Cenarios Liminares
Cenarios Liminares
Cenarios Liminares
REITOR
DIRETOR DA EOUFU
Humberto Guido
CONSELHO EDITORIAL
CONSELHEIROS
ED
FU
Cenrios liminares:
teatralidades, performances e poltica
ED
FU
2011
ED \~fF U
Editora da Universidade Federal de Uberlndia
CI12c
CD U : 792(81 j(091)
Equipe de realizao
Reviso gramatical
Reviso ABNT
Projeto grfico
Capa
Foto capa
Diagramao
Fotos
AGRADECIMENTOS
A pesquisa dos processos cnicos e especialmente das teatralidades atuais no se faz a partir das bibliotecas ou das salas
acadmicas, mas se sustenta em colaboraes generosas, em experincias in situ, em persistncias, dilogos e encontros. Esta
pesquisa tem uma dvida com muitas pessoas, que de diferentes
lugares, tm proporcionado importantes apoios ao facilitar-me
documentos e registros visuais, e s quais tambm devo reflexes , experincias e afetos.
Meu agradecimento a Miguel Rublo, Teresa e Rebeca Ralli,
Ana e Dbora Correa, [uli n Vargas, Fidel Melquiades, Augusto
Casafranca, e ao Grupo Yuyachkani; a Rolf e Heidi Abderhalden
e a Mapa Teatro; a Emilio Garca Wehbi, Daniel Veronese e Ana
Alvarado; lvaro Villalobos e Rosemberg Sandoval; ao Colectivo
Etctera e a Federico Zukerfeld; a Carolina Golder, Alfredo
Segatori, Fernando Rubio, Ana Groch, Halima Tahan, Claudio
Pansera; a Jorge Miyagui, Gustavo Buntinx, Susana Torres e ao
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processos de pesquisa, nas bordas do teatral, explorando estratgias das artes visuais e dentro da tradio da arte independente, desvinculadas de projetas institucionais ou oficiais. Dado
o carter processual, temporal, no-objetuol dessas prticas,
neste espao apresentarei minhas reflexes em torno do campo da teatralidade, retomando ideias desenvolvidas por outros
pensadores atuais.
Ao insistir na teatralidade como prtica, reafirmo sua condio de fato, de atividade inserida no tecido dos acontecimentos da esfera vital e social. A palavra prtica tem tambm uma dvida com a definio deste termo por [ula Kristeva. Ao transpor
o termo para outro contexto e disciplina, a denominao 'prticas cncas' tenta quebrar a sistematizao tradicional e procura
expressar o conjunto de modalidades cnicas - incluindo as no
sistematizadas pela taxonomia teatral - como as performances,
intervenes, a es cidads e rituais.
Mas, sobretudo, esta pesquisa se abre a outro territrio
no teatral, no esttico: os gestos simblicos que colocam vontades coletivas na esfera pblica e constroem de outras maneiras seu ser poltico. No tendo um fim esttico, produzem uma
linguagem que absorve a percepo e suscitam olhares a partir
do campo artstico. Nestas pginas tambm incluo as prticas
polticas e simblicas de alguns grupos, para refletir sobre a sua
'teatralidade' e sentido da performance.
No pretendo construir nenhum corpus terico sist rnico,
nem nenhum modelo que de forma geral possa ser utilizado para
medir ou limitar os processos cnicos, O tecido do meu olhar
no supe nenhuma narrativa linear. Os conceitos que seleciono
vm das provocaes suscitadas pelas prticas artsticas da minha experincia de vida, das minhas pesquisas e leituras, da capacidade de determinados mestres de problematizar, das incitaes produzidas por alguns criadores e das perguntas que tenho
formulado no dilogo com a teatralidade latino-americana atual,
que tem sido durante anos meu campo de vnculo e estudo.'
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Inclino-me pelos que pensam a teoria como ao metafrica, nmade e instvel (TURNER, MANGIERI, STEINER, MIEKE
BAL), como sentimento (BAKHTIN), como exerccio-prtica, no
imposio do pensamento (FERAL-CULLER), como olhar poltico (BAHBHA)Z.
Apesar do uso e do gosto pelo prefixo 'ps', com todas as
consequncias associadas a esta nova 'norma cultural' - a inclinao pelo fragmentrio, o residual, o sincrnico, o esquizoide, e,
inclusive, o que alguns tm identificado como "uma nova superficialidade que encontra-se prolongada tanto na 'teoria' contempornea quanto em toda uma nova cultura da imagem ou simulacro" (JAMESON, 1991, p. 21), nos espaos habituais de produo e
discusso terica ainda se polemiza com tal neo-canonizao, De
de livros, em contato direto com as prticas e laboratrios de prestigiosos
criadores. Tal experi ncia tem sid o possvel graas aos encontros propiciados
pela Escola Internacional de Teatro de Amrica Latina e el Caribe fundada e
dirigida por Osvaldo Drag n, escol a virtu al, itinerante e no-governamental,
que parecida com as communitas liminares tem gerado espaos efmeros e
intersti ciais .
Estou especialmente em dvida com aqueles que tm se dedicado a ensinar
e pensar a teoria como uma prtica metafric a. Penso particularmente em
Gabriel Weisz e Tatiana Bubnova, acadmicos e investigadores da Faculd ade
de Filosofia e Letras e do Instituto de Investigaes Filolgicas da UNAM, com
quem tive o privilgio de ter aulas de teori a literria.
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Vinte anos depois, e numa situao teatral bastante prxima descrita por Turner, se continua insistindo na natureza
hbrida do artstico, na transgresso das defini es " e na necessidade de outros olhares conceituais para pensar os fenmenos
cnicos atuais.
O teatro, ainda quando integra elementos de outras artes
na sua complexa corporalidade cnica, tem desenvolvido uma
extensa histria de fixaes, convenes e definies dramtico-tericas. No percurso de mais de vinte anos a arquitetura teatral
manteve - com uma impressionante obedincia - as premissas
de uma concepo dramtica sistematizada pela teoria aristotlica. Com excees na histria da teatralidade - a arte dos trovadores na poca medieval, a Commedia dell'Arte da Renascena,
alguns momentos de Molire - apenas no final do sculo XIX
comeam a produzir-se decomposies sistemticas e quebras
do corpo dramatrgico: estou pensando em [arry e no ltimo
Strindberg. Durante o sculo XX, e fundamentalmente sob o impulso das vanguardas e a radical proposta de Artaud, a teatralidade comeou a variar sua arquitetura e linguagem, com menos
peso no discurso verbal, desestruturao da fbula, mudanas
radicais na noo psicolgica da personagem, ruptura com o
princpio de mimese e com o realismo oitocentista, e lima acentuada preponderncia do corporal e do vivencial. Esta situao,
at a segunda metade do sculo XX, passou por um acelerado
processo de radicalizao, fazendo da cena teatral contempornea um espao mais hbrido a partir de uma maior presena das
artes visuais, as mdias, e as aes da performance. A continuidade de algumas destas estratgias tem gerado oxigenantes fendas
na teatralidade atual.
A partir da quebra das textual idades - que foi configurando nas artes de vanguarda a tendncia ao azar, ao processual, ao
mutvel e ambguo nas experimentaes cnicas iniciadas por
John Cage - a teatralidade foi se contaminando ou hibridizando
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com o utras artes. Esta s ituao fez com que, na metade do sculo
XX, criadores e estudiosos como Michael Kirby chegassem a estabelecer para si mesmos a necessidade de outras terminologias
para conceituar o novo teatro. Os textos cnicos foram mais do
que nunca verdadeiras travessias, espaos de encruzilhadas nos
quais se reconheciam mltiplas disciplinas, estilos, discursos e
vozes. Escrituras sem dependncia do texto prvio a representar foram aparecendo nos mais inslitos espaos; os eventos
teatrais no se sustentavam necessariamente numa estrutura
informativo-narrativa. "Qualquer material escrito, e inclusive
material no -verbal, pode servir como 'texto' para uma apresentao" (KIRBY, 1976, p. 67)f'. A performance, o imprevisvel,
o extraordinariamente efmero, os rituais irreproduzveis contaminaram as textualidades cnicas vanguardistas que muitos
chegaram a considerar como coI/ages.
A arte que hoje acontece em algumas cidades do mundo
significa um desafio para os olhares ortodoxos que seguem pensando na produo artstica de forma segmentada. Vou dar como
exemplo a 'inte rveno' urbana FiJoctetes, Lemnos em Buenos
Aires, coordenada por Emilio Garcia Wehbi - artista plstico e
cnico - que numa manh de novembro de 2002 fez aparecer vrios corpos imveis em pontos distintos da cidade. Tratava-se de
vinte e trs bonecos hiper-realistas colocados em lugares muito
frequentados da cidade por uma numerosa equipe interdisciplinar, que se interrogava sobre as relaes entre os transeuntes e
os moradores de rua. As reaes que este evento provocou foram muito diversas. Vrios cidados, desesperados ante a presena dos corpos, que acreditavam serem reais, pediram auxlio
s instituies competentes; outros, a grande maioria, passavam
tranquilos, insensveis frente a uma paisagem urbana que comeava a parecer normal", Considero esta ao e seu contexto como
situao exemplar para refletir sobre os efeitos da "interferncia
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Em 1995, num a entrev ista qu e fez parte do video Persistn cia da Memria, qu e
hom en ageava os 25 a nos do Yuyachkani, Miguel Rubio expressava uma ideia
muito si milar.
Esta ao aco nteceu e m Buen os Aires dep ois da crise de dezemb ro de 200 1.
da fro nte ira e ntre ispa o est tico e real" (200 3, p. 37), suge rida
por Helga Finter.
Fiiocte tes, Lem nos em Bueno s Aires
Foto: Arquivo Emilio G.Wehbi.
Ce n rios limin ares (tea tra lida des . performan ces e polt ica)
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A arquitet nica um con ceito elabo rado por Bakhtin a partir da inverso da
ideia kantiana . Ind ica um sist ema per son alizado no qual se expem as relae s
do indivduo com o seu tempo e espao.
Nos mes es de julho e agosto do an o 2004, tive a oportunidade de visitar
algun s dos cenrios culturais e sociais que cito na minha. pesquisa, graas
aos recur sos do Prog rama de Apoio aos Estudantes de Ps-Graduao da
promisso tico. Pretender estudar a arte cnica que hoje acontece em mltiplos cenrios urbanos e artsticos de Amrica Latina
implica em nos interrogar sobre as caractersticas, molduras e
contaminaes nas artes contemporneas, assim como seus entrecruzamentos e dilogos com a realidade. Seria estril tentar
fechar num laboratrio estas manifestaes artsticas, isol-las
das suas realidades e tentar aplicar-lhes procedimentos abstratos academicistas. Como tem sido dito, "se existe um lugar no
mundo onde a arte teatral e a sua prtica tm no dia a dia uma
funo poltica, social e cultural relevante, esse lugar a Amrica
Latina"!", Abrir um espao de reflexo sobre a constituio das
atuais teatralidades liminares neste continente no s implica
em desenvolver uma anlise sobre o seu complexo hibridismo
artstico, mas tambm considerar as suas articulaes com o tecido social no qual esto inseridas.
A historiografia da arte, na qual tem predominado um olhar formalista e estetizante, que evita as 'contaminaes' do seu objeto,
tem tendncia a relegar ou subestimar a dimenso poltica dos
posicionamentos dos artistas e das suas produes. Por outro
lado, a partir da historiografia poltica, as questes artsticas ficam reduzidas a meros ornamentos, ilustraes da palavra, desconhecendo o seu potencial revulsivo, sua espessura como representao e a especificidade das suas linguagens. (LONGONI,
2001, p. 19)
Usando a expresso 'hibridismo artstico' me dirijo configurao de um tecido contaminado pelos entrecruzamentos de
modalidades e disciplinas diversas, como a dana, o teatro, as
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seu pblico, margem de qualquer apoio ou compromisso institucional, tm sido e so ainda importantes ncleos de cultura
viva, referncias essenciais para todo estudo sobre os processos
culturais em qualquer um desses pases. Eles criam os espaos
possveis para pensar a liminaridade, pois, assim como Turner,
vinculam este conceito a situaes de marginalidade, fora das
estruturas sociais.
Este outro jeito de produzir - no sentido de criar - o fato
cnico foi redefinindo um conceito de teatralidade cada vez menos apegado ao exerccio das hierarquias teatrais e aos mecanismos da encenao. Os longos processos de pesquisa e experimentao na procura de temas, linguagens e meios, - incluindo
em certas ocasies trabalhos de pesquisa de campo, com critrios e prticas mais coletivas e heterrquicas'" - foi configurando
escrituras cnicas onde o texto dramtico no era um ponto de
partida, mas um elemento mais do corpo cnico, resultante dos
processos da dramaturgia do atar.
A resistncia de alguns criadores por transpor suas criaes cnicas para um texto escrito indica uma teatralidade que
no s se situa numa verdadeira independncia do texto dramtico, mas que concebida essencialmente corno efmera, processual, de performance, unicamente possvel a partir de um tempo
e espacializaes cnicos. "Minha resistncia publicao dos
textos nos quais trabalho [...] porque no acredito no valor dos
textos que surgem daqueles sucessos e acontecimentos que se
produzem no palco, que tambm no podem ser transmitidos
pelas didasclias", expressa Ricardo Barris'? (1998, p. 84-85), em
aberta discordncia a um teatro onde "o texto ganha uma supremacia ideolgica em relao forma e[o] corpo" (p. 85)
Se as discusses da arte contempornea tm considerado
como signo fundamental da mudana uma noo de obra que
tu
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Em sintonia com esta ideia, quero me referir ao uso que fazia Victor Varel a" da categoria performance text para identificar
o texto de uma das suas obras, La Cuarta Pared. Esta criao teve
como ponto de partida uma primeira escritura do prprio diretor, implicando num longo processo de pesquisa, experimentao e fragmentaes, a partir do qual nasceu um complexo texto
performtico. La Cuarta Pared foi o acontecimento teatral mais
marginal, transgressor e contestatrio na cena e na sociedade
cubana nos finais da dcada de oitenta, um divisor de guas que
necessariamente tem de ser levado em conta ao se fazer qualquer retrospectiva do teatro cubano das ltimas dcadas.
