cabeas de anjinhos.
55
56
ASR, Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 228.9 (Arm. M, N 9, Parte 4), f. 93.
ASR, Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 228.9 (Arm. M, N 9, Parte 4), f. 94v.-95.
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
Trata-se de uma pea interessante e, denotando naturalmente a qualidade de execuo caracterstica das obras
de Arrighi mas tendo em conta, no apenas obras coevas mas sobretudo, as descries de outras obras do
mesmo artista, sobretudo aquelas escritas pelo prprio nos seus assentos de pagamento devemos consider-la
uma pea normal e no excecional. A importncia que hoje deve ser-lhe atribuda reside essencialmente no facto
de se tratar de uma sobrevivncia, num contexto marcado pela destruio.
A no realizao deste tipo de exerccio, comprometeria assim tambm um eficaz conhecimento do que era a
Lisboa joanina. Uma cidade ritmada pela presena dos seus numerosos templos, animados pela presena destas
obras de arte, que muito contriburam para a construo da sumptuosidade dos seus interiores, os quais legaram
ensinamentos que perduraram num gosto que vai para alm do reinado de D. Joo V, e que, ainda que dificilmente,
por vezes se vislumbra nos novos espaos sacros marcados pela austeridade e pela repetio da reconstruo
que o Terramoto ditou.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Itlia
Archivio di Stato di Roma
Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 228.9 (Arm. M, N 9, Parte 4)
Ospizi, SS. Trinit dei Pellegrini, Busta 229.15
30 Not. Cap., Uff. 29, Busta 403
Portugal
Arquivo Municipal de Lisboa
Livro 1 de Consultas e Decretos de D. Joo V, do Senado Ocidental
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
Fontes impressas
Auto do levantamento, e Juramento, que os Grandes, Titulos Seculares, Ecclesiasticos, e mais pessoas que se achara presentes,
fizeram ao Fidelissimo, Muito alto, e muito poderoso Senhor El Rey D. Joseph o I nosso Senhor, na Coroa destes Reinos, e
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Fontes iconogrficas
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Estudos
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
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ENTRE CASTIAIS, VASOS, BUSTOS DE SANTOS E ESTTUAS DE APSTOLOS: CERIMONIAL E APARATO BARROCO DO ALTAR DA PATRIARCAL JOANINA
ANEXO
Alvar de D. Joo V pelo qual divide o Senado da Cmara de Lisboa em Senado de Lisboa Ocidental e Senado de
Lisboa Oriental 15 de janeiro de 1717
Livro 1 de consultas e decretos de D. Joo V do senado ocidental, f. 98-99.
[f. 98] Eu El Rey fao saber aos que este Alvar virem, que havendo respeito singular graa que o Santo Padre Clemente
Papa XI hora na Igreja de Deos Prezidente Liberalmente fez a estes meus Reynos, e Senhorios, e muito particularmente a esta
minha nobre, e sempre Leal Cidade de Lisboa erigindo nella, e na mesma minha Real Capella huma Bazilica Patriarchal, com
Prelado do mesmo titulo, alem de outras honras, graas, e poderes, de que a dotou, e semelhantemente ao Cabbido da mesma
Igreja, fazendo o singular entre todos os do mundo Christo; e por esta cauza dividio o mesmo Santo Padre o antigo
Arcebispado de Lisboa em duas destintas Dioceses, e a mesma antiga Cidade, em duas Cidades distintas, chamando lhes, a
huma Lisboa Oriental, que ha de ser regida no espiritual pelo Prelado da S antigua; e outra: Lisboa Occidental, que hora
comea a reger/do mesmo modo/o novo Prelado da ditta Bazilica, a qual divizo, e denominao das ditas duas Cidades,
assim feitas pelo Santo Padre, Eu as aprovo, e de meu amplo, e supremo poder as divido, e denomino/do mesmo modo/para
sempre; e quero que divididas sejo perpetuamente, posto que das palavras, porque o Santo Padre se explica na separao,
que dellas faz, se no podesse, ou no devesse entender feita a ditta divizo, ou carecesse de minha aprovao; porque
suprindo a tudo entreponho meu Real poder, e as declara formalmente divididas huma da outra, e mando, que se distingo
pelos ttulos de Occidental, e Oriental, que o santo Padre lhes d para sua separao, conservando a cada huma dellas todas
as honras, e privilgios, e mais graas, que gozava a antiga Cidade, antes de ser dividida; e pelos mesmos respeitos, e outras
muitas, e muito justas cauzas, que a isso me movem, para mayor firmeza desta divizo, e perpetua separao de Territorios
de huma, e outra Cidade; Fuy servido ordenar a todos os meus Tribunaes, Juizes, e mais Justicas, e Officiaes de meu servio,
que nos papeis, que expedirem, ou fizerem expedir/assim em particular, como em comum/fao sempre por as datas com a
distino de Lisboa Occidental, ou Lisboa Oriental, conforme Rezidencia, que tiverem, ou lugar de donde fizerem as ditas
expedies nas duas Cidades de Lisboa, que se acho divididas com os ditos dous ttulos, e com as demarcaes, que j lhe
foro feitas.: e porque achando se assim separadas pera sempre as duas Cidades, convem muito Sua Regencia temporal, e
politica, que cada huma tenha seu destinto Senado da Camara por bem do governo econmico de cada huma dellas, e mais
efeitos das Vereaes das Cidades, e representao de seus Povos: Hey por bem, e me praz dividir o mesmo antigo Senado
da Camara, que consta de hum Prezidente, Seis Vereadores, hum Escrivo da Camara, dous Procuradores da Cidade, e quatro
Procuradores dos Mesteres della, os quaes todos constituo hum s Corpo; e agora sou servido, que constituo dous
destintos, e formaes Senados da Camara, cada hum com seu destinto Prezidente, que lhes nomearei [f. 98v.] Fidalgo, e com
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Teresa Leonor Magalhes do Vale
as mais partes dos que at aqui o ero, e com o numero de Vereadores, hum Procurador da Cidade, dous Procuradores dos
Mesteres, e hum Escrivo da Camara, pera o que tambem crearei de novo outro lugar de Escrivo, que ha de ter as partes, e
gozar de todas as honras, prerrogativas, e privilgios, que sempre pozro, e tiveram os antigos Escrivaes da mesma Camara.
E cada hum dos ditos dous Senados/pelo modo sobredito/far representao em cada huma das ditas Cidades divididas,
governando nellas, e isto pela Ordem, e forma seguinte, a saber: O Prezidente, que eu primeiro nomear, e os tres Vereadores,
que hora so mais antigos, e hum dos sobreditos Escrivaes da Camara, qual deles eu eleger e o mais antigo Procurador da
Cidade, com os dous mais antigos Procuradores dos Mesteres na ordem da sua nomeao, todos juntos representem o Corpo
da Camara desta Cidade de Lisboa Occidental, e o Prezidente, que eu tambem logo criar, e nomear, e os tres mais modernos
Vereadores, que hoje so, e o Escrivo da Camara, que eu eleger dos dous sobreditos e o mes moderno Procurador que hoje
he da Cidade e os dous mais modernos Procuradores dos Mesteres della, representem o Corpo da Camara da Cidade de
Lisboa Oriental; e deste modo huns, e outros, daqui em diante assim se chamem, intitulem, e distingo, e cada hum dos ditos
dous Senados, e seus Prezidentes, e Ministros, gozem sem diminuio todas as honras, e jurisdies, que ate aqui teve sempre
o antigo Senado da Camara, e todos eles juntos provejo, como de antes, e na forma dos antigos Regimentos, e Decretos nas
duas Cidades divididas, em tudo, que cumprir a meu servio, e bem commum dos Povos, e faro nova Caza de Vereao no
lugar mais acomodado desta Cidade de Lisboa Occidental, adonde despacharo em tres dias de cada semana todos os
sobudittos juntos, e os outros tres dias de cada semana despacharo como sohyo na Caza antigua de sua Vereao da
Cidade de Lisboa Oriental; ficando por este modo com seis dias de despacho em cada semana, na forma, em que o fazem os
outros meus Tribunaes; e no mesmo dia, em que se juntarem na Caza da Vereao desta Cidade de Lisboa Occidental,
despacharo tambem negocios da Cidade de Lisboa Oriental; e no em que se juntarem na Caza da Vereao de Lisboa Oriental,
despacharo tambem negcios desta Cidade de Lisboa Occidental, e faro executar tudo em ambas as duas divididas Cidades
na forma de seus Regimentos, Decretos, e Posturas, com tanto, que os autos, e as datas de todas suas expedies, as fao em
nome da Cidade em cuja Caza de Vereao forem feitos os ditos despachos; e em cada huma das ditas Cazas de Vereao
exercitar cada hum dos dittos Prezidentes a sua jurisdico, presidindo o Prezidente da Camara de Lisboa Occidental nos
actos, que se fizerem na Caza de Sua Vereao; e o Prezidente da Camara da Cidade de Lisboa Oriental na Caza de Sua
Vereao tambem Oriental; achando se sempre ambos juntos em cada huma das ditas Cazas. E quanto preferencia dos [f.
99] lugares entre os ditos Prezidentes, tanto em huma Caza de Vereao, como na outra se observar o que se pratica com
os Vedores de minha fazenda, e cada hum dos ditos Escrives da Camara (por hora) exercitar do mesmo modo o seu Officio;
e quanto s destribuies dos papeis, e maes negocios entre os ditos dous Escrives da Camara, os Senados provero o que
entenderem, e me consultaro para eu determinar o que for servido; e nas funes em que houver de ser prezente, ou de
qualquer modo chamado, e requerido o ditto Senado em qualquer das duas Cidades divididas; faa somente representao
com o Prezidente, tres Vereadores, Escrivo, Procurador da Cidade, dous Procuradores dos Mesteres, que todos tiverem o
titulo, e denominao da tal Cidade, adonde se fizer a funo, chamamento, notificao, acompanhamento ou outra couza
semelhante; e sero associados em Corpo de Camara com a metade dos officiaes, e mais pessoas, que sempre costumaro
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acompanhar o ditto Tribunal/nos taes actos/em quanto foy hum s; e isto, em quanto eu no mandar tomar nova forma
neste modo de acompanhar, em todo, ou em parte: e em quanto deixarem nesta administrao das duas Cidades divididas
os ditos dous Prezidentes, e seis Vereadores, pelo modo sobredito havero em cada hum anno, lem dos ordenados, que
agora levo, cada Prezidente mais duzentos mil reis; e cada hum dos Vereadores mais cem mil reis: havido respeito ao
trabalho, que lhes cresce em despacharem todos os dias, e tambem utilidade, que recebem estes Povos na mayor frequencia
dos ditos seus despachos; e este tal acrescentamento lhe ser pgo a cada hum na mesma folha, e pelo mesmo modo, que lhes
foro at aqui pagos os antigos ordenados, acrescentando lhe esta verba de duzentos mil reis, a cada Prezidente, e de cem
mil reis a cada Vereador, por ser assim minha merce: e por esta forma os ditos dous divididos Senados regero as ditas duas
Cidades divididas, como at aqui fazio estes mesmos Vereadores, antes de os eu separar, e o faro assim, em quanto eu no
mandar o contrario, e no fizer total divizo do governo, e rendas das ditas duas Cidades; as quaes Rendas me praz, que
fiquem por hora commuas entre os mesmos dous Senados; e se para melhor expediente for necessrio multiplicar os mais
officiaes, e pessoas, que servem a cada huma das ditas Cazas de Vereao, os ditos dous Prezidentes, e os ditos meus dous
Senados me consultaro com seus pareceres, para eu Rezolver o que mais cumprir a Meu Servio, e os ditos Prezidentes,
Vereadores, e mais Officiaes serviro seus cargos, cumprindo integramente com as obrigaes, que por minhas Ordenaes,
Regimentos, Decretos, e outras Provizes, esto ordenados. E Hey por bem que este meu Alvar valha, e tenha forsa, e vigor
como se fosse Carta feita em Meu Nome, e passada por minha Chancellaria, sem embargo da Ordenao do Livro 2 titulo 39,
e 40, que o contrario dispoem [f. 99v.] e este passar pela minha Chancellaria. Mathias Ribeyro da Costa o fes em Lisboa
Occidental aos quinze dias do Ms de Janeyro de Mil sette centos, e desasette anos.
(assinado:) Rey
249
submisso/submission: 10/03/2014
aceitao/approval: 17/04/2014
RESUMO
O presente artigo dedicado a um pintor e dourador lisboeta que exerceu o seu ofcio no reinado de D. Joo V.
Numa perspetiva histrica, pretende-se dar um contributo para o estudo da sua atividade e, sobretudo, para a
caraterizao do estatuto socioeconmico deste tipo de artista na primeira metade do sculo XVIII, ajudando a
completar a sua biografia e corrigindo alguma informao menos correta.
PALAVRAS-CHAVE
SUMMARY
This article is dedicated to a Lisbon painter and gilder, who has practice his metier in the reign of D. Joo V. From
an historical perspective, it aims to give a contribution to the study of his craft and especially to characterize
* Jorge Lus Ferreira Marques Paulo licenciado em Histria e mestre em Paleografia e Diplomtica, com especializao na escrita humanstica, em cujo
mbito prossegue estudos. No mbito da Olisipografia, colaborou em vrios peridicos e tem-se dedicado a estudos de carter histrico e patrimonial para
entidades pblicas e privadas, com particular incidncia em certas zonas de Lisboa, como a Lapa, Prncipe Real, Baixa Pombalina, S. Paulo, Mouraria, Colina
de Sant'Ana e a zona oriental. A sua publicao mais recente data de 2013, em coautoria, "Um stio na Baixa". Correio eletrnico: [email protected]
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 251 - 275
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Jorge Ferreira Paulo
the socio-economic status of this kind of artist in the first half of the eighteenth century, helping to complete his
biography and correcting some less rigorous information.
KEYWORDS
Lisbon / Veronica Street / Painting / Wood Carving / Gilding
NOTA PRVIA
No decurso de investigaes documentais iniciadas em 1991, por ocasio dos levantamentos patrimoniais da
Zona Oriental de Lisboa, no mbito da preparao da Expo 98 e no desenvolvimento do programa "Caminho do
Oriente", o autor deparou com variada documentao relativa ao pintor e dourador Bernardo da Costa Barradas.
Essa documentao quer relativa sua atividade profissional, quer a detalhes da sua vida privada (familiares,
econmicos, patrimoniais, etc.) justificou a elaborao a posteriori de um estudo autnomo sobre o mesmo
sujeito, nunca publicado na sua verso definitiva.
Entretanto, em 1998, Jaelson Bitran Trindade dedicou ao mesmo artista um estudo focado na sua atividade
como pintor, em especial no respeitante interveno na igreja matriz de So Joo Baptista de Alcochete1.
Posteriormente, Vtor Serro, em trabalho publicado em 2003, divulga outras intervenes de Bernardo Barradas,
acentuando o relevo da sua produo pictrica, e aprofunda o estudo das pinturas de Alcochete2.
Estes dois estudos, dada a sua focagem na vertente da Histria de Arte, poderiam tornar redundante a publicao
do presente trabalho, data j completado, mas ainda indito. No entanto, a forte componente de informao de
vida de Bernardo da Costa Barradas reunida permite dar um contributo interessante para o conhecimento mais
aproximado da atividade, do estatuto social e dos hbitos de vida de um artista a trabalhar em Lisboa, originrio
de uma famlia de oficiais mecnicos que, todavia, tem uma certa ascenso social decorrente da sua atividade
profissional, sendo inclusivamente recebido como familiar do Santo Ofcio. A tnica nesta perspetiva, possvel face
documentao recolhida ainda desconhecida, torna pertinente a publicao deste texto, independentemente
de alguma repetio de informaes j reveladas pelos dois referidos autores. Mais pertinente ainda se revela
a presente publicao pois d a conhecer a avaliao da obra de pintura de Bernardo da Costa Barradas na
1
2
TRINDADE, Jaelson Bitran - Nas encruzilhadas da arte: o pintor Barradas, de Lisboa (1747). Museu. Porto: [s.n.]. 4 Srie, N 7 (1998), p. 107-135.
SERRO, Vtor - O ncleo de pintura. In FERNANDES, Isabel (coord.) - Igreja de So Joo Baptista de Alcochete. Alcochete: [s.n.], 2003. p. 76-103.
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I
BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
matriz de Alcochete, realizada por Carlos Mardel em 1748, documento essencial apenso ao suculento Inventrio
Orfanolgico abaixo citado, alm de outros documentos, at ao momento desconhecidos. Poder-se- assim afirmar
com segurana e de forma conclusiva que Bernardo da Costa Barradas no foi o autor das telas da igreja de So
Joo Baptista de Alcochete, pois as mesmas no so referidas na citada avaliao de Carlos Mardel, omisso que
decerto no seria possvel pois estava em causa o pagamento sua viva dos honorrios devidos pelo trabalho
realizado. Nesta conformidade, dever corrigir-se a afirmao algo precipitada dos dois supracitados autores,
pelo que, at ao eventual aparecimento de qualquer nova documentao mais explcita, as quatro telas da igreja
de Alcochete continuam rfs de autor, deixando de fazer qualquer sentido as eruditas consideraes estticas
sobre a excelncia artstica de Bernardo da Costa Barradas que, na verdade, foi sempre um simples pintordourador, autor em Alcochete de pinturas de brutescos, das quais ainda restam alguns, poucos, exemplares.
INFORMAES BIOGRFICAS
Bernardo da Costa Barradas nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Engrcia, onde recebeu os santos leos do
batismo no dia 29 de agosto de 17063. Cresceu e viveu em casa dos pais e depois em casas suas na travessa da
Vernica ou dos Aciprestes, Vila Galega, junto a Santa Clara. Os pais, Domingos da Costa Barradas e Jernima
dos Santos, tambm eram naturais desta freguesia, que acolhia a famlia desde o tempo de seus avs que tambm
aqui viveram, sendo o av paterno, Antnio da Costa Barradas, daqui natural, e a sua mulher, Maria de Andrade,
batizada em Santo Estvo. Pela parte materna era neto de Joo Lopes, natural de Ferreira de Aves, e de Violante
Ferreira, de Vila Franca de Xira4.
Sendo o mais novo de trs irmos, foi o nico que no professou a vida religiosa. O mais velho, frei Jos da Costa,
trinitrio, tomou hbito em Santarm, estudou Teologia em Coimbra, foi lente de Moral em Santarm e reitor
do convento de Alvito, onde ministrou mais de dez anos5; o segundo, frei Manuel dos Santos, franciscano da
Provncia dos Algarves, foi pregador e professor6. A Bernardo coube-lhe uma outra via, virada s artes.
O estado incapacitante do pai, atingido pela cegueira, e a condio de iletrada da me, no os impediu de se
preocuparem com a instruo dos filhos, pelo menos no que diz respeito ao primognito. Deduzimo-lo por uma
nota respeitante a uma dvida ao livreiro Pedro Antnio Caldas referente a uns "liuros clasicos" que comprara para
o "menino mais velho", entre os quais, "Oracio e virgilio", "Arte portugueza" ou a "presedencia de S. Caterina"7.
O segundo filho seguiu as pisadas religiosas dos tios, professando como franciscano da Provncia dos Algarves.
3
4
5
6
7
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 4, f. 172v.
ANTT, Habilitaes do Santo Ofcio, m. 7, n 104.
Nasceu em 25 de julho de 1696. ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 4, f. 82.
Nasceu em 23 de maro de 1704. ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 4, f. 152v.
ANTT, Inventrios Post Mortem, m. 59, n 7, f. s/n.
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Jorge Ferreira Paulo
Bernardo casou-se com 25 anos, no dia 28 de julho de 1731, tambm em Santa Engrcia, com D. Eufrosina Caetana
das Neves e Oliveira, uma leiriense filha de Jos das Neves e Oliveira e de D. Josefa de Santa Isabel, natural de
Santo Estvo de Alfama, sendo todos os avs naturais da zona de Leiria8. Foi mesmo uma das avs da noiva, D.
Maria Jos, viva do governador de Cabo Verde, Antnio Vieira, que ter acertado o casamento com Domingos
da Costa Barradas, providenciando com a devida antecedncia o dote dos nubentes, que casariam por "carta de
ametade"9.
A noiva foi dotada com 600.000 reis em dinheiro de contado e um conjunto vasto de peas: "Huma salua de
Prata Lavrada, e huma comfeiteira de Prata meya duzia de garfos do mesmo, e huma faca de cabo de Prata,
huma duzia de lanois de Pano de linho, hum cobertor de Damasco emcarnado, huma armao de Leito (...)"10,
seguindo o rol, entre colchas, toalhas, guardanapos e travesseiros, tudo rigorosa e notarialmente registado em 27
de maro. O entusiasmo do noivo, que tudo presenciou, por certo ter aumentado com a enumerao das peas,
no tanto com o leito de paussanto ou o contador de dezasseis gavetas de ps torneados, mas com as palavras que
repetidamente iam sendo registadas no livro de notas pelo tabelio Tom Freire de Arajo ouro, esmeraldas,
diamantes , medida que se descreviam as joias de D. Eufrosina.
Quanto a Bernardo da Costa Barradas, foi dotado com "huma morada de cazas na trauessa da Veronica hindo
do dito Campo de Santa Clara para o arco da Praa, a mo direita (...) que consto de loge com seu sobrado, e
quintal com huma caza em todo sima que servem de cozinha"11, ficando assim reforada a ligao ao stio que o
viu nascer, onde viria a adquirir uma outra propriedade e onde viveria at ao ltimo dos seus dias. Para compor
a casa nova recebeu sete cortinas de damasco encarnado com sanefas a condizer e franja de retrs cor de ouro
e dois tapetes de Arraiolos, "hum milhor que outro"12. O encarnado e a cor de ouro parecem constituir uma
marca de gosto ou de hbito no que diz respeito aos seus bens decorativos, pois mantm-se presentes nos ris
elaborados aquando do seu falecimento.
Durante treze anos a famlia foi crescendo a um ritmo regular, ali na freguesia de Santa Engrcia. O nascimento
dos cinco filhos, entre 1734 e 1746, constitui uma preciosa ajuda para a reconstituio do percurso de vida do
pintor, desde logo pelo registo dos batismos, todos s mos de Francisco dos Santos, presbtero do hbito de
S. Pedro. Pelo nome dos padrinhos possvel conjeturar sobre os seus relacionamentos e a sua proximidade a
Um treslado da escritura de dote e obrigao, copiado em 1 de agosto de 1744 pelo tabelio Antnio da Silva Freire, encontra-se inserto no inventrio
orfanolgico de Bernardo da Costa Barradas (BCB), f. 189-192.
9
10
11
12
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
Figura 1
Assinatura de Bernardo da Costa Barradas.
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas,
Ofcio B, liv. 630, f. 82.
certos crculos ou a determinadas redes clientelares, casos de Vasco Loureno Veloso (1734), o rico negociante
da Cruz de Santa Apolnia, de Francisco Carneiro de Arajo e Melo (1737), do desembargador Duarte Salter de
Mendona (1740), de Francisco do Rego e Matos (1744) e do secretrio de Estado Diogo de Mendona Corte Real
(1746)13. No menos importante a condio de menoridade dos filhos aquando da morte de Bernardo da Costa
Barradas, uma vez que implicou a elaborao de um inventrio post mortem, sempre rico em informaes.
Cumprindo a tradio familiar, Bernardo da Costa Barradas abraou um ofcio mecnico. O pai foi pedreiro e, mais
tarde, fogueteiro, como seu pai tambm j o fora. O av materno, Joo Lopes, foi oficial de cordoeiro. Bernardo
enveredou pelo ofcio de pintor-dourador. Infelizmente, desconhecemos as suas primeiras intervenes, nada
se sabendo sobre os primeiros tempos de atividade, a quem esteve associado ou com quem e como fez o seu
aprendizado.
A primeira informao relacionada com a sua atividade profissional data de 16 de outubro de 1726, quando,
com 20 anos de idade, ingressa na Irmandade de S. Lucas, de acordo com o "Livro dos assentos dos Irmos". No
primeiro captulo, o Compromisso da irmandade estatua acerca dos que haviam de ser recebidos por irmos:
os pintores todos, assi de olio, como de tempera, Architectos, Scultores, Iluminadores, ou outras quaisquer pessoas
que professarem debuxo que quiserem ser irmos desta irmandade do glorioso So Lucas, sero reebidos nella,
sendo conheidos por pessoas de boas consciencias (...)14.
O mais velho, Joaquim, batizado a 22 de maro de 1734 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 6, f. 289), depois o Manuel, nascido a
17 de agosto de 1737 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 7, f. 116v.), Maria, 7 de junho de 1740 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa
Engrcia, Batismos, liv. 7, f. 231v.), Josefa, 13 de agosto de 1744 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 8, f. 135v.-136) e Ana, batizada a
6 de agosto de 1746 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrcia, Batismos, liv. 8, f. 218v.).
13
14
Cfr. TEIXEIRA, Francisco A. Garcez - Irmandade de S. Lucas - Estudo do seu arquivo. Lisboa: [s.n.], 1931. p. 93. Informao j dada por Jaelson Trindade (op.
cit., p. 107-108). No obstante ser mencionado como Bernardo da Costa Saradas, o facto de ser referido como morador na Vila Galega e apontado o seu bito
a 20 de agosto de 1747 (apesar do registo paroquial do bito indicar o dia 24) confirma-se a sua identificao, tratando-se, portanto, de um erro de leitura.
255
I
Jorge Ferreira Paulo
No mesmo registo tambm se l que nunca chegou a pagar os seus anuais, estipulados em quatro vintns. No foi
por isso, porm, que deixou de ser considerado pessoa de boa conscincia, tanto mais que passou no crivo do Santo
Ofcio, cujo rigor nas provanas de qualidade de sangue por vezes se mostravam melindrosas para este tipo de
artfices, no podendo indiciar vestgio de "infmia de feito ou de direito". Do seu volumoso processo, ao qual foi
agregado o da mulher, resultou a pretendida certido de limpeza de sangue, passada em 26 de novembro de 173715.
A ATIVIDADE PROFISSIONAL
Por exercer uma atividade pouco notvel ou por no se tratar de uma figura de primeiro plano, as referncias a
Bernardo da Costa Barradas e sua obra foram pontuais at publicao dos artigos dos dois autores j referidos
acima, apesar de justificados por uma interveno de pintura que agora se sabe no ter sido da sua autoria16.