La Cuarta Pared / Teat ro Obstculo.
Foto: Juan Enrique Gonzlez Careaga
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Aut or, ator e encenado r teatral e art ista plst ico cu ba no. fund ador do gr upo
Teatro Obstculo. que na dcad a de oitenta. representou ao se tor mais
contesta tr io da ce na cuba na. Criad or de mem orve is es pe t culos, migra para
Buenos Aires e post eriormente para Miami . onde segue trab alhando. Tem
publicad o EI rbo dei pan y Biblis e tem em processo ed ito r ial EI texto impos ble,
um a anto logia da sua o bra teatral.
28 .
La Mise en scne th trale et sa condition esth tique. Paris: Flamma rion, 1955.
Traduo ao es pa nhol: La Puesta en escena. Buenos Aires: Cia Gral. Fabril.
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" [, .. ] Aexpresso 'encenao' tem adquirido com o uso esse sentido depreciativo
somente por causa da nossa concepo europeia do teatro, que d primazia
linguagem falada sobre todos os outros mdios de expresso", Cartas sobre el
lenguaje. Primera carta, Paris, 15 de septiembre de 1931. En El teatro y su doble,
p. 141.
Gosto da palavra com a qual Derrida define os anseios que Artaud nos deixou
em El Teatro y su Doble: solicitaes. Ver "EI teatro de la crueldad y la clausura
de la representacin", en La escritura y la diferencia, p. 322.
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de representacionismo, driblando a marcao da tradicional organizao drama/representao. O texto ali est quebrado, perfurado. O teatro das contaminaes, das pestes, do desejo, das
vontades, que no precisa legitimar-se num sistema, parecia ter
em Artaud uma primeira metfora conceituaI.
Uma parte importante do teatro latino-americano das ltimas dcadas tem desenvolvido suas criaes a partir das escrituras corporais dos atares, das improvisaes e achados cnicos.
Acredito que a noo de performance text baseada no trabalho
performtico - no sentido de execuo dos atores, ou inclusive de representao - pode dar conta das teatralidades corporais que a partir dos anos oitenta foram se desenvolvendo na
Amrica Latina e nas quais seria preciso reconhecer o impulso
revitalizador do Odn Teatret e de Eugnio Barba. A contribuio
das formas de trabalho do Odn em sua passagem pela Amrica
Latina, especialmente depois do Encontro de Teatros de Grupo
organizado por Cuatrotablas em Ayacucho (1978), comentada
criticamente por Miguel Rubio. Pela importncia desta reflexo,
estendo-me na citao:
A chegada do Odn por estas terras produziu definitivamente um
sistema teatral na Amrica Latina e foi em Ayacucho, no meu entender, que se assentaram as bases desta influncia. Penso que
a sua aceitao e rejeio ao mesmo tempo foi causada pelo fato
de haver um movimento teatral emergente com muita clareza do
que tinha que ser feito, mas ao mesmo tempo bastante retrico;
revolucionrio em ideias, mas em muitos casos conservador nas
formas, sem iniciativas muito claras para o atar e a sua tcnica.
Este um ponto importante, porque esse vazio permitiu ao Odn
dar-nos uma alternativa teatral, direcionada fundamentalmente
para o ator. As tcnicas so as maneiras como respondemos s
nossas necessidades, os grupos precisvamos de ferramentas
novas que fossem teis para enfrentar novos cenrios e novos
pblicos. Na maioria dos casos vnhamos resolvendo empiricamente estas necessidades, mas, quando nos confrontamos com
o Odin, achamos todo um sistema para o teatro que nutria-se
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"acontecimento potico e de linguagem", "acontecimento expectatorial", de Jorge Dubatti; "arte relacional", "obra de arte como
interstcio social", "transparncia do real", "esttica relacional",
de Nicolas Bourriaud: "ato tico", "arquitetnica", "carnavalzao', "corpo grotesco", "corpo hbrido", de Mikhail Bakhtin; "hibridao", de Homi Bahbha, "culturas hbridas", de Nestor Garcia
Canclini. De modo mais especfico tambm utilizo as denominaes: "situacionismo", "construo de situaes", "sociedade do
espetculo", de Guy Debord, "Teatro invisvel", de Augusto Boal;
"teatros do real" e "effraction", de Maryvonne Saison. So conceitos na sua maioria tomados de disciplinas marginais ao teatro,
como a antropologia, a filosofia da vida e a cultura; quer dizer,
no emergem do centro de uma teoria teatral, mas tambm no
so totalmente alheios a este campo. Alguns procedem de estudos relacionados com as artes visuais ou a literatura. Em todo
caso, este conjunto de ideias constituem uma espcie de "zcalo
concetual'?" hbrido, e o fato de aproxim-lo do campo artstico
para refletir sobre suas prticas cnicas e sociais podem propiciar novas maneiras de olhar.
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prticas orais.
Considero a idei a de "z calo conceituaI" a partir da frase "z6cl1ln lexical"
proposta por Ana Mar ia Guasch na conferncia "O Intercultural entre o MinhaI
e o local", ministrada em 8 de junho de 2005, no Laborat6rlo Arte Alameda,
Mxico, DE Interessa a sua traduo como praa de concetos, e.pao pblico no
qual se oferecem de forma aberta e descentralizadora as teorl, Bm .apanhol ii
palavra zcaJo equivale a praa pblica.
"Liminaridade e Communitas", captulo III de EJ Proceso R/tua/, Bltructurll Y
Antire structura. Madrid: Taurus, 1988.
quatro condies: 1) a funo purificadora e pedaggica ao instaurar um perodo de mudanas curativas e restauradoras; 2) a
experimentao de prticas de inverso - "o que est acima deve
experimentar o que est embaixo" e os subordinados passam a
ocupar uma posio proeminente (Idem, p. 109); como consequncia as situaes liminares podem transformar-se em situaes
arriscadas e imprevisveis ao outorgar poder aos fracos -; 3) a
realizao de uma experincia, uma vivncia nos interstcios dos
dois mundos; 4) a criao de communitas, entendida esta como
uma ant-estrutura na qual se suspendem as hierarquias, como
"sociedades abertas" onde se estabelecem relaes igualitrias,
espontneas e no racionais.
Por correspondncia, os 'entes liminares' que ocupam os
interstcios das estruturas sociais, que encontram-se nas suas
margens, nos degraus inferiores, (TURNER, 1988, p. 131) so
geralmente seres despossudos, sem status nem propriedades
e fazem seus os estigmas dos inferiores. Dentro desta condio Turner (2002, p. 133) colocou os artistas, a quem idealizou
como "gente liminar e marginal", "observadores perifricos"
imersos numa espcie de "loucura sagrada", seres xam nicos
possudos por espritos de mudanas antes que as mudanas
sejam visveis na esfera pblica (TURNER, 2002, p. 40). Essa
figura do "ente liminar" - alm de qualquer idealizao ou concesso a ele de alguma posio privilegiada, alguma dimenso
proftica de que no cornpartilho-, me interessa como expresso do estado fronteirio dos artistas/cidados que desenvolvem estratgias artsticas para intervir na esfera pblica, assim
como tambm poderia indicar a natureza ambgua de quem
utiliza estratgias poticas para configurar aes polticas no
foro mesmo da sociedade, desafiando seus representantes
(TURNER, 2002, p. 50). Esses 'entes liminares' so portadores
de estados contagiantes prprios das anti-estruturas, uma espcie de dionisismo cidado ao qual me referirei como 'pathos
liminar'. A partir da viso nietzschiana o termo dionisismo expressa a colocao em ao de estados orgisticos. Vinculado a
situaes de possesso, de festividade transbordante e contaCenrios liminares (teatralidades, performances e poltica) 37
giante, de liberao das regras e procura de um esprito utpico, entendo sua colocao em ao no espao pblico, em circunstncias excepcionais.
A communitas representa uma modalidade de interao
social oposta de estrutura, na sua temporalidade e transitoriedade, onde as relaes entre iguais do-se espontaneamente, sem legislao e sem subordinao a relaes de parentesco,
numa espcie de "humilde irmandade geral", que esto fixadas
atravs de aes litrgicas ou prticas rituais. Esta concepo
utpica exemplificada por Turner recorrendo a diversos momentos singulares, como foram a existncia das comunidades
hippies, os beats, a comunidade fundada por Francisco de Assis
ou, inclusive, situaes ficcionais como a repblica ideal proposta pela personagem Gonzalo, em A Tempestade de Shakespeare.
Em todos estes casos a liminaridade uma situao de margem,
de existncia no limite, portadora de mudana, proponente de
umbrais transformadores.
Embora Turner situou as communitas como antiestruturas o seu conceito de "drama social" pertence ao grupo das
estruturas positivas, quer dizer, das sociedades estruturadas e
fundadoras de status e hierarquias. Os dramas sociais separam
e dividem; numa relao muito diferente das geradas pelas communitas. Turner (2002, p. 74) observou uma estrutura dramtica no interior dos dramas sociais, em analogia direta com as estruturas da fico cnica e como expresso do potencial 'teatral'
da vida social. Considerou que nestes dramas operavam quatro
fases: 1) a fenda, 2) a crise, 3) a ao reparadora, 4) a reintegrao. No mbito da segunda fase colocou tambm a emergncia
de liminaridade, como umbral entre as etapas mais estveis do
processo, mas no na dimenso do lmen sagrado separado da
vida quotidiana, mas no foro mesmo da sociedade, desafiando
seus representantes (Idem, p. 50). Insisto nesta dimenso da Iiminaridade, fora da esfera estritamente sagrada, pelo potencial
que representa para refletir as situaes cnicas e polticas inseridas na vida social, propiciadoras de trnsitos efrneros, mas de
alguma maneira tambm transcendentes.
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''Afir mo que a cena um lugar fsico e con creto que exige ser ocupado e que se
lhe permita falar a sua prpria linguagem concreta" (ARTAUD, p. 61).
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cronotr pica'", a presena um ethos que assume a sua fisicidade, mas tambm o fato tico do ato, e as derivaes da sua
interveno. A condio de performer", tal e como se tem entendido na arte contempornea, enfatiza uma poltica da presena
ao implicar uma participao tica, um risco nas suas aes sem
que as histrias e as personagens dramticas sirvam de pretexto para encubrir seus atos.
A discusso desse tema ganha outra elaborao no estudo de Maryvonne Saison, Les thtres du rel, para quem alm
da "ph m rit ontoloqique"" est o problema da dimenso
cvica e poltica da teatralidade. Em dilogo com a considerao de Dubatti (2003b, p. 15), de que o convvio quem
outorga dimenso poltica ao teatro, entendo a afirmao de
Saison: "Par la reconduction 'du geste entier de la convocation ;
dans un 'espace de la mise en commun dans la cit; le thtre
se fait t'embl me de l'ajointement essentiel de l'art et du politique" (SAISON, 1998, p. 8). Embora a inquietude do real
esteja presente no pensamento cnico contemporneo, existe
tambm um desvio na percepo espontnea daquilo que
constitui nossa realidade ("le rel, aujourd'hui, est occult"),
donde "[l]e constat de l'occultation fonde la dtermination des
metteurs en sc ne provoquer, par le thtre, l'accs au rel"
(SAISON, 1998, p. 13). Se na verdade esta pesquisadora reflete
sobre a crise da referncia na teatralidade contempornea, o
problema do real no fica reduzido presena do executante nem ao acontecimento real que ocorre e gera uma
reflexo dentro do marco esttico: "l'autonomie du thtre et
l'auto-rfrence artistique ont pour consquence immdiate,
comme le soullqnait Christian Schiaretti en 1990 [...], une irresponsabilit et une irralisation de l'art thtral" (SAISON,
1998, p. 16).
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situaes", entendendo estas como momentos da vida formados pelos gestos e aes de um cenrio vivo, organizadas coletivamente como um jogo de acontecimentos. O Situacionismo
negou a separao entre criadores e espectadores e props a
noo de 'vivedores', debateu a concepo da esttica baseada na contemplao e transcendncia do belo, e considerou a
atividade cultural como um mtodo de construo experimental da vida cotidiana. Para Bourriaud, o implacvel diagnstico de Guy Debord sobre as produes espetaculares carece da
perspectiva necessria para considerar novos modos de rela es que possibilitem o seu destronamento. Nas palavras de
Bourriaud (2001, p. 89), as obras que conformam um mundo
relacional atualizam o projeto situacionista e reconciliam este
com o mundo da arte.
Arte como um "estado de encontro" - afirmao de
Bourriaud (2001, p. 16) - sublinha a dimenso convivial e socializante - arte como lugar de produo de uma socializao
especfica- no necessariamente no nvel de coletividades
massvas, mas tambm de micro-comunidades e micro-encontros que testemunham as efmeras relaes com o outro.
Quando Bourriaud exemplifica o surgimento de uma micro-comunidade na ao desenvolvida por [ens Haaning (Turkish
[okes, 1994) ao transmitir, por meio de caixas de som, histrias humorsticas em turco, numa praa de Copenhague, conseguindo que os emigrantes se juntassem num momento breve de sorriso coletivo, que inverte a sua condio de exilados
(BOURRIAUD, 2001, p. 17), desenhando uma utopia da proximidade, imediatamente percebo uma relao com o conceito
de communitas liminar proposto por Turner. Particularmente
porque muitas das aes artsticas s quais Bourriaud faz referncia, apontam - como tambm acontece nas prticas das
quais me aproximo - a emergncia de estados efmeros de
encontro que do espao a gestos de dissidncia e de diferena, e que por isso mesmo invertem as relaes com o que
nos rodeia, carnavalizando de alguma maneira estas relaes,
embora num tempo muito breve.
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Bakhtin nos seus estudos sobre a cultura popular e as configuraes grotescas, no contexto de Rabelais. Introduz a noo de
"corpo hbrido" para nomear as galerias de imagens de seres
humanos extraordinrios (metade homens, metade bestas), gigantes, anes e pigmeus, "fantasias anatmicas" que povoavam
a literatura, e que, em sua opinio, influenciaram a concepo
grotesca do corpo na poca medieval.
Problematizando o conceito de hibridao e acentuando
as contradies e o uso do termo, Nestor Garcia Canclini (2001,
11I)48 presta especial ateno ao estudo dos processos socioculturais que combinam estruturas ou prticas discretas para gerar
outras estruturas, prticas e objetos que, longe de construir parasos harmnicos, devem ser entendidas como zonas de conflito.
Estuda a natureza poltica do conceito a partir do complexo campo das cincias sociais para evidenciar conflitos gerados na interculturalidade latino-americana, onde a hibridez possui uma longa
trajetria, representando a "dupla perda" que no consegue mais
referenciar e legitimar paradigmas (CANCLINI, 2001, p. 307).
Para Bhabha (2002, p. 24), a constituio paradigmtica
da hibridez pode ser observada na cultura do emigrante, pois
uma cultura da ssobrevivncia que trabalha "nos interstcios
de um espectro de prticas". Da suas referncias s criaes de
artistas que vivem nos interstcios das culturas, reinventando
suas vidas e suas prticas. Tanto o liminar como o fronteirio
importam como condio vivencial. Perguntas radicais so estabelecidas com a experincia do artista migrante que a partir do
"no territrio" e da relao complexa com o outro elege a arte
hbrido-fronteiria do perforrntico"? como uma maneira de "assumir uma atitude ante o mundo"?' As criaes e as prprias reflexes do performer chi cano-mexicano Guillermo Gmez Pefia
4" Culturas Hbridas, particularmente a edio 2001. com a introduo '11s culturas
4'1
50
49
Em uma perspectiva ps-colonial. incitando ao reconhecimento dos limites culturais e polticos nos espaos sociais,
Bhabha (2002, p. 141) reala a hibridez como "inverso estratgica do processo de dominao" e a define como uma exibio do
deforme, como "estratgias de subverso que devolvem o olhar
do discriminado ao olho do Poder" (BHABHA, 2002, p. 141). Esta
perspectiva transgressora e de certo modo carnavalizada da hibridez -lugar do ambguo, do duplo - ser crucial para ler a obra
de alguns artistas.
Interessando-me o vnculo entre a liminaridade e a hibridao, considero que as relaes entre elas no apagam as
diferenas que ambos os conceitos supem. Neste estudo, os
fenmenos de hibridao so colocados no interior do marco
esttico, onde se cruzam diferentes suportes artsticos que problematizam as categorias tradicionais da arte, como aconteceu
a partir das vanguardas artsticas depois das primeiras dcadas
do sculo vinte. As hibridaes artsticas produzem outras estruturaes que deslocam as concepes tradicIonaIs e resultam
50.
incmodas por estimularem confrontaes com a noo de tea tralidade consensual em determinados contextos. As aes, performances e escrituras c nicas aqui observadas transbordam as
taxonomias e configuram-se como corpos mestios'" a partir dos
entrecruzamentos e hibridaes entre os dispositivos das artes
visuais e cnicas. Interessa observar os processos de hibridao
que tm definido sua complexidade artstica e tm possibilitado
novas formas de ao nos cenrios sociais.
52
51
atravs das quais se cruzam os falantes : os textos se desenvolvem "na fronteira entre duas conscincias, entre dois sujeitos"
(BAKHTIN, 1992, p. 297); os atas mais importantes que definem
a autoconscincia do ser acontecem "na fronteira da conscincia prpria e alheia, no umbral" (BAKHTIN, 1992, p. 327); "o homem no dispe de um territrio soberano interno, mas est,
ele inteiro e sempre, sobre a fronteira; olhando no fundo de si
mesmo o homem encontra os olhos do outro ou v com os olhos
do outro". (BAKHTIN, 1992, p. 328)
O enunciado que vai sendo construdo no processo de comunicao da existncia, no processo da linguagem, um pro duto e um processo: enunciado e enunciao. No amplo espectro
de ideias que nos deixou Bakhtin, suas reflexes sobre o momento concluso e inconcluso do enunciado, ativando sempre o direito rplica, so um complexo ponto de partida para pensar
o inconcluso da performance, tanto no processo de elaborao
como no ato performtico mesmo. A condio ultra-efmera da
performance, sua eufrica criatividade e sua conscincia de ser
uma arte inconclusa, em transformao contnua, so aspectos
de grande relevncia para qualquer interessado na reflexo sobre o inconcluso em alguns discursos da arte contempornea.
A filosofia moral deveria ocupar-se de descrever o que
Bakhtin (1997, p. 60) chamou de "arquitetnica do mundo real do
ato tico- quer dizer, do mundo vivenciado - estrutura a partir
de trs momentos principais: eu-para-mim, outro-para-mim e eu-para-outro. O princpio "a vida como ato tico" foi uma proposta conceitualizada como parte desta filosofia participativa -"Ser
significa comunicar-se" (BAKHTIN, 1992, p. 327). O ato tico o
resultado da interao entre dois sujeitos distintos, no como relao formal, mas sim num sentido de responsabilidade ontolgica e concreta que condiciona o ser-para-outro: participo do ser
de um modo nico e irrepetvel, ocupo no ser singular um lugar
singular, irrepetvel, insubstituvel para o outro (BAKHTIN, 1997,
p. 47). Este reconhecimento da unicidade da participao no ser,
de "minha no restrio ao ser"(BAKHTIN, 1997, p. 48), o funda 52 Ileana Diguez Caballero
53
o grotesco, termo
:' 4
55
o obsceno tem sido uma categoria utilizada em vrios estudos e olhares sobre a
arte argentina destes ltimos anos. No captulo correspondente trataremos este
tpico.
Qualquer discurso artstico estruturado a partir dos procedimentos da inverso carnavalesca representa uma transgresso e desmistificao dos discursos oficiais e monolgicos: o
destronamento uma das imagens mais arcaicas e recorrentes
do carnaval, com a respectiva coroao de um duplo pardico,
de um bufo-escravo-rei. Os discursos carnavalescos parodiam
convenes, invertem cnones, fazem subir cena as vozes das
margens, a cultura da praa pblica, o riso liberador, o corpo
aberto e transbordante. Qualquer imagem associada s estruturaes carnavalescas reflete o grande espetculo do mundo ao
contrrio. A partir da o carnavalesco pode chegar a ser contestatrio, dissociador de convenes, desestabilizador, inclusive
na sua dimenso terica:
o carnaval,
S8
hbrido constitudo por fragmentos conceituais de outros corpos que entram numa nova relao e geram um espao onde
convivem diferentes maneiras de olhar.
Percebo o liminar como um tecido de constituio metafrica: situao ambgua, fronteiria, onde se condensam fragmentos
de mundos, moribunda e relacional, com uma temporalidade medida pelo acontecimento produzido, vinculada s circunstncias
do entorno. Como estado metafrico, o liminar propicia situaes
imprevisveis, intersticiais e precrias, mas tambm gera prticas
de inverso. Entendo estas prticas de inverso - implcitas nos
vrios processos que aqui nvestgo'" - como atos de carnavalizao, pelo modo irreverente com o qual parodiam e destronam
as convenes, configurando duplos rebaixados - como o de um
Ganso Presdente'", As estratgias de carnavalizao implicam
um olhar poltico porque subvertem as relaes e desestabilizam,
pelo menos temporariamente, a lei ou a sua aplicao.
Mais do que pensar as teatralidades a partir das poticas
que sempre aludem a uma estrutura de composio sistmica,
desejo consider-las como arquitetnicas, gerando uma postura
existencial, um tecido de relaes axiolgicas entre o criador - a
partir de sua obra - e o seu contexto, e que vai se modificando segundo as particularidades e a cronotopa" de cada pessoa. Uma
S'l
h"
hl
Adianto . como exemplo. aquele carnaval subversivo em que foi lavada pblica
e coletivamente a bandeira peruana, numa praa central de Lima. em pleno
governo de Fujlrnort, desafiando e enfrentando as agresses da policia.
Por ocasio das eleies presidenciais do ano de 2003. na Argentina. o grupo
Etctera realizou a perfomance Oganso ao Poder. durante a qual se transportava
o animal como smbolo do 'futuro presidente dos argentinos'. acompanhado
por um estranho squito e de 'uma feroz multido portando burnbos, cartazes e
camisetas em apoio ao candidato ovparo'.
Tomo o conceito segundo os delineamentos de Bakhtin em "Las formas dei
tiempo y dei cronotopo en la novela", Teoria y esttica de la novela : "Vamos
chamar cronotopo (o que na traduo literal significa "tempo-espao") conexo
essencial de relaes temporrias e espaciais assimiladas artisticamente na
literatura" (BAKHTlN, 1989, p. 237). Bakhtin indica que toma o conceito da
teoria da relatividade e lhe interessa a sua aplicao na teoria literria "quase
como uma metfora" (BAKHTIN. 1989, p. 237). Tambm as suas ideias foram
influenciadas por A. A. Ujtomski sobre o cronotopo na biologia. O cronotopo
como uma categoria da forma e o contedo determina a imagem do homem na
literatura (BAKHTIN. 1989. p. 238) e na vida .
58.
59
Algumas das intervenes que atualmente tm acontecido nos espaos pblicos, desenvolvidas como manifestaes
da sociedade civil, tm configurado expresses parodsticas
das sociedades espetaculares. As prticas empreendidas pelos
movimentos de protesto tm revertido as estratgias de poder,
carnavalizando o seu prprio carter espetacular miditico, re-
60
(,3
64
61
neira o espetacular da sociedade tem implicado em transformaes para as fices e discursos artsticos, ou talvez os acontecimentos do "real" tm funcionado como catalisadores dos espaos estticos.
!
]
o conceito de grupo na tradio do teatro independente 6 5 est distante do trabalho realizado pelas chamadas 'companhias', em geral convocadas e mantidas economicamente
por instituies, estruturas oficiais com as quais estabelecem
uma relao de dependncia. A prtica dos grupos teatrais falo em relao experincia latino-americana - se baseia no
trabalho independente e na autogesto'", com sistemas de produo mais participativos e artesanais. No se reduz a reunir
os atores para os processos de montagens e ensaios das peas;
muito mais do que isso, implicando na organizao em reas
como a pedagogia, a pesquisa, a criao, a produo e a difuso
do prprio trabalho, a relao com o entorno, a insero na cultura de bairro e nacional, nos debates ideolgicos, estticos e
polticos do seu ternpo'",
Estou me referindo ao teatro independente que nasceu em Buenos Aires
quando Lenida s Barletta funda, no ano 1930, o Teatro dei Pueblo. A partir
desse momento, este mov imento, que procurava propiciar um teatro de arte
no comercial, comeou a espalhar-se pela Amrica Latina .
b b Diferente das companhias de teatro subven cionadas pelo governo, os grupos
mais destacados pelo seu trabalho e persistncia na Amri ca Latina no so
subvencionados oficialmente. o trabalho dos seus integrantes que d coeso e
permite a sobrevivncia do grupo, e no o contr rio.
"7 O Grupo Yuyachkani se organiza em seis reas de trabalho: produo artstica,
promoo e difus o, pesquisa, comunicao, pedagogia e administrao. Em
um sistema de auto-gesto, se us integrantes contam com uma casa-teatro ond e,
em paralelo ao trabalho de criao e produo teatral, realizam atividades
pedaggicas, seminrios, encontros : Alm de criar uma biblioteca especializada
e um espao para confeco de ms caras, possuem um exten so trabalho
documental sobre seus prprios trabalhos e processos de pesquisa, o grupo
mantm um elevado compromisso com diferentes pblicos e setores sociais,
junto aos quais desenvolvem cursos, alm de manter um repertrio vivo que
inclui criaes realizad as h mais de dez anos junto a outras mais recentes.
65
62
A partir dos anos noventa, a figura dos grupos foi se modificando, propiciando maiores espaos de criao e desenvolvimento
pessoal; tambm tm emergido novas formas de associao para
o trabalho coletivo sustentadas por pequenos ncleos criativos".
Dentro do movimento teatral peruano, Yuyachkani'" um grupo
com quarenta anos de trabalho que tem persistido em experimentar processos de renovao esttica. Nenhum dos seus trabalhos
cnicos poderia ser definido pelo conceito tradicional de dramaturgia de autor; o grupo tambm no tem praticado a encenao
como representao fidedigna de um texto prvio. Quando parte de
textos literrios ou dramticos (ARGUEDAS, ORTEGA, SFOCLES,
BRECHT) estes tm funcionado como ideias impulsaras para os
processos de dramaturgia do atar e coletivas. Seus membros entendem a dramaturgia como "o conjunto de elementos que integram
um espetculo teatral, considerando a relao espao-tempo que
dada entre a cena e o pblico" (RUBlO. 2001, p. 51).