Embora aparea sempre associado atividade da pintura, mencionado como "mestre do oficio de pintor", "pintor",
"mestre pintor", "mestre da arte de pintura" ou "da arte de pintor", trabalhava no mbito das modalidades menos
exigentes daquela arte, como a tmpera, o fresco, o douramento e o estofado. De facto, uma anlise atenta da
documentao evidencia que a sua pintura tinha um carter decorativo ou ornamental, de brutesco, no havendo
registos de intervenes de maior projeo. Era, ento, um pintor-dourador, com capacidade de fazer ornamentos
e tambm de executar uma pintura decorativa de elementos arquitetnicos. Assim o demonstram os contratos de
obra em que intervm como outorgante comprometido com um clausulado estrito e de carter descritivo. Desta
maneira, ter realizado o exame do seu ofcio sujeitando-se aos critrios estipulados nos pontos cinco e seis do
Regimento dos Pintores, que apesar de categorizar estas modalidades como menores no deixava de atribuir a
imprescindvel "carta de examinao" para o exerccio profissional, como se pode ler:
E o que de tempera ou fresco quiser vsar faraa em parede a fresco E em panno ou tauoa a tempera figura ou lauor
romano ou grotesco querendo vsar de tudo E fazendo o sobredito ficara examinado de todas as cousas a dita pintura
de tempera ou fresco jmferiores.
E o que de dourado ou estofado Somente quiser vsar por mais no poder alcanar faraa huma pea de ouro bornido E
mate em a qual haueraa algum plano ou tauoa per si de dous palmos em que faa alem do dito dourado dous palmos
de rapado E faraa mais hum pao de branco bornido e encarnaraa hum rostro de vulto de huma virgem, de encarnao
polida17.
15
17
Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro dos Regimentos dos Oficiais Mecnicos, f. 128-130v.
Alm de Jaelson Trindade (op. cit.) e de Vtor Serro, Bernardo Costa Barradas mencionado por Garcs Teixeira (op. cit.), Miguel Soromenho (Cfr. O
Mosteiro e igreja de So Vicente de Fora. In MOITA, Irisalva (coord.) - O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994. p. 212), Jos Sarmento de Matos
e Jorge Ferreira Paulo (Cfr. Guia Histrico do Caminho do Oriente. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. p. 51 e 70) e Slvia Ferreira, mencionando documento
compulsado por Miguel Soromenho (Cfr. A retabulstica. Presena e memria. In SALDANHA, Sandra Costa (coord.) - Mosteiro de So Vicente de Fora:
Arte e Histria. Lisboa: Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, 2010. p. 285 e 287; por erro de leitura 96.000 por 906.000 reis , a autora fala de um
"pagamento avultado" a Bernardo Costa Barradas).
16
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I
BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
Este regimento estaria ainda em vigor no sculo XVIII, uma vez que no se registou nenhum acrescentamento
aos regimentos dos pintores e dos douradores, ao contrrio do que se passou com outros oficiais mecnicos18.
Reunindo a informao publicada e outra que ora se revela, hoje possvel afirmar-se que a atividade de
Bernardo da Costa Barradas est relativamente bem documentada, ao longo dos 14 anos que medeiam entre o
primeiro trabalho referenciado e a data da sua morte, distribuindo-se as nove intervenes conhecidas por dez
desses anos: S. Vicente de Fora (1734 e 1737), Nossa Senhora da Conceio do Monte Olivete (1735), S. Tom
(1736), Santa Marinha (1741), S. Joo da Praa (1741-1742), Santo Estvo de Ribeira de Canha (1745), Matriz
de Alcochete (1745-46) e Pao da Casa de Bragana (1747)19.
Apesar de pouco restar da sua obra, quer por ao humana, quer por efeito do Terramoto de 1755, alm da
memria documental, possvel fazer algumas consideraes sobre o seu trabalho.
Figura 2
18
Planta da Cidade de Lisboa, de J. N. Tinoco (1650), com a marcao das intervenes de Bernardo da Costa Barradas, sinalizadas com crculos, da esquerda para a direita,
respetivamente, Pao da Casa de Bragana, S. Joo da Praa, S. Tom, Santa Marinha e S. Vicente de Fora. As marcaes mais direita representam as trs obras realizadas fora
do permetro urbano definido pela velha Cerca Fernandina, portanto no representadas nesta planta: Grilo (indicao de seta para nordeste), Alcochete e Ribeira de Canha (indicao
de sete para sudeste, na margem sul do Tejo), e o stio onde viveu, junto a Santa Clara (sinalizado com um tringulo). SILVA, Augusto Vieira da Plantas topogrficas de Lisboa.
Lisboa: Oficinas Grficas da Cmara Municipal, 1950. Planta n 1.
Cronologicamente, foram divulgadas: 1994 Miguel Soromenho (S. Vicente de Fora-1737); 1998 Jaelson Trindade (Alcochete); 1999 Jorge Ferreira
Paulo (Grilo); 2003 Vtor Serro (S. Vicente de Fora-1734, S. Tom, Ribeira de Canha), que refere ainda duas outras intervenes de Bernardo Costa
Barradas, em Santo Andr e Santa Apolnia, que de acordo com a documentao referenciada no so corretas; 2014 Jorge Ferreira Paulo (Santa Marinha,
S. Joo da Praa, Pao da Casa de Bragana).
19
257
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Jorge Ferreira Paulo
Olhando para a distribuio geogrfica das suas intervenes, pela marcao na planta da cidade pr-terramoto,
de Joo Nunes Tinoco, verifica-se que h uma concentrao da sua atividade na zona oriental de Lisboa,
relativamente perto da sua residncia. Tal permite inferir que a proximidade ao local da obra poderia constituir
um dos critrios na licitao das arremataes de empreitadas ou que a adjudicao destas poderia decorrer de
certas ligaes a irmandades vizinhas. Neste sentido, apenas os ltimos trabalhos se afastam desta lgica, em
Ribeira de Canha, Alcochete e no pao bragantino.
O tipo de comitente envolvido nas empreitadas executadas por Barradas varia, embora predomine a iniciativa
religiosa, por parte de irmandades ou de comunidades monsticas, frequentes promotoras de programas
decorativos dos seus espaos, muitas vezes em articulao com a sua atividade prestamista.
Quanto ao tempo de execuo dos trabalhos, analisando o clausulado dos contratos de obra conhecidos, verificase que duraram entre 2 a 8 meses. Curiosamente, a encomenda de maior valor, na igreja de S. Joo da Praa, que
demorou 5/6 meses, no corresponde de maior tempo de execuo, como Santa Marinha (8 meses) ou Alcochete.
Ano
Comitente
Local
Valor (ris)
1734
S. Vicente de Fora
180.000
1737
Religiosos do mosteiro
S. Vicente
342.480
1735
1736
1741
1741-42
1745
1745-46
1747
Grilo
S. Tom
Santa Marinha
S. Joo da Praa
Ribeira de Canha
Alcochete
Pao de Bragana
350.000
700.000
240.000
1290.000
(?)
1106.076
63.166
AS EMPREITADAS
Analisemos as nove intervenes documentadas, direta ou indiretamente, de Bernardo da Costa Barrada, entre
1734 e 1747.
1) 1734 A sua primeira obra conhecida resultou de uma encomenda da irmandade das Almas de S. Vicente
de Fora, com quem se contratou em 10 de agosto para pintar a capela de Nossa Senhora das Almas na igreja do
convento seu vizinho, a primeira quando se entra na igreja, do lado da Epstola. Em 1731 j tinha esta designao,
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I
BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
mas em 1759 (6 de agosto), segundo o padre Lus Cardoso, reportando-se a informaes dadas pelo padre
Francisco Jos de Matos na sequncia do Terramoto de 1755, era conhecida por capela de S. Miguel20, invocao
muito comum em Portugal, geralmente associada ao culto das almas e boa morte para os agonizantes. Segundo
a doutrina de S. Jernimo, S. Miguel estava incumbido da recolha das almas, com a balana destinada a separar os
eleitos dos rprobos, para as conduzir glria. Esta irmandade das Almas, uma das trs que existia em S. Vicente,
ter adquirido a capela depois desta vagar, aprestando-se a recomp-la, ornamentando-a, consistindo a obra na
execuo de
(...) hum fronte espiio de madeira liza para nelle se pintar hum retabolo de architetura com sua Tribuna e escada
para seruentia por dentro com huma pianha, para nella se pr o Anjo So Miguel, com duas portas e huma ter sua
casinha para despejos e se obriga a fazer duas cardencias e nos vaos dellas seus almarios com portas e fechaduras e
toda a dita obra se obriga fazer de madeiras e barrotes de puras juntas forradas de pano grudado tudo bom e das
milhores puras que ouuer e feita a dita obra na forma do dito risco, e com toda a perfeio dandoa feita e acabada de
tudo o pertencente ao seu officio de entalhador the quinze do mes de Agosto proximo que vem deste prezente anno21.
A obra ter-se- prolongado, pois s em 12 de maio do ano seguinte foi "pago e satisfeito"22, conforme o estipulado
na escritura de quitao, que definia o resto do pagamento no final da obra.
O trabalho final de ornamentao da capela, "feita de madeira e preparada para se pintar"23, coube a Bernardo da
Costa Barradas, que se comprometeu pela quantia de 180.000 ris a concluir a obra at 15 de outubro, pintando-a
com todo o primor da sua arte:
(...) pela frente de pedras fingidas das mais esquipaticas e ar natural, e estas sero feitas como manda a Arte de sorte
que fao bom apartamento, s as colunas sero de pedra verde fingidas na milhor forma possiuel e estas sero
guarneidas com festes de ouro escuresida, como tambem os pilares e trapillares e toda a parte liza, donde couber, e
for possiuel, e leuara o ornato de ouro escuresido, e este ser de Mordente, e toda a talha, e filetes que orno a mesma
cappela ser de ouro de Bornido, e a moldura do oculo de sima ser fingida de pedra, e s os filetes sero dourados, e
no meyo leuara hum emblema dedicado a So Miguel o qual ficara na Elleio delle Pintor, e as tarjas, que guarneem,
e orno a dita cappela leuaro tambem os seos emblemas no meyo, o Throno sera fingido de pedras na mesma forma
que fica dito, e ser guarneido em cada facha com sua Tarja de ouro escurecido, e as molduras do mesmo Throno com
seos filetes de ouro, e a casa ser Pintada de architetura de Cores fazendo huma boa prespectiua, e esta pintura sera a
20
CARDOSO, Padre Lus - Dicionrio Geogrfico, 1759. In PORTUGAL, Fernando; MATOS, Alfredo de (ed.) - Lisboa em 1758 - Memrias Paroquiais de Lisboa.
Lisboa: [s.n.], 1974. p. 276.
21
A obra de talha fora realizada pelo entalhador Manuel da Costa, por contrato de 23 de julho de 1730, "na forma do risco posto em hum papel que elles
partes asignaro". Cfr. FERREIRA, Slvia - op. cit., p. 285; ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 47, liv. 558, f. 65v.-66v.
22
23
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 48, liv. 563, f. 50v.-51.
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 52, liv. 579, f. 80v. (SERRO, Vtor - op. cit., p. 98).
259
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Jorge Ferreira Paulo
olio, e asim tambem as banquetas sero guarneidas com brotesco de ouro, e as portas da dita cappela sero de xaro
emcarnado, e azul e os degraos, e altar de pedra fingida, e as cardencias sero pintadas na milhor forma, com tarjas
e brotesco de pintura, e nas mais Tarjas que reuestem a cappela sero com Tarjas dedicadas a So Miguel com seos
filetes roda e os andaimes sero por conta delle Bernardo da Costa Barradas, e asim mais seis castiais, e huma crus
pratiados e guarnecidos com ouro nas gargantas, e nas mais partes donde reale, e asim mais tres moldurinhas dos
Evangelhos douradas de bornido, e o santo ser estofado pela frente, e emcarnado de pelimento (...)24.
A descrio desta empreitada de Barradas em S. Vicente de Fora, a mais detalhada que se lhe conhece, enuncia
claramente as caractersticas da sua pintura decorativa, com os fingidos de pedra e os brutescos. O retbulo
fingido, em trompe-l'oeil, possivelmente de carter provisrio, viria mais tarde a ser substitudo pelo que l est
hoje, integrado num programa nico mais vasto com outros formalmente muito semelhantes.
2) 1735 Neste ano, Bernardo da Costa Barradas, conjuntamente com Joo Crisstomo Ribeiro, tambm pintor
dourador25, empreendeu a obra de pintura e douramento da talha da capela de Nossa Senhora de Copacabana, na
igreja do convento de Nossa Senhora da Conceio do Monte Olivete, dos Agostinhos Descalos, conhecidos por
frades Grilos. O trabalho foi encomendado em 5 de maro por Lus Manuel Castanheda de Moura Pereira Teles,
contador mor do reino, que tinha o seu jazigo naquela capela, feita em talha, e "porque a queria dourar e Pintar
se contratara com elles em lhe fazer a dita obra com todo o primor da arte pondolhe no simo as suas Armas"26,
por preo de 300.000 ris. Porm, a parceria no se manteria at ao final da obra, no a concluindo juntos, pois
Joo Crisstomo Ribeiro, em 4 de junho, cedeu e trespassou a sua metade da empreitada para o Barradas, "para
que possa findar e hauer para sy o lucro ou perda que Deos for Seruido dar nella"27. O contrato, celebrado em
5 de maro, definia o fim do ms de julho como data para a concluso da obra, prazo que foi cumprido, pois o
contador mor morreu em 10 de junho e logo ali foi a sepultar. Contudo, a iniciativa desta obra coubera a sua me,
D. Francisca Pereira Teles, que j ali se encontrava sepultada e em cuja lpide ainda hoje se l:
24
Joo Crisstomo Ribeiro foi tambm um pintor dourador lisboeta, morador na rua Nova do Almada. Nos anos de 1734-1735 executou trabalhos de
douramento e pintura na igreja de Santo Andr, em obra de talha realizada pelo entalhador Joo Oliveira, obrigando-se a "dourar toda a obra de Talha que
se acha na dita Igreja feita de nouo, com as cabeas dos Serafins, e meninos, e fundos da dita Talha, feitos ao estilo moderno de que se uza", e arcos das
cappelas de pintura, com fastoens de flores, e o grosso das frestas de pintura e as comruspondentes que no do luz sero fingidas de vidraa pintada, e
o tecto da mesma Jgreja pintado todo de Brutesco (...) e a Simalha Real pintada tambem de pintura e da mesma sorte as paredes do choro, e as que fico
por baixo delle, e o tecto do choro pintado de brutesco"; e ainda capelas, altares, plpitos, pedestais, alm da limpeza do ouro de vrios retbulos, estofar
imagens e fazer "de nouo noue paineis estureados quatro delles com a vida de Santo Andre, e os sinco com Paos da Sagrada escriptura". V. Serro menciona
Bernardo Costa Barradas como um dos outorgantes desta escritura, o que no se verifica (op. cit., p. 99); ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de
Notas, Ofcio B, cx. 52, liv. 580, f. 47v.-49. Em 1740-1741 J. C. Ribeiro dourou e pintou grande parte da talha da igreja do Convento do Salvador, que sofreu
grandes obras naquela dcada.
25
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 52, liv. 582, f. 35v.-37 (Cfr. MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira - Guia
Histrico do Caminho do Oriente. vol. II, p. 70-71).
26
27
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 52, liv. 583, f. 83-84. Vtor Serro coloca os dois pintores a trabalhar na igreja de Santo
Andr confundindo esta escritura com um outro contrato de obra referente apenas ao pintor J. C. Ribeiro, levando-o a consideraes sem fundamento sobre
BCB. Cfr. op. cit., p. 99.
260
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
A devoo de D. Francisca pela Senhora de Copacabana est bem patente quer na iniciativa de se tornar padroeira
da sua capela, quer nas suas disposies testamentrias que refletem a determinao para que a ela se unisse a
sua alma eternamente. Mandou que o seu corpo fosse "sepultado na Cappella de Nossa Senhora de Copacabana e
aos pes do seu Altar citta no convento de Nossa Senhora da Concepo de monte oliuete dos Padres Augostinhos
descalsos pela publica deuoo que tenho com ella a quem Deixo para as obras da sua Cappella 50.000 reis"29.
Deixou ainda 100.000 ris irmandade de Copacabana para que os aplicasse a juros, "em parte muito segura",
que reverteriam para os religiosos do convento para a missa da sua festa anual, a aplicar pela sua alma.
Figura 3
28
Plcido Castanheda de Moura esteve na origem toponmica do largo do Contador Mor, na antiga freguesia de Sant'Iago, onde adquiriu uma propriedade
depois de vender as casas e hortas na Bemposta, devido construo do palcio de D. Catarina de Bragana.
29
261
I
Jorge Ferreira Paulo
A imagem de Nossa Senhora de Copacabana foi entretanto substituda por uma imagem de So Teotnio, da
autoria de Manuel de Almeida. Frei Agostinho de Santa Maria, vigrio geral da Congregao dos Agostinhos
Descalos, dedicou o primeiro tomo do "Santurio Mariano", onde conta a histria das imagens de Nossa Senhora
veneradas em Lisboa, a ela "Maria Santissima debayxo do seu milagroso titulo de Copacavana"30. Conta-nos o
clrigo a histria desta Nossa Senhora de origem peruana que esteve na origem do clebre topnimo brasileiro31.
Trazida para o Porto, em meados do sculo XVII32, daqui se disseminou por ermidas e capelas, entrando nesta
igreja no dia 1 de novembro de 1706, "obrada com grande perfeio, tunica branca semeada de flores de ouro,
manto azul bordado de matizes de pedras, e perolas; tem em sua mo direita sceptro, e na cabea coroa imperial
de prata ricamente obrada; em o brao esquerdo o Menino Deos"33.
3) 1736 A igreja de S. Tom sofreu a interveno seguinte de Bernardo da Costa Barradas. Por contrato celebrado
em 4 de setembro, obrigou-se com a irmandade do Santssimo Sacramento a dourar toda a obra de talha existente
naquela igreja, bem como a viga do coro, ainda por forrar, e a cimalha real. Todos os materiais ficariam por sua
conta, tanto de aparelhos como de ouro, e tudo se concluiria at ao Domingo de Ramos de 1737, pelo preo de
700.000 ris. Mais, "alem do dourado se obriga a pintar a simalha real de cores que tambem lhe sero apontadas
por pessoas da meza, e duas cortininhas de Damasco fingido com seos Gales"34. No contrato ficou bem explcito
o ouro a aplicar no douramento:
(...) do mais crado que ouuer, e no branco, ou desmayado, e o aparelho ser o costumado sem faltar a demo alguma
das que precisa o dito aparelho para ficar bom que so duas de gesso groo, tres de gesso mate, huma de lacradura, e
tres de bolo tudo feito com cola de retalho branco sem ser salgado (...)35.
Apesar de ter sobrevivido ao Terramoto, esta igreja foi demolida no sculo XIX.
4) 1737 Ainda neste ano regressaria a S. Vicente de Fora, onde trabalhara trs anos antes. Sabemo-lo por uma
certido tirada de um livro de contas e despesa desta igreja, datada de 11 de novembro de 1737, lendo-se no
treslado do "Tttulo das Empreitadas e a do Arquitetto":
Frei Agostinho de Santa Maria (1642-1728) foi cronista da Ordem. Segundo MACHADO, Diogo Barbosa - Bibliotheca Lusitana. Coimbra: Atlntida Editora,
1965. tomo I, p. 69-70, "recebeu o hbito na igreja das religiosas do mesmo instituto situada no lugar do Grillo suburbio de Lisboa, authorizando este acto
com a sua presena a serenissima Raynha D. Luiza Francisca de Gusmo insigne protectora da sua reforma, e foy o primeiro novio, que teve neste Reyno".
30
Copacabana significava lugar e assento da pedra preciosa na lngua dos ndios peruanos. "Mas que pedra mais preciosa, e peregrina, que Maria Santssima?"
pergunta Frei Agostinho "no he pedra dura, mas pedra to doce, que produz mel; porque produzio o doce e suave Jesus" (Cfr. SANTA MARIA, Frei
Agostinho de - Santurio Mariano. Lisboa: Off. Antonio Pedrozo Galram, 1707. tomo I, p. 70).
31
32
Trazida do Peru pelo regressado e enriquecido Antnio Veiga que lhe dedicou uma capela com uma imagem que mandou fazer segundo cpia trazida da
vila de Copacabana.
33
34
35
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 53, liv. 588, f. 93-94 (SERRO, Vtor - op. cit., p. 99).
Idem, ibidem.
262
I
BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
(...) se deu de Empreittada ao pinttor Bernardo da Costa Barradas de dourar o Retabullo de nossa senhora da pureza
nouentta e seis mil Reis. / Em o que se deu ao mesmo pinttor [da digo] pinttor de dourar o Retabullo de Christto
duzenttos mil Reis. / Em o que se deu ao mesmo Pinttor o Coro vintte e seis mil e quatrocentos e outentta reis. / Em o
que se deu ao mesmo de Dourar o Rematte que se acressenttou no Alttar do Senhor dos Paos e a Banquetta de Santta
ursulla vinte mil Reis (...)36.
5) 1741 Aps trs anos sem notcias do seu paradeiro ou atividade, encontramo-lo a trabalhar na igreja de
Santa Marinha, tambm destruda pelo megassismo. Por encomenda da irmandade de Nossa Senhora da Boa
Nova e Via Sacra foi contratado para dourar o retbulo da capela daquela Senhora, bem como o ornamento de
pintura do teto dela "atendendo a nessecidade e prejuizo do retabollo da Cappella da mesma senhora que por
no estar dourado padecia grauissimo danno e no estar com a desencia diuida para o Culto da mesma senhora
se ajustara com elle Bernardo da Costa Barradas"37 , pelo montante de 240.000 ris. Celebraram escritura em
19 de fevereiro. Oito meses volvidos, no dia 29 de outubro, reuniram-se de novo os mesmos outorgantes em
sede notarial a fim de escriturarem o contrato de cesso relativo ao pagamento da empreitada. Contudo, recebeu
apenas uma parte dos honorrios38, s recebendo os 120.000 ris em falta em 28 de julho de 1742, conforme
acordado na escritura de cesso39.
6) 1741 A interveno seguinte ocorreu na igreja de S. Joo da Praa, onde dourou toda a obra de talha da capela
do Santssimo Sacramento, por contrato de 31 de outubro com o marqus de Angeja e a mesa da irmandade do
Santssimo Sacramento da dita paroquial, consistindo a empreitada no douramento
(...) de toda a obra de talha que tem na Capella do Santisimo Sacramento da dita Jgreja desde o Arco pera dentro
emtrando no dito dourado o Trono e tribuna fazendosse toda e qualquer obra de Talha que faltar e Remates que
forem presizos para porfuco da mesma Talha feitos por emtalhador de sorte que tudo ficasse perfeito na milhor
forma que premetisse asim a dita Arte de Pintura como o officio de emtalhador (...)40.
Ficou tambm responsvel pelo trabalho necessrio de entalhador "e pello que toca a talha mandara fazer os
comsertos de que a mesma talha necesitar asim de fasquiado como da dita talha"41. Mais se l no contrato que a
obra fora "posta a lanos", fixando-se editais para o efeito, "para por elles se dar publica noticia a todos os oficiaes
e pesoas que querem por sua conta tomar a obrigao de fazer a dita obra tanto no comodo de presso como na
perfeio e com efeito havendo varios lansos por ultimo foi o delle Bernardo da Costa Barradas", no valor de
36
37
38
39
40
41
Mencionado por SOROMENHO, Miguel - op. cit., p. 212 (ANTT, S. Vicente de Fora, 2 inc., docs. avulsos, cx. 18, m. 47, doc. 75).
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio A, cx. 103, liv. 465, f. 42v.-43v.
ANTT, 7 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio A, cx. 81, liv. 479, f. 16v.-17v.
ANTT, 7 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio A, cx. 82, liv. 481, f. 25v.-26.
ANTT, 7 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio A, cx. 81, liv. 479, f. 17v.-20.
ANTT, 7 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio A, cx. 81, liv. 479, f. 18v.
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Jorge Ferreira Paulo
1.290.000 ris, devendo concluir a obra at Quaresma de 1742, recebendo logo 300.000 ris. Esta igreja foi
reconstruda aps 1755.
7) 1745 Do trabalho na igreja de Santo Estvo da Ribeira de Canha, da Ordem de S. Bento de Avis, desconhecemse pormenores. Contudo, importa salientar dois aspetos: por um lado, constitui a sua primeira interveno fora
de Lisboa, por outro, ocorre no mbito de uma interveno multidisciplinar (trabalho de pintor, carpinteiro e
pedreiro), em sociedade formalizada em sede notarial, em 28 de abril, aps assumir a obrigao de "fazer huma
Jgreja noua para a freguezia de Santo Esteuo da Ribeira de Canha"42, em 8 de fevereiro, no Tribunal do Conselho
da Fazenda.
Pela mesma escritura decidem que "todos sinco sero iguaes socios na dita obra na despeza e Receita, e no seu
lucro, ou perda que Deos der", definindo tambm quem desempenharia as funes de tesoureiro e de escrivo,
ficando este ltimo cargo entregue a Bernardo da Costa Barradas, "Mestre da arte de pintor", a quem competia,
desde logo, a tarefa de rubricar e numerar os livros de receita e despesa da obra. O seu estatuto na sociedade, face
aos demais scios (dois carpinteiros e dois pedreiros), evidenciado pela responsabilidade que lhe atribuda:
"todos os negocios pertencentes a dita obra e Requerimentos que forem percizos far somente elle Bernardo da
Costa Barradas".
8) 1745-46 Neste perodo trabalhou em Alcochete, chegando a contrair um emprstimo "para a continuao
da obra de pintura que fizera na matris de So Joo Baptista da villa de Alcoxete"43, em 31 de janeiro de 1746.
Pelo testamento, aberto em agosto de 1747, sabe-se que quando morreu ainda no estavam liquidadas as contas
relativas a esta obra. Se por um lado devia 38.400 ris ao prior da freguesia de Alcochete, por outro, refere que
da obra que fizera
(...) a Sua Magestade na Jgreja de S. Joo Baptista de Alcochete por ordem do Concelho da Fazenda de que he Arquiteto
o Sargento mor Carlos Mardel o qual tem em seu poder todos os papeis pertencentes a dita obra constar depois de
medida a sua importania da qual se abatero duzentos e quarenta mil ris que tenho recebido por conta da mesma
obra (...)44.