"" Miguel Rublo. diretor do Yuyachkani, desenvolveu reflexes quest ionadoras
sobre a prtica de grupo: "No recomendo a ningum que crie um grupo de
teatro, embora no imagine a criao cnica sem um coletivo que lhe d sustento
[...1 Acredito que a vida de um grupo fica fort alecida a pre ndendo a combinar
os espaos coletivos com os espaos pessoais; no nosso caso , alguns projetas
envolvem todos os atores e outros so iniciativas particulares que dep ois
repercutem no coletivo. Essa prtica de encontrar um sentido pessoal naquilo
que fazemos, achar antes do belo o que verdadeiro, que quando ap arece
converte-se no fundamento do fato es ttico. Essa procura tem sido a pea
fundamental para continuarmos juntos. Penso que as sim vamos construindo
uma memria comum matiz ada pela experincia de cada um". Este fragmento
pertence ao ensaio "Grupo y Memoria. Viaje a la frontera", a presentado como
confer ncia no Centro Nacional de Artes, em dezembro de 2004, no XXXIII
Curso da Escola Internacional da Amrica Latina e o Caribe, na cidade do Mxico,
publicado no folder de Sin Ttulo Tcnica Mista, 2004, e em EIcuerpo ausente, de
Miguel Rublo. Lima, 2006.
b'l Esta palavra quchua pode ser traduzida de trs modos: "estou lembrand o",
"estou pensando" ou "sou teu pen samento".
63
A noo de escritura cnica que caracteriza as produes deste coletivo acentua a prxis corporal como produtora de textual idade, sem a necessidade de que se represente
fielmente um texto prvio. mais recorrente ter a figura do
diretor como a de uma pessoa que se encarrega da parte conceituaI realizando uma coordenao geral. No se trata de negar sua funo, mas de compreender e praticar de outra maneira as relaes entre os membros de um coletivo. A criao
concebida como resultado das colaboraes e indagaes
de cada um dos participantes, o que supe a negao de uma
estrutura vertical vigiada por um diretor, havendo em troca
o desenvolvimento de relaes horizontais e de colaborao
entre todos os integrantes.
Sendo os processos de treinamento, oferecidos por
Grotowski e Barba, referncias importantes para o teatro latino-americano, os atares do Yuyachkani tm contribudo com sua
experincia para a rica diversidade corporal e cnica existente
na cultura popular peruana. O treinamento corporal um aspecto fundamental para atares produtores de uma textualidade cnica, com dramaturgia prpria, e que tambm desenvolvem seu
trabalho em espaos pblicos, onde devem atrair a ateno dos
transeuntes. As festas, carnavais, msicas e danas das variadas
regies andinas tm sido fontes de pesquisa e aprendizado para
os seus trabalhos cnicos. A ampla temtica andina desenvolvida nos espetculos deste grupo no foi nunca resultado de um
conhecimento adquirido pelos livros, mas de enriquecedores
trabalhos de campo e intercmbios realizados com diferentes
comunidades.
Uma teatralidade tecida a partir dos processos de escritura corporal cnica e como expresso da dramaturgia do
atar estabelece a matriz performtica. Refiro-me performatividade como caracterstica intrnseca da teatralidade, no
sentido de execues corporais e desenvolvimento de dinmicas cnicas e poticas. No meio teatral tem se introduzido a
noo de performance text para se referir a textos produzidos
por execuo propriamente cnca, de natureza corporal e em
64
71
72
TI
74
65
A fora e predominncia do texto performtico, seu esplendor plstico - Salazar (1998, p. 45) falava de "o espetacular do
cdigo etnogr fico"-, a densidade metafrica no tratamento dos
75
66
"Notas sobre los trabajas -19 91" e "EI ajo de afu era '; em Notas sobre Teatro.
67
77
78
BO
o crtico
69
um profundo trabalho de pesquisa. Teresa Ralli experimentou comportamentos cnicos de outras teatralidades - o N, por exemplo -, explorou relaes e trabalhos com objetos para contar
uma histria e, sobretudo, incorporou as experincias que
tinha vivenciado como cidad e pessoa'": travou relao com
mes e familiares de desaparecidos, convidando-os ao espao
de trabalho para que contassem as suas histrias, ao mesmo
tempo em que contava para elas a tragdia de Antgona. Nestes
81
82
83
71
84
o conflito desenv olvido no texto de Sfocles foi refletido por Hegel. qu e viu em
Antgona o dr am a qu e simbo lizava de for ma exe mplar o dilem a tico do cida do
fre nte aos mecan ism os do Esta do (Est tica. "La poesia dramtica").
A frase re vela a identidad e da narradora no mbito da fico e expe a tessitura desta criao. No discurso cnico a atriz
atravessa a na rrad ora. A partir do unive rso teatral, a voz de
risca a fico e se tra ns form a e m testemun ho,
Teresa Ralli sulca,
J
conde nsa ndo um a voz coletiva qu e conhece melhor o mecl o e a
sobrevivncia cio qu e o heroismo, assim tambm como a res pon 85
A esc rita cnica foi estru turada em forma de monlogo. Atrav s de Teresa foram
aparecendo a Na rradora-Ism ene,Antgona, Creonte, um guarda, Hem n e Tir sias.
Cada momento destas figuras foi constru do atravs de um minucioso trabalho
vocal e de uma precisa partitu ra corporal. Nest a es tru tura de ace nto p ico cada
quadro cnico es tava preced ido do relato ou tes tem unho da na rra dora.
Cenr ios Iimina res (teatra lida des, perform an ces e polti ca) 73
curativos que os eventos com caractersticas 'xamnicas' manifestam, particularmente em momentos em que esto abertas,
como disse Adorno, as "feridas sociais". Nestas situaes, as
a es poticas parecem ajudar a regenerao do tecido da memria para que as comunidades e as pessoas possam comear
a ultrapassar a dor. nesse sentido curativo que utilizo o termo
'xamnico'. No procuro me referir ao processo de xamanismo
tal como tem teorizado Mircea Eliade (1986), como conjunto
de "tcnicas do xtase" que definem a vida mgico-religiosa de
determinado grupo. Sendo este um fenmeno que forma parte
da cultura popular das regies onde se desenvolvem as prticas
cnicas e polticas que me interessam, privilegio os aspetos regeneradores e curativos que tambm caracterizam a dimenso
xamnica. Em geral, os xams tm sido considerados sanadores
populares capazes de transformar o trauma e a dor em experincias fortalecedoras para a continuidade da vida (TAUSSIG,
1993, p. 418). Pelo olhar de Eliade (1986, p. 262), a cura uma
das funes do xam sul-americano, e a enfermidade a perda
da alma ou o seu roubo por um esprito. Nesta concepo supe-se que os xams viajam para devolver a alma perdida e curar o
doente. Interessa-me considerar tal percepo, interiorizada no
imaginrio da cultura andina, para analisar a recepo de algumas aes cnicas.
Rosa Cuchillo, criada por Ana Correa (no editado) - inspirada no romance homnimo (1997) de Oscar Colchado - e
com direo de Miguel Rubio, foi outra performance que dialogou com 'o pblico' a partir desta dimenso xamnica. No texto
literrio foram entretecidos o universo mtico andino e a realidade peruana durante a Guerra Suja, nas duas ltimas dcadas
do sculo XXH6. Colchad6 u m escritor que tem se nutrido de
problemticas e histrias da cultura andina, assim como dos
"h
75
acontecimentos do pas, manifestando uma vocao documen talista. Na configurao cnca, Rosa Cuchillo potencializava
seu contedo documental com a incorporao de novos textos
e dispositivos. A atriz manteve como ideia base a problemtica de uma me que, aps a morte, continuava procura do
seu filho desaparecido. Esse ncleo no somente deslocava a
fico para o universo imediato do real, mas tambm ganhava dimenses simblicas e polticas ao se corporificar em uma
a o cnica.
Rosa Cuchillo procura irromper no cotidiano dos habitantes e
surpreend-los num dilogo com a teatralidade atravs da fbula, da dana, da imagem e da msica e desta forma remover
a memria para gerar um novo olhar acerca da histr ia vivida
nos ltimos vinte anos, com a importante presena da mulher
na luta pela defesa da vida e procura da verd ade. (CORREA,
2009, p. 111).
As indagaes encabeadas pelas me s de desaparecidos
e o desejo coletivo de alimentar e restaurar a memria foram
o cenrio poltico e espiritual sobre o qual foi construda a performance. Testemunhos como os de Anglica Mendoza, me
ayacuchana (habitante de Ayacucho) que liderou o movimento
das mulheres contra os desaparecirnentos'" foram incorporados
ao c n ca'". Intervindo/percorrendo os espaos pblicos, a
imagem elaborada por Ana Correa dava presena po tica procura das mes, fazendo esta mais visvel pelo efeito de estranhamento.
H7
HH
so
"A ao c nica foi dese nha da para instalar-se nos mercad os como um ponto
ambulante a mais. Uma mesa 1e 1,50 x 1,50 mts, com teto e pared es de plstico
az ul o cenrio qu e tem percorrido os mercados, praas e trios de igreja s
de Ayaviri, Puno, Urubamba, Abancay, Hua manga, Huan ta, Puq uio, Huancayo,
Hunuco, Tingo Mara, Ica, Huancavelica, Yauli y Lima" (RU BlO, 2003, p. 7).
"Uart action est un concept ouvert par lequel on pourrait dsig ner des pratiq ues
artistiques qui se ralisent le plus souvent en direct, oprant une esthtisa tion
ou une investigati on d'un rapport avec un public, un espace, ou un espace public,
social, thique" (MARTEL, 2001, p. 13).
77
Ana Cor rea construiu uma partitu ra na qual inclua uma dana e uma es pcie de abluo ritu al, esp argindo nos espectadores
um a gua florida preparad a por ela mesm a. "Esta ao converte-se num ato de sa nida de e limpeza. As pesso as receb em as ptalas
e a gua, qu e so esfrega das em se us braos e rosto s. As pessoas
ficam perto de Ana e depoi s da apresenta o ped em para ela gua
ben ta e flores" (RUBlO, 2003, p. 7). No se u diri o, a atriz fazia refernci a a esta performance como "um rito de purifi cao, limpeza e
fl orescimento", qu e ajuda as pessoas a perderem o med o, a comea r
a cura r-se do esquecime nto (CORREA, 2009, p.l l l ]?'.
Em um imagin rio coletivo qu e identifi ca o xa m co mo
aq ue le qu e executa um percurso por "outros mundos" para recupe ra r a a lma do enfer mo e cur-lo, a imag em da atriz transfi91
78
n ''[...
'U
.,.\ Test emunhos de a lguns criado res, como o cita do a seg uir, prov ocaram es tas
cons ideraes. "A experincia tem sido, para minha vida, de fora e human idad e
como vedo ras. Ont em noit e, na Viglia, desfil amos com jovens famili ares de
det entos e desap arecidos e dep ois chega mos ao trio da Igreja o nde fiz Rosa
Cuchillo para um as 500 pesso as, na sua gra nde maioria mulh ere s qu e chegavam
de vrias comunida des . Sentimos que a nossa vid a e o nosso trab alho tinh a
se ntido, qu e tudo o que tnhamos aprendido, recolhid o, se ntido, expressado
du rante todo es te tempo era para isto, para chegar aqui e ac o mpa nha r a
espe ra na de tod as es tas mulh eres de olhos gra ndes e choro sos" (ANACORREA.
em: RUBlO, 2003, p. 8).
80 .
Reb eca Ralli em Hecho en HI Pen. Vitrinas para un mu seo de la mem oria / Yuyachkani.
Foto: lIean a Diguez
Re to mo uma ideia deli neada por Gustavo Geirola no livro Teatra lidad y
Exp eriencia Poltica em Amrica - Latina (1957-77). lrvine, Califrnia: Gest os,
2000, mas inte ressa-me uma nova def inio num mbito de estratgias
relacionais.
81
97
Extra do de urna co nversa o com Ter esa Ralli, em julho de 200 4, em Lima.
Estas palavras fazem pa rte do voca bulrio tcnico do Yuyachkan i relacionad o
criao dram at rgica e cnica.
83
Observemos agora a forma pela qual o Yuyachkani se apropria dessas estratgias documentais. A entrada no espao 'cnco' acontecia atravs de uma pequena galeria onde foram instaladas vitrines com livros que continham a histria do Peru; sobre
as paredes eram reproduzidos fragmentos do Relatrio Final da
CVR. O espao ao qual chegavam os espectadores - sem nenhuma
84 I1eana Digu ez Caballero
98
85
Gostaria de mencionar duas criaes teatrais contemporneas que tambm utilizaram a estratgia documental como
forma de teatro poltico. Uma o trabalho conjunto de William
Kentridge e Jane Taylor, Ubu and the Truth Commission, a partir dos testemunhos dos sobreviventes e dos responsveis pelo
apartheid na frica do Sul, apresentados nas audincias convocadas pela Comisso da Verdade e Reconciliao, no ano de 1996.
A outra o trabalho de Groupov da Blgica 100 , a partir do massacre de 1994, na Ruanda, no qual foram assassinados um milho
de tutsis. Ruanda 94 (1999) incluiu o testemunho e a presena
de Yolanda Mukagasana, uma enfermeira tutsi sobrevivente. O
espetculo apresentava declaraes de ruandeses atravs de
telas eletrnicas e uma extensa conferncia do diretor, Jacques
Delcuvellerie, sobre as diferenas tnicas e a responsabilidade
dos pases colonizadores com fatos como os acontecidos no pas
africano. Tendo um compromisso com a memria, estes trabalhos foram realizados na tentativa de reparao simblica 101 ,
procurando contribuir com o processo de cura social.
A discusso sobre a responsabilidade que a sociedade civil assume quando so vivenciados estes perodos de violncia
tem sido desenvolvida de diversas maneiras, estabelecendo dile mas ticos em funo dos testemunhos, questionando o direito
a usurpar as vozes das vtimas, a falar pelos outros':". Na criao
Refiro-m e informao cedida por Jos A. Sn ch ez du rante o se min rio
desenvolvid o no Mxico, 2004.
10 1 "Une tentativ e de rparation symbo lique envers les m orts l'usaq e des vivants" foi
a de finio de Jacques Delcuvellerie so bre Ruanda 94 (IVERNEL. 2001 , p. 12).
I O~ "Como se enfre nta o peso das evid ncias a p rese ntadas a nte a Comisso
da Verdad e e Recon ciliao?[...] Com o a bso rve r as hist r ias terrve is e as
implicaes daquilo que ns sa ba mos e no sa bamos dos abusos durante o
apartheid (a magnitude era conhecida, ass im como certas formas de violn cia
concreta . mas se desconh eciam os pequ enos detalh es, as margen s dom sti cas
da violnci a. a s intaxe es pecfica do fato de ministrar e ab sorver o sofr ime nto)
A necessid ad e de trab alh ar com aque le materi al pro cedi a da ur gn cia das
perguntas. qu e s urgira m du rante aque le dil a ceramento. No qu er dizer qu e
eu es pe rava qu e uma pea teatral oferecesse re spostas concre tas sobre co mo
enfre nta r-se a mem ria priv ad a e a mem ri a hist ri ca , mas qu e o tr ab alh o
(de criar um a obra e. ta lvez. ta mb m. de co nte m pl-Ia) se conve rte em parte
do processo de a bso rve r esse legad o" (WILLIAM KENTRIDG E, in: CHRISTOVBAKARGI EV. 199 9, p. 219) .
L..
!l1I1
87
de Groupov, a sobrevivente de um massacre aparece diretarnente na cena; em Rosa CuchiIJo a atriz transmite as palavras de uma
me que sofre com a desapario do filho. Os corpos e os textos
que partem do real se misturam nas teatralidades atuais para
que a memria no se apague e o humanismo no seja apenas
um tema nos discursos literrios.
A diferena entre as estratgias documentais introduzidas
por Weiss, - nas quais as informaes eram representadas atravs de fbulas e personagens - em relao arte documental
destes ltimos anos, reside na introduo direta de pessoas e
documentos com caractersticas do "rea l', sem intermedirios
que faam mediao com as testemunhas; os procedimentos documentais atuais so texturas, corpos que irrompem nas composies poticas, irrupes do real.
Durante o processo de Sin ttulo, tcnica mixta, os atores
enfrentaram o desafio de no nterpretar "'": no representar
caracteres nem personagens, mas 'estar', criar uma srie de
imagens e pequenas situaes. Conformavam uma ga leria de
presenas, de esttuas vivas que interrogavam os espectadores, num registro vivo, recuperando texturas, materiais e
situaes desenvolvidas em criaes anteriores. Como j foi
dito, a presena no se refere somente a uma especificidade
material, ao fsico que executa partituras performticas; a
presena abarca o tico do ato, a responsabilidade de estar
num espao cnico assumindo os riscos daquilo que Eduardo
Pavlovsky determina como a "tica do corpo" (PAVLOVSKY,
1999, p. 80) \04.
103
10 4
88 .
Send o difundid a nos textos de"[ulia Kristeva, a intertextu aliad e tem sido
elabo rada a partir dos estudos de Mikhail Bakhtin sobre a condio dialgica da
linguagem. Pode-s e conferir Bakhtin,le mot, le dialogue et le rornan, Critique, n..
239. Pari s: Minuit, abr.196 7, p. 438 -46 5.
89
106Este tex to a pre se ntava a mostra coletiva Sobre heris e ptrias. 19922002,
qu e no ms de julho de 200 4 se exibia e m Lima, na Galeria Pancho Fierro.
Simulta neame nte se aprese ntava no Centro Cultu ral de Belas Artes: Onde esto
os nossos heris e heronas?, probl emat izand o a representao do heroi co no
imaginrio peru ano.
o ttulo da instalao - Sin ttulo, tcnica mixta - fazia referncia direta linguagem das artes plsticas. explicitando a sua
hibridez com o uso de tcnicas mistas. O dispositivo da instalao foi colocado em situao cnica. A instalao ficava no espao no somente para ser mostrada, mas era dinamizada com
a interveno das aes dos performers. No se tratava mais de
vitrines fixas, como em Hecho en el Per, mas vitrines entre as
quais os espectadores poderiam transitar como entre as esttuas de um arquivo-museu, s vezes fixadas no espao ou instaladas sobre praticveis mveis que eram mudados de lugar;
os performers relacionavarh seu trabalho com imagens midiatizadas, animando esttuas ou movimentando-se em pequenas
91
Em uma trama de contestaes simblicas, particularmente a partir do ano de 2000, o espao pblico, como cenrio de
prticas artsticas e polticas, estava num processo pelo qual alcanava novos significados, misturando atores e espectadores.
Neste contexto fica delineada a atividade do Colectivo Sociedad
Civil 'CSC' (Coletivo Sociedade Civil) responsvel por convocar
para um ritual pblico que lavaria a bandeira no Campo de Marte
e na P/aza Mayor de Lima (maio de 2000)108.
Os integrantes deste Coletivo se propuseram a desenvolver atas pblicos fora dos mbitos reservados arte, em lugaA "arte processual" tem sido conceitualizada pela crtica como derivada da arte
minimalista, deslocando o interesse de realizao do objeto at a sua especfica
operatividad, adquirindo cada vez mais um carter "processual" e temporal: "A
obra ou o novo objeto artstico precisava ser entendida como uma presena em
relao ao espao/ambiente que a circundava e dependendo da a o/reao
do espectador. Isto suporia que, pela primeira vez, o espao de exposio era
concebido como um volume globalizador, onde eram produzidas constantes
interferncias entre as obras e os observadores ou espectadores destas"
(GUASCH, 2002, p. 29).
108 Segundo
Gustavo Buntinx, membro fundador deste coletivo, a prpria
cristalizao do CSC deve ser entendida "como resultado adicional da
mobilizao generalizada da cidadania que durante essa hora suprema declara
em militante alerta cvico e recupera o espao pblico para o acionar poltico ".
Nesta nota, todas as citaes entre aspas, sem referncias ou com referncias
a Buntinx, pertencem ao texto "Lava la Bandera: El Colectivo Sociedad Civil
y el derrocamiento de la dictadura em el Peru" (Verso reduzida, 200S,
generosamente cedida pelo autor) Na nota que acompanha esse ensaio, Buntinx
estabelece que "as frases escolhidas tm sido tomadas do fluido e afiado dilogo
compartilhado com os outros integrantes do CSC na intensidade daquele ano
que junto vivemos no perigo". Existe uma verso publicada do texto na Revista
Quehacer, n.. lS8, Ene. Feb. 2006.
10 7
res onde se podia convocar uma grande participao dos cidados. Recusando que suas aes fossem consideradas como
obras artsticas, elegeram uma palavra utilizada pelo Movimento
Situacionista: "Procura-se gerar no obras, mas situaes a serem apropriadas pelos cidados que abandonam desta forma
o seu papel passivo de espectadores para converter-se em co-autores e regeneradores da experincia e da prpria histria"
(BUNTINX, 2005, s/p.),
Com o propsito declarado de contribuir para a subverso do estado de coisas e como resposta s manobras de um regime que pretendia perpetuar-se atravs de terceiras 'eleies',
os integrantes do ese estruturaram uma srie de 'situaes'.
Algumas constituram condensaes simblicas dos "dramas
sociais"; outras foram abertamente carnavalescas, invertendo
o prprio espetculo da sociedade de status que Guy Debord
tanto tinha criticado.
Para Debord (1999, p. 42), principal teorizador das condies espetaculares das sociedades modernas, o espetculo a
principal produo da sociedade atual; a representao da forma
hierrquica do poder alcana o seu mais alto grau no espetculo
que ela organiza para a sociedade, mediando as relaes e apresentando a aparncia como substituio da vida. No entanto, nas
manifestaes espetaculares em que a sociedade atual organiza a
si mesma j no possvel falar do espetculo como uma "inverso de vida", como assinalava Debord, pois este se concretiza num
movimento que inverte a condio espetacular produzida pelo
poder. Observar a atual carnavalizao do espetculo da sociedade dominante implica tambm refletir sobre os possveis nexos
que as prticas sociais, polticas e artsticas atuais poderiam ter
com os delineamentos e aes do Movimento Situacionista.
Fundada em 1957, a lnternationale Situacionniste'F'
se espalhou por toda Europa, reunindo importantes intelec.O"Uma associao internacional de situacionistas pode considerar-se como uma
unio de trabalhadores de um setor avanado da cultura, ou mais exatamente
de todos aqueles que reivindicam o direito a um trabalho agora impedido
pelas condies sociais. Por esta razo como uma tentaiva de organizao de
revolucionrios profissionais d;;-Cultura" (DEBRD. 1957. s/p.),
93
como pelas suas dinmicas participativas e relacionais ' !': desde a instalao fnebre, onde durante vinte e oito horas foi velado publicamente o cadver da Oficina de Processos Eleitorais,
at revestir bairros populares com um mesmo cartaz que insistia na frase "Cambio, No Cumbia"? ", parodiando, sob o ttulo
de "O Ritmo do Chins", as campanhas eleitoras lanadas por
Fujimori. Na primeira performance as pessoas prendiam velas
e parodiavam guardas de honra, na segunda performance eram
convidadas a comunicar-se por meio de um cartaz onde aparecia um endereo eletrnico e uma pgina web com links para
diversos veculos de comunicao e organismos de defesa dos
direitos humanos.
A ao mais festiva e que propiciou a maior adeso, e
tambm a mais conhecida de todas as realizadas pelo CSC, foi
Lava a Bandeira. Definida como "um ritual participativo de
limpeza da Ptria", reuniu inmeros cidados que lavaram publicamente a bandeira do pas. Esta ao reverteu a ocupao
e o comportamento no espao pblico pelo exploso do grotesco social: o baixo corporal, no sentido bakhtiniano, a parte dionisaca do corpo duplo se espalhou carnavalescamente, deslocando os comportamentos solenes e transformando
a praa pblica num espao de livre encontro, num quintal
coletivo onde foi criado um grande "varal popular"! " . Os integrantes do CSC foram apenas os propiciadores de um ritual
repetitivo v'" onde seus elementos "litrgicos" eram oferendas
vindas dos mais diversos participantes (bandeiras de tecido,
"A radical e ampla modi ficao de consci n cias qual o CSC aspira, requ er
experincias transformativ as as quais s podem ser obtidas atrav s da
incorporao vida da populao a uma pr xis simbli ca que s upere a simpl es
recepo de discursos ou a parti cipa o em aros estritamente polticos"
(BUNTINX, 2005, s/p.),
1 12 Cambio e Cumbia em espanhol fazem um jogo de troca de vogais res ultando em
palavras com diferentes s ignificados. Cambio, no conte xto, significa Mudana e
Cumbia uma dana popular da Colmbia e Panam.
113 O prprio Buntinx se referiu ao esp ao cr iado como "um a prolon gao do
quintal dom stico".
J
114 Alm dos dias de maio , esta ao continuou sendo realizada na fonte colonial da
Plaza Mayor, at ser este ndida at outras cidades inclus ive fora do Peru.
I II
95
gua, sabonete de marca Bolvar, ba cias ou vasilhas vermelhas de plstico); colocadas sobre rsticos bancos de madeira
de cor dourada, evocavam a frase oitocentista do explorador
italiano Antonio Raimondi: "O Peru um mend igo sentado
num banco de ouro"!" .
A inveno ldica propiciou a transformao do protesto num carnava l de ressurreies poticas, de forma tal que
o gesto no cancelava, mas reinventava o emblema at ento
distante (a bandeira) como pertencente a cada um. Esta dinmica festiva tambm possibilitou a dinmica da a o, apesar
das diversas tentativas de controle. Quando a censura cortou
a circulao de gua, os comerciantes da regio levaram bol sas, garrafas e bacias; quando os militares impuseram as marchas marciais para cobrir as canes de protesto, as pessoas
as adaptaram ao novo ritmo; quando os guardas ameaaram
derrubar os varais com bastes, os participantes rea lizaram a
ao "sob a proteo simblica do hino nacional, para depois
levar os estandartes molhados sobre seus corpos, at constituir um gigantesco varal humano" (BUNTINX, 2005, s/p.).
Colocando sobre si as bandeiras , defenderam a permanncia
da a o, inclusive sob o alerta de uma interveno policial,
radicalizando a ao numa "tica do corpo" que atravessou e
subverteu os sistemas de comportamento.
II S
96 .
Cen r ios limin ar es (tea tra lida des , perform an ces e poltica1 97
pelas prticas artsticas do sculo XX, remete a uma produo esttica e limita a dimenso proposta pelos integrantes do esc.