O acerto de contas foi realizado j pela viva inventariante, que para efeitos de partilhas se viu forada a pedir
uma certido a Carlos Mardel, que avaliou a obra em 1.106.076 ris. Por esta avaliao de carter descritivo
passada em 5 de maio de 1748, que demorou ao arquiteto dois dias de "jornada", e pela qual cobrou 22.952
ris (medio mais certido), conhece-se agora em pormenor a interveno de Bernardo da Costa Barradas em
Alcochete. Nela registou o arquiteto sargento-mor:
42
43
44
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 61, liv. 626, f. 44v.-46 (SERRO, Vtor - op. cit., p. 99).
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 62, liv. 630, f. 81-82 (SERRO, Vtor - op. cit., p. 100).
ANTT, Registo Geral de Testamentos, liv. 240, f. 124v.-127v.
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
Certidam
Carlos Mardel Sargento Mor da Jmfantaria com Exsercio de Emginheiro na Corte e arquiteto de Sua Magestade e
dos passos Riais Conselhos da Fazenda e ordens Estado de Bragansa e agoas Liures Etca. Certefico que pella hordem
de uosa Magestade fui a uilla de alcoxete a medir e aualiar a obra de pintura que se fes na igreja Matris de Sam Joo
Bauptista cuja obra fes por hordem de uosa Magestade o Mestre pintor Bernardo da Costa Baradas e consiste a obra
delle em os tetos de tres naues da Jgreja pintado de Brotesco deuidida cada huma naue em paineis semalhantes
frizos pintados com seus ornatos o teto debaixo do coro e em sima com suas balaustradas tudo pintado e fingido de
pedra hum frontepisio de huma Capella e teto da samcristia tudo pintado de brutesco e seis culunas na mesma Jgreja
pintadas e fingidas de pedra com seus arcos e ornamentos e portas e Janellas e tudo o que achej h o seguinte.
O teto da Naue grande no mejo h deuidido em uinte e sete paineis de quinse palmos de comprido cada hum chejos
de Pintura de Brutesco aualio hum em desaseis mil reis e todos Jmporto em coatro sentos e Trinta e dois mil reis.
432.000
Os dois Tetos nas duas Naues nos largos tem sete paineis cada hum do mesmo comprimento e fabrica com a do teto
do mejo aualio cada hum pello mesmo preso de desaseis mil reis e todos Jmportam em duzentos e uinte e coatro mil
reis.
224.000
Simalha frizo e arquitraue dos tres tetos pintados com seus ornamentos e fingido de pedra lhe aualio por todo a
simcomfrensia das Tres naues em sento e uinte mil reis.
120.000.
O Teto de Baixo do Coro com dois paineis em suas mulduras e fachias de ornatos e a Balaustrada no mesmo Coro
pintada e fingida de pedra lhe aualio tudo en sesenta mil reis.
60.000.
O Frontespisio de huma Capella no largo da Jgreja tudo pintado lhe aualio desanoue mil e duzentos reis.
19.200.
O teto da samcristia em coatro paineis de Bustos e o emtre as simalhas ornatos e suas portas e duas janelas pintadas
de uermelho lhe aualio tudo em sesenta mil reis.
60.000.
Seis culunas grandes na Jgreja com seus arcos em sima com o ornamento e as seis culunas fingidas de pedra lhe aualio
tudo em sento e coarenta mil reis. 140.000.
A metade do selario dos dois dias da Jornada medisam e pasar a sertido Jmporta em onze mil e coatrosentos e
setenta e seis reis. 11.47645.
ANTT, Inventrios Post Mortem, m. 59, n 7, f. 230-232. Esta certido foi passada em pblica-forma pelo tabelio Manuel Incio da Silva Pimenta, em 29
de agosto de 1748, e posteriormente por Flix Jos Guilherme, escrivo dos rfos de Alfama.
45
265
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Jorge Ferreira Paulo
Definitivamente, este documento pe de lado qualquer hiptese de autoria de Bernardo da Costa Barradas
relativamente s quatro telas do altar-mor alusivas ao patrono de Alcochete46. Por outro lado revela o nome do
responsvel pelo programa de pintura decorativa da igreja (ornamentao, brutesco, fingidos de pedra), da qual
pouco resta, alm dos dois painis de madeira por baixo do coro com as "mulduras e fachias de ornatos". Quanto
aos painis dos tetos das trs naves, h muito que deixaram de apresentar os brutescos do pintor Barradas,
desaparecendo muito antes da interveno da Direo Geral de Edifcios e Monumentos Nacionais na dcada de
1940, de que resultou a pintura de todos os tetos47.
Figura 4
Fotografia do autor.
46
Jaelsen Trindade comea por afirmar no seu ensaio (op. cit., p. 109 e 115), a partir do testamento de Bernardo Costa Barradas, que "foram feitas obras nos
anos de 1740, mas ainda falta apurar quais foram elas". Contudo, prosseguindo, sem suporte documental, acaba por considerar que as "4 grandes telas da
vida de S. Joo Batista, que compem a obra do seu ofcio de pintor para Alcochete, tiveram um pagamento razovel, at mesmo elevado". Vtor Serro
(op. cit., p. 97) seguiu esta linha escrevendo que "a identidade precisa foi dada a conhecer pelo historiador de arte brasileiro Jaelson Bitran Trindade, em
1998, num notvel ensaio onde revelou a documentao relativa factura dessas telas, que se mantinham sob perturbador anonimato". Ora, chamando o
testamento colao nada de especfico se vislumbra sobre o trabalho de Barradas. Nem qualquer outro documento conhecido corrobora tal autoria, nem
to pouco alude a qualquer fatura. Assim sendo, as telas persistem teimosamente annimas.
Jos Estevam refere que "nas reparaes em 1908, as Obras Pblicas substituram o teto de castanho por casquinha, segundo consta na vila" (Cfr. A
restaurao da Igreja Matriz de Alcochete. Lisboa: Couto Martins, 1948. p. 103). Cfr. Boletim da Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. Lisboa:
[s.n.]. N 33 (1943), p. 23. Refira-se ainda que no teto da nave central contam-se hoje 24 painis e no os 27 contabilizados por Mardel.
47
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
9) 1747 A ltima interveno do pintor ficou concluda no 1 semestre deste ano, ocorrendo no pao da Casa
de Bragana, onde realizou obra do seu ofcio de pintor. Sabemo-lo atravs de uma procurao datada de 21
de junho, pela qual nomeou o primo, Francisco Xavier da Costa, como seu procurador para cobrar 63.166 ris
do Almoxarife dos Dzimos do Pescado de Lisboa "que por mandado dos Ministros da Junta do Estado da caza
de Bragana Se lhe mando Satisfazer procedidos da Obra que de seu officio fez no Pao da mesma caza de
Bragana"48.
Deste trabalho nada mais se sabe. Do Pao pouco ou nada resta, pois no resistiu ao Terramoto, semelhana das
circunvizinhanas, localizado que estava na colina dos Mrtires, sobre a barroca do Ferragial. Porm, merece-nos
duas consideraes. A primeira, por constituir a nica interveno de Bernardo da Costa Barradas num edifcio
no religioso; a segunda, por representar a ascenso do pintor ao crculo mais alto a que um artista poderia
aspirar, a Casa Real. Esta ligao entre a matriz de Alcochete e o Pao de Bragana parece fazer-se atravs do
arquiteto do Conselho da Fazenda e do Estado da Casa de Bragana, Carlos Mardel, que porventura ter apreciado
os brutescos do mestre Barradas.
Um outro aspeto associado atividade profissional de Bernardo da Costa Barradas merecedor de alguma
ateno. Diz respeito aos emprstimos a que recorreu para poder executar os trabalhos do seu ofcio, ou seja,
pedindo dinheiro emprestado para poder trabalhar49. Tal situao mais notria no perodo em que est em curso
a obra de Alcochete, que envolveu montantes mais elevados e que, talvez por isso, o tenha levado contingncia
de se sujeitar a vrias obrigaes de carter prestacionista. Mais concretamente para a fase de Alcochete, em
1 de outubro de 1745 pediu 400.000 ris emprestados s freiras de Santa Apolnia, hipotecando para tal uma
propriedade como garantia50. Ter sido a escassez de dinheiro de contado para a prossecuo dos trabalhos em
Alcochete que o determinou? Assim parece, ao lermos um outro contrato de emprstimo, contrado em 31 de
janeiro de 1746, agora de 320.000 ris, ao negociante Matias Lopes da Silveira, "para a continuao da obra de
pintura que fizera na matriz de So Joo Baptista da villa de Alcoxete"51, de que viria a distratar-se a 8 de agosto
desse mesmo ano52.
48
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 64, liv. 640, f. 14v.-15.
Vtor Serro noticiou vrias, contudo, a sua meno a "emprstimos a juro de altos quantitativos, que atestam um estatuto social de alguma relevncia",
suscita ambiguidade quanto posio de Bernardo Costa Barradas no emprstimo (op. cit., p. 98). Clarifique-se que o pintor foi prestacionista na maioria
dos emprstimos.
49
50
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 61, liv. 628, f. 97-98v. Vtor Serro afirma que "as religiosas do Mosteiro de Santa Apolnia
contratam Barradas para realizar pinturas nesse convento" (op. cit., p. 100). Ora, esta escritura corresponde a um simples emprstimo, sem qualquer
referncia a obra ou pintura.
51
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 62, liv. 630, f. 81-82.
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 63, liv. 634, f. 16-16v. Vtor Serro considera tratar-se de um novo emprstimo, quando
na realidade se trata de um "lanado em nota" de dois recibos; indica o dia 3, quando foi 13 de agosto; refere a participao de Joo da Silva das Candeias,
mas o nome Jos (op. cit., p. 100).
52
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Alm de adiantar dinheiro seu, este tipo de artfice no raramente tinha de esperar bastante tempo at receber
a totalidade do estipulado57.
Anteriormente, em 19 de julho de 1736, o pintor pedira 200.000 ris a juro irmandade das Almas da freguesia
de S. Tom, na pessoa de seu tesoureiro, o Padre Jos Mendes Pimenta, em cuja igreja viria a trabalhar dois
meses depois, por encomenda de outra irmandade, a do Santssimo Sacramento58. Nesta escritura apresentou
um fiador, evitando assim dar a casa como garantia59. Assim o exigia a rigidez do clausulado, impondo sanes
em caso de incumprimento.
Pela informao disponvel pode concluir-se que atravs de uma gesto rigorosa com recurso frequente a crdito
a juros, Bernardo da Costa Barradas ia conseguindo pagar as suas dvidas, sem, contudo, conseguir livrar-se deste
expediente para poder exercer a arte do seu ofcio.
53
54
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, liv. 632, f. 100-101v.
Jaelson Trindade revela um rol de produtos adquiridos a Jos Lino Vermeule (op. cit., p. 111).
Contrara outro emprstimo em 1738, aps a obra de S. Vicente de Fora, de 225.000 reis, comprometendo-se a pagar juros anuais e a devolver o principal
da dvida em trs meses aps ser solicitado a faz-lo. Como garantia deixou a "propriedade de cazas nouas que elle deuedor possui na dita Trauea da
veronica"; ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, liv. 598, f. 3-4v. e 4v.-6v.
55
56
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 61, liv. 626, f. 45.
Foi o caso da situao que originou a queixa de vrios artfices (pintores, escultores, entalhadores, latoeiros) ao arquiteto mor, Joo Frederico Ludovice,
credores do Senado da Cmara pelos trabalhos de pintura e dourado realizados em colunatas e toldos aquando da procisso do Corpus Christi de 1719,
continuando espera do pagamento ao fim de ano e meio (AML, Livro 8 de Consultas e Decretos de D. Joo V do Senado Oriental, f. 170-227).
57
58
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 53, liv. 588, f. 34v.-35v. Vtor Serro, ao contrrio, refere este documento como um
emprstimo ("de 32000.000 rs") feito pelo Barradas "para usufruto da dita irmandade", datando-o de 19 de junho, e menciona o Dr. Francisco Gomes como
tesoureiro da irmandade (op. cit., p. 99). Na verdade, era o promotor dos resduos do Arcebispado Oriental, em cuja casa se realizou a escritura, que ficaria
distratada em 9 de janeiro de 1738.
59
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 53, liv. 588, f. 62v.
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
Encontrava-se ento gravemente enfermo, "de doena que Deus foy seruido darlhe, mas em seu prefeito Juizo, e
entendimento"62. Deixando de lado tal ddiva divina, desconhecem-se as causas de morte to prematura. Sabese apenas que a maleita o acompanhava pelo menos desde abril de 1746, pois j ento visitava a botica de S.
Vicente em busca de remdios e prescries teraputicas que o curassem. As receitas e notas de dvida aos frades
vicentinos que integram o seu inventrio orfanolgico revelam que tinha comeado a tomar caldos de vboras
a 21 de abril de 1747, tendo comprado por sua conta 22 vboras por 2.200 ris. Entre os produtos prescritos
encontramos gua de rosas, flor de enxofre, leo de trtaro e sal torrado, integrando um receiturio mais vasto
que inclua, por exemplo, a forma de confecionar a "matria", determinando os passos a seguir, comeando pela
cozedura dos ovos, devidamente quebrados com os dedos at endurecerem, "em certam de ferro bem limpa",
juntando-lhes sais em p, indo depois ao "fogo de carvo forte e sem chama e revolvendo a materia com espatula
de ferro athe fazer espuma, se esprema na prensa, o oleo (...)"63.
A testemunhar o seu ltimo ato estiveram presentes pessoas que lhe eram prximas, certamente no apenas
por vizinhana ou para fazer f pblica, ou no estivessem entre as sete testemunhas presentes, alm de um seu
criado, dois pintores, dois carpinteiros e um pedreiro64. Trs semanas depois soobrava doena, morrendo
no dia 20 de agosto de 1747, a cinco dias de celebrar o seu 41 aniversrio65. Os pais, ainda vivos, ficaram por
herdeiros, ficando a tera para dividir pelos filhos quando aqueles morressem.
Analisando o arrolamento expresso no testamento, respeitante aos seus bens mveis e s quantias que envolviam
credores e devedores, verifica-se que o ofcio que lhe preencheu a vida no lhe foi desfavorvel. Relativamente
aos bens imveis, Bernardo da Costa Barradas possua duas propriedades na travessa da Vernica, onde morava,
e outra na travessa do Rosrio/horta da Cera, ali mesmo ao lado. As casas com que o pai o dotara no lhe serviram
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ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 64, liv. 640, f. 14v.-15.
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 64, liv. 640, f. 14v.
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muito tempo. Alis, pouco depois de casar, logo no primeiro dia de 1732 comprou uma "propriedade de Cazas
grandes", tambm travessa da Vernica por 450.000 reis, foreiras a Gaspar Sodr Ferreira66, ficando a haver
algum dinheiro que lhe permitiu beneficiar de algum rendimento a juro67.
A nova casa de habitao tinha uma tipologia comum maioria dos edifcios do arruamento, com loja e dois
andares, pouco variando quanto ao nmero de lojas (uma ou duas) e de andares (um ou dois), isto em 1762,
quando possvel fazer a reconstituio fivel do arruamento68. Contudo, se no se distinguia pela tipologia
diferenciar-se-ia pela dimenso, de acordo com a referncia a "casas grandes", vindo ainda a ser acrescentadas
em mais um sobrado e aumentadas as sacadas em altura, aps reunir os cabedais necessrios, em 1737, como
descrito no cordeamento de 10 de julho realizado pelo Senado da Cmara:
Diz Bernardo da Costa Barradas que elle h senhor, e pessuhidor de huma morada de cazas, em Villa Galega, na
trauea da veronica, as quais pertende reformar, sem tomar nada do publico, nem exceder a sua propria ria (...), e
fazendo as ginelas de sacada mais altas (...)69.
Deferido o pedido procedeu-se ao cordeamento, a 4 de setembro, registado pela mo do escrivo do tombo dos
bens e das propriedades da cidade, que acompanhou
(...) a ver e cordear a obra das cazas de Bernardo da Costa Barradas em que pertende leuantar mais hum sobrado e
se vio que a frontaria dellas extroce direita com a parede das cazas que lhe fico da parte de baxo e com o muro do
quintal que lhe fica da parte de sima e as sacadas que asentar no segundo sobrado fico em altura de mais de dezaseis
palmos e o degrao que tem na Rua o bota fora pera rebaxar a porta da escada (...)70.
Concluda a obra em janeiro, a "propriedade de cazas que de nouo Reedificou, e acrescentou em que viue na dita
Trauessa da Veronica"71, desde logo foi hipotecada para garantia de um emprstimo.
Mais detalhada a descrio das casas feita por ocasio do inventrio post mortem do pintor:
(...) constam de entrada de logea e na mesma para a parte esquerda huma Cazinha Com Genela de Grades de ferro e na
dita Logea huma Cazinha para mosso e debaxo da escada ha outra Cazinha e no primeiro andar ha tres Cazas Cozinha
e Camera com sua genela para a Rua e Caza de fora com tres genelas de asentos e no andar de sima ha outras tres
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ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 49, liv. 566, f. 89-91v. e 91v.-92v.
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 51, liv. 576, f. 35v.-36 (SERRO, Vtor - op. cit., p. 98).
Arquivo Histrico do Tribunal de Contas (AHTC), Dcima da Cidade, Livros de Arruamentos, m. 421.
AML, Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 456-457v.
Idem, ibidem, f. 456v.
ANTT, 1 Cartrio Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofcio B, cx. 55, liv. 595, f. 31-32v. (SERRO, Vtor - op. cit., p. 100).
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
Cazas cozinha Camera e Caza de fora com duas genelas de Sacada e por sima ha humas agoas fortadas que constam
de tres Cazinhas e huma Cazinha de Caruam com huma baranda as quaes estam nouas e bem tratadas todas com suas
pinturas e vidrassas (...)72.
Figura 5
Os dois prdios defronte da ermida do Rosrio, ambos tornejando para a rua do Rosrio, hoje travessa.
Apesar das casas de Bernardo da Costa Barradas serem referenciadas em frente ermida, nenhuma
destas propriedades parece corresponder s descries setecentistas. Fotografia s/a [entre 1898 e 1908];
AML, PT/AMLSB/FAN/001963.
O relativo destaque da casa do pintor, apesar de desprovida de ambio, confirmado em sede de imposto de
dcima relativamente s restantes daquele troo da rua, como se comprova na avaliao dos Livros de Arruamentos,
entre 1762 e 176773. Entretanto, j a famlia mudara de residncia, "por ser de major rendimento accomodandose em cazas de menos valor em vtilidade do Cazal, e sinco filhos menores"74. A antiga casa de morada da famlia
passou a ser arrendada. Assim o fez o tutor testamentrio dos filhos menores, em 1756 (12/06), arrendando-a a
Manuel Antnio da Costa, apesar de danificada pelo terramoto. ento descrita com "dous andares de sobrados
com suas loges"75. Depois de arrendada alguns anos ao Apontador das Obras, que ocupava o 1 e 2 andar, em
1768 vendida ao repartidor dos rfos do termo, Joo Aires da Rocha, que ali fixaria residncia76.
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75
ANTT, Inventrios Post Mortem, m. 59, n 7, f. 128-128v. (TRINDADE, Jaelson Bitran - op. cit., p. 113).
AHTC, Dcima da Cidade, Livros de Arruamentos, m. 421, 422, 423.
ANTT, Inventrios Post Mortem, m. 59, n 7, f. 227.
Conheceu entretanto vrios proprietrios at ao 2 quartel do sculo XIX: D. Ins Maria de Barros, D. Ana Aires de Miranda, Padre Miguel Rodrigues
Abranches, Antnio Ribeiro da Costa (AHTC, Dcima da Cidade, Livros de Arruamentos, m. 424 a 462).
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Jorge Ferreira Paulo
Figura 6
Marcao da ermida de Nossa Senhora do Rosrio, localizada na rua da Vernica, ento travessa, em frente da travessa do Rosrio (1858). CMARA MUNICIPAL DE LISBOA Carta Topogrfica de Lisboa sob a direo de Filipe Folque: 1856-1858. Lisboa: Cmara Municipal, 2000. Planta n 37.
A alienao da propriedade, porm, no apagou de todo a ligao do pintor memria do stio, pois, por disposio
testamentria, fizera-se sepultar na ermidinha de Nossa Senhora do Rosrio, vizinha de sempre, em frente das
suas casas da Travessa da Vernica. Tudo com a maior das simplicidades "sem mais pompa nenhuma que hum
Caixo allugado, e leuado por seis pobres mendicantes", amortalhado no hbito de S. Francisco e de Nossa
Senhora do Monte do Carmo, de quem era, segundo suas humildes palavras, "indigno terceiro"77. Com esprito
despojado e generoso, no se esqueceu do irmo e dos avs j falecidos partilhando com eles as 400 missas de
esmola que deixou encomendadas, destinadas a si e s almas redentoras do fogo do purgatrio. Aos parentes, aos
amigos e aos inimigos, sem distino, pediu que lhe perdoassem. mulher, de quem to cedo se separava e de
quem tambm esperava a generosidade do perdo pelos agravos por ele cometidos, dedica a sua ltima pintura,
registando por palavras de amor e afeto os sentimentos que os uniam, perpetuados pelas suas ltimas vontades.
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BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
Figura 7
Ermida de Nossa Senhora do Rosrio, na Rua da Vernica, onde Bernardo da Costa Barradas se fez
sepultar, em agosto de 1747.
Fotografia de Jos Artur Leito Brcia [entre 1890 e 1945]; AML, PT/AMLSB/BAR/000129.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Cartrios Notariais de Lisboa, Livros de Notas
1, Ofcio A, liv. 465
1, Ofcio B, liv. 558, 563, 566, 576, 579, 580, 582, 583, 588, 595, 598, 626, 628, 630, 632, 634, 640
7, Ofcio A, liv. 479, 481
8, liv. 2
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Jorge Ferreira Paulo
Bibliografia
Boletim da Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. Lisboa: [s.n.]. N 33 (1943).
CMARA MUNICIPAL DE LISBOA - Carta Topogrfica de Lisboa sob a direo de Filipe Folque: 1856-1858. Lisboa: Cmara
Municipal, 2000.
ESTEVAM, Jos - A restaurao da Igreja Matriz de Alcochete. Lisboa: Couto Martins, 1948.
FERREIRA, Slvia - A retabulstica. Presena e memria. In SALDANHA, Sandra Costa (coord.) - Mosteiro de So Vicente de
Fora: Arte e Histria. Lisboa: Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, 2010. p. 279-295.
MACHADO, Diogo Barbosa - Bibliotheca Lusitana. Coimbra: Atlntida Editora, 1965. tomo I.
MATOS, Jos Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira - Guia Histrico do Caminho do Oriente. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. 2 vol.
CARDOSO, Padre Lus Dicionrio Geogrfico, 1759. In PORTUGAL, Fernando; MATOS, Alfredo de (ed.) - Lisboa em 1758 Memrias Paroquiais de Lisboa. Lisboa: [s.n.], 1974.
SANTA MARIA, Frei Agostinho de - Santurio Mariano. Lisboa: Off. Antonio Pedrozo Galram, 1707. tomo I.
SERRO, Vtor - O ncleo de pintura. In FERNANDES, Isabel (coord.) - Igreja de So Joo Baptista de Alcochete. Alcochete:
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SOROMENHO, Miguel - O Mosteiro e igreja de So Vicente de Fora. In MOITA, Irisalva (coord.) - O Livro de Lisboa. Lisboa:
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274
I
BERNARDO DA COSTA BARRADAS - UM PINTOR-DOURADOR DE LISBOA (1706-1747)
TEIXEIRA, Francisco A. Garcez - Irmandade de S. Lucas - Estudo do seu arquivo. Lisboa: [s.n.], 1931.
TRINDADE, Jaelson Bitran - Nas encruzilhadas da arte: o pintor Barradas, de Lisboa (1747). Museu. Porto: [s.n.]. 4 Srie,
N 7 (1998), p. 107-135.
275
Documenta
NOTA INTRODUTRIA
O Arquivo Municipal de Lisboa tem sua guarda um riqussimo acervo documental de extrema relevncia para o
estudo da cidade, sendo exemplo disso a documentao referente ao reinado de D. Joo V. A Documenta inclui a
transcrio integral de alguns documentos relacionados com a temtica dos artigos que compem os Cadernos do
Arquivo Municipal. Com a publicao destas fontes pretende-se criar uma base de apoio aos investigadores assim
como um veculo de divulgao do esplio do Arquivo Municipal de Lisboa.
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 136/2014. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 277
277
No mes de Janeiro de Cada hum anno os offiiaes do offiio dos pintores ASsi de oleo como de tempera se
aJuntaro em ha casa que elles para Jsso ordenarem E os Juizes que ento acabo com Seu esCriuo daro
Juramento dos Sanctos Evangelhos a todos os que presentes forem que bem E verdadeiramente Sem odio nem
affeio dee cada hum sua voz a dous offiiaes scilicet a hum pintor de oleo e outro de tempera que seio Jdoneos
E pertencentes para eSse anno Seruirem de Juizes e Examinadores do dito offiio, e Sendo aSsi dado Juramento
aos ditos offiiaes, os ditos Juizes com o esCriuo se apartaro para hum Cabo da dita casa onde tero posta ha
meSa E aly pergumtaro a cada hum dos ditos offiiaes per sy Sob cargo do dito Juramento que recebero a quaes
do sua voz para aquelle anno vindouro Seruirem de Juizes E examinadores do dito offiio, e o que cada hum
diSser em Segredo o esCriuo o esCreueraa E acabado aSsi de perguntar os ditos offiiaes elles Juizes alimparo a
pauta com o dito esCriuo E em outro papel poero per letra aquelles dous offiies que mais votos teuerem para
aquelle anno Seruirem de Juizes E examinadores do dito officio.
E pela mesma maneira e no dito dia que elegerem os ditos juizes E examinadores elegero outro offiial do dito
offiio por esCriuo para Seruir aquelle anno com os Juizes e despois de os ditos Juizes [f. 128v.] E esCriuo aSsi
Serem eleitos Jro aa Camara para lhes ser dado Juramento dos Sanctos Evangelhos que bem E verdadeiramente
Siruo Seus cargos, e para os aSsentarem no Liuro da camara como he costume e aquelles Juizes examinadores
E esCriuo que com esta Solenidade no forem eleitos no vsaro dos ditos cargos Sob pena de qualquer que o
contrairo fezer pagar mil reis a metade para as obras da idade E a outra para quem o accusar.