No se economizaram esforos crticos para apreciar Lava a
Bandeira a partir das sugestes oferecidas pelo happeninq,
a performance, a arte processual. Mas a definio do valor de
suas aes por esses termos artsticos so indiferentes para um
Coletivo, no qual seus integrantes assumem em primeiro lugar
a condio de cidados e depois a condio de autores culturais,
sem deixar de olhar a importncia dessa capacidade profissional que na luta pelo poder simblico lhe outorga um evidente
plug diferencial (BUNTlNX, 2005, s/p.].
Esta ao e as situaes em geral do ese durante aquele perodo no foram conceituadas como performances artsticas!", mas
seus integrantes procuraram defini-Ias concretamente como "gestualidades politicamente simblicas", potencializando o comportamento da poltica do corpo e transformando o ato de observar
em participao festiva: o corpo exposto, imerso num contagiante
ato dionisaco cidado, erotizou a prtica poltica. A problemtica
vai alm da questo do uso de um vocabulrio tcnico, ningum
disposto a se jogar nestas ondas contagiantes para e pensa numa
taxonomia para classificar obras de arte; nesse caso trata-se de
atos e prticas ticas que atravessam formas simblicas, polticas
e/ou poticas. Mas a reflexo propiciada por estes acontecimentos evidencia a necessidade de "reformula r o estatuto do artstico
na sua relao com a crise de legitimidade das velhas formas de
representao, tanto da poltica como da arte" (LONGONI, 2003)
A torrente de emoo, de re ligiosidade! " e participao c116lns istindo no tem a, fao a tran scrio da expresso de Buntinx, durante o
en contro des envolvido com vrios arti sta s visu ais peruanos, entre eles os
membros do esc, no Centro Cultural San Marcos, Lima, 24 de julho, 2004: "No
qu eram os faze r obras, mas sim criar situaes [...] nos inte ressava mud ar a
histria mais do qu e sermos includos numa histria da arte" (anotaes da
a utora).
117 "Uma relig iosidad e domstic a, cotidiana, pr pri a, qu ase irrever entem ente pop
na sua informalid ade litrgica, mas no menos sublime por isso", especificou
Buntinx.
Cen rios Iiminar es (tea tra lida des, per form anc es e poltica)
99
Nessa poca circulara m men sagens elet rnicas ~ue denunciavam as deten es
ilegais de a rtistas plsti cos em plen a vida pbli ca, como nas dit aduras latin oame ricanas .
101
123
103
129
104
105
13 2
1]4
107
Para um ambiente marcado pela experincia do extermnio, que tambm viveu a morte como "objeto encontrado'T", e
que alm da arte formulou estratgias simblicas para conjur"O estado de no-representao possvel, quando o ator fica perto de seu
prprio estado pessoal e de sua situao, quando ignora e supera a iluso - o
texto - que sem parar o arrasta e o ameaa" (KANTR, 1984, p. 118-119)
141 A ideia da apario da morte como 'objeto encontrado' tem sido levantada por
Kantor quando se refere a seu prprio contexto. Ver: KANTR, Tadeusz. Una
C/ase Muerta em EI Teatro de la Muerte, 1984, pg 266.
140
109
111
ta o. Na es ttica de EI Perifrico de Objetos, o polti co no eme rge como tem tica se no configurado a partir dessa crise da
representao, tornando estranhas as formas consensuais para
representar na vida como na arte.
Manifiesto de ni os / EI Perif rico de Objetos.
Arquivo Emilio Garcia We hbi
112
113
veis conse qu ncias " (WEHBI , 2002, p. 6), proposta qu e rein stala
o olh a r do artista como 'observador pe rifrico', como aque le qu e
trabalha a parti r das margen s, tran sitan do entre e cone cta ndo
realidades. Cen rio do cotidiano rea l e do potico-ficcional ao
mesmo tempo, a cida de de Buen os Aires foi redimensionad a
como espao cnico, pa ra ond e conflu ra m os cor pos inertes de
vinte e trs bon ecos hipe r-realistas e os cor pos reais dos novo s
habitantes das ru as.
Filocte tes: Lemn os en Buenos Aires
Arquivo Em ilio G. Wehbi.
114 .
Citado de memori a.
Segundo o mito. os aque us foram procu ra do her i a bandonado qu ando
precisaram do arco de Filoctet es para vencer os troianos .
115
116
Boal desenvolv eu o Teatro do Oprim ido, no exlio. Como dram aturgo, pedagogo
e hom em de teatro, obte ve a mplo reconh ecimen to em diferentes pases. Em
1978 se es ta be lece u em Pa ris e foi pr ofessor durante vrios anos no Inst ituto de
Teat ro da Sorb onn e. Nos lt imos a nos de sua vida, res idiu e tr ab alhou no Rio de
Jan eiro, su a cidade nata l, onde ince ntivou diferent es gru pos de teatro popul ar.
Cen rios liminar es (teat ralid ad es, perfo r ma nces e polti ca)
117
qualquer personagem. Os "curingas" tinham o propsito de instaurar, no cotidiano, cenas que provocariam a discusso de problemticas sociais, envolvendo os transeuntes at faz-los responsveis pelos acontecimentos. Uma vez alcanada a instalao
do que Boa] chamava de uma situao "concreta e verdadeira",
dissipavam-se as estruturas invisveis que provocaram a situao, sem no entanto revelar a teatralidade.
O projeto argentino no pretendia manter oculta a teatralidade. Os manipuladores dos bonecos no participavam como
atores, mas sim como observadoresfdocumentaristas perifricos!" que assum arn as reaes dos cidad os quando descobriam que se tratava de objetos. No se evitava o reconhecimento do processo teatral ou ficcional nem se pretendia manter
em restrita invisibilidade a linha divisria entre acon tecimento
potico e re alidade quotidiana; no se escondia a ambigidade
do fato. Se os tra nseuntes podiam ser considerados 'atares' incon scientes an tes de reconhecer o boneco e antes que a condi o espectatorial emergisse, qu ando a natureza artsti ca do fato
era rec onhecida comeavam a comportar-se como espectadores
conscientes, com rea es diversas.
Nas prticas do 'teatro invisvel' a ambiguidade nunca fica
explci ta. Para aqueles que acabam envolvidos, o fato aparece
como 'real'. E esta uma diferena substancial em relao s
situaes produzidas durante a interveno em Buenos Aires.
A partir da simulao do objeto artstico com aparncia de um
corpo 're al', o interesse re sidia na observao das relaes que
os transeuntes estab eleciam com os bonecos, j que o objetivo
era precisamen te incidir na esfera do comportamento cidado.
Coloco a emergncia da liminaridade nesse mbito de re laes
ambguas entre t ranseuntes e bonecos, entre realidade cotidiaH6
Cada equipe tinh a um tcni co ou pro du to r que, respo nsvel pela colocao
do corpo e sua man ute n o, encarregava-se de responder s demandas dos
tr anseuntes e pes soas da or de m pblica, bem como en trevistar, grava r ou
anota r s uas res postas, Esta pesso a tamb m e ra res pons vel pelo contato com
o coorde nador geral do projeto e pela comun icao com as out ras 23 eq uipes
ou com 1 S auto ridad es em caso de incidentes. Na equipe havia tam b m um
resp on svel pela documenta o fotogrfica (WEHBJ, 2002, p. 6-7).
118"
na e realidade ficcional, entre drama da vida e elaborao artstica. Filoctetes foi construdo como uma espcie de "passagem
intersticial", como um "tecido conectivo" entre os espaos do real
e os espaos artsticos. Mas aqui os criadores foram muito mais
do que conectores de realidades, ao ficar contaminados e comprometidos pela natureza dupla do ato.
Diferente do "Teatro Invsfvel">", a equipe de Filoctetes
notificou a ao previamente s autoridades, de modo que a
polcia, ambulncias e demais instncias da ordem civil no foram surpreendidas. No se pretendia incidir sobre o aparato de
controle da cidade, mas sim sobre o espao relacional dos seus
habitantes, procurando operar de um modo mais pessoal sobre
o olhar dos cidados, explorando os delicados fios que conectavam ou separavam transeuntes e moradores de rua.
Por outro lado, diferente das aes do "Teatro Invisvel",
Filoctetes utilizou corpos artificiais e inertes para ocupar o espao pblico. Os bonecos foram, junto com o procedimento intervencionista, os dispositivos artsticos que ativaram a situao liminar nesta interveno urbana'". A prpria materialidade dos
bonecos explicitava sua condio de rplicas humanas, e como os
"manequins perifricos" de Kantor, levavam dentro de si a prpria
morte':". Independente de qualquer interpretao, os artifcios
expressavam uma objetualidade fnebre e ao mesmo tempo ldica, e incomodava o fato de serem expostos em lugares pblicos,
invadindo a 'privacidade' dos transeuntes. Apesar de estarem vestidos como mendigos, os bonecos introduziram um estranhamento potico, condio que dinamizou a percepo, catalisou a liminaridade e criou reaes polmicas entre os transeuntes. Duplos
As prticas de Boal se abstinham de solicitar permisso prvia para no
evidenciar a teatralidade e evitar converter os participantes em espectadores.
148 A ao foi desenvolvida em trs cidades com situaes scio-econmicas muito'
diferentes: em Viena e Buenos Aires, em 2002, e, em Berlim, em 2004. Em todos
os lugares provocou reaes muito polmicas.
149 ''A impresso confusa e inexplicvel de que a morte e o nada entregam sua
inquietante mensagem atravs de uma criatura que tem um enganoso aspecto
de vida, mas ao mesmo tempo est privada de conscincia e destino: isso o
que provoca em ns esse sentimento de transgresso, que ao mesmo tempo
atrao e rejeio. Colocada no index e fascinao" (KANTOR, 1984, p. 246).
147
119
perifri cos dos 'indige ntes' reais, os man equins de Filoctetes vi raram corpos obscenos no 'teatro do real', figura es simblicas
que sublinharam a indiferena quotidiana ("o boneco incomoda
quanto mais parece conosco" (CANO, 2002, p. 35) .
Filoctetes: Lemnos en Buenos Aires
Arqu ivo Emilio Garca Wehbi
A a o, proposta como um a int errogao indi feren a res ultou em uma provocao social pela a rte . Uma estra tg ia po tica detonou um a realid ad e qu e pa recia apagar-se com o passar
do tempo!": Os cor pos em es ta do precri o, estra nha me nte notrios e m s ua mortal beleza, sobressara m na paisagem urb an a
com o exte nses grotescas do corpo soc ial. trab alho na fronte ira entre o es pao es t tico e o es pa o/ te mpo real exps uma a rte
qu e se proj eta na es fera relacion al e um indi cativo da sua textura
liminar: o es tra nha me nto do ce n rio social provocado pelas rplicas inertes criou um es pe lho deformado r qu e a mplificou os
comporta me ntos cot idianos .
Nas imagens registrad as durante a realizao da ao
corpo na ru a, o bon eco atuou como um revolucion rio que evide nciava o que
ac ontecia diari am ente" (CONSTANTlN, 2002 , p. 34)
150 " 0
12 O
15 1
Cen rios liminar es (tea tra lida de s. per form an ces e polt ica)
121
153
122
Mais de uma vez as Madres foram reprimidas fisicam ent e na Praa; algumas
inclusive se torn aram "desa pareci das", situao que equivalia a se r executado,
assassinado, se m que ningum conseguisse prov-lo e nem ao menos denun ci-lo.
15 5 A frase de Pavlovsk i, mas nela se esc uta a voz bakhtinian a e a sua filosofia do
a to tico .
156 As mes tm con figura do urna personagem alta men te sim blica e parad igmtica
no ca mpo visual: o len o bra nco, se m rosto, tem sido uma figura recorre nte em
cartazes e obras plsticas conte mpor neas, inclusive fora da Argent ina.
151
123
Esta frase dial oga com a expresso "perform inq ciudadana" proposta por
Beatriz Rizk quando se refere s prticas cnicas polticas e no hegemnicas.
124
ISB Embora tenha sido escrita em 1997, considero a frase de Pavlovsky prxima do
esprito poltico-ldico dos cacero/azos (pan elaos) do ano de 200l.
IS" Toda a obra de Aristfanes rica em num erosas inverses carnavalescas; em
Las Aves ou Lisistrata, por exemplo , faz-se refern cia utilizao de alguns
utenslios de cozinha - pratos, assadeiras - como instrumentos de defesa.
125
126
127
11>7
11>1'
o Etc tera't"
129
17 .
Cen rios lirninar es (tea tra lida des, perform an ces e poltica)
131
panfletos como apoio, a incorporao de alguns coletivos de artistas levou incluso de outros dispositivos, como pequenas
performances, objetos e pinturas. Estes elementos faziam parte
das estratgias para burlar a vigilncia policial que j comeava
a proteger as casas de alguns militares. Retomando experincias
desenvolvidas por estudantes de Belas Artes no Chile durante
a ditadura de Pinochet, o grupo Etctera props a utilizao de
bales recheados de tinta que, ao serem jogados contra a polcia,
estouravam e manchavam os muros.
Ao representar ludicamente uma inverso simblica
dos valores promulgados pelo Estado de terror, os escraches
carnavalizam complexas situaes da memria coletva!".
reinventando um efmero 'mundo s avessas' para a restaurao da justia. Usando recursos do jogo e das artes cnicas,
propiciam a emergncia de communitas irreverentes, comprometidas em tornar visveis situaes silenciadas pela histria oficial.
Assim como as passeatas das Mes da Praa de Maio, os
escraches so atos ticos sublinhados com o corpo. Quando
comearam as represses foram introduzidas novas estratgias e dinmicas relacionais: utilizou-se formatos de enquete
para recolher informaes nos bairros, distribuiu-se envelopes onde aparecia um telefone com a frase "ligue agora" com
alguns dados sobre a histria do militar em questo, um mapa
para localizar a casa e um pequeno balo de ltex para ser recheado com tinta (Etctera, s/p). Os executantes em potencial
eram os prprios vizinhos, que tinham de construir e tomar
decises acerca das aes, realizando intervenes mais personalizadas.
m Um dos escraches foi feito em frente casa do General Leopoldo Fortunato
Galtieri, responsvel pela Guerra das Malvinas. Realizado no dia em que
Argentina e Inglaterra se enfrentavam durante a Copa do Mundo de 1998,
inclua uma performance onde se jogava a partida "Argentina versus Argentina",
em aluso Guerra das Malvinas e s mortes e desaparies que se tentou
ocultar com a realizao da Copa do Mundo de 1978. Terminava com um pnalti
chutado por um integrante do H.I.j.D.S, utilizando uma bola recheada de tinta
que manchou de vermelho a residncia de Galtieri.
132
Alm de continuar a colaborao com H.I.j.o.S., este coletvo tem desenvolvido uma presena ruidosa no panorama argentino e nas bienais internacionais. No ano de 1999, desafiando os
mecanismos do mercado artstico, e reclamando por arte para
todos (arte que deve existir fora das caixas brancas dos museus),
o coletivo inicia o evento Artebiene, parodiando a Feria ArteBA
(Feira das Galerias de Arte de Buenos Aires): uma exposio coletiva nas portas da Mostra Oficial reclamando "uma maior abertura e pluralidade do campo cultural".
Artebiene teve varias edies, sempre ensaiando formas
criativas de oposio ao mercado de arte. No ano de 2001 a
ao foi desenvolvida como uma interveno no interior da
Feira, realizando uma espcie de 'teatro invisvel': os integrantes do grupo usaram um 'figurino' que os identificava
como executivos de alto poder aquisitivo; simulando interessar-se pela compra das obras de arte mais caras, ao mesmo
tempo deixavam cair de propsito cdulas falsas ou notas!"
que faziam aluso iminente desvalorizao da moeda argentina. A edio de 2003, a quarta, foi construda com uma alta
dose de ironia. Utilizando o slogan oficial da feira -"os artistas
se antecipam ao futuro" - e recorrendo a estratgias conceituais, produziram uma obra 'no objetual' que parodiava a consagrao de um novo gnero, as 'obras-projetes', no mercado
artstico internacional. Apresentando-se como artistas-projetistas lanaram um "projeto de contrafeira" no qual faziam
a proposta de parcelamento e redistribuio do espao pblico, em frente ao prdio ocupado pela ArteBA para propor
exposies independentes e coletivas. Um verdadeiro 'projeto
para o futuro' para cuja realizao anteciparam-se e solicitaram 'assinaturas de apoio' carnavalizando o slogan oficial. Os
integrantes do Etctera realizaram a performance instalados
num pequeno stand nas portas da ArteBA, onde apresentavam a 'escritura petitria', envolvendo centenas de pessoas
na criao da irnica obra conceituaI. Citando sua primeira
175
133
17h
134
135
170
"A exploso socia l de 20 de dezemb ro nos pegou na mais ativa militn cia so cial,
discutindo propostas est ticas no cent ro do conflito" C"arteBiene", de Etc tera,
texto indito ao qu al tive acesso graas a Fed erico Zukerfeld).
136
137
As 'culturas da violncia' tm sido durante as ltimas dcadas os cenrios quase 'naturais' de grande parte do teatro latino-americano. Alm de suas complexidades e estigmas, as problematizaes simblicas da violncia tambm constituem estratgias que tornam visveis e combatem as prticas sistemticas de
aniquilao.
Desde algumas dcadas tem sido elaborada a ideia da
estetizao da violncia, percepo sustentada nos trabalhos
corporais e visuais de vrios artistas latino-americanos que,
nos mbitos intelectuais, tm suscitado escaramuas que no
poucas vezes encobrem convenes culturais e mal-estar 'moral'. Possivelmente temos nos acostumado a separar os atos e
as obras, a confront-las com sistemas de valores estticos oitocentistas que opinavam sobre o que era o artstico segundo
um conjunto de valores universais. Se as vanguardas da dcada
de vinte desafiaram o pensamento crtico e propiciaram a emergncia de outros horizontes tericos, as prticas artsticas atuais
evidenciam cada vez mais a necessidade de discutir os corpus
estticos tradicionais e o prprio conceito de esttica. Esta foi
a problemtica delineada por Adorno, sua crtica a uma estti-
139
141
performers, como testemunhas de uma memria pessoal e coletiva. A representao tradicional de personagens tem dado lugar a
outro registro, o da "estaturia performtica" (SANTIAGO GARCA
in: DUQUE; PRADA, 2004, p. 573).
5.1. Teatralidades do real.
O Mapa Teatro um laboratrio de artistas que representam as novas estratgias coletivas, diferentes daquelas que
deram vigor ao Novo Teatro colombiano e latino-americano a
partir dos anos sessenta. Como ncleo gerador de projetos artsticos experimentais, tem desenvolvido experincias diversas
no campo da teatralidade: a pera, a performance, a rdio, as instalaes vivas e miditicas. Mas, alm do trabalho em espaos
artsticos reconhecidos, o Mapa Teatro envolve-se em projetos
com comunidades e grupos de pessoas em situaes de excluso
e precaredade!",
Uma parte importante do teatro deste coletivo tem sido desenvolvida, desde 2000, em torno da memria viva e da demolio do bairro de Santa Ins-E! Cartucho, uma regio em pleno
centro de Bogot para a qual acorria uma numerosa populao
que trabalhava em armazns e na reciclagem, pequenos comerciantes, traficantes, pessoas atingidas pela violncia e moradores
de rua 182. O Mapa Teatro tratou desta problemtica atravs de um
longo processo no qual se envolveram vrios moradores do lugar. Em cada uma das criaes geradas foram utilizados diversos
dispositivos: intervenes, instalaes, vdeo-instalaes, performances. A utilizao de recursos procedentes das artes visuais e
Pode ser citada a experincia com os presos da Penitenciaria Central de Colmbia ,
La Picota (Proyecto , Horacio, 1993), alm de Prom et eu, qual fiz refer ncia.
18 2 No comeo do sculo XX, Santa Ins era um bairro de grandes e senhoriais
casas republicanas, sendo mais tarde abandonado pelos moradores de maior
poder econmico . Em meados do s culo, com a irrupo do 'Boqotazo ', os
deslocamentos de camponeses at a cidade assim como os diversos servios
urb anos estabelecidos na r ea produziram um a visvel situao de des gaste,
violncia e indigncia, convertendo EI Cartucho numa fronteira de exclus o
soci al. Ali sobreviviam aqueles que a sociedad e considerou "descartv eis", e
suas ruas converteram-se em centros de operaes do narcotrfico.
18 1
das artes cncas, atravessados por referncias literrias, mitolgicas, antropolgicas e de diversos campos tericos expressam a
textura hbrida que caracteriza os trabalhos deste coletivo.
O primeiro contato com El Cartucho deu-se pelo projeto
C'ndua 18 3, uma proposta interdscpl narv" que tambm incluiu
outras comunidades afetadas pelos "processos informais de desenvolvimento", assim como a localidade de Usaqun. Realizado
no mbito do programa "Cultura Cidad", criado e desenvolvido
por Antanas Mockus'", este projeto transcendeu o mbito institucional no qual estava inicialmente inserido e contribuiu para a
reconstruo da memria da cidade, propiciando outras formas
de relao entre seus habitantes.
Concebido como um projeto experimental que no estava
preso a um fim pr-estabelecido, Rolf Abderhalden (2003, p. 20),
seu diretor artstico, orientou o processo para "a criao temporal de uma comunidade experimental". Mais do que criar obras
ou produtos artsticos, privilegiou-se a convivncia, a relao entre "as sensibilidades artsticas y no artsticas". Desmontando
a ideia de que o processo deveria gerar uma obra acabada,
C' ndua foi criando espaos de encontro e efrneras communitas
nas quais emergiram outras objetividades poticas.
O trabalho realizado em Usaqun 186 incluiu estratgias relacionais que impeliram uma cultura da participao, propondo
18"
C' ndua um termo da m itologia arauca que significa "o lugar ao qual iremos
aps a morte".
Dela participaram artistas cnicos, pl sticos, etngrafos, antroplogos,
comunicadores, historiadores e gegra fos.
'8' Filsofo , matemti co, escritor; pedagogo e poltico . Reitor da Universidade
Nacional da Colmbi a em 1990. Prefeito de Bogot em dois mand atos (19951997 e 2001-2003), s endo o segundo o perodo durante o qual foi realizado o
pro jeto Cndua . "Cultura Cidad" foi um projeto de convivncia pacfica que
procurava favorecer a participao cidad, utilizando uma srie de estratgias
ldicas e art sticas que tentavam diminuir as distncias entre a Lei, a mor al
e a cultura e que conseguiu ter um impacto importante no enfrentamento da
violncia cotidiana ao red uzir o nmero d e mortes dirias. Mas, sem somb ra
de dv ida, tratou-se de um proj eto oficial que experimentou nova s formas de
contro le sobre a soci edade.
18 6 A primeira eta pa do projeto C' ndua, ..Un pa cto por la vida ", foi de senvolvida em
bairros da localidade de Usaqu n, nas ladeiras dos morros situad os no norde ste
de Bogot, onde vrias geraes haviam construdo suas casas.
'84
143
11I7
189
145
alternativos. O Mapa Teatro expe r imenta Mller como um "laboratrio do imaginrio social", por meio do qual reconstri-se imagens e narraes que so reintroduzidas na conscincia histrica e mtica da cidade.
Prometeo, no bai rro dem olid o f i Cartucho /Mapa Teatro.
Foto: Fernand o Cruz
146
Durante cinco anos o Mapa Teatro explorou outros aspectos relacionados problemtica de EI Cartu cho, em diferentes
formatos. Foram criadas duas instalaes: Re-corridos (2003) na sede do Mapa Teatro, no centro da cidad e - e La Limpieza
de los establos de Augas (2004), no Museu de Arte Moderna de
Bogot. No ano de 2005, o coletivo realizou uma vdeo-instalao, Testigo de las Ruinas, na qual era documentado todo o ciclo
daquela memria: a vid a do bairro a ntes da demolio, sua reduo a esc ombros, e a construo do parque Tercer Mi/en io sobre
o mesmo terreno.
La Iimpieza de los establos de Augas tom a como referncia
"Os trabalhos de Hrcules", propiciando um a s rie de ass ociaes
metafricas entre a situao mtica de Hrcules - a manipulao
e o exlio ao qual foi submetido - e os processos de excluso, violncia e desalojamento que viveram os habitantes de EI Cartucho.
A instalao integrou duas narraes visuais, em dois tempos e
espaos: uma museogrfica e fechad a - o Museu de Arte Moderno
de Bogot, ManBo - que funcionou como "lugar de pas sagem", e
no qual se faziam projees em tempo real (no presente) da cons-
147
o presente mutante, o percurso dirio dos aco ntecimento , era proj et ado no museu - es pa o onde tradicionalme nte
conge lada um a memria artstico /cultu ra l - como obra viva c
processual. No es pa o pbli co (a construo) era inst lada um a
ins lita e a be rta 'galeria' ond e se pod ia apreciar os testemunhos
filmados - obra documental - que faziam referncia a mom entos
do passado rec ente. O eve nt o e ra configurado pe lo olha r do espectad or a partir dos diferente frag me ntos espao/ tempora is.
Esses "quadros" virtuais ofe re cia m um mate rial do cum ental
para se r examinado pelo s esp ectadores interessados em problematizar as relaes (im)possveis entre rem odelaes urbanas e
res ta uraes sociais.
148 lIeana Diguez Caballero
Observo estratgias de inverso na disposio dos materiais e nos espaos. O que se tentou manipular como problema local, sob uma poltica de silenciamento (apagar, desaparecer), reapareceu como problema poltico, atualizando a
memria recente, interceptando o esquecimento, amplificando a visibilidade atravs da repetio dos testemunhos dos
despojados.
Em Testiqo de las Runas, ltimo trabalho em torno a El
Cartucho, a exposio e montagem de documentos visuais,
assim como dos testemunhos dos vizinhos do lugar, o ambiente no qual a presena e as aes de uma ex-habitante do
bairro provocam a persistente volta da memria atravs dos
corpos, sons, texturas, e cheiros que insistem na condio de
arquivo vivo.
149
o artista visual e performer lvaro Vlllalobos !" tem desenvolvido parte de seus processos criativos em mbitos de marginalidade e pobreza. Buscando agir na vida cotidiana, desenvolveu algumas experincias como imerses exploratrias, como
'ato de vida'. A opo de viver como indigente durante alguns
meses empurrou sua prtica at uma zona liminoide, na margem
da esfera artstica, transubstanciando a experincia potica em
transformao existencial. Este tipo de ao sustentada no oferecimento do corpo sugere reminiscncias artaudianas, ao configurar no sujeito artstico um cenrio corporal onde a prpria
matria humana colocada em crise, diminuindo os limites entre experincia esttica e experincia de vida. Alm de Artaud, a
concepo da obra como objeto nos leva ao propsito de realizao da arte na vida, s experincias processuais onde a obra
desenhada no fluir da existncia.
Acto Sincr tico, Ex Voto / lvaro Villalobos, Valncia, 1999.