3
E o offiial que sair por examinador hum anno5 no Seruira o mesmo cargo dahy a tres anno contados do dia em
que acabar Seu anno E pela mesma o que sair por esCriuo.
4
1
2
3
4
5
O regimento no est datado, encontra-se num cdice com a data extrema de 1566-1808.
Nota marginal esquerda: 1.
Nota marginal esquerda: 2.
Segue-se riscado: se.
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 136/2014. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 279 - 282
279
I
Documenta
E nenha peSsoa aSsi natural como estrangeiro que do dito offiio dos pintores aSsi de oleo como de tempera
quiSer vsar E poer tenda o poderia fazer Sem primeiro Ser examinado pelos examinadores que para Jsso so
eleitos. O qual exame Se faraa em casa do examinador que for do offiio de que Se faz o exame a que elles Sero
presentes para que vejo se o tal offiial faz obra conueniente per que merea Ser approuado.
6
E o que se ouuer de examinar de pintura de oleo traraa ha tauoa de quatro ou cinco palmos em quadra E em
casa do Juiz pintara a Jmagem que lhe elle diSser em modo que na dita tauoa aja maenaria, paiSagem E algas
menudenias para que en tudo Seria Sua Suffiienia. E o que aSsi for examinado pela Sobredita maneira ficara
examinado de todas as outras cousas e a pintura neceSsarias E ao ornamento della.
7
E o que de tempera ou fresco quiser usar faraa em parede a fresco [f. 129] E em panno ou tauoa a tempera figura
ou lauor romano ou grotesco querendo vsar de tudo. E fazendo o Sobredito ficara examinado de todas as cousas
aa dita pintura de tempera ou fresco Jmferiores.
8
E o que de dourado ou estofado Somente quiSer vsar por mais no poder alcanar faraa ha pea de ouro
bornido e mate em a qual haueraa algum plano ou tauoa per si de dous palmos em que faa alem do dito dourado
dous palmos de rapado e faraa mais hum pao de branco bornido E encarnaraa hum rostro de vulto de ha virgem,
de encarnao polida.
9
E ao que aSsi for examinado na maneira Sobredita E for hauido por habil E pertencente para poer tenda lhe
passaro Sua carta de examinao aSsinada pelos examinadores E feita pelo esCriuo do Seu cargo. A qual leuaro
aa Camara para la ser vista E confirmada E se registrar no Liuro em que as taes cartas Se registro.
10
Da qual examinao o offiial que Se aSsi examinar quiSer pagaraa trezentos reis E Sendo estrangeiro Seisentos
reis de que sero as duas partes para as despesas do dito offiio E a tera parte para os examinadores.
11
E qualquer pintor que daquy en diante tenda poSer Sem primeiro Ser examinado da maneira Sobredita Seraa
preso E da Cadea onde Jaraa, quinze dias pagaraa dous mil reis a metade para as obras da Cidade E a outra para
quem o accusar, E Sendo os Juizes os accusadores Seraa para as despesas do offiio, e a mesma pena [f. 129v.]
haueraa qualquer offiial a que Se prouar que fez algas obras ou peas de que no for examinado, ou no Sendo
examinado tomar obra do dito offiio para fazer fora da tenda do offiial examinado.
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280
I
DOCUMENTA
E quando algum official do dito offiio Se poSer a examinar Seno Souber fazer o que Se contem em seu exame, os
ditos examinadores o no examinaro E lhe mandaro que vaa aprender. E do dia que Se poSer aa tal examinao
a Seis meSes o no tornaro a examinar E paSsados os ditos Seis meSes emto Se poderaa poer outra uez a
examinao, E Sendo apto lhe paSsaro Sua carta, e no o Sendo o tornaro outra uez a mandar aprender outros
Seis meSes, e assi o faro tantas vezes quantas acharem que no Sabe fazer como o conteudo em Seu exame.
13
E os examinadores que o aSsi no fizerem E antes do dito tempo o tornarem a examinar pagaro dous mil reis
a metade para as obras da Cidade E a outra para quem os accusar.
14
E Sendo caso que os ditos examinadores fauoralmente ou por peita ou por qualquer respeito ou maliia derem
por suffiientes aquelles que o no forem, E lhes derem lugar que ponho tenda da Cadea onde estaro trinta dias
pagaraa cada hum quatro mil reis a metade para as obras da idade E a outra para quem os accusar.
15
E os examinadores do dito offiio no examinaro Seus filhos, parentes, cunhados ou Criados. E quando
qualquer dos Sobreditos Se quiser examinar faraa petio aa Camara para lhe Ser dado hum dos Juizes do anno
paSsado qual aa Cidade bem pareer para o [f. 130] examinar em lugar examinador Suspeito E qualquer dos
examinadores que o contrairo fezer pagaraa dous mil reis a metade para as obras da idade E a outra para quem
o accusar E a tal examinao no seraa valiosa.
16
E Sero aviSados os ditos examinadores que nenhum per si soo examinem offiial algum Seno Sendo ambos
Juntos Sob a mesma pena.
17
E os Juizes do dito offiio tero cargo de trinta en trinta dias visitar as tendas dos offiiaes E fazer correio
com o esCriuo E aSsi todas as mes vezes que neceSsario lhes pareer. E as obras que acharem que no So
feitas como deuem tomaro E leuaro aa Camara para Se fazer nisso o que for justia E Se dar o castigo ao official
conforme aa Culpa que lhe for achada. E esta deljgenia faro Sem odio nem affeio nem outro algum modo ou
espeie de maliia. E os Juizes que nas ditas obras emgano E falsidade acharem E a diSsimularem per qualquer via
que Seia E no fizerem diligenia para Se fazer a dita execuo contra os culpados pagaro dez cruzados a metade
para as obras da idade E a outra para quem os accusar.
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281
I
Documenta
E Mando aos offiiaes do dito offiio que quando quer que os ditos Juizes chegarem a suas tendas para lhas
visitarem lhes obedeo E mostrem as obras do Seu offiio que quiSerem para verem se ha algas malfeitas e como
no deuem para Se fazer nellas execuo Sob pena de qualquer que deSobediente for a idade lhe dar por ysso o
castigo que lhe bem pareer. E da desobedienia que o tal offiial cometer contra os ditos Juizes ou qualquer delles
[f. 130v.] o dito esCriuo faraa auto E o leuaraa aa Camara para se nella ver E mandar o que for justia.
19
E qualquer offiial que for chamado pelos ditos Juizes E examinadores para algum aJuntamento que toque ao
dito offiio ou para ver algas obras Sobre que aja differena E for reuel E no vier pagara mil reis a metade para
as obras da cidade E a outra para as despesas do dito offiio E a mesma <penna> hauero os Juizes ou cada hum
delles que Sendo chamados para algum aJuntamento no vierem.
20
E nenhum offiial do dito offiio Seraa to ouSado que tome nem recolha em Sua casa aprendiz nem obreiro
que estiuer com outro offiial emquanto durar o tempo que o tal obreiro ou aprendiz for obrigado a estar com
Seu amo, nem lhe fallaraa nem mandara fallar per outrem, Sob pena de qualquer que o contrairo fezer pagar
vinte cruzados a metade para as obras da Cidade E a outra para as despesas do offiio, e o tal obreiro ou aprendiz
tornara para casa de Seu amo.
21
E per esta mando aos Almotaees das execues meirinho da Cidade e alcaides della que hora So E ao diante
forem que Sendo requeridos pelos ditos Juizes para alga cousa que Seia neeSsaria para comprimento E execuo
do que toque a este regimento lhes acudo com diligenia E faco nisso justica.
22
E mando outroSi a qualquer porteiro do conelho E homens dos alcaides desta idade que Sendo requerido
pelos ditos examinadores para fazerem alga execuo de Sentena ou mandado da camara ou dos almotaees
ou qualquer outra cousa que outroSi toque o comprimento E execuo deste regimento o cumpro E lhes Seio
obedientes. E no o fazendo assi a cidade lhes dara por ysso o castigo que merecerem.
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282
No mes de Janeiro de Cada hum anno os offiiaes do offiio dos douradores Se aJuntaro em ha casa, que elles
para ysso ordenarem e os Juizes que ento acabo com o esCriuo de seu cargo, daro <juramento> dos Sanctos
Euangelhos a todos os que presentes forem, que bem e verdadeiramente Sem odio nem affeio dee cada hum
Sua voz a dous homens que aquelle anno ho de Seruir de Juizes e examinadores do dito offiio, e Sendo aSsi
dado Juramento aos ditos offiiaes os ditos Juizes com o esCriuo, se apartaro para hum cabo da dita casa onde
tero posta ha meSa, e aly perguntaro a Cada hum dos ditos offiiaes per sy Sob cargo do dito Juramento que
recebero a quem do Sua voz para aquelle anno vindouro seruir de Juiz e examinador do dito offiio e o que
cada hum disser em Segredo o esCriuo o esCreueraa e acabado assi de perguntar os ditos offiiaes elles Juizes
alimparo a pauta com o dito esCriuo e en outro papel poero por letra aquelles dous offiies que mais votos
teuerem para aquelle anno Seruirem de Juizes e examinadores do dito officio.
2
E despois de os ditos Juizes aSsi Serem eleitos Jro a camara para lhes Ser dado Juramento dos Sanctos Evangelhos
que bem e verdadeiramente Siruo seus cargos e para os assentarem no liuro da camara como he costume e
aquelles Juizes e examinadores que com esta Solenidade no forem eleitos no vsaro dos ditos cargos Sob pena
de qualquer que o contrairo fizer do Tronco pagar mil reis a metade para as obras da Cidade e a outra para quem
o accusar.
[f. 22]
e o offiial que Sair por examinador hum anno no seruira o mesmo cargo dahi a tres annos contados do dia em
que acabar seu anno.
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3
Este regimento no est datado mas o livro tem como datas extremas 1566-1808.
Nota marginal esquerda: 2.
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 136/2014. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 283 - 288
283
I
Documenta
E nenha pessoa assi natural como estrangeiro que do dito offiio de dourador quiser usar e poer tenda o
podera fazer Sem primeiro Ser examinado pelos examinadores que para ysso So eleitos o qual exame Se faraa
em casa de hum dos ditos examinadores qual elles entre sy ordenarem a que elles sero presentes para que vejo
Se o tal official faz obra conueniente per que merea Ser approuado.
4
E Todo o offiial que Se examinar quiser Sabera muj bem cortar qualquer pea de ferro que lhe for dada para
hauer de Ser dourada Sobre o dito ferro e Saber lhe a muj bem aSsentar o ouro a proveito das partes.
5
Jtem Sabera dourar huns estribos Sobre ferro Tunecijs e huns ferros de Cabresto de destro tambem Sobre ferro,
e aSsi mesmo Sabera dourar has estribeiras tuneijs de cobre de ouro moido e folha em cima do moido, e assi
pratecara outras estribeiras de cobre que fiquem em prata branca e aSsi dourara de ferro Sobreprata.
E ao que aSsi for examinado na maneira Sobredita e for hauido por habil e pertencente para poer tenda, lhe
paSsaro Sua carta de examinao aSsinada pelos examinadores e feita pelo esCriuo do seu cargo. A qual leuaro
a Camara para la ser vista e confirmada e Se registrar no liuro em que as taes cartas se registro.
6
Da qual examinao o offiial que Se aSsi examinar quiSer pagara trezentos reis e Sendo estrangeiro Seiscentos
reis de que Sero as duas partes para as despesas do dito offiio e a tera parte para os examinadores
7
[f. 22v.]
e qualquer dourador que daqui em diante tenda poSer Sem primeiro Ser examinado de maneira Sobredita Seraa
preso e da cadea onde Jaraa quinze dias pagaraa dous mil reis a metade para as obras da idade e a outra para
quem o accusar e a mesma pena hauera qualquer offiial no Sendo examinado que tomar obra do dito offiio
para fazer fora da Tenda do offiial examinado.
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284
I
DOCUMENTA
E quando algum official do dito offiio Se poser a examinar Seno Souber fazer as Sobreditas peas os ditos
examinadores o no examinaro, e lhe mandaro que vaa aprender, e do dia que se poSer aa tal examinao a Seis
meSes o no tornaro a examinar e passados os ditos Seis meSes ento Se podera poer outra uez a examinao,
e Sendo apto lhe passaro Sua carta e no o Sendo o tornaro outra uez a mandar aprender outros Seis meSes
e aSsi o faro tantas vezes quantas acharem que no Sabe fazer como deue as peas de Sua examinao e os
examinadores que o aSsi no fizerem e antes do dito tempo o tornarem a examinar pagaro dous mil reis a
metade para as obras da idade e a outra para quem os accusar.
9
10
E Sendo caso que os ditos examinadores, fauorauelmente ou por peita ou por qualquer respeito ou maliia
derem por Suffiientes aquelles que o no forem, e lhes derem lugar que ponho tenda da Cadea onde estaro
trinta dias pagaraa cada hum quatro mil reis a metade para as obras da Cidade e a outra para quem os accusar.
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11
E os examinadores do fito officio no examinaro Seus filhos, parentes, cunhados, ou criados, e quando
qualquer dos se quiser examinar fara petio aa camara para lhe Ser dado hum dos Juizes do anno passado qual
aa Cidade bem pareer para o examinar [f. 23] em lugar do examinador suspeito e qualquer dos examinadores
que o contrairo fizer pagaraa dous mil reis a metade para as obras da cidade e a outra para quem o accusar e a
tal examinao no seraa valiosa.
11
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E sero avisados os ditos examinadores que nenhum per sy soo examine offiial algum seno sendo ambos
Juntos Sob a mesma pena.
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13 E Mando que nenhum dourador aSsi mestre de tenda como obreiro dourem nem prateem pea alga de
rasquete seno cortada nem a tenha em sua tenda para vender nem fao peas prateadas e estanhadas tudo
mesturado, e Soomente faro estribeiras de Cauallo meas prateadas de fora e estanhadas de dentro e ha caixa de
peitoral com sua fiuela aSsi mea com meas estribeiras e achando se que douro ou prateo de rasquete ou fazem
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285
I
Documenta
peas douradas e prateadas e estanhadas per partes e no da maneira sobredita do Tronco onde Jaro hum mes
pagaro dous mil reis a metade para as obras da idade e a outra para quem os accusar. E porem quando pera
festas ou outras cousas forem requeridos per algas peSsoas que lhes dourem ou prateem de rasquete por mais
breuidade ou menos despesa viram pedir liena aa Camara e com ella o podero fazer.
14
Jtem nenhum dourador mestre de tenda consintira nem daraa lugar que obreiro algum na sua tenda faca obra
dourada nem prateada nem de talhar ou inzelar no sendo obra do dito mestre, e fazendo o contrairo pagaraa
mil reis a metade para a cidade e a outra para quem o acusar.
14
15
Jtem nenhum offiial do dito offiio dourara nem prateara nem estanhara freos, bradas, estribeiras, esporas
nem outras cousas velhas por pareerem nouas e para por nouas as venderem mas assi velhas como [f. 23v.]
estiuerem as vendero por velhas, e o que o contrairo fizer do Tronco onde estaraa dous dias paguaraa dous mil
reis a metade para a cidade e a outra para quem o accusar.
15
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Jtem nenhum dourador per si nem per outrem comprara obra alga de ferro em preto de gineta, nem de
bastarda que venha de fora desta Cidade a Se vender nella sem que primeiro o faa Saber aos Juizes que cada hum
anno forem elegidos, e os ditos Juizes repartiro pellos offiiaes do dito offiio a tal obra dando a cada hum Sua
Jgoal parte, Saluo a que algum dourador mandar trazer para sua casa de Seu dinheiro porque ento Jurando aos
Sanctos Evangelhos que para a dita obra mandou dinheiro e delle lhe veo ficar lhe o dous teros e o outro Sera
obrigado a dar aos offiiaes e o dourador que o contrairo fizer e comprar a dita obra Sem os Juizes a repartirem
pella maneira Sobredita do Tronco pagaraa dous mil reis a metade para as obras da idade e a outra para quem
o accusar.
16
17
E os Juizes do dito offiio tero cargo de trinta en trinta dias visitar as tendas dos offiiaes e fazer correio com
o esCriuo de Seu cargo e aSsi todas as mais vezes que neceSsario lhes pareer e as obras que acharem que no
so feitas como deuem ou que no So conformes aas cartas das examinaes dos ditos offiiaes por vsarem de
mais obras daquellas que So examinados as tomaro e leuaro aa Camara para Se fazer niSso o que for Justia
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286
I
DOCUMENTA
e Se dara o castigo ao offiial conforme a culpa que lhe for achada, e esta deligenia faro Sem odio nem affeio
nem outro algum modo ou espeie de maliia, e os Juizes que nas ditas obras engano e falsidade acharem E a
dissimularem per qualquer via que seia e no fizerem diligenia para Se fazer a dita execuo contra os culpados
pagaro dez cruzados a metade para as obras da idade e a outra para quem os accusar.
[f. 24]
18
E mando aos offiiaes do dito offiio que quando quer que os ditos Juizes chegarem as suas tendas para lhas
viSitarem lhes obedeo e lhes mostrem as obras de Seu offiio que quiSerem para verem Se ha algas malfeitas
e como no deuem para Se fazer nellas execuo sob pena de qualquer que deSobediente for a cidade lhe dar
por ysso o castigo que lhe bem pareer e de deSobedienia que o tal offiial cometer contra os ditos Juizes ou
qualquer delles o dito esCriuo faraa auto e o leuara aa Camara para Se nella ver e mandar o que for Justica.
18
19
19
E qualquer offiial que for chamado por parte dos ditos Juizes e examinadores para algum ajuntamento ou para
ver algas obras Sobre que aja differena e for reuel e no vier pagaraa duzentos reis para as despesas do dito
offiio, em a qual pena os mesmos Juizes o condemnaro, e esto dando lhes fee o esCriuo do dito offiio ou outro
qualquer que requereo o tal offiial sob a dita pena que vieSse perante os ditos Juizes, e a mesma pena hauero
os Juizes ou cada hum delles que Sendo chamados para algum aJuntamento no vierem.
20
E nenhum offiial do dito offiio Seraa tam ouSado que tome nem recolha em sua casa aprendiz nem obreiro
que estiuer com outro offiial emquanto durar o tempo que o tal obreiro ou aprendiz for obrigado a estar com Seu
amo, nem lhe fallara nem mandara fallar por outrem Sob pena de qualquer que o contrairo fizer paguar dous mil
reis a metade para as obras da idade e a outra para quem o accusar e o tal obreiro ou aprendiz tornaraa para
casa de Seu amo.
20
[f. 24v.]
21
E per este mando aos almotaees das execues, Meirinho da Cidade e alcaides della que ora So e ao diante
forem que Sendo requeridos pelos ditos Juizes per alga cousa que Seia neceSsaria para comprimento E execuo
do que toca a este regimento lhes acudo com diligenia e faco niSso Justia.
21
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287
I
Documenta
22
E Mando outroSsi a qualquer porteiro do concelho e homens dos alcaides desta idade que Sendo requerido
pelos ditos examinadores para fazerem alga execuo de Sentena ou mandado dos almotaees ou qualquer
outra cousa que outroSsi toque o comprimento E execuo deste regimento o cumpro e lhes Seio obedientes, e
no o fazendo aSsi a Cidade lhes dara por ysso o castigo que merecerem.
22
A fl. 313 deste Livro vay Lanada a sentenca dos Douradores, que no Dezembargo do Pao a lanaro contra os
Barbeiros de guarnecer espadas aserca do azular revogando se a sentenca que no senado se deu a favor dos Barbeiros.
(assinado:) Faria
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Anno do Naimento de nosso senhor Jezus christo de mil e quinhentos e hum annos vinte e quoatro dias do mes
de Agosto na Cidade de Lisboa no Hospital de sancta Maria que esta juncto Com a Caldeiraria estando hi todos
junctos os mordomos e homens bons dos offiios dos Carpinteiros e Pedreiros a saber Ferno Lobo e Pedro
Gomes mordomos e Joo d evora e vasco Rodrigues e Joo Lopes e Ruy Dias e Aluaro Pires e Affono Aluares e
Apario Fernandes e Matheus Fernandes e Aluar eannes e Lopo Fernandes e Rodrigo Affono e Pedro Affono e
Aluaro Affono e Joo Fernandes e vasq eanes e Affono Fernandes e Goncallo Pires e Joo Alures e Joo de
santiago e Diogo Fernandes e Joo Martins e Diogo Di[a]z e Loureno Affono e Affono PeSsouro e Affono
PeSsouro e Affono Loureno e Joo Leal e Affono Luis e Jorge Affono e Affono gonsalues e Pedro Loureno e
Joo Martins e vasque annes o moSso e Martim Loureno e thome Fernandes e Esteuo Martins e Joo Di[a]z e
Joo Affono e Joo Martins d ourem e Diogo Martins e Lopo Rodrigues e Joo de Guimaraes e Jameis rey de armas
e Pero Gomes e Luis Gonsalues e Joo d estremos e Diogo Fernandes e symo Fernandes e Joo Aluares o ruiuo e
Pero vas e Aluaro Pires e Luis Peres e Joo Rodrigues e Affonc eanes sintro e Joo Pires e Francisco Pires e
Ferno d eannes e Rodrigr eanes o uelho e Affono Rodrigues todos carpinteiros. E Pedr ianes de So Joo e Pedr
aluares e Luis vas e Andre annes e Pedro Aff [f. 197v]2 ono morador ao posso do Borratem e Rodrig eannes
Taipeiro e Luis Gonalues e symo de Gouuea e Joo Alues e Joo gil e Aluar eannes e Pedro aluarez e Aluaro Pires
e Joo Rodrigues e Joo de Torres e Pero vicente e Joo Fernandes e Luis vas e Affono Rodrigues e Pero vas e
Nuno vas e Diogo Rodrigues e Joo Loureno e Lopo Diaz e Joo de gouuea e vasco Dias e Aluaro Martins e Mem
Rodrigues e Ferno d aFono e Affonco gil e Aluar eannes d ourem e Affono eannes e Phelipe Martins e Diogo
Dias e Pedro Affono e Pero Martins e Joo Affono e Ferno Goncaluis e Pero Esteues e Aluaro Nunes e Fernand
affono e Joo de Lisboa e Pedro Affono e Affono Martins e Joan eannes e Diogo Frade e Affono Rodrigues e
Joo Affono e Joo Pires e Joo Fernandes e Rodrig eannes de Torres e Goncalo gil e Pero vas e Pero gomes e Joo
de Cintra e sebastio Alures e Andre Affono e Joo gomes e Mestre Christouo e Pero Luis e Ferno Pires e Andre
Martins e Joo Fernandes e Pero Gonsalues e Joo gomes e Joo vas e Joo Affono gadarim e Affono Lopes seu
1
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Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 136/2014. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 289 - 313
289
I
Documenta
genro e Bras Affono e Joo Gonalues moreno todos Pedreiros e Carpinteiros e por elles ditos Carpinteiros e
Pedreiros todos junctos foi dito e acordado e detreminado que elles hauio por bem e seruio de Deos e de El Rey
noSso senhor e prol e honra delles ditos offeiaes e de seus offiios se ter a maneira abaixo declarada em se
fazerem de mordomos em cada hum anno offeiais para fazerem E mandarem fazer todalas Couzas que
pertenerem ao bem e Conseruao delles e dos ditos seus offiios asim para a festa do Corpo de Deos Como para
outras quaisquer Couzas que sobreuierem asim de El Rey nosso senhor Como dos offeiais da Camara da dita
Cidade Como de qualquer outro offeial de El Rey, digo do dito senhor = Primeiramente diSsero e detreminaro
todos que por dia de Corpo de Deos quando se fas a dita proisso a tarde elles fao em Cada hum anno dous
Juizes a saber hum Carpinteiro e outro Pedreiro e dous mordomos pella mesma maneira que sejo dos ditos
offiios e hum Escriuo e os ditos offeiais sero feitos por pellouros ou por uozes que sero tomadas ao tempo
que se Ouuer de fazer o que a elles todos melhor pareer aos quais Juizes que asim forem feitos no dito logo no
dito dia tomaro as [f. 198] as uozes Com o dito Escriuo ou pellouro para se fazerem dous examinadores do
offiio de Pedreiro e outros dous de Carpinteiros para examinarem os offeiais e julgarem as obras que se fizerem
segundo El rey nosso senhor tem detreminado e esta por postura na Camara da dita Cidade aos quais Juizes que
asim foram eleitos elles todos junctos lhe do seu Comprido poder e autoridade em seu nome e dos que apos elles
vierem dos ditos seus offiios que elles posso mandar chamar dos ditos homens dos ditos offiios quais e
quoantos elles ditos Juizes he pareerem necessarios para Com elles Consultarem e detreminarem todalas Couzas
que aos ditos offiiaes pareerem e bem asim tomarem Conta aos mordomos da receita e despesa que receberem
e despenderem no seu anno em que asy forem mordomos; - E bem asim do poder aos ditos Juizes que os que
elles mandarem chamar que lhes posso poer pena athe a quantia de Cem reales senom Comprirem seus
mandados e a dita pena poso executar senom a mostrarem Legitima rezo porque a no Compriro e pella dita
pena o posso mandar penhorar e vender os penhores se pagar nom quizerem ao tempo que El Rey nosso senhor
manda Em sua ordenao e isso sem mais autoridade de Justia nem fegura della; - E outrosim dissero todos e
detreminaro porque algumas vezes hero junctos todos ou delles em algumas partes per mandado dos ditos
Juizes para os semelhantes Cazos asima declarados e alguns se demaziauo a falar e dizer e fazer algumas Couzas
dezonestas e para se Euitarem as tais Couzas senom fazerem que elles dauo poder aos ditos Juizes que no tal
ajunctamento elles pudeSsem poer qualquer pena de dinheiro para onde lhe a elles ditos juizes bem pareer ou
os mandar prender se acazo para isso for E mandar Executar as ditas penas pello modo sobredito e bem asim
do poder aos ditos Juizes Com os ditos offiiais que asim mandarem chamar que elles detreminem executem o
que cada hum offeial pagara para a dita festa do dia de Corpo de Deos ou para outra qualquer Couza que pertener
aos ditos seus offiios e os ditos mordomos sero obrigados a tirar o dinheiro per os ditos offeiais per o Rol que
ser feito pello dito Escriuo e taxado pellos ditos juizes e homens bons que Com elles Estiuerem o que Cada hum
ha de pagar [f. 198v.]3 em e os dinheiros que asim receberem os ditos mordomos nom faro Couza alguma delle
que primeiro lhe nom seja ordenado pelos ditos Juizes com acordo dos que asim mandaram chamar e isto sob
pena dos Mordomos ou Mordomo que o Contrario fizer pagar de sua fazenda o que asim despender sem licena
E bem asim acordaro todos junctos que hauio por seruio de Deos e de El Rey nosso senhor e bem e
3
Reclamo: pagar.
290
I
DOCUMENTA
Conseruao delles ditos offeiais e honra de seus offiios e proueito da Republica e azo de hy hauer melhores
offeiais e se fazerem melhores obras Como o dito senhor dezeja desta Cidade ser emnobrecida que daqui em
diente nenhum offeial dos ditos offiios no tomem nenhum aprendis que Outro offeial tenha quer este per
escreptura quer sem ella esto se entenda desta maneira a saber o que estiuer ja por esta escriptura e o que no
estiuer por escreptura e passar de tres mezes que o nom possa tomar e tomando que pague mil reis para as obras
e despezas dos ditos offiios e a dita pena se entenda a qualquer offeial que der de Laurar ao semelhante aprendis
antes de acabar seu tempo porque muitas vezes se acontesse alguns aprendizes no acabarem seu tempo e se
hirem para outros offeiais e lhe darem algum dinheiro e por lho asim darem nom Curo de lho asim dar digo de
os emsinar nem perder tempo em os emsinar o que he azo de os tais nom serem bons offeiais por estes Respeitos
e por Outros as uezes tomo as tais obras para as fazerem e antes ou depois de feitas quaes ou so feitas em tal
maneira que no so taes Como deuem e por se asim euitarem as Couzas sobreditas Acordaro todos os sobreditos
e do poder aos ditos Juizes que nos tempos forem que se alguns Cahirem nas ditas penas que elles per sy os
posso executar e mandar poer em boa arrecadao no Liuro que he feito ou for onde se poem todas as Couzas e
Contas que aos ditos offeciais pertenem para em todo o tempo se saber o que Cada hum paga e em que se despende
e esto seja asentado pello Escriuo que anto for para todo vir a boa arrecadao e porque a todos aproue desto e
houuero bem asinaro aqui todos e pediro a [f. 199] e pediro a El Rey nosso senhor que a sua senhoria lhe
Confirmasse asy e pella maneira que aqui he Contheudo no que de sua senhoria recebera muita mere
Aluara de Confirmao
Nos El Rey fazemos saber a quantos este nosso aluara virem que os offeiais Pedreiros e Carpinteiros desta
nossa Cidade de Lisboa nos disero Como elles ordenaro ante sy para nas Couzas de seu offiio serem melhor
Regidos este Regimento e Compremissio Com prazer e Consentimento de todos e que Comprindo sse sera bem
para elles e nosso seruio nos pedio por mere que Ouuessemos por bem de lho Confirmar e quizessemos que
se goardasse como nelle hera Contheudo e visto por nos o Respeito que para isso tiuero e Como se disso seguia
e segue de boa ordem entre elles nos apras lhe Confirmarmos e queremos que se Cumpra inteiramente em todo
Como por elles esta ordenado sem a isso lhe ser posta duuida nem Embargo ante mandamos a todalas nossas
justias que sendo para isso Requeridas o fao Comprir e goardar Como se nelle Conthem porque asy o hauemos
por bem feito em Lisboa a vinte e seis de Abril vicente Carneiro o fes anno de mil e quinhentos e tres
Asento pera seno elegerem preueligiados
Aos vinte e sette de septembro digo de Julho de quinhentos e quatorze foi acordado em Camara pellos vereadores
e Procuradores e Mesteres por bem da Re publica que o offiio dos Carpinteiros e Pedreiros em Cada hum anno
elejo de antresy vinte homens a saber des Carpinteiros e dos Pedreiros dos principais dos ditos offiios as quais
vinte depois de elegidos elegero de antre sy e de todos os ditos offeiais seis homens bons a saber dous para
291
I
Documenta
vedores e dous para juizes e examinadores e dous para mordomos os quais traro a Camara para receberem
juramento e se uerem se so tais quais deuem para seruirem os ditos Cargos e sendo tais que os ditos Vereadores
e Mesteres os houuerem por bons e sufecientes os Confirmaro para seruirem aquelle ano e no sendo [f.
199v.] 4tais lho faro emmendar e Correger a dita eleio em tal maneira que sempre sejo eleitos para os tais
Cargos os principais do dito offiio da Cidade e sero avizados estes que asim forem eleitos que no meto para
seruirem os ditos Carregos de veadores e Juizes e examinadores nenhuns offeiais que preuelegiados sejo seno
Renuniando seus preuilegios para a Cidade fazer justia delles se fiarem tal erro porque deuo ser Castigados
e no o querendo Renuniar no os meto nos ditos offiios e estes que so elegidos atras escritos seruiro este
anno somente
Treslado de hum alvara de El Rey nosso senhor porque todos os offeiais seruo na procisso do Corpo de Deos
Eu El Rey fao saber a vos vereadores Procuradores e Procuradores dos Mesteres de minha mui nobre e sempre
leal Cidade de Lisboa que eu Hey por bem e seruio de Deos e meu que aquellas pessoas offeiais mecanicos a que
so dados alguns preuilegios porque se excuzo de hir nas procisses do Corpo de Deos e nas outras de festas
solenes que se fazem na cidade em que ho de hir por ordenao com seus offiios nom sejo escuzos pellos ditos
preuilegios de hir nas ditas festas posto que nelles seja posta Clauzulla que sejo disso excuzos porque no hei
por seruio de Deos nem meu que nesta parte lhe sejo goardados os ditos preuilegios e isto Emquoanto minha
mere for e nom mandar o contrario, Porem vollo notefico e vos mando que lhe nam Cumprais nem goardeis os
ditos preuilegios quoanto ao que toca a nom hirem nas ditas procisses e os Constranga para hirem nellas e este
compri e goardai como nelle se conthem feito em Almeirim a vinte e sette dias de junho Bertholameu Fernandes
o fes de mil e quinhentos vinte e sette, Eu Christouo de Magalhaes Escriuo da Camara desta Cidade de Lisboa fiz
tresladar este aluara de El rey nosso senhor o qual esta na dita Camara e por mim Consertei e sobescreui e asignei
Titollo em que manda que Cada offiio faa eleio sobre sy
Mando que por quoanto os offeiais de Pedreiros e Carpinteiros [f. 200]5 so grandes mando que Cada hum
dos ditos offeiais fao eleio sobre sy a saber os Pedreiros por sy e os Carpinteiros por sy e esta maneira tero
sempre e asy a faro em Cada hum anno e de Outra maneira no e na eleio que fizerem os Pedreiros faro hum
vedor de Pedraria e Outro de Aluenaria
Eu El Rey faco saber a quantos este meu aluara virem que os offeiais Pedreiros e Carpinteiros desta minha Cidade
de Lisboa me dissero Como elles ordenaro entre sy para nas Couzas de seus offiios serem melhor regidos este
Regimento e Compremisso com prazer e Consentimento de todos e que Comprindosse sera bem para elles e meu
4
5
Reclamo: sendo
Reclamo: e Carpinteiros.
292
I
DOCUMENTA
seruio me pedio por mere que Ouuesse por bem lho Confirmar e quizesse que se goardasse Como nelle hera
Contheudo e visto por mim o respeito que pera isso tiuero e Como se disso seguia e segue e he boa ordem antre
elles me pras lho Confirmar e quero que se Cumpra inteiramente em todo Como por elles esta ordenado sem a isto
lhe ser posto duuida nem Embargo algum antes mando a todas minhas justias que sendo para isto Requeridos
o faro Comprir e goardar como se nelle Conthem por quoanto asim o hey por bem e isto me pras asim hauendo
respeito a outro tal aluara que tinha dado El Rey meu senhor e Padre que sancta gloria haja que atras deste liuro
fica tresladado Antonio Joo o fes em Lisboa a des de Julho de mil e quinhentos e vinte e noue = Rey
Titollo de hum aluara de El Rey nosso senhor
Em vinte dias do mes de Julho do anno de mil e quinhentos e trinta e dous annos pareero perante o muito
honrado senhor Leceneado Bras Affono juiz do Crime nesta Cidade de Lisboa os honrados Domingos Lopes
Carpinteiro e Diogo Rodrigues Juizes do offiio dos Pedreiros e Carpinteiros e pediro ao dito Juiz que neste
seu Compremissio lhe mandasse tresladar huma Confirmao ou aluara de Sua Alteza em maneira que fizesse
fe por quoanto faria a bem de seus offiios o qual aluara de Confirmao o dito Juiz aqui mandou tresladar e
he o seguinte [f. 200v.]6 Eu El Rey fasso saber a quoantos este meu aluara virem que os offeiais de Pedreiros
e Carpinteiros desta minha Cidade de Lisboa me dissero Como elles ordenaro entre sy para nas Couzas de
seus offiios serem melhor regidos este Regimento e Compremisso Com prazer e Conhecimento de todos e que
Comprindo sse sera bem para elles e meu servio me pedio por mere que Ouuesse por bem lho Confirmar e
quizesse que se guoardasse Como nelle hera contheudo, e visto por mim o respeito que para isso teuero e Como
se disso seguia e segue e he boa ordem antre elles me pras lho Confirmar e quero que se Cumpra inteiramente
em todo Como por elles esta ordenado sem a isso lhe ser posto duuida nem Embargo algum antes mando a todas
minhas Justias que sendo para isso requeridos o faro Comprir e goardar Como se nelle Conthem por quanto asy
o hei por bem e esto me pras asim hauendo respeito a outro tal aluara que tinho de El Rey meu senhor e Padre
que sancta gloria haja que atras deste Liuro fica tresladado. Antonio Joo o fes em Lisboa a des de Julho de mil e
quinhentos e vinte e noue Rey
7
Aluara
Eu El Rey fao saber a quoantos este meu aluara virem e o Conhecimento delle pertener que por parte do Juiz
e vinte e quoatro dos mesteres e pouo da minha Cidade de Lisboa me foi apresentado hum aluara de El Rey meu
6
7
Reclamo: o seguinte. Nota marginal esquerda: este aluara fica na uolta o que aqui cabia uai abaixo.
Nota marginal esquerda: no toca aqui este titollo ja uai asima.
293
I
Documenta
senhor e Padre que santa gloria aja de que o trelado tal he. Nos El rey fazemos saber a vos Doutor Ruy gonalues
Maracote de nosso Dezembargo e terceiro dos aggrauos da nossa Caza do Ciuel e Corregedor Com alada em a
dita Cidade de Lisboa e aos Juizes do Crime da dita Cidade que nos temos mandado que qualquer pessoa que
depois do sino de correr for achado na dita cidade Com [f. 201]8 qualquer arma que seja fosse degradado Com
baraco e pergo e cetera e porque os offeiais mecanicos e que viuem por seus mesteres tem necessidade de
hirem para suas tendas que tem fora das Cazas em que viuem ou de hirem dellas para suas Cazas ou a suas vinhas
e oliuais e heranas e he bem que leuem sua Espada ou azagaya para sua defeno hauemos por bem que a dita
ordenao e regimento seno entenda nos ditos mesteres e por tanto vos mandamos que posto que alguns dos
ditos offiiais mecanicos sejo achados indo das tendas para suas Cazas ou das Cazas para suas tendas ou que vo
para seus oliuais vinhas e heranas outras nom haja nelles lugar a dita pena posto que leuem espada ou punhal
ou a dita azagaja quoando quer que forem fora por quoanto por serem pessoas que viuem por seu Mestre e
trabalho digo Mester e trabalho o hauemos asim por bem feito em Almeirim a trinta e hum dias de Maro Cosme
Rodrigues o fes de mil e quinhentos e dezanove pedindo me os sobreditos por mere que lhe Confirmasse o dito
aluara e visto por mim seu requerimento querendo lhes fazer graa e mere tenho por bem de lho Confirmar
asim e da maneira que se nelle Conthem e asim mande que se Cumpra e goarde sem duuida nem embargo algum
feito em Euora a noue dias de Nouembro Jorge da Foncequa o fes de mil e quinhentos e vinte e quoatro, que esto
passe pella chancalaria.
Sendo nos Emformados que os Pedreiros tomo as obras dos Carpinteiros e asim os Carpinteiros pella mesma
maneira tomo as obras dos Pedreiros e por Euitar esta diferena de que se segue damno ao bem Commum desta
Cidade e outrosy por ser Contra a ordem e bom Regimento della mandamos que da feitura desta determinao
em diente nenhum Carpinteiro em esta Cidade e seu termo tomaro as obras dos Pedreiros nem asim mesmo os
Pedreiros no tomaro as obras dos Carpinteiros e cada hum fara e se entregara da obra que a seu offiio pertener
e no de outra nenhuma que delle no for e qualquer Pedreiro ou Carpinteiro que se asim o no Comprir e for
achado que fas o Contrairo pagara [f. 201v.]9 seis mil reis do Tronco onde estara os dias que bem parecer a Cidade
da qual pena hauera a metade quem o acuzar e a Outra para as obras da Cidade e querendo acuzar os Juizes dos
ditos offiios o podero fazer e a metade da dita pena que lhe for julgada sera para as despesas do dito offiio do
Juis que asim demandar a dita pena hoje uinte e quoatro de Janeiro de mil e quinhentos e quorenta e Outo e esta
determinao se tresladou no Liuro da Camara, Christouo de Magalhaes o fis escreuer.
E outrosim mandamos aos Juizes dos ditos offiios asim os dos Pedreiros Como dos Carpinteiros que indo sse
algum offeial a queixar a cada hum delles de Outro offecial por tomar a obra que no for do seu offiio Contra
forma da determinao e postura sobredita elles ditos Juizes acodiro logo a isto e Com o dito das testemunhas
que lhe apresentara o offeial que se a queixar e elles faro fazer o auto por hum Escriuo e o traro a esta
Camara para se uer e despachar Como for justia e sendo acuzado o tal Culpado do dito offiio de Carpinteiros
8
9
Relamo: Com.
Reclamo: pagara.
294
I
DOCUMENTA
e Pedreiros a metade da dita pena sera para as despesas do dito offiio e elles Juizes que hora so e ao diente
forem o Cumpriro asim e da maneira que lhe asim he mandado sob pena de por ello serem Castigados Como
a Cidade bem pareer hoje uinte e seis de Janeiro de quinhentos Corenta e outo Christouao de Magalhaes o fes
escreuer fica tresladado no Liuro da Camara e aqui se tresladou neste Regimento dos offiios hoje uinte e seis
de Janeiro de mil e quinhentos e quorenta e Outo Christouo de Magalhaes. Foi publicada pelos Juizes do offiio
de Pedreiros e Carpinteiros a saber Domingos Lopes Carpinteiro de tenda e Francisco Esteues aos tres dias de
Feuereiro este regimento atras escrito que todo o offeial de Pedreiro e Carpinteiro. O Carpinteiro no tome obra
de Pedreiro nem o Pedreiro de Carpinteiro nem nenhum offeial outro no tome obra do que no for examinado
a qual publicao foi na Caza da sua Consulta Com os eleitos do primeiro anno segundo seu uso e bom Costume e
asim lhe foi declarado sob a dita pena atras escrita e eu Antonio Lopes Escriuo do [f. 202]10 dito offiio que esto
escreui no dito mes e era atras declarado.
Anno do Nacimento de nosso senhor Jezus christo de mil e quinhentos e sincoenta e hum annos aos vinte e dous
dias do mes de Outubro em o Hospital de todollos sanctos desta Cidade de Lisboa foro junctos os Juizes do
offiio de Pedreiros e Carpinteiros e os eleitos do seu offiio digo do seu anno e asim outros homens bons que dos
ditos offiios foro chamados para acordarem e Consultarem o acordo aqui declarado. Aos doze dias do mes de
Outubro desta hera presente de mil e quinhentos e sincoenta e hum annos foro junctos os honrados Juizes do
offiio de Pedreiros e Carpinteiros desta Cidade de Lisboa e seu termo a saber Jorge Lopes Pedreiro e Belchior
Fernandes Carpinteiro de Cazas Com os eleitores do seu anno e asy outros homens bons que dos ditos offiios
mandaro chamar e bem asy mais estauo no dito ajuntamento Gaspar Fernandes Carpinteiro de cazas e asy
Antonio Dias Carpinteiro de tenda mordomos da Confraria do bem aventurado so Jozeph e Joo Denis Pedreiro
Procurador da dita Confraria o qual ajuntamento os ditos Juizes fazio em o Hospital de todolos santos na Caza
da sua Consulta Como tem por seu bem Costume e sendo asy todos junctos praticaro e Consultaro aserca de
huma Caza e Confraria que elles hora tem de Bem aventurado sancto sobre que athe aqui tiuero diferenas
sobre huma sentena que Antonio Dias tem Em seu poder o qual asentaro agora todos juntamente que sempre
dos Carpinteiros de tenda saya hum mordomo para seruir na dita Confraria para sempre e asy sahira Outro
mordomo dos Pedreiros e Carpinteiros de cazas para sempre, e quoanto ao Escriuo e Procurador e thezoureiro
e os mais offeiais que se ho de fazer para a dita Confraria sahiro por eleio delles ditos Carpinteiros de tenda
e Carpinteiros de cazas e Pedreiros donde quer que se asertarem a sahir ha qual Eleio que se fizer sera feita por
Confrades nom hauen [f. 202v.]11 do Jrmandade e hauendo Jrmandade far se ha Conforme ao Compremisso no
qual Compremisso se pora hum Capitollo Com esta declarao da Eleio de Como se ha de fazer resaluando no
aCordo que hora tem o Compremisso que falla na eleio porque est diferente desta que hora nos asentamos
nouamente a maneira de Como ha de ser feita e nom hauara mais entre nos nenhuma sentena em que desfaa
este nosso acordo agora nouamente declarado a qual eleio se fara em Cada hum anno asy e da maneira que
athe agora se fes que he em dia de Nossa senhora dos Prazeres em segunda feira de Pascoella e porque todos
10
11
Reclamo: do.
Reclamo: hauen.
295
I
Documenta
juntamente foro Contentes mandaro a mim Antonio Lopes Escriuo do dito offiio que fizesse este acordo o
qual eu logo fiz por mandado dos ditos Juizes e elles mandaro a todos que prezentes estauo que o asignassem e
eu Antonio Lopes Escriuo do dito offiio que o escreui no dito dia mes e era atras declarado e asy mais aCordaro
que este aCordo se tresladasse no Compremisso do offiio e asy no Compremisso que esta feito para a Jrmandade
o qual treslado do Compremisso do offiio o mando que o treslade de minha Letra no proprio Compremissio e
Consertado Com o Escriuo do Hospital e o treslado que se ha de por no Compremisso da Confraria seja feito de
boa Letra e eu Antonio Lopes que o escreui dou fe estar asignado no Liuro dos Acordos por vinte e outo offeiais
do dito offiio.
Aos treze de Maro de quinhentos e setenta e sinco annos foi acordado em Camara pelos senhores Prezidente
vereadores e Procuradores da Cidade e dos Mesteres que se Comprissem os despachos da Camara porque foi
Acordado ouuidos os offeiais de Carpintaria e Pedraria e vistas suas rezes que nas eleioes dos Juizes dos ditos
offiios no dem uoto seno os offeiais examinados e que as peties e despachos sobre o dito cazo dados se
tresladassem neste Liuro do Regimento dos ditos offiios para ser a todo o tempo sabedores Como se mandou
examinadas as razes por ha [f. 203]12 e outra parte foi confirmado o dito acordo que aos offeiais dos ditos
offiios tinho feitos o treslado he o seguinte. E sendo Consertado Com os ditos senhores o asinaro e mandaro
que no liuro do Regimento dos ditos offiios se faa hum Capitollo do dito acordo asima asignado como este.
Nuno Fernandes de Magalhaes o fis escreuer.
Dizem os Juizes da Mesa dos offiios de Pedreiros e Carpinteiros e dos mais offiios anexos a elles deste anno de
mil e quinhentos setenta e quoatro que tera feira que foro doze do mes elles suplicantes aprezentaro a vossas
meres as pessoas que foro eleitas pella eleio geral para seruirem de examinadores Cada hum de seu offiio
para lhe ser dado juramento o qual uossas meres lhe mandaro dar, e porque alguns delles tiuero embargos a
eleio e fizero peties e vossas meres mandaro que por este anno estiuesse a eleio feita como estaua a
Cada hum seruisse seu anno digo seu Cargo e logo vossas meres mandaro aos suplicantes que fizessem
ajuntamento Com todo o offiio junto e aquillo que asentassem nelle por mais votos que o apresentassemos a
vossas meres para o Confirmarem se lhes pareer justissa Pedimos a vossas meres que seja isto por despacho
por escuzar deuizes e Recebemos por sua mere Mando aos Juizes deste offiio que fao ajuntar os offiiais
dos officios dos Pedreiros e Carpinteiros e pratiquem <juntos os offiiais dos offiios dos> sobre os acordos que
tem feito que no dem votos a pessoas para Juizes dos offiios sem primeiro ser mordomos e tomaro sobre isso
votos e de todo faro auto do que for asentado pella mayor parte traro a esta Meza para se lhe dar sobre isso
despacho que pareer a treze de Janeiro de quinhentos setenta e quoatro. Pina Cabral = Bastio de Lucena. Aos
quinze dias do mes de Janeiro de mil e quinhentos e Outenta e quoatro annos na Caza do bem aventurado so
Jozeph Caza do Cabido e Consulta do offiio de Pedreiro e Carpintei [f. 203v.]13 ros e dos mais offiios anexos a
elles sendo juntos os honrados Juizes a saber thome Alures Pedreiro e Amador Fernandes Carpinteiro de tenda
12
13
Reclamo: e Carpintei.
296
I
DOCUMENTA
Com os eleitos do seu anno que prezentes estauo e asy todo o mais pouo que se ajuntar pode Requeridos por
mim Escriuo e por o andador do dito offiio e depois de todos junctos Como dito he os ditos Juizes mandaro a
mim Escriuo abaixo nomeado que logo lee em alta vos hum despacho de vossas meres em que mandauo que
se praticasse sobre o acordo que hera feito antre elles offeiais aserca de ser primeiro mordomo que Juis e despois
de lido e publicado a todos os ditos Juizes mandaro aos ditos eleitos e pouo que votassem sobre o Cazo dando a
Cada hum juramento dos evangelhos ademoestando lhe que bem e verdadeiramente pello dito Juramento digo
e votem aquillo que virem que he mais seruio de Deos e de El Rey nosso senhor e bem da Republica e delles ditos
offeiais pella qual Eleio e votos asentaro que se goarde o dito acordo que entre elles offeiais he feito asy e da
maneira que se nelle Conthem que he ser primeiro mordomo que Juis da Meza nem examinador dos ditos offiios
a qual eleio foi feita Com pessoas todas examinadas com certeza disto mandaro ser feito este auto por mim
Bento Rodrigues Escriuo do dito offiio para se apresentar perante vossas meres pello qual se fes a dita eleio
em a qual todos asignaro no mesmo dia mes e era atras declarado Comigo Bento Rodrigues Escriuo dos ditos
offiios que o escreui E visto o acordo que os offeiais dos offiios de Pedreiros e Carpinteiros e Resposta que
dero a Cidade ha por bem de lhe Confirmar o dito Acordo e no Regimento do seu offiio se lhe pora para que
Comforme a elle fao daqui em diente suas eleices asy Como dantes fazio a des de Maro de mil e quinhentos
setenta e quoatro = Jaques = Pina = Aluaro de Morais = Bastio de Lucena. Senhor Dizem os offeiais de Pedreiros
e Carpinteiros desta cidade que tendo elles despacho de vossas meres para que a eleio dos Juizes dos seus
offiios se fizessem sem nellas se tomar voto de offeiais que no so examinados a instancia de alguns destes se
mandou que a eleio [f. 204]14 se faa Como sempre se fes tomando em jeral todos os votos de obreiros e no
examinados que no entendem que Couza he ser offeial e quoanto emporta terem os Juizes as Calidades
necessarias para ser o pouo bem servido pello que os suplicantes vem Com embargos a se fazer eleio com mais
votos que dos offeiais que tem Carta de examinao que so emportantes e para se determinarem antes que a
eleio se faa pello que Pedem a vossas meres que lhe dem Juis que dos ditos embargos Conhessa e mande que
a eleio sobre esteja athe se determinarem os embargos porque os Juizes do anno passado esto prestes para
fazerem as festas de so vicente e so sebastio e no ha prejuizo na tardana do fazer as eleies e Recebera
mere. Ajunte sse esta petio aos embargos e ao despacho de que fazem meno e sejo leuados a menha a
Camara aos quatorze de Janeiro de mil e quinhentos setenta e sinco o Prezidente. Pina. Senhor Prezidente e
vereadores Dizem os offeiais Pedreiros e Carpinteiros desta Cidade de Lisboa que os Juizes que hora so dos
ditos offiios fizeram petio a uossas meres pedindo nella que Ouuessem por bem que na eleio dos ditos
offiios no votassem seno os offeiais examinados a qual petio elles fizeram sobrretiiamente sem acordo e
pareer dos vinte e quoatro e Contra a forma do seu Compremisso e Contra o estillo que se pratica e uza nas ditas
eleies e por do sobredito se sentirem elles suplicantes muito lezos e aggrauados pidiro vista della para
embargos e porque entretanto se sobesuiesse na dita eleio que os ditos Juizes pertendio fazer emjustamente
Contra seu Costume e vossas senhorias mandaro que se fizesse o treslado do dito Compremisso para se prouer
no Cazo Como fosse justia o qual despacho foi notificado aos Juizes por onde seno procedeo mais na dita eleio
14
Reclamo: a elleio.
297
I
Documenta
procurada por serem Como dito he e porque se segue muito prejuizo no hauer hi juizes em cada hum dos ditos
offiios seno pode deferir a eleio delles por cauza da festa do bem aventurado so sebastio que vem muito
perto. Pedem os suplicantes a vossas meres que hauendo a todo respeito hajo por bem a dita eleio se faa da
maneira que athe aqui [f. 204v.]15 suhio fazer vista a posse em que esto e tendo os ditos Juizes embargos a ella
os aleguem seguindo o direito pois elles suplicantes deuem ser conseruados em sua posse e della no podem ser
remouidos a petio dos ditos Juizes e todo o mais seja atentado esbulho no que recebero justica e merce. Faca
sse a eleio Como sempre se fes por agora e esteja nella o Juis Antonio Rodrigues Boto e aserca do que os
suplicantes pedem fao apontamentos huma e Outra parte e aCordado prouisam como lhe pareer justia aos
quatorze de Feuereiro de mil e quinhentos e setenta e sinco = O Presidente = Pina = Aluaro de Morais Os
offeiais Pedreiros e Carpinteiros desta cidade tem embargos a se fazer eleio dos Juizes do offiio com votos de
aprendizes e obreiros que no so examinados e se comprir. Prouaro que os Juizes dos o digo os offiios de
Juizes de Pedreiros e Carpinteiros so os mais Emportantes que ha nesta Cidade dos offeiais porque por elles se
aualio as obras que so de muito pro, se prouem as ruinas e derribo os edefiios ruinozos e se detremino
quase todas as duuidas das propriedades e com seu pareer se do as mais das sentenas O que he muito
emportante ao pouo e para os tais offiios he necessario elegerem sse offeiais experimentados afazendados e de
sans Concienias e que sejo nos offiios muito espertos. Prouaro que os offeiais que no so examinados no
tem experienia nem podem Emtender as Calidades que so necessarias que os Juizes deste offiio ho de ter e
Como homens que no entendem nem tem Experienia voto por amizade ou por interesse e no Conforme ao
que he necessario para bem do pouo e so muito mais os obreiros que no so examinados dos que so offeiais
antigos e examinados e onde elles Carregarem ficara feito Com mais votos. Prouaro que por se entender que
hera emportante no uotarem os que no so examinados os senhores Prezidente vereadores da Camara por
dous despachos e em deferentes tempos mandaro que a eleio se fizesse por votos dos examinados somente e
seus despachos passaro em Couza julgada e se deuem romper e o que se embargase deue anular porque
Prouaro que os mais que asignaro na petio porque se passou o despacho que se embarga so offeiais que
no so examinados e alguns que pertendem ajudar sse de seus votos e todos os mais examinados e bons offeiais
e antigos no offiio so de uoto Contrario por saberem o muito [f. 205]16 enteresse que nisso vai ao pouo
Prouaro que nesta Cidade e em todo o Reyno he Costume uzado e praticado desde vinte trinta quorenta cem
annos e de tanto tempo que no ha memoria dos homens em contrario em todos os offiios fazerem sse as eleies
de Juizes por uotos dos offeciais examinados e no se tomo uotos dos que no tem Carta de examinao porque
Emquoanto no so examinados no so offeiais e asim se deue fazer nesta eleio que he de muito mor
Emportania do que hera publica voz e fama Senhores Dizem os Juizes da Meza do offiio de Pedreiros e
Carpinteiros desta Cidade que os mais offeiais dos ditos offiios abaixo asignados que em todos os offiios do
mayor athe o menor quoando se fazem as eleicoes para hauerem de eleger alguns homens de entre elles offeiais
para bom Regimento e ordem do dito offiio no do votos seno aquelles que so Examinados Comforme ao
mandado aqui juncto do senhor Prezidente asy Como os homens que no so Examinados no podem tomar
15
16
Reclamo: aqui.
Reclamo: o muito.
298
I
DOCUMENTA
obras asy pello mesmo Cazo no podem dar voto Comforme ao bom Regimento e pello offiio de Carpinteiro de
Cazas ser de muita Emportania pellas grandes Contendas que por elles so vistas e avaliadas fazem a eleio
Com pessoas que no so Examinados o que he em parte juizo do Pouo Pedem a vossas meres por seruio de
Nosso senhor e bem do Pouo mandem que daqui em diente no tomem voto a pessoa que no for examinado no
que Recebero justia e mere Va o Doutor Antonio Rodrigues Botto fazer esta eleio Comforme ao Regimento
deste offiio = o Prezidente = Cabral = Aluaro de Morais = Bastio de Luena e no tomaro os Juizes votos seno
ao offeial examinado por Carta desta Camara e traro seu Regimento a esta Camara para se lhe por por Capitollo
a Outo de Feuereiro de mil e quinhentos setenta e sinco = O Prezidente = Cabral = Aluaro de Morais = Bastio de
Luena senhor Dizem os offeiais das Cordas de violla desta Cidade que elles se queixo a vossas meres da
eleio deste prezente anno por ser feita Com offeiais que no hero examinados em nosso offiio e se a queixo
dos juizes e Compradores por no vezitarem as tendas este anno mais que huma ves nem olho pello offiio
Como he necessario que mereem ser Castigados Comforme ao Regimento. Pedem a vossas merces que mandem
que no se faa as [f. 205v.] a Eleio seno Com offeiais examinados do dito offiio e qualquer Juis ou Comprador
que por eleito por a Meza sirua Comforme ao Regimento e Recebero justica e mere e mandem ao Escriuo da
Almotaaria que os autos do anno atras que apareo Com elles na Camara para serem executadas muitas penas
que ha do anno passado por executar e Recebero justia e mere. Mando aos juizes deste offiio que se na
eleio que fizero este anno tomaro votos ao offeiais que no hero examinados que tornem a fazer outra e
no tomem votos ao offeiais que no seyo examinados a quinze de Dezembro de quinhentos e setenta e hum
Dom Duarte da Costa = Aluaro de Morais = Bastio da Lucena. Vistos estes despachos e os embargos e as rezes
de humas e outras partes offerecidas e Como Consta ser ja mandado que em semelhantes eleies no votem
seno offeiais examinados mando que sem embargo do despacho Embargado no votem na eleio nenhum
offeial que no for Examinado e seja prezente a ella o Doutor Antonio Rodrigues Botto Como Esta mandado a
quinze de Janeiro de quinhentos setenta e sinco = O Prezidente = Pina = Bastio de Luena _ Esteuo Fernandes
= Antonio Pires = Domingos Pires = Senhor Dizem Thome Alures e Amador Fernandes Juizes do offiio dos
Pedreiros e Carpinteiros e dos mais offeiais anexos desta Cidade que este anno de setenta e quoatro foro Eleitos
e tomaro juramento Jorge Dias e Duarte Dias de vedores do offiio de Carpinteiros da Rua das Arcas que de
muitos dias a esta parte se aqueixa o pouo que no vo ver as obras que vem de fora nem vezito as tendas E nos
dizem que no ho de seruir o Cargo de vedores por serem aggrauados por Esta Meza E vossas meres os mandem
chamar E elles dem a rezo porque no seruem e o pouo recebera justia E mere Apareo nesta Camara os
vedores do offiio da Rua das Arcas a primeira vereao depois de lhes ser nothificado e o Escriuo do offiio fara
termo da notheficasso ao pe deste despacho E os juizes do offiio lha mandaro logo fazer aos vinte e hum de
Outubro de setenta e quoatro = O Prezidente = Pina = Senhores satisfazendo ao despacho de vossas meres
Certefico eu Bento Rodrigues que hora siruo de Escriuo da bandeira do bem aventurado so Jozeph que por mim
foro Requeridos os vedores do offiio dos Carpinteiros da Rua das Arcas Contheudos na petio atras para se
aprezentarem peran [f. 206]17 te vossas merces para a primeira Camara Comforme ao despacho atras de vossas
17
Reclamo: peran.
299
I
Documenta
meres e em testemunho de fe o firmei de meu sinal hoje vinte e sinco de Outubro de mil e quinhentos setenta e
quoatro Bento Rodrigues Por hora vir a notiia desta Camara que os examinadores dos Carpinteiros da Rua das
Arcas so Jrmos e porque no podem ser ambos junctamente mando que os mais velho delles fique por
examinador e seja logo eleito outro que no tenha parentesco nem Cunhado dentro no quoarto grao Com o dito
Examinador mais velho aos vinte e seis de Outubro de quinhentos setenta e quoatro = O Prezidente = Pina. Foy
Acordado pelos senhores Prezidente vereadores e asy pelos Procuradores da Cidade e os dos Mesteres Ouuidos
os offeiais de Pedraria e Carpintaria e vistas as Rezes por huma e outra parte alegadas que daqui avante no
posso votar nas eleies dos Juizes dos ditos offiios seno os offeiais Examinados de que mandaro fazer este
acordo por todos asignado em Lisboa aos dezasette dias do mes de Outubro de quinhentos e setenta e sinco
annos = Nuno Fernandes de Magalhaes o fes escrever = Cabedo = Cabral = Pina = Aluara de Morais = Denis Coelho
= Aluaro Esteues = Antonio Pires = Esteuo Fernandez
Despacho do senado para seruir o Escriuo dos Pedreiros e Carpinteiros tobem Com os Caixeiros e mais offiios
anexos
Vistas as peties juntas e o mais que os offeiais destes offiios dissero nesta Meza mando que o escriuo da
Meza sirua e em todo o offiio como sempre seruio E os Carpinteiros da Rua das arcas e os mais, Com elle, Corro
suas tendas quando forem eleitos com os Juizes e o Escriuo que tem eleito na Rua das Arcas no sirua e este
despacho se registara pello Escriuo da Camara ao pe do regimento dos Carpinteiros e Pedreiros a dezasette de
Feuereiro de quinhentos Outenta e hum christouo de Moura = Phelipe de Aguillar = Diogo Lameira = Bastio de
Luena = Antonio Esteues = Manoel de Tores de Magalhaes
Despacho sobre a taxa dos Carpin [f. 206v.]18 teiros da Rua das Arcas
Visto as rezes aprezentadas por parte dos offeiais dos Carpinteiros das Cazas e da Rua das arcas mando aos
Juizes e vedores do offiio dos Carpinteiros da Rua das Arcas faso seu Chamamento Comforme ao despacho
atras O qual faro para so Jozeph Como he seu antigo Costume onde se taxaro sem votar na dita taxa Outro
offeial seno os offeiais da Rua das arcas mas Estara no dito ajuntamento o Juis da Cabea do offiio E tomara
os votos E dara o juramento aos eleitores que seruirem por fazerem a dita taxa a trinta e hum de Dezembro de
quinhentos e setenta e quoatro = Dom Joo de vascomsellos de Menezes = Diogo Lameira = Dom Diogo de Lima.
Bastio de Lucena = Symo Rodrigues de Carualhoza = Francisco Mendes, Gaspar Antunes, Antonio Gomes =
Manoel de Torres de Magalhes.
O Prezidente vereadores Procuradores da Cidade e Procuradores dos Mesteres della abaixo asignados por todos
foi asentado E visto os Requerimentos que se fizero na dita Camara por parte dos offiios anexos a bandeira
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300
I
DOCUMENTA
de so Jozeph sobre no ter Cada hum seu Escriuo sendo muito necessario para as vezitas de seus offiios E
visto outrossim o dito Regimento e deligenias que no Cazo se mandaro fazer e mais informaes que se Ouue
em Meza mando que de hoje Em diente Cada hum dos ditos offiios anexos a dita bandeira fao seu Escriuo
para Com os Juizes Correrem as tendas de seus offiios e fazerem as examinaes delles somente e tudo o mais
tocante a dita bandeira se fara Com o Escriuo geral Como sempre se fes e se fara a saber aos offeiais anexos a
dicta Bandeira para em tudo Comprirem este asento em Lisboa trinta de Janeiro Diogo de Seixas o fes de mil e
seisCentos e des annos christouo de Magalhes o fis Escreuer = O Prezidente = Joo Rodrigues = Francisco Joo
= Borges = Gregorio Delgado = Vas Cardozo, Jgnaio Martinz
Aos quoatro dias do mes de Julho de mil e seiscentos e noue annos em Lisboa na Camara da Vereao della
foi asentado pello Prezidente vereadores e Pro [f. 207]19 curadores e Mesteres abaixo asignados que daqui Em
diente todos os offeiais dos offiios que so obrigados a leuar Castello no dia que se selebra a festa do Corpo de
Deos as sinco horas da menha sejo todos juntos Com suas bandeiras Ou inuenes e Castellos a porta do ferro
perante o Conseruador ou perante os procuradores da Cidade os quais Castellos leuaro os proprios offeiais que
para isso forem nomeados pelos Juizes e offeiais que tem Cargo de os nomear os quais hiro todos descubertos
sem barretes nem Chapeos acompanhando o senhor Com acatamento E venerao devida da se athe tornar a ella
sem sahirem da procisso e depois que da volta tornarem a se se poro todos Em ordem no Terreiro das Escadas
athe o senhor entrar na Jgreia e os Juizes do offiio tero tal Cuidado que Comesando o anno nos mais antigos
offeiais para leuarem os Castellos O outro anno seguinte vo outros de maneira que todos siruo por seu giro, E
os Castellos de Cada o offiio sejo de maneira e feio huns dos outros E mais altos de hum homem e os leuem
muito bem Consertados de bandeiras ou pendes ou Rozas e outras Couzas semelhantes, E os leuem, E no os
obreiros nem nossos seno os proprios offeiais para isso nomeados por Rol que os Juizes fizerem asignado
por elles que sero obrigados Entregar aos Procuradores da Cidade que se proeder Contra os que faltarem e
qualquer offeial que no Comprir todo o Contheudo neste asento emcorrera em pena de dous mil reis de Cadea
onde Estaro os dias que a Camara pareer Onde seus feitos sero despachados de que tudo se mandou fazer Este
asento Comformando sse Com Outro semelhante que esta no liuro da Meza feito no anno de nouenta E dous e que
se trelade Em todos os Regimentos dos offiios para o Comprirem.
Hoye quoatro de Julho de seiscentos e nouenta annos se asentou em Meza que por quoanto os preueligiados que
nesta Cidade ha so muitos e se excuzo por vertude delles do que querem e quoando lhe vem bem aseito o lugar
para que so Eleitos; Manda a Cidade que daqui em diente seno tome voto para Couza alguma com pessoa que
preueligiada for de qualquer Calidade que seja e que os offiios tenho particular Cuidado de quoando fizerem
suas eleies as no fao Em preuelegiados asim de Juizes Como de vinte e quoatro e para Outra qualquer
[f. 207v.]20 Couza asim de proueito e honra Como de trabalho e seruio do pouo sob pena do offiio que a tal
19
20
Reclamo: e Pro.
Reclamo: quer.
301
I
Documenta
eleio fizer pagar duzentos Cruzados para a despeza da Camara, nem a Caza dos vinte e quoatro quando della
for necessaria alguma pessoa no fara eleio de preuelegiado algum e este asento se goardara E se mandara a
Copia delle a Caza dos vinte e quoatro / quoando della for necessaria alguma pessoa no fara e digo / e quoatro
para della o fazerem a saber a todos os offeiais que os goardaro emuiolauelmente posto que Renunciem seus
preuilegios as pessoas que forem eleitas = O Prezidente = Foncequa = Mesquita Almeida = Ribeiro Borges =
villasboas = Belchior Gomes = Com declarao que Com os fameliares do santo offiio seno ignouara Couza
alguma antes Correro Com elles Como sempre se correo athe agora = o Prezidente = Mesquita = Almeida =
Ribeiro = villasboas = Belchior Gomes Joo Antunes
Por vertude de hum despacho do senado de quatorze do mes de Dezembro e Outro despacho de dezasette do
mesmo mes da era de mil e seiscentos e trinta e sette annos tresladei aqui neste Regimento o Contheudo nelles
por asim o mandar a Cidade pelos ditos despachos a mim Escreiuo da Bandeira do bem aventurado so Jozeph
os lancasse logo no dito Regimento e o Contheudo nelles he o seguinte. A Cidade ha por bem que daqui em diente
seno tome votos Em pessoa para hir a Caza dos vinte e quoatro sem ter seruido a Bandeira E nas festas da Cidade
nos offiios de gastos della Conuem a saber mordomos E Juizes do offiio da dita Bandeira isto Emquoanto
a Cidade no mandar o Contrairo; Jsto Conthem os ditos despachos aos quais me Reporto Em Lisboa seis de
Janeiro de mil e seiscentos e trinta e Outo annos eu Manoel vas Ferreira que siruo de Escriuo da dita Bandeira
o fis tresladar bem e fielmente e sobescreui os quais despachos entreguei aos Juizes dos anno passado de mil e
seiscentos e trinta e Outo para se porem no Cartorio do dito offiio O qual entreguei no mesmo dia e era atras
declarada Manoel Rodrigues
Diz Belchior Dias violeiro e examinado de Cordas de violla eleito do seu offiio deste anno de seiscentos quorenta
e seis como procurador do dito offiio [f. 208]21 que em os ditos offiios ha tres offeiais examinados que ha mais
de treze annos que no uzo dos ditos offiios nem tem tenda como he hum Martim Pedro que serue na Cozinha
dos frades da Trindade e Thome Goncalues que aleuanta Carne no Curral do cho e hum Joo Monteiro que fas
negoios e porque he descredito da Bandeira do bem aventurado so Jozeph votarem os tais homens e com
outros offeiais no voto seno os offeiais que uzo do seu offiio. Pede a vossa senhoria mande aos yais Juizes
da Meza do bem aventurado so Jozeph achando ser verdade a que dis em sua petio lhe no Consinto votar e
Recebera mere = Belchior Dias faca sse o que sempre se Costumou e no sendo Costume o votarem quem no
tiuer tenda no votem em Lisboa vinte e hum de Dezembro seiscentos e quorenta e seis = Monteiro = Antonio
Anunes = Tres rubricas dos vereadores do senado da Camara
Dizem os eleitos da Bandeira do bem aventurado so Jozeph deste anno prezente abaixo asignados que em
nenhuma bandeira que sai nas proises desta Cidade ha Escriuo que leue dinheiro seno na de so Jozeph bem
aventurado que leua des cruzados porque serue pello estupendio que tem de passar as Cartas de examinaes e
Certides de quando fazem as eleies porque ha pessoas que querem seruir Como seruem os das mais bandeiras
21
Reclamo: offiio.
302
I
DOCUMENTA
pella honra que tem em respeito de que faz muitos gastos em cada ves em que a bandeira sahe fora. Pedem a
vossa senhoria mandem que os juizes da Meza do bem aventurado so Jozeph no elejo Escriuo com lhe darem
os ditos des Cruzados visto hauer quem sirua como nas demais bandeiras sem estipendio e Recebero mere
Com onze signais dos offeiais deste offiio Desse ao vereador do pellouro que informara e dara razo em Meza
Lisboa em dezaseis de Outubro de seiscentos quorenta e seis = O prezidente = Rebello = Carualho = Monteiro
= Gaspar preto = Antonio Antunes Hajo vista os Juizes da Confraria para dizerem sobre a materia o que lhe
pareer e Com isso torne Lisboa aos vinte e tres de Outubro de seiscentos e quorenta e seis = O Prezidente =
Rebello duas Rubricas Monteiro = Goncalues = Antonio Antunes = Gaspar Preto Satisfazendo ao despacho de
vossa senhoria dizemos nos Belchior Lopes e Bertolameu de Lemos que este prezente [f. 208v.]22 anno seruimos
de Juizes da Bandeira do Bem aventurado so Jozeph que a nos nos paree deve vossa senhoria Conceder aos
suplicantes o que pedem em sua petio por quoanto nas outras bandeiras se no pratica que os Escriues delles
leuem dinheiro algum e asy deue vossa senhoria mandar se obserue nesta o mesmo Estillo declarando que os
Mordomos que Este anno vierem E ao diente forem sero obrigados a dar os ditos quoatro mil reis de Esmola a
esta Meza e Confraria do bem aventurado so Jozeph para os gastos della, dispondo vossa senhoria fique isto por
asento a que seno posa por duuida alguma, isto he o que nos paree vossa senhoria mandara o que for justia em
Lisboa a sinco de Nouenbro de mil e seisentos quorenta E seis annos = Bertolameu de Lemos = Belchior Lopes =
Vista a emformao dos juizes se cumpra na forma que elles dizem em sua resposta Lisboa em seis de Nouenbro
de mil e seiscentos e quorenta e seis o Prezidente = Monteiro = Goncallo vas = Antonio Antunes duas Rubricas
dos vereadores do senado da Camara
Treslada da peticam e despacho do senado porque se mando aqui lancar nestes Regimentos os capitolos seguintes
Dizem os Juizes da Meza da Bandeira dos offiios de Pedreiros e Carpinteiros E os mais offeiais nesta asignados
que elles para o bom gouerno dos ditos offiios e seruio desta Cidade fizero os Capitollos do Compremiso e
Regimento junto e porque para sua firmeza e estabaleimento se necessita de Confirmao deste senado e sendo
todos os dios estatutos deregidos ao sobredito fim se deue mandar observar como estatutos dos ditos offiios
determinando os vossa senhoria Como se por este senado fosem feitos portanto, Pedem a vossa senhoria lhes
faa mere mandar que visto o bom zello Com que os suplicantes fizero os Capitollos deste Compremisso e
serem todos uteis aos ditos offiios se obseruem Como Estatutos e Detreminaes deste senado para que desta
sorte se consiga o fim que se dezeja no Comprimento do que nelle se Conthem e se euitem [f. 209]23 duuidas na
sua obseruania e Recebera merce Com vinte e noue sinais dos Juizes e eleitos e mais offiiais deste offiio
22
23
Reclamo: prezente.
Reclamo: e se euitem.
303
I
Documenta
1 Despacho do senado
Uzem do seu Regimento Meza uinte e quoatro de Outubro de mil e settecentos e Outo Com seis Rubricas dos
Menistros do senado = Manoel Gomes = Joo Bauptista Graia
2 Despacho do senado
Acrecente sse ao Regimento, os Capitollos emcluzos e tornem para se Conferir em Meza vinte e quoatro de Mayo
de mil e settecentos e noue Com quoatro Rubricas dos Menistros do dito senado = Antonio Rodriguez de Matos =
Pereira = Balthezar Coelho
Regimento e Compremisso da Meza dos officios de Pedreireiros e Carpinteiros da Bandeira do Patriarca so
Jozeph de 1709
Capitollo 1 da Eleio
No Compremisso antigo hera detreminado que no dia de Corpo de Deos a tarde de Cada hum anno se faria a
eleio destes offiios e achando sse depois que hera em grande prejuizo e perturbao o ser feita no dito dia se
ajustou de a fazer na primeira Outaua do Natal pella menha de Cada hum anno Como se tem observado pelo
discursso de muitos e neste mesmo dia se fara daqui em diente e para a dita eleio se juntaro todos os offeiais
de hum e outro offiio que forem examinados e Jrmos do Patriarca so Jozeph com tanto que andem Correntes
no liuro das prezidenias o que faro serto por escrito da Meza do Santo e Como he estillo e forma da dita eleio
sera a seguinte.
Capitollo 2
No dia asinalado e sendo juntos os Jrmos se fara a eleio a Caza da Jrmandade fazendo sse duas separadas
huma para o offiio de Pedreiro a que asistira o Juis de Carpinteiro que esse anno seruir Com o Escriuo geral
se for Carpinteiro e no sendo se fara a eleio por alguns [f. 209v.]24 offeiais do Cargo do dito Escriuo que
haja de asestir a dita eleio que seja sempre offeial que tenha seruido de Escriuo geral e lhe sera dado o
juramento dos Santos evangelhos pello nosso Padre Coadjutor em que juraro que Com sam Concienia Lizura
e verdade tomaro os ditos votos e os offeiais os hiro dar para os des eleitos que se ho de fazer nas pessoas
que se acharem mais merecedoras e em quem Comcorro as qualidades que fara os tais Cargos se Requerem sem
paixo odio ou afeio e isto mesmo que fica dito na eleio dos Pedreiros se obseruara emquoanto a eleio dos
Carpinteiros porque a ella asestira o Juis do offiio de Pedreiro Com o Escriuo geral se esse anno for Pedreiro
e no o sendo se fara a eleio para este Cargo Como asima fica dito observando sse sempre o estillo de ser a
eleio dos Pedreiros a mo direita da Meza e de se publicar primeiro a sua eleio e mais preferenias em que
se acho de posse Emquoanto no Ouuer quem o Contrario diga
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Reclamo: alguns.
304
I
DOCUMENTA
Capitollo 3
E para se Euitar toda a dezordem e embarao que pode hauer nas ditas eleies asistiro a ellas dous Capeles
nossos a quem se pagara, hum em Cada parte da Meza e os Jrmos estaro todos fora dos bancos Com que sera
Repartida a Caza da Meza do despacho e hira Cada hum suiuamente dar o seu voto sem que possa entrar Jrmo
algum a dar o uoto sem ser Retirado aquelle que primeiro o foi dar porque por esta forma se podera dar Com
mais deliberao e sem o Recejo de ser Ouuido ou sabido e aquelle que o Contrario fizer falando alto chegando
a ver ou ouuir o que se passa nas ditas eleies ou fizer bulha que perturbe a sua boa forma e direo antes de
publicadas as pautas pagara de pena huma arroba de sera para o Patriarca so Jozeph.
Capitollo 4
Tanto que os votos forem tomados e as pautas limpas e abertas he publicaro em vos alta as eleies dos Jrmos
que por mais uotos sahiro e eleitos declarando sse tobem os que tiuero menos votos para asim [f. 210]25
se dar satisfao a todos em que se uotou, E sendo Cazo que depois das pautas abertas estando as eleies
Canonicamente feitas Como asima se declara algum Jrmo perturbar a Meza ou ja se tenho asignadas as eleices
ou no tenho asignado, o podero mandar prender os Juizes Como Ja hera detreminado no Compremisso antigo
e sera Condenado em vinte mil reis metade para as despezas do senado e a outra ametade para a Meza do santo
Patriarca e sempre as ditas eleices ficaro valiosas sem embargo de qualquer oposio que Contra ellas se faa
Capitollo 5
E porque alguns Jrmos podem hauer cartas e valias de pessoas Poderozas para serem eleitos e hauerem os mais
Cargos da Meza e deste empenho Rezulto graues prejuizos e perturbaes todo o Jrmo que Ouuer as ditas
valias podera ser Riscado da Meza e por esse mesmo efeito seno fara delle eleio e podera ser Condenado nas
mais penas que pareerem aos Juizes da Meza
Capitollo 6
Despois de feita as eleices dos des eleitos asim de Pedreiros como de Carpinteiros se nomeara dia para se
fazer noua eleio dos offeiais que com elles ho de seruir o anno seguinte a qual eleio, se fara digo sera
tomada pello Juis e Escriuo da Meza velha Como he estillo e asim em primeiro lugar faro hum Juis da Meza e
Bandeira e logo hum Escriuo geral ou seya do Juis de Pedreiro ou carpinteiro Com forma a quem tocar o anno
por seu turno segundo o estillo obseruado e asim mais hum mordomo que saiba ler E escreuer e que seja de bom
procedimento e Costumes pois nesse se ha de votar necessariamente para hir a Caza dos vinte e quoatro e sera
justo que tenha as qualidades que para isso se Requerem E mais Elegero dous Juizes hum que tenha ja seruido a
que Commummente chamo Juis velho e outro Juis nouo Com tanto que hum delles seja Aluineo e outro Canteiro
e na mesma forma se fara tobem a eleio pertencente ao offiio de Carpinteiro
25
Reclamo: asim.
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I
Documenta
Capitollo 7
E porque os Cargos refferidos sejo seruidos Como Conuem ao bem da Republica para que so ordenados e
os offeiais que so muitos dos ditos offiios ocupem [f. 210v.]26 os seus Cargos e Lugares e porque tobem as
procisses da Cidade seyo mais asestidas no podera offeial algum ocupar em hum anno dous dos refferidos
Cargos nem podero ser Repartidos pellos eleitos nem Outrosym podera ser eleita pessoa que os seruie antes
de serem passados tres annos o que Constara pello Liuro das Eleies que na Meza ha de auer o que asim se
detremina pellas rezes ponderadas e porque os jrmos do offiio que forem tobem merecedores posso chegar
a Lograr os Cargos e honras delle
Da obrigao dos eleitos
Capitollo 1
Aos eleitos Compete a obrigao de asestirem e detreminasem todos os negoios da Meza aos quais no faltaro
todas a horas que forem avizados pello Juis da Meza o qual mandara fazer o dito avizo pello Andador da Jrmandade
e os ditos negoios detreminaro Comforme sua Concienia melhor acharem que Conuem o bem do offiio e Meza
e sero outrosim obrigados a acompanharem todas as procisses do senado Como he estillo e faltando a esta
obrigao sero Condenados em quoatrocentos e Outenta reis por Cada huma ves para as despesas do senado e
do santo
Capitollo 1
Da obrigaco dos Juizes da Meza
Sero os Juizes da Meza Jrmos que ja tenho seruido Cargos da mesma e pessoas de boa Conienia verdade e
procedimento e que saibo Ler e escreuer e sero obrigados a tomar as eleies Como asima fica dito Com toda
a lizura E verdade por no Resultarem do Contrario queixas e ofenas dos Jrmos E tero Outrosim Cuidado de
avizarem aos Juizes dos officios e deligenia de cobrarem as esmollas que os Jrmos Costumo dar ao Patriarca
so Jozeph
Capitollo 2
Tero Outrosim obrigao de mandarem notheficar pello Escriuo geral aos offeiais que se acharem em Cursos
em os erros de seus offiios ou os exercitarem sem serem Examinados e fazendo autos de tudo os leuaro a Ca
[f. 211]27 mara para que nella se Condenem Como mereerem e sera metade da sua Condenao para o senado
e metade para o Patriarca so Jozeph o que se entendera passando a Condenao de hum tosto porque no
excedendo podera fazere a Condenao pelos Juizes do offiio e ser por elles executada Como hera detreminado
no Compremisso antigo; E sero mais obrigados a Comprirem e darem a execusso todas as ordens mandados do
senado da Camara e seus Menistros
26
27
Reclamo: ocupem.
Reclamo: a Ca.
306
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DOCUMENTA
Capitollo 3
E para que os Juizes da Meza siruo Com mayor Zello e satisfao sero Outrosim obrigados no fim do anno
em que tiuerem seruido dar contas ao secretario da Meza do santo da Receita e despeza que no dito anno se
tiuerem feito e o restante do dinheiro que se achar no Cofre sera entregue ao thezoureiro da Meza de sima para
as despesas da Jrmandade do Patriarca so Jozeph
Capitollo 4
O Escriuo geral asistira a todos os negoios da Meza e seruira com hum e Outro offiio de Pedreiro e Carpinteiro e
somente os offiios anexos aos Carpinteiros podero ter seu Escriuo para as vezitas de seus offiios como lhe he
Concedido por Rezoluo do senado ficando tudo o mais pertenente a bandeira nas obrigacoes do Escriuo geral
que sera obrigado a fazer as notheficasses e executar os mandados dos Juizes da Meza e tera fe nas deligenias
que fizer em todas as Couzas pertencentes ao seu offiio Como lhe he concedido
Capitollo 5da obrigao dos
Mordomos
No offiio de mordomo Compete a obrigao de tratar da bandeira e fazer todos os gastos della Como athe
o prezente se estilla e trara sempre Com todo o ornato e aseyo para as procisses que se fazem da Cidade e
porque depois de aCabado o anno de mordomo lhe Compete direitamente hir a Caza dos vinte e quoatro sera
sempre eleito para este Cargo pessoa que saiba Ler e escreuer E que tenha seruido de Eleito E Cumprido as mais
obrigaes que se obseruo de seruir na Meza do Santo Comcorrendo as mais qualidades que se Requerem pera
hir a dita Caza dos vinte e quoatro e o que fica [f. 211v.]28 dito do mordomo entrar na Caza dos vinte e quoatro
acabado o seu anno se Entende a Respeito do mordomo Pedreiro porque quoanto ao offiio de Carpinteiro so lhe
podera Competir Comforme o turno dos anexos ao dito offiio
Capitollo 1 dos juizes do offiio
Asim que forem Eleitos aos Juizes do offiio de Pedreiro e Carpinteiro sero obrigados a hirem ao senado tomar
juramento do seu Cargo na forma que he Estillo sem o qual juramento no podero uzar da dita ocupao e a ella
Emcumbe primeiramente o Comprirem as detreminaes dos Juizes da Meza asim para a Cobrana dos vinteis
dos offeiais Como ja fica dito mas Em tudo o mais que tocar ao servio da dita meza e offiio na forma em que
nelle se obserua
28
Reclamo: fica.
307
I
Documenta
Capitollo 2
Compete tobem aos ditos Juizes do offiio a fazerem vestorias e exames das obras que judiialmente se fazem
nesta Cidade E seu termo e para que as ditas vestorias se fao Como Comuem sero sempre eleitos hum Juis do
offiio de Aluineo e outro Canteyro e outro do offiio de Carpinteiro para que Cada hum Em sua arte possa Com
mais Conheimento detreminar os erros e duuidas que nas obras forem achadas e arbitrar a justa Estimao nas
obras que avaliarem e medirem
Capitollo 3
E porque os peritos na arte mereem grande ateno nas duuidas que sobre ellas se mouem e de no saberem
Ler nem Escreuer os Juizes do offiio se pode temer prejuzo das partes em razo de no passarem por sua Letra
as Certides das vestorias que fazem no podera offeial algum ser eleito em Juis do offiio sem ter a qualidade
de saber Ler e escreuer E Contar Emquoanto Ouuer Jrmo Em quem Concorra a dita qualidade Com as mais que
se Requerem para o dito Cargo E sendo em outra forma feita a eleio se fara nella
Capitollo 4
Mais compete a obrigao dos ditos Juizes Examinarem os offeiais dos offiios e para que o dito exame se faa
Com a exceo que necessita sendo serto que os erros desta arte so muito prejudiiais aos domnos das obras
[f. 212]298 alem de muito defieis na Emmenda ser feito o dito Exame na Meza do offiio estando prezente o Juis
da meza com mais dous eleitos que sero avizados para a dita asistenia e perante todos examinaro os ditos
Juizes ao offeial que Examinar sse quizer e sera perguntado pellas Couzas principais da sua arte e achando
sse Capas para a poder exercitar se lhe passara sua Carta asignada pelos ditos Juizes que hauero pello dito
exame quoatrocentos e Outenta reis Cada hum e o Escriuo geral outra tanta quantia pella Carta que lhe ha de
passar pagando mais semelhante quantia de Esmolla ao Patriarca so Jozeph pello Registo da dita Carta e no se
achando Capas se lhe no passara a dita Carta antes sera obrigado a Contenuar mais o excercissio do dito offiio
ao menos o tempo de seis mezes antes do qual tempo no sera ademetido a nouo Exame
Capitollo 5
No podera offeial algum ser ademetido ao refferido exame sem mostrar primeiro Certido do Mestre Com
quem aprendeo de ter acabado o seu tempo e sendo Cazo que algum offeial se queira examinar do offiio de
Canteiro Aluineo sera obrigado a mostrar em Como aprendeo hum e outro offiio por Certido dos Mestres delles
e sendo asim examinados sero obrigados a Registar a sua Carta no senado da Camara, e sendo achado que antes
do refferido exame uzo dos ditos offiios sero Condenados todas as vezes que forem Comprehendidos em seis
mil reis metade para O senado e metade para o officio
29
308
I
DOCUMENTA
Capitollo 6
E no podero os ditos Juizes do offiio examinar seus filhos, parentes dentro do quoarto grao Cunhandos
ou aprendizes mas Concorrendo qualquer destes para se Examinar se fara o dito Exame pelos Juizes do anno
precedente obseruando sse a forma que asima fica dito, e pelos ditos Juizes sera passada a Carta de seu Exame
Capitollo 7
Sero outrosim obrigados os mesmos Juizes a fazerem vestorias nas obras que pella Cidade e seu termo se
fizerem para verem se vo feitas segundo as Regras da Corte e achando as inperfeitas Com erro ou falcidade
dos meteriais as mandaro desmanchar ou Emmendar segundo seus erros merecerem como nos mais offiios
se obserua tudo a Custa dos Mestres que tais obras fizerem que [f. 212v.]30 neste Cazo sero obrigados a pagar
mais quoatrocentos e Outenta Reis aos ditos Juizes do offiio pella sua vestoria e faltando os Juizes do offiio as
vestorias Refferidas sero Condenados em seis mil reis para a Meza do Patriarca so Jozeph E sem a satisfazerem
no sero ademetidos aos mais Cargos da Jrmandade e porque seno pode asinar tempo Certo Em que se deuo
fazer as ditas vestorias as faro os ditos Juizes de hum e Outro offiio quoando lhes pareer mais Conueniente.
Capitollo 1 das mais obrigaes do offiio pertencentes Em Commum
Nenhum Mestre podera tomar obra que no pertena ao seu offiio e achando sse que a tomou sera prezo na
Cadea e della pagara seis mil Reis metade para quem o acuzar e a outra metade para as obras da Cidade e sendo
acuzados pelos Juizes do offiio a quem muito emcumbe este Capitollo ser metade para as despezas do offiio e
a Outra para as obras da Cidade e contenuando sem Embargo da dita Condenao a mesma obra ser Condenado
em dobrada quantia E asim Repetidas vezes Emquoanto no largar a dita obra
Capitollo 2
Atendendo que tendo os Mestres muito aprendizes nem estes podero sahir bons offeiais nem as obras feitas
Como Conuem no podera Mestre algum ter mais de dous aprendizes Como ja hera detreminado no Compremisso
antigo E para Constar de Como nos excedem a dispozio deste Capitollo sero os Mestres obrigados a fazer
prezente na Meza os aprendizes que Emsino E sendo achado que Emsino mais de dous Como fica dito sero
Condenados Em quoatro mil reis para a Meza do offiio lhe sero tirados os tais aprendizes que demais tiuerem
Capitollo 3
No podera Mestre algum tomar aprendis que Esteja Com outro Mestre antes de ter o seu tempo acabado ou
ja tenha feito Escrito de sua obrigao ou somente asestido Com o dito Mestre por mais tempo de tres mezes
Com a pena de des tostes e lhe ser tirado o dito aprendis e tornado ao Mestre Com quem estaua Como hera
detreminado no Compremisso antigo
30
Reclamo: Que.
309
I
Documenta
[f. 213]
Capitollo31 4
Nenhum Pedreiro ou Carpinteiro podera fazer sacada alguma noua nem Balco sahido sem Licena do senado
Com pena de pagar do Tronco dous mil reis metade para as obras da Cidade E para quem o acuzar Outra: E
o mesmo se Entendera ainda que de antes Ouuesse a dita sacada ou Balco porque sempre que faa de nouo
precedera a dita licena
Capitollo 5
Da mesma sorte no podera Pedreiro algum nesta Cidade em rua publica nem nas Estradas e Caminho do
Conselho abrir aliceres sem primeiro preeder vestoria do senado da Camara e sua licena debaixo da mesma
pena do Capitollo preedente
Capitollo 6
Jtem no podera Pedreiro ou Carpinteiro algum fazer ou desmanchar obra de seu offiio sem primeiro depozitar
penhor de Ouro ou prata Em mo do thezoureiro da Almotaaria da Limpeza pello qual fique segura a limpeza
das Ruas aonde as obras se fizerem e fazendo sse a obra sem o dito depozito sero Condenados Em des tostes
metade para as obras da Cidade e metade para quem os aCuzar
Capitollo 7
No podera preueligiado algum ocupar os Cargos do offiio nem fazen sse delle Eleio Com a pena de que o
offiio que tal eleio fizer ser Condenado Em duzentos Cruzados para as despezas do senado da Camara o que
seno Entendera a respeito do preuilegio de fameliar do santo offiio
Capitollo 8
Qualquer offeial que for chamado por parte dos Juzes do offiio para a vedoria de algas obras sobre que
haja duuida sera obrigado a obedesser e faltando o podero os ditos Juizes Condenar em duzentos reis para as
despezas dos ditos offiios; E sendo chamados os Juizes para alguma vedoria e faltando podero ser Condenados
em dous mil reis Constando do Escriuo geral ter Requerido aos ditos Juizes ou offeiais para a tal deligenia
Capitollo 9
Nenhum offeial dos sobreditos offiios podera medir ou avaliar obra alga [f. 213v.]32 pertencente ao seu offiio
sem que de prezente seja juis delle ou o tenha ja sido algum anno porque de observar o Contrario se oregino
muitas discensses e demandas e o offeial que o Contrario fizer sera Condenado em des tostoes para as despezas
do senado da Camara
31
32
Reclamo: Capitollo.
Reclamo: alguma.
310
I
DOCUMENTA
Capitollo 10
Nenhuma pessoa Estrangeira podera nesta Cidade exercitar o offiio de Pedreiro ou Carpinteiro sem primeiro
ser examinado do dito offiio saluo Como offecial de algum Mestre que o queira ademetir na sua obra E uzando
do dito offiio sero Condenados em seis mil reis metade para a Meza do offiio e metade para as obras do senado
Capitollo 11
Porque muitas vezes Resulta grande prejuzo aos offeiais de huns acabarem as obras que Outros prencepiaro
por no serem satisfeitos do seu trabalho e ajuste que fizero Com os donos das obras: Nenhum offeial podera
aCabar obra que Outro prencepie sem ter serto que Esta de todo satisfeito o offeial que a dita obra prencepiou
Com pena de pagar o tal prejuzo ao dito offeial E mais dous mil reis para a Meza do santo
Capitollo 12
Jsto se entendera tobem Com qualquer Mestre ou offeial ainda que seja Examinado no possa ter pararia
nem trabalhar de jornal debaixo da proteo de pessoa alguma que no tenha sido offeial dos ditos offiios por
termos notiia andarem varias pessoas tomando obras sem serem offeiais e fazendo as por sua Conta Estes
sero Condenados em vinte mil reis pela primeira ues e pella segunda Em dobro metade para o senado e a Outra
para o santo
Capitollo 13
E porque as penas inpostas neste Compromisso se executem Com mais prontido E se procure o Comprimento
das obrigaes que se tem declarado em todas podero os juizes da Meza como o Escriuo geral fazer autos
das Culpas e transgrees deste Compremisso e Com as prouas que tirarem leuarem os tais autos ao senado
da Camara aonde se detreminaro e pellas sentenas Requerero sua Execusso perante os menistros a que
Competir
Capitollo 14
E faltando os Juizes da Meza em fazerem os ditos autos Como Compete a sua [f. 214]33 obrigao sero Condenados
nas quantias que mereerem e so impostas as Culpas de que deixarem de fazer auto E este Requerimento podera
fazer o Procurador da Meza do Patriarca so Jozeph para que asim se faa com mais exzao e averiguao das
ditas Culpas e Comprimento deste Compremisso e o santo da dita Jrmandade no tenha o prejuizo de no hauer
as Esmollas que lhe so aplicadas E este Requerimento se podera fazer e o Juis e Meza do santo e ao senado da
Camara no obedecendo aos ditos Juizes da Bandeira ao Juis da Meza de sima como fica dito
33
Reclamo: a sua.
311
I
Documenta
Capitollo 15
E por se atender que tem faltado muitos papeis e prouizes Reais pertencentes a Meza hauera hum Liuro feito
pello Escriuo geral para que nelle se Registem todos os papeis e prouizes que Ouuer de inportania asim de
prezente Como os que em diante Ouuer e pello dito Escriuo geral sera Entregue ao que de nouo Entrar a seruir
o dito Cargo para que Contenue o Registo na mesma forma
Capitollo 16
E porque estes Capitollos se emcaminho em Commua utilidade do officio E se derigem Em milhor seruio da
Republica para que a todos seja prezente o que neste Compremisso se ditremina Comuem Em hauidas as licenas
necessarias se de a inquereno E tanto que algum offeial for Examinado se lhe dara seu Compromisso pello
qual dara de Esmolla para o Patriarca so Jozeph duzentos e quorenta reis E sem isso se lhe no pasara Carta da
Examinaco
Capitollo 17
E todo o offeial ou Mestre dos ditos offiios que se acharem Examinados athe o prezente sero obrigados a
Comprarem hum Compremisso para terem Em sua Caza para que Em nenhum tempo aleguem ignorancia e no
o querendo Comprar os obrigaro por justia a que o Comprem pellas Rezes sobreditas e Comfio do zello Com
que despuzero Este Compremisso que a sua obseruania seja o melhor modo de apurar a sua arte e seruir Como
deuem a Cidade E aumentar Como Espero a sua Jrmandade e Meza
Aprouao do senado
Aprouo o Regimento e mando se Cumpra o Contheudo nelle Meza tre [f. 214v.]34 ze de Nouenbro de mil e
settecentos e noue Joo de Saldanha de Albuquerque de Matos Coutinho e Noronha = Andre Freire de Carualho =
Manoel Vedigal de Morais = Chrispim Mascarenhas de Figueiredo = Symo de Souza de Azeuedo = Claudio Gorgel
do Amaral = Domingos Pinheiro = Joo Rebello Antonio Rodrigues de Matos = Balthezar Coelho =
Aluara de Confirmao
Eu El Rey fao saber que os Juizes de Carpinteiros e Pedreiros me aprezentaro por sua petio que por bom
gouerno da Jrmandade do Bem aventurado Patriarca So Jozeph e dos mesmos offiios fizero o Compremisso
e Regimento que offereio E o querio Confirmar por mim para em tudo se obseruar inuiolauelmente pedindo
me lhes fizesse mere mandar passar aluara de Confirmao na forma do Estillo E visto o que alegaro e resposta
do Procurador de minha Coroa que Respondeo que neste Liuro se achauo dous Compremissos hum antigo e
outro agora moderno no antigo que hera o primeiro se achaua pag. 4 et 10 e pag. 11 que os Juizes poderio no so
Condenar os transgressores athe a quantia de Cem reis mas tobem Executa llos e penhora llos por sy mesmo e
ainda manda llos prender o que se repetia no Regimento nouo Capitollo 1 4 pag. 62 Como tobem Em o Capitollo
3 2 fol. 65 vero e no Capitollo 7 11 se detreminaua que nenhum Mestre de Pedreiro ou Carpinteiro fosse
34
Reclamo: tre.
312
I
DOCUMENTA
acabar obra alga que outro tiuesse prencepiado e a deixara de Contenuar por lhe no satisfazer o senhor della
o trabalho vencido o que hera irracionauel E em prejuizo do publico pois Com Este asento no se acabario as
obras muitas uezes Com maliia dos Mestres que poderio mouer sse duuidas Entre o senhor da obra e o Mestre
que a tomara sobre o pagamento a serem necessario virem o Juizo e hauer dilao E no hera justo que Emtanto
seno acabasse a obra por outro Mestre e asim exceto estas Circunstanias que referia bem se podia Confirmar o
Conpremisso Com declarao mais que o Escriuo teria somente fe nos negoios do seu offiio Entre os mesmos
offeiais mas no a respeito de tereiro. Hey por bem fazer merce aos suplicantes de lhes Confirmar Como Com
effeito Confirmo e hei por Confirmados os Capitollos do Compremisso atras Escrito na forma da reposta do dito
meu Procurador da Coroa e este aluara se [f. 215]35 Comprira Como nelle se conthem que valera posto que seu
efeito haja de durar mais de hum anno sem embargo da ordenacao liuro 2 titollo 4 em contrairo e pagaro
de nouos direitos trinta reis que se carregaro ao thezoureiro delles a fl 79 verso do liuro 2 de sua receita e se
registou o Conhecimento em forma no liuro 2 do registo geral a fl 40 verso Jozeph da Maya e Faria o fes em Lixboa
a 5 de Marco de 1710 pagaro de feitio deste quoatrocentos reis Manoel de Castro Guimares o fis escreuer =
Rey = Duque Prezidente Aluara dos Juizes do offiio de Pedreiro e Carpinteiro da Jrmandade do Patriarca S.
Jozeph porque Vossa Magestade ha por bem de lhe Confirmar os Capitollos do Compremisso atras escrito na
maneira asima declarada = Para vossa Magestade ver = Por resoluo de S. Magestade de 13 de Janeiro de 1710
em consulta do Dezembargo do Pao Manoel Lopes de oliueira chanceler Mor = Pagou trinta reis aos offeiais
duzentos e des reis Lixboa 13 de Mayo de 1710. Jgnocencio Correa de Moura = Registado na chancelaria Mor da
Corte e Reino no Liuro de offiios e meres fl 196 verso Lixboa 31 de Mayo de 1710 Thomas Ferreira Barreto
35
Reclamo: se.
313
I
Documenta
314
Senhor
Ao Senado da Camara foi remittida hua petio de Joo Lopez Cardoso filho legitimo de Bento lopez de Basto
proprietario que foi do officio de Almotace das execues da limpeza do bairro do Rocio, na qual expoem a Vossa
Magestade que por falecimento do ditto seu pae fora Vossa Magestade servido por consulta do Senado da Camara
fazer lhe merce da propriedade do ditto officio para o servir em sendo idade competente: e porque o suppricante
se achava com tres irmans sem couza alga com que as poder emparar por no lhe ficar de seu pae mais que o
ditto officio, no qual te o presente seno encartara por ser menor, tomara melhor acordo de se querer ordenar
para neste estado melhor as poder favorecer e a sua may, e queria ceder de todo o direito, e aco que tinha ao
ditto officio em sua irma mais velha para haver com elle tomar estado e a pessoa que com ella cazasse o servir
Como se tinha concedido a muitos em semelhantes officios ficando nesta forma a ditta sua irma emparada e elle
suppricante satisfeito no grande dezejo, que tinha de se ordenar afim de melhor poder favorecer, e emparar as
mais irmas, E sua may.
2
Pedia a Vossa Magestade que em considerao do referido e pia inteno do suppricante lhe fizesse merce mandar
que o suppricante possa ceder de todo o direito e aco que tinha no dito officio em sua irma mais velha ficando
esta com a propriedade delle para haver com elle de tomar estado e a pessoa que com ella cazasse o servir visto
o suppricante no estar no ditto officio ainda encartado.
Sendo vista a sua petio mandou o Senado se desse ao Vereador do pilouro para fazer as diligencias do estillo; e
por ser o suppricante menor de 25 [f. 73v.] annos e ter de idade vinte e carecer por esta causa d alvara de liena
do juiz dos orphos para a validade da cesso do direito que tem a este officio, de que Vossa Magestade lhe tem
1
2
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 136/2014. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 315 - 316
315
I
Documenta
feito merce por sua real resoluo em consulta do senado como filho varo do defunto seu pae, requereo perante
o juiz dos orphos da repartio do meyo o Licenciado Joseph de Caminha falco o ditto alvara para este effeito
o qual por respeito da sua menoridade lhe nomeou curador Domingos da Fonseca Guerra, que ouve juramento
para fallar por parte da justia do cedente que respondeo no ter duvida a se lhe deferir, e constou pelo extracto
dos autos fazer termo em o ditto juizo em que cedeo a aco do direito que tem deste officio em sua irma mais
velha para com elle tomar estado e pelo juiz dos orphos interpondo sua autoridade e decreto judicial se lhe
passou alvara de licena
Que sendo visto no senado e tudo o mais que fica relatado e ser este requerimento por suas cauzas justo.
Parece ao Senado, que em razo do beneficio que o Suppricante faz a sua irma para haver de tomar estado do
matrimonio e elle ordenar se para o de ecclesiastico he digno da real atteno de Vossa Magestade e de todo o
favor para lhe deferir visto ter ja demitido de si o direito que tem a este officio pela merce por concedida que
obteve de Vossa Magestade de que tem feito cesso della em juizo competente a favor de sua irmaa mais velha
com termo assignado por elle e authoridade do juiz dos orphos em que precedero as diligencias que dispoem
o direito sirva se Vossa Magestade haver por bem fazer Merce do mesmo officio a supplicada para seu cazamento
sendo a pessoa que com ella cazar idoneo, e capaz de o poder servir a satisfao do Senado por ser esta graa de
piedade e justia, como se tem concedido a outros proprietarios que cedero a aco dos seus officios em suas
irmas pelas mesmas cauzas. Lixboa ocidental 16 de Abril de 1707
(assinado:) Conde da Ribeira
[f.82] Os Toldos, que tiverem romendos, se lhe deitaro panos novos inteiros em todo o comprimento, pera que
no mostrem que so romendados.
E os que estiverem em forma, que se lhe no posso deitar panos inteiros sem ficar grande disparidade pelos
muitos panos que levarem de novo, se far ento toda a vella de novo, pera que no apareo nella huns de cor de
pa[no] novo, e outros de cor dos velhos.
Os que estiverem sujos lavar se ho quatro dos que se ponho ter se h grande cuidado que quando se armarem
se no arrastem pelas ruas, e se encho de lama.
Por se ho direitos, e bem puxados; e no se ponho to sedo como foi o anno passado.
1
2
No fl. 81v.: Registada no Livro 2 do registo de consultas e Decretos do Senado occidental a f. 54 e no Livro do registo do Senado oriental a f. 12v de
consultas e Decretos.
3
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 136/2014. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 317 - 318
317
I
Documenta
Tambem haver muita mais area , espadana, alecrim sem os troncos , e muitas flores e ervas cheirozas; e tudo em
muito maior quantidade do que o anno passado, porque ento de tudo houve mui pouco dos que devia ser.
As bocas dos becos se taparo de sorte, que no venho as agoas pera as Ruas direitas.
Aos Mercadores da Rua Nova se far advertncia, para que no armem as columnas seno com o melhor que
houver, e no como no anno passado.
[f.82v.] Os Juizes dos officios sejo advertidos pera que no ponho armaoens de couzas velhas nas partes aonde
tem obrigao de armarem.
Aos moradores das Ruas por onde passa a Procio se fra avizo pera que armem bem as suas janelas e Portas,
e melhor do que o anno passado, e que no ponho nas janelas Cobertores de Serafina. Tudo hade ficar armado,
em geral, quarta feira ao jantar.
Os mastros, que esto postos, e fixados no cho das Ruas se endireitem logo, porque esto tortos; e a armao
que se lhe puzer seja melhor que o anno passado4.
318
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 319 - 320
319
I
Documenta
(assinado:) Rey
2
No mesmo flio: Passou pella Chansellaria Mor da Corte e Reino este Alvara na forma que nelle se ordena / Lixboa 31 de Agosto de 1741/ (Assinado:)
Dom Miguel Maldonado; Registado na Chanselaria Mor da Corte e Reino no livro das leys a fl. 92/ Lixboa 31 de Agosto de 1741/ (Assinado:) Rodrigo
Xavier Alveres de Moura.
No flio f.133: Cumpra ce e reziste ce Meza 1 de Setembro de 1741/(assinado:) Francisco Luiz Barbuda / Manoel Freyre [e 6 rubricas] / Registado no
Livro 6 a fl. 211 v.
320
Varia
O cordeamento constitua um procedimento administrativo camarrio corrente na gesto de Lisboa nos sculos
XVII e XVIII1, que designava o auto de medio das fachadas e das vias pblicas realizada pelo mestre ou medidor
das obras da cidade utilizando por instrumento a vara de medir da marca da cidade2. Desta forma se garantia
que as obras no tomavam nada do pblico, ou seja, procurava-se manter a largura das vias e fazer cumprir a
regulamentao das fachadas as portas no deveriam ter degraus na estrada e as janelas de sacada teriam 14
* Ctia Teles e Marques de Sousa Branco doutorada em Histria da Arte Moderna; bolseira de Investigao do projeto Lx Conventos. Da cidade sacra
cidade laica. A extino das ordens religiosas e as dinmicas de transformao urbana na Lisboa do sculo XIX (FCT PTDC/CPC-HAT/4703/2012),
Instituto de Histria da Arte (Faculdade de Cincias Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa). Correio eletrnico:[email protected]
1
O Arquivo Municipal de Lisboa conserva livros de cordeamentos datados de 1608 a 1789. No foi, ainda, possvel perceber em que momento se deu incio
e se regulamentou este procedimento administrativo camarrio, mas crvel que o mesmo possa ser recuado algumas dcadas.
Sobre os Livros de Cordeamentos, a estrutura documental e administrativa e metodologias destes atos camarrios veja-se o estudo SILVA, Maria de Lurdes
Ribeiro da Aspectos da interveno do Senado da Cmara na reconstituio pombalina. Os Livros de Cordeamentos. I Colquio Temtico O municpio de
Lisboa e a dinmica urbana (sculos XVI-XX). Actas das Sesses. Lisboa: Cmara Municipal de Lisboa, 1995. p. 101-120.
2
Cadernos do Arquivo Municipal, ISSN 2183-3176. 2 Srie N 1 (janeiro - junho 2014), p. 323 - 339
323
I
Ctia Teles e Marques
ou 16 palmos em altura3. Todas as obras em edifcios ou muramentos de propriedades, desde que voltadas para
o espao pblico, ficavam, assim, sujeitas submisso de uma petio a aprovar pelo Senado da Cmara, aps a
realizao do cordeamento4. Este procedimento aplicava-se, tambm, s casas religiosas.
O conjunto de Livros de Cordeamentos, conservado no Arquivo Municipal de Lisboa, constitudo por 39 volumes
que registam as peties de privados, os despachos do Senado da Cmara e os autos de vistoria (ou de cordeamento)
sobre obras a realizar nos edifcios da cidade. Cobrindo um arco temporal de quase dois sculos (1608 a 1789),
a documentao considera sobretudo os limites urbanos da cidade, mas tambm Odivelas, Vila Franca de Xira,
Aldeia Galega, Oeiras, Sacavm, Benfica, Carnide, Lumiar, Carnaxide e Loures, permitindo perceber os limites
jurdicos de atuao da Cmara de Lisboa poca.
O presente artigo decorre da investigao realizada no mbito do Projeto de I&D LX Conventos. Da cidade sacra
cidade laica. A extino das ordens religiosas e as dinmicas de transformao urbana na Lisboa do sculo XIX5.
Um dos objetivos deste projeto disponibilizar e trabalhar fontes inditas para o estudo das casas religiosas
da cidade e foi com este propsito que se realizou o levantamento dos Livros de Cordeamentos, cuja informao
ir complementar as investigaes em curso da equipa do LX Conventos e ser divulgada, posteriormente,
comunidade cientfica.
Neste nmero dos Cadernos do Arquivo Municipal, realiza-se, pois, uma primeira abordagem ao tema com a
publicao do ndice da documentao de 1700 a 1750 relativa s casas religiosas de Lisboa. Para esta cronologia,
existem doze Livros de Cordeamentos (quatro anuais e oito plurianuais), que correspondem a 30% do conjunto
total, sendo que os volumes dos anos 1706 e 1730-1737 no registam dados referentes a intervenes nas casas
religiosas da cidade ou suas propriedades. Note-se que foi seguido o critrio definido pelo Projeto LX Conventos,
que considera os conventos integrados na atual rea municipal de Lisboa, pelo que se excluem as informaes
existentes alusivas s casas religiosas de outros concelhos, como Odivelas, Sacavm e Oeiras. O levantamento foi
restringido, tambm, aos conventos e aos colgios das ordens religiosas, pelo que a nossa investigao no inclui
recolhimentos, hospcios e hospitais, dado apresentarem estudos de caso de caractersticas distintas.
Os Livros de Cordeamentos constituem, seguramente, uma fonte rica para o estudo das casas religiosas e da sua
relao com a urbe, dando notcia de obras nos conventos e colgios, como, igualmente, em outras propriedades
que estas instituies possuam em Lisboa, fossem elas chos, hortas ou casas. Dos 78 conventos existentes no
perodo entre 1700 e 17506, h referncia a 17 casas femininas, 16 masculinas e 5 colgios (ver tabela 1).
A alterao dimenso das janelas de sacada ocorre, sensivelmente, em meados do primeiro quartel do sculo XVIII.
Por vezes, era a prpria Cmara que obrigava a reparaes no edificado em mau estado de conservao, como sucedeu, por exemplo, com o convento de
Nossa Senhora do Carmo, em 1708, que, por ordem do Senado, fora notificado para fazer obras numas casas danificadas sitas ao Arco de Nossa Senhora da
Graa. Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro de Cordeamentos de 1705-1709, f. 229-230.
4
5
Projeto do Instituto de Histria da Arte (FCSH/NOVA) instituio proponente, com a participao da Cmara Municipal de Lisboa, Direco-Geral de
Arquivos e Fundao da Faculdade de Cincias e Tecnologia (FCT/NOVA). Coordenado cientificamente pela Professora Doutora Raquel Henriques da Silva
e financiado pela Fundao para a Cincia e Tecnologia (FCT PTDC/CPC-HAT/4703/2012), o projeto LX Conventos teve incio em maio de 2013 e ser
concludo em 2015.
324
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
conventos femininos Madre de Deus, Nossa Senhora da Anunciada, Nossa Senhora da Conceio dos
conventos masculinos congregao da Misso de Rilhafoles, Esprito Santo da Pedreira, Nossa Senhora
colgios e noviciados colgio de Santo Anto-o-Novo, noviciado das Misses da ndia de So Francisco
Xavier, noviciado da Cotovia, colgio de So Pedro e de So Paulo, colgio de So
Patrcio.
A informao compilada nos Livros de Cordeamentos diversa no que respeita ao tipo de obras, tratando-se,
na sua maioria, de trabalhos no exterior: reparo e conservao de muros dos conventos e das propriedades,
alargamento e construo de casas anexas nos limites das cercas, e intervenes noutras propriedades urbanas
e rurais na cidade. Neste sentido, esta documentao omissa quanto a empreitadas que estavam a decorrer no
interior das cercas, dado que no era necessria licena do Senado para o efeito.
Em alguns casos, todavia, possvel identificar intervenes nos edifcios principais, quando se tornava necessrio
armar um telheiro na via pblica para se lavrar a pedraria para a obra. Foi o que sucedeu nos conventos de Nossa
Senhora do Monte do Carmo, da Santssima Trindade e de Nossa Senhora da Graa, que submeteram peties
para erguer telheiros a fim de dar seguimento s obras na igreja e parte do convento carmelita (1701), na capela-mor da igreja trinitria (1711) e no convento agostinho (1714)7 (ver tabela 2).
6
No incio do sculo XVIII, Lisboa tinha 68 conventos - 42 masculinos e 26 femininos e, em 1755, o nmero total era de 78 53 masculinos e 25
femininos. MGRE, Rita; SILVA, Hlia Os conventos na imagem urbana de Lisboa (1551-2015). MARADO, Catarina (ed.) - Monastic architecture and the
city. Cescontexto Coimbra: Centro de Estudos Sociais - Laboratrio Associado da Universidade de Coimbra. N. 6 (2014), p. 108-124.
7
AML, Livro de Cordeamentos de 1700-1704, f. 258-259v; Livro de Cordeamentos de 1710-1719, f. 143-144, 462-465v.
325
I
Ctia Teles e Marques
Por confinarem com a rua, toma-se conhecimento, igualmente, da reconstruo da sacristia da igreja de Santa
Clara (1722) e de parte do dormitrio do colgio de So Patrcio (1744-45), e da obra de renovao da capelamor da igreja de So Domingos de Lisboa (1741)8. Outros exemplos relacionam-se com a fundao e construo
de novas casas, como o convento de Santa Joana da Ordem dos Pregadores9, permitindo balizar e completar a
cronologia da construo dos edifcios.
Sobre os mestres que trabalharam nestas obras, a informao constante dos Livros de Cordeamentos
praticamente nula. rara a meno aos oficiais, mas registam-se aqui dois exemplos: Joo da Silva, pedreiro que
interveio na empreitada do convento de Nossa Senhora do Monte do Carmo em 1701; e Jos dos Santos, pedreiro
que construiu o telheiro para a obra de pedraria que se fazia no convento de Nossa Senhora da Graa em 1714 e
que assinou um termo de obrigao10.
Tabela 2 | Tipos de obra nas casas religiosas de Lisboa e suas propriedades (1700-1750)
obras relevantes
nas casas religiosas
obras relativas a
convento de Santa Joana (1702)
novas fundaes
convento de Santa Mnica (1722)
venda ou aforamento
de chos na rea da cerca; mosteiro de So Vicente de Fora (1738)
construo de propriedades convento de Nossa Senhora da Graa (1739-1740)
de casas para alugar
mosteiro de So Bento da Sade rua Nova Colnia (1745-1750)
8
AML, Livro de Cordeamentos de 1720-1729, f. 235-236; Livro de Cordeamentos de 1741-1744, f. 771-772v; Livro de Cordeamentos de 1745-1752, f. 110-111v;
Livro de Cordeamentos de 1741-1744, f. 22-23v.
9
10
326
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
Simultaneamente, outro dado relevante refere-se ao aforamento ou venda de terras da cerca a privados e, at
mesmo, a construo de casas para alugar com o propsito de acrescentar os rditos das casas religiosas. Constatase esta prtica no convento das Mnicas em 1722, tornando-se mais frequente nos Livros de Cordeamentos a
partir de 1738, com o loteamento de chos das cercas dos Cnegos Regulares de Santo Agostinho, dos Eremitas
de Santo Agostinho, dos frades de So Bento e dos Hospitalrios de So Joo de Deus11. Seria, alis, de interesse
investigar-se como estudo de caso o loteamento da cerca do mosteiro de So Bento da Sade registado nos
Livros de Cordeamentos entre 1745 e 1748 que deu, inclusivamente, origem a uma nova rua, designada por
Nova Colnia ou Nova Colnia de So Bento12. Tratar-se-ia de um novo polo de urbanizao da cidade como veio a
suceder, mais tarde em 1756, com o bairro das Trinas do Mocambo13? , certamente, uma das mltiplas questes
que se levantam na anlise deste acervo documental e que se deixa aqui em aberto.
Numa leitura global sobre as casas religiosas de Lisboa a partir dos Livros de Cordeamentos, destaca-se o papel
que elas tinham enquanto pontos de referncia recorrente e impar na cidade. As ruas e reas urbanas eram,
frequentemente, designadas pelo convento ou mosteiro mais prximo. Tal ficou a dever-se, certamente,
dimenso dos edifcios, que se destacavam da mancha urbana como landmarks, fazendo uso da expresso
cunhada por Kevin Lynch14 nos estudos de urbanismo. Assim se referem casas ou terrenos de privados que
ficavam na proximidade do convento X, as ruas e travessas que iam do convento X ao convento Y. Daqui se
foram tomando os nomes dos oragos das casas religiosas e das prprias ordens para designar as ruas, travessas
e largos da cidade. Mesmo aps o desaparecimento de conventos e mosteiros, a memria da sua existncia
evocada ainda hoje pela toponmia.
11
AML, Livro de Cordeamentos de 1720-1729, f. 160-163v.; Livro de Cordeamentos de 1738-1740, f. 96-97v., 144-145v., 370-371v., 485-486v.; Livro de
Cordeamentos de 1745-1752, f. 140-142v, 253-254v., 527-528v, 368-369v.
12
Segundo Norberto de Arajo, a rua Nova Colnia de So Bento, aberta numa rea da cerca beneditina de terras de semeadura e olivais, correspondia
atual rua de So Bento. Segundo o autor, a rua Nova Colnia partia do Arco de So Bento at ao Rato. ARAJO, Norberto Peregrinaes em Lisboa. Lisboa:
Vega, 1992. V. XI, p. 30.
Sobre a urbanizao da cerca das Trinas veja-se MATOS, Jos Sarmento de Uma casa na Lapa. Lisboa: Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento,
1994. p. 33-48. O loteamento tambm documentado em AML, Livro de Cordeamentos de 1706.
13
14
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I
Ctia Teles e Marques
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Arquivo Municipal de Lisboa
Livro de Cordeamentos de 1700
Livro de Cordeamentos de 1700-1704
Livro de Cordeamentos de 1705-1709
Livro de Cordeamentos de 1706
Livro de Cordeamentos de 1707
Livro de Cordeamentos de 1710-1719
Livro de Cordeamentos de 1712
Livro de Cordeamentos de 1720-1729
Livro de Cordeamentos de 1730-1737
Livro de Cordeamentos de 1738-1740
Livro de Cordeamentos de 1741-1744
Livro de Cordeamentos de 1745-1752
Bibliografia
ARAJO, Norberto Peregrinaes em Lisboa. Lisboa: Vega, 1992. vol. XI.
LYNCH, Kevin A imagem da cidade. Lisboa: Edies 70, 1990.
MATOS, Jos Sarmento de Uma casa na Lapa. Lisboa: Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento, 1994.
MGRE, Rita; SILVA, Hlia Os conventos na imagem urbana de Lisboa (1551-2015). MARADO, Catarina (ed.)
- Monastic architecture and the city. Cescontexto Coimbra: Centro de Estudos Sociais - Laboratrio Associado da
Universidade de Coimbra. N. 6 (2014), p. 108-124
SILVA, Maria de Lurdes Ribeiro da Aspectos da interveno do Senado da Cmara na reconstituio pombalina.
Os Livros de Cordeamentos. I Colquio Temtico O municpio de Lisboa e a dinmica urbana (sculos XVI-XX).
Actas das Sesses. Lisboa: Cmara Municipal de Lisboa, 1995. p. 101-120.
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I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
ndice documental
Livros de Cordeamentos (1700-1750)
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/22
Casa religiosa
Data
Descrio
1700-05-18
f. 25v.-26v.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/27
Casa religiosa
Data
Descrio
f. 49-51
1700-04-30
Convento do Santssimo
1700-08-13
Rei Salvador
f. 68-69
Convento de Nossa
1701-12-09
Senhora do Monte do Carmo
f. 258-259v.
Colgio de Santo
1703-03-10
Anto-o-Novo
(propriedades)
f. 311-312v.
329
I
Ctia Teles e Marques
Colgio de Santo
1702-08-23
Anto-o-Novo
(propriedades)
f. 313-314v.
Convento de
1702-08-25
Convento de Nossa
1702-09-20
Senhora dos Remdios
Santa Joana
f. 315-316v.
f. 357-358
Recolhimento de
1702-05-08
Santa Apolnia
f. 395-396v.
Convento de Nossa
1702-02-17
Senhora do Monte do Carmo
f. 461-462
Mosteiro de So
1703-09-10
Vicente de Fora
(propriedades)
Convento do Esprito
1703-04-18
Santo da Pedreira
(propriedade)
f. 539-540
Colgio de Santo
1703-07-13
Anto-o-Novo
f. 657-658
Convento de Nossa
1704-04-02
Senhora do Rosrio
f. 667-668
330
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/28
Casa religiosa
Data
Noviciado das Misses
1708-04-30
da ndia de So Francisco Xavier
(propriedades)
f. 211-212
Convento de Nossa
1708-08-04
Senhora do Monte do Carmo
f. 229-230
Convento da
1708-05-25
Santssima Trindade
f. 247-248
Convento de Nossa
Senhora da Nazar
1707-03-10
f. 265-266
Descrio
Petio do padre superior do noviciado de So Francisco
Xavier sobre obras numas casas danificadas pertencentes
ao colgio, sitas s Cruzes de So Francisco: erguer mais
um sobrado, abrir janelas e portas e outros trabalhos.
Petio do prior e mais religiosos do convento do Carmo
para se fazer obras numas casas danificadassitas ao Arco
de Nossa Senhora da Graa, no seguimento de uma
notificao ordenada pelo Senado. Para realizar as obras
era necessrio reconstruir a frontaria.
Convento de Nossa
1707-03-22
Senhora da Penha de Frana
f. 475-476
Colgio de So Pedro
1705-05-25
e de So Paulo
f. 849-850
331
I
Ctia Teles e Marques
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/23
Casa religiosa
Data
Descrio
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/24
Casa religiosa
Data
Descrio
Convento de Nossa
1707-03-27
Senhora da Penha de Frana
f. 20v.-21v.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/29
Casa religiosa
Data
Convento da
1711-08-03
Santssima Trindade
Colgio de Santo
f. 143-144
1711-05-29
Anto-o-Novo
(propriedades)
f. 145-146
Mosteiro de Nossa
1712-09-25
Senhora do Desterro
f. 227-228v.
332
Descrio
Petio de Antnio Monteiro Paim do Conselho de Sua
Majestade e do Geral do Santo Ofcio, na qualidade de
testamenteiro de seu pai o Doutor Pedro Frz Monteiro.
Havia principiado a obra da capela-mor do convento e
para a continuar era necessrio construir um telheiro
para lavrar a pedraria no largo junto ao convento.
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
Convento de Nossa
1712-05-20
Senhora do Rosrio
f. 251-252
Convento de Nossa
1712-02-18
Senhora da Graa
(propriedades)
f. 290-291
Convento de Nossa
1712-10-03
Senhora do Monte do Carmo
f. 304-305
Colgio de So Patrcio
1713-01-22
f. 334-335
Convento de Nossa
1713-04-01
Senhora da Anunciada
Convento de Nossa
1714-11-26
Senhora da Graa
f. 394-395
f. 462-463v.
Convento de Nossa
1716-03-24
Senhora da Anunciada
(propriedades)
f. 604-605
f. 647-648
Convento de So
1717-07-10
Domingos de Lisboa
(casa da Ordem
Terceira de So Domingos)
333
I
Ctia Teles e Marques
f. 677-682v.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/25
Casa religiosa
Data
Convento de Nossa
1712-02-23
Senhora da Graa
(propriedades)
f. 10-11
Convento de Nossa
1712-05-21
Senhora do Rosrio
f. 18v.-19
Convento de Nossa
1712-10-03
Senhora do Monte do Carmo
f. 62-63v.
f. 55-55v.
Mosteiro de Nossa
1712-12-23
Senhora do Desterro
Descrio
Petio do prior e mais religiosos do convento da Graa
para se fazer obras numas casas que tinham entre as
ruas dos Douradores e das Esteiras.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/30
Casa religiosa
Data
Convento do Esprito
1721-05-12
Santo da Pedreira
Descrio
f. 100-101v.
334
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
f. 160-163v.
Convento da Congregao
1722-06-19
da Misso de Rilhafoles
Convento de Santo Antnio
dos Capuchos
(propriedades confinantes)
f. 270-271v.
f. 302-303v.
f. 516-519
f. 577-580
1722-05-16
f. 235-236
Convento de Nossa
1722-03-16
Senhora do Bom Sucesso
(propriedades)
Convento de Nossa
1723-04-18
Senhora de Jesus
(propriedades)
Convento de Nossa
1727-02-07
Senhora da Graa
(propriedades)
Convento de
1727-06-04
Nossa Senhora da Nazar
(propriedades)
f. 528-533
Convento de
1728-03-16
Santa Apolnia
1728-05-17
(propriedades)
f. 591-592
1729-05-27
f. 599-600v.
335
I
Ctia Teles e Marques
Convento de So Joo
1729-06-25
Evangelista de Xabregas
(propriedades)
f. 616-617v.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/31
Casa religiosa
Data
Descrio
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/32
Casa religiosa
Data
Mosteiro de So
1738-07-17
Vicente de Fora
(propriedades)
f. 96-97v.
Mosteiro de So
1738-06-10
Vicente de Fora
(propriedades)
f. 144-145v.
Convento do Santssimo
1738-07-29
Rei Salvador
f. 160-161v.
Colgio de Santo
1739-09-18
Anto-o-Novo
f. 246-247v.
Convento de So Filipe Nri 1739-02-16
(propriedades)
f. 297-298v.
336
Descrio
Petio de Jos da Silva das Candeias sobre as obras
de edificao de casas nobres numa terra da cerca do
mosteiro de So Vicente, limitada pelo Campo de Santa
Clara e Travessa da Vernica.
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
Convento de Nossa
1739-09-28
Senhora da Graa
(propriedades)
Convento de Nossa
f. 370-371v.
1740-09-19
Senhora da Graa
(propriedades)
f. 485-486v.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/33
Casa religiosa
Data
Convento de So
1741-05-06
Domingos de Lisboa
f. 22-23v.
Convento de Nossa
1741-06-14
Senhora da Encarnao
(propriedades confinantes)
f. 44-45v.
Convento de Nossa
1741-07-07
Senhora da Anunciada
f. 117-118v.
Convento de Nossa
1741-01-23
Senhora do Monte do Carmo
(propriedades)
f. 168-169v.
Convento de Nossa
1741-10-06
Senhora da Encarnao
f. 196-197v.
Descrio
Petio do prior e mais religiosos do convento de So
Domingos sobre a renovao da capela mor da sua igreja.
Para continuar a obra, era necessrio demolir o muro ou
parede fronteira rua da Palma para se fazer o alicerce e
uma sapata com segurana.
Petio do juiz e mais irmos da Congregao do Senhor
Jesus da Salvao e Santa Via Sacra sobre a sede da sua
congregao num oratrio, aberto e encostado a um muro
do convento da Encarnao. Pretendiam fazer um portal
junto do postigo de Santa Ana acima da portaria nova do
convento da Encarnao.
Petio da prioresa e mais religiosas do convento da
Anunciada para demolir e reedificar uma parede
arruinada do convento (do lado das hortas), desde a
portaria ao final do dormitrio.
I
Ctia Teles e Marques
Colgio de Santo
1742-02-28
Anto-o-Novo
f. 373-374v.
(propriedades confinantes)
f. 587-589
Convento do Esprito
1744-08-18
Santo da Pedreira
f. 776-777
Colgio de So Patrcio
1744-05-18
f. 778-779v.
PT/AMLSB/CMLSB/ADM/01/34
Casa religiosa
Data
Convento de Nossa
1745-07-06
Senhora da Soledade
f. 33-34v.
Noviciado da Cotovia
1745-08-18
f. 35-36v.
338
Descrio
Petio da prioresa e mais religiosas do convento de Nossa
Senhora da Soledade para se desmanchar parte das
paredes do convento, por estarem arruinadas, e abrir
alicerces de novo.
I
FONTE PARA O ESTUDO DAS CASAS RELIGIOSAS DE LISBOA: OS LIVROS DE CORDEAMENTOS DE 1700 A 1750
f. 37-38v.
Convento de Nossa
1745-04-30
Senhora da Graa
(propriedades)
f. 39-40v.
Colgio de So Patrcio
1745-07-20
f. 110-111v.
Mosteiro de So
1745-05-31
Bento da Sade
(propriedades)
f. 243-244v.
f. 140-142v.
Convento de Nossa
1748-06-25
Senhora da Graa
(propriedades)
Mosteiro de So
1748-03-11
Bento da Sade
f. 253-254v.
f. 368-369v.
Noviciado da Cotovia
1750-07-23
(propriedades)
f. 500-501v.
Mosteiro de So
1750-04-01
Bento da Sade
f. 527-528v.
339
Normas
Os Cadernos do Arquivo Municipal so uma revista cientfica de periodicidade semestral, com artigos sujeitos a avaliao por uma
Comisso Externa de Avaliadores.
Com esta publicao pretende-se reforar o papel do Arquivo Municipal de Lisboa junto da comunidade cientfica atravs da divulgao
de estudos acadmicos, projetos de investigao e fontes de pesquisa que tenham por base o seu acervo documental.
ANEXOS
Resumo das normas para elaborao
de referncias bibliogrficas
As referncias bibliogrficas devem ser apresentadas de acordo
com a Norma Portuguesa 405-1, 2, 3 e 4. Apresentam-se alguns
exemplos relativos s situaes mais comuns. Para outras
referncias dever ser consultada a respetiva norma.
Monografias
Gravuras / Imagens
Manuscritos
Citaes em nota:
343
Ttulo do artigo:
Assinatura
Nmero:
a) Originalidade do tema
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
Insuficiente
Suficiente
Bom
Muito Bom
b) Relevncia do tema
c) Coerncia do tema
d) Profundidade do tema
344
Observaes pertinentes
Apreciao Final
(a disponibilizar ao autor)