Arquivo do artista
192
151
152
Observo s ignos d e limina ridad e nesta ex per incia individual e solitria. A marginalidade voluntria do artista em funo do es pao cotidiano onde circulam os alime ntos, o conecta
com um status d e inferiorida de e exc luso. Poetica m e nte se ins tala um a communita s votiva: a a o / o fere nda temporariamente
a p roxima o praticante d e um a com u nh o fsic a e es pir itua l com
aq ue les qu e vivem nesse esta d o. O jejum, como a to sacrifical e
como meio para um processo de co mu nh o, pod e ser co ns idera d o co m o um 'ri to de passagem', j qu e um a ao t ra ns for madora, tran sitria e reun ificadora e m fun o da ex pe r i ncia qu e
transforma a privao e m oferenda. O prprio ttulo a t r ib ud o
a es tas a es, "ex-votos", s uge re o a rtista co mo oferente. Ata s
d e ag ra de cime nto por um ben e fcio recebid o, os ex-v otos so
tambm a tas de comunho e d e f muito reco rrentes nas reli gios ida des populares; nas aes d e lvaro Villalobos tambm
se perceb em como marcas de um a reli gio sid ade s inc r tica onde
s o e nt re tecidas m emrias de p rti cas fam ilia res e a tas prprios
qu e relig am zonas da ex ist ncia.
O trab alho d este a rtis ta tem privilegiado a instn cia relacional, com um uso mnimo d e recurso s c nicos e visu a is, levando o corpo a es ta dos de quietu de e s il ncio; outras das sua s
a es s o reali zad as co mo in te rve nes qu e procuram ge ra r a lgu m ben efcio im ediato para co m unida des e m s ituaes de risco e precari ed ad e. As a es reali zad as nas ru as de EJ Cartucho,
Bogot, fora m co nce it ua das co mo atas pela vida, co mo ges to d e
d enncia co nt ra o assass ina to s iste m tico de indigentes !". Nos
muros do bairro, ca rtazes com a fra se "no mercad o da indoln cia, a morte es t mui to barata" fo ra m co locados e m for ma de
cruzes, im itand o a Via Crucis. Como e m Prometeu (Mapa Teatro) ,
os executa ntes ou perfo rm ers reai s fo ram os p rprios hab itan tes
das ru as de EJ Cartu cho. Alm d e presumirem -s e co mo ohras a rtsticas, estas a es so ges tos ticos. Cons trudas co m recu rsos
.07lntitulada La Faccin , a ao foi realizad a e m 17 de se te mbro de 1993, no
seguinte en dereo: carrera 11 con cal/e 6ta, e m Bogot. Agrad eo a lvaro
Villalobos pelas informaes. ass im como o acesso a valiosos do cum entos
visua is.
153
mnimos, a pos ta m na cap acidade relacional e no efeito de convoca o; seu propsito no produzir obj etos para serem contemplados, mas envolver as pessoas, levando-as alm da condio
de espectadores e sublinhando a dupla rel ao - respondnci a
e responsabilidad e - qu e reside nos processos intersubjetivos.
La Facci n, a o d e lvaro Villal obos e m EI Cartucho / Bogot.
Arquivo d o artista
154
155
que parecem incidir a curto prazo na qualidade de vida de alguns grupos humanos. E, nesta esfera, mais de um artista resiste
a enquadrar o seu prprio fazer na categoria de obra de arte.
5.3 Rituais impudicos
A noo de performer como produtor de uma arte secretria que se alimenta da sua prpria corporalidade, que apresenta
seus fludos, resduos e matrias orgnicas, configurou-se metaforicamente na potica e no gesto vital de Antonin Artaud" "',
A textura secretria por ele proposta - muito antes dos rituais
orgisticos do Accionismo Vienense - insistia no compromisso
corporal do ator/poeta/performer e introduzia a concepo ma terial das aes performticas.
Em seus escritos, Artaud insistiu no teatro como "ato e
emanao perptua" (1969, p. 150), como produo de estados
no racionais e riscos vitais. Se em seus primeiros textos emergia uma corporalidade potica que redimensionava a teatralidade, mais tarde Artaud vai propor a corporalidade escatolgica.
O corpo que produz e expulsa secrees no pode prescindir da
morte do que lhe prprio. A matria fecal expulsa constitutiva da vda/?", Esta experincia que Artaud concretiza atravs
de seus escritos remete a vises de cosmogonias duais, ao corpo duplo da concepo grotesca. Para Artaud a obra artstica
constituda com os prprios detritos, tambm secreo do corpo. A escatologia grotesca concretizada em uma textualidade
onde a palavra ainda o meio para a representao dos dramas
corporais, configurando uma "textualidade do corpo" (WEISZ,
1997).
"Artaud propose la responsabi/it scrtionne/le du corps de l'artiste-po teacteur ; c'est une relation dynamique que la chair se donne avec les substances
et matire s du performatif II invoque les strates du tissu performatif en relation
d'osmose dlirante avec une synerg ie impitoyable" (MARTEL, 2001, p. 49).
2DD Tudo o que cheira a merda, che ira a ser. [...] No ser h/algo especialmente
tentador para o homem/ e esse algo precisamente/ "O COC" (ARTAUD, 1977,
p. 81). "Cada uma das minhas obras, cada um dos meu s projetas, cada um do s
brotes glid os da minha vida interior expulsa sobre mim a sua baba" (ARTAUD,
1998, p. 11) .
199
156
o performer colombiano
Rosemberg Sandoval tem construdo sua obra sobre "uma franja de tolerncia alimentada pelo
poder do marginal" (GONZLEZ citado por SANDVAL, 2001, p.
10), implicando uma variedade de materiais e meios: desenhos,
instalaes e performances, jornais, roupa usada, gaze, suturas
adesivas, objetos achados na rua, restos de exploses de atentados, pedaos de paredes, plsticos, arame farpado, madeira amaznica, pedaos de vidro e corpos vivos. Assim como nos escritos corporais de Artaud, em Sandoval se concretiza uma prtica
artstica que inclui a relao com a dor. Mas, diferente do corpo
textual artaudiano, a constituio potica do performer colombiano matrica: aparecem diretamente os pedaos e secrees
de corpos humanos e urbanos. Fora do ciclo vital do grotesco, a
matria residual que integra a obra de Rosemberg representa as
quedas e expulses de um corpus social. Figuras descartveis,
transbordamento do grande corpo que descarta o que no pode
digerir. Matria abjeta produzida nos limites de um grande corpus num estado de perda.
O corpo abjeto aproxima-se do corpo grotesco quando
torna visvel esse outro corpo interno, que se decompe quando sai, incomodando o olhar, contaminando, fazendo evidente o
princpio de fecalidade e escatologia que habita na vida. O carter abjeto nos coloca em uma relao complexa com a moral, ao
exibir a fragilidade do legal, perturbando a ordem (KRISTEVA,
2000, p. 11). Ainda que ambos os estados desestabilizem o olhar
e perturbem os mecanismos concebidos para maquiar o desagradvel e o feio, a conotao fnebre da abjeo a impede de
igualar-se ao grotesco.
O que percebo como abjeto nas obras de Sandoval remete
excluso e sujeira, aos desperdcios e resduos corporais, ao
poder revulsivo da carne exposta, sempre produes de um corpo duplo. Nas suas aes o corpo abjeto um corpo social que
se expande, evidenciando a constituio de um sistema poltico
e moral que o provoca e dissimula. Se o carter abjeto, em geral,
nos situa na fragilidade dos limites, sua configurao social fala
dessas margens onde so negociadas a vida e a morte, cinica-
157
mente dissimuladas pelas estruturas de status e conscientemente evidenciadas pelas communitas espontneas das margens/?' e
as communitas poticas dos interstcios.
Em muitas das suas aes o artista tem exposto seus prprios fluidos corporais misturados com substncias e objetos
que procedem de um corpus social, em geral marcado por situaes crticas. Em Extensin (1980-81), a urina do artista circulava por sondas que seguravam lenis usados, nos quais foram
colados pelos pubianos; em Acciones lndividuales (1983), os
cabelos de cadveres foram usados para escrever longos textos
com os quais foram cobertas as paredes e um andar do Museu
de Arte Moderna de Cartagena; em 12 de maro de 1982 20 2 tingiu jornais com sangue; em Caquet (1984) envolveu com gaze e
sangue pedaos de madeira amaznica; em 10 de maro de 1982
utilizou vsceras para tecer uma grande malha que era estendida de parede a parede, reduzindo o espao do pblico dois dias
antes das elees-", e em Sntoma (1984) utilizou um rgo
Com a expresso "communitas espontneas das margens" tento referir-me ao
agrupamento de indigentes e moradores de rua que aproximam-se e auxiliamse para sobreviver. Numa dimenso diferente refiro-me s communitas poticas
como aquelas que emergem na breve temporalidade dos atas poticos.
202 "12 de maro de 1982 um dia normal, mas um dia tenso porque coisas esto
acontecendo no pas antes das eleies. A data 12 de maro coincidiu com uma
jornada de aes e instalaes que foram feitas em lO, 11 e 12 de maro de
1982, e ento as enumerei com a data. A pea uma enorme instalao feita com
jornais do dia. Deram-me de presente uns 500 jornais de manh e comecei a
coloc-los e grud-los de modo que ficaram legveis e em sequncia. A instalao
foi feita no dia para ser inaugurada noite, esses jornais eram vlidos naquele
dia. No andar havia uns pequenos travesseiros feitos com jornais manchados
de sangue. A inteno era manchar a desinformao. Manchar a notcia. Este
sangue era de cadveres humanos que eu roubava nos necrotrios. A pea
gerou muito calor porque a inteno era fechar o espao com papel de jornal,
as pessoas s podiam ingressar no lugar pelas esquinas quando levantavam as
cortinas de jornais. O espao ficou sufocante de calor. Alterei a temperatura do
lugar fisicamente" (SANDOVAL, 2004, citado de pgina web)
203 "O assunto neste tipo de obra a transgresso dos valores ticos e morais. Pelos
ticos posso passar facilmente, mas com os valores morais da memria mais
difcil porque a memria tem a ver com os parmetros adquiridos socialmente.
Consigo isso com os materiais que uso para elaborar a obra, porque apesar
de usar materiais to fortes lhes damos outro tipo de leitura e direo. So
vsceras, mas tratadas sem expresso e com muita frieza. um trabalho com
vsceras, mas sem ar de expressionismo nem minimalismo. Nesta performance
com vsceras eu no derramei nenhuma gota de sangue no cho. S o que havia
201
158.
era um forte fedor, um cheiro fortssimo de formol com vscera putrefata. Dor
envolvida em piedade" (SANDVAL, 2004, citado de pgina web)
204 "Sintoma so uns textos que elaborei com uma lngua humana. Impregnava a
lngua com sangue e depois escrevia com ela sobre as paredes do museu. Alngua
ficava na minha mo, eu a esfregava com fora e a parede ia gastando a lngua
enquanto eu escrevia texto sobre texto, uma palavra em cima da outra. O texto
continha palavras como: desapario, temor, violao, morte, assassinato; no
final restava um imenso cogulo com retalhos de lngua e sangue" (SANDVAL,
2004, citado de pgina web).
205Termo definido no ano 1967 por Germano Celant para designar a arte mat rica
realizada por um grupo de artistas italianos que propunham uma cultura
artesanal em oposio cultura industrial. As obras eram processos realizados
com materiais pobres, como feltro, carvo, pedras, areia, cimento. Mas na obra
de Rosemberg preciso distinguir a presena do matrico orgnico, situao
que o aproxima mais s praticas performticas do que dimenso matrica
explorada pelos artistas plsticos localizados nos terrenos da pintura e do
instalacionismo (que Sandoval tambm tem abordado).
206 Crtico de arte, curador no Museu de Arte Moderna (La Tertlia), onde tem
organizado exposies das produes de Rosemberg.
207"Penso que os materiais tm muito a ver com as necessidades e condies
econmica da gente". ''A relao com esses materiais feita a partir de razes
pragmticas, porque eu no tenho dinheiro" (SANDOVAL, 2004, citado de
pgina web) .
Em vanos dos seus atas performticos Rosemberg intervm como uma espcie de mediador xamnico que conjura a dor.
Totalmente vestido de cor branco e como que possudo por um
pathos de desidentificao, manipula vsceras e resduos corporais,
limpa sujeiras cotidianas: em BabyStreet (1998-1999) lavou o rosto, as mos e os ps de uma criana de rua, utilizando gazes e lcool que ia estendendo at configurar um sfumato de imundcie; na
performance intitulada Mugre (1990) transportou sobre seus ombros um homem indigente at desenhar com seu corpo "uma linha
de dor e imundcie sobre a parede branca do museu" (SANDVAL,
2001, p. 21) 2011. Num sentido radicalmente oposto s performances
de Yves Klein (Anthropomtriesde I'poque bleue, 1960), Rosemb erg
desenha com a sujeira, manchando os mveis brancos de galerias
ou museus e tornado visveis as abjees cotidianas do corpo social.
Mug r e / Rosem berg San doval. Coleccin Daros Latinamrica, Zurich.
Fotos: Gerson Sandova l; Alberto Bar bosa; Juan Carlos Cuadros, Cali.
Pgina dei arti sta : htt p:/ / www.rosemb e rgsand oval.com /
208 " 0
161
As aes deste perform er tornam a moral vulnervel, perturbam a percepo, incomodam e confrontam; da que sejam marcados como rituais impudicos. Rosemberg tem dito que trabalha
com o cinismo/?", colocando-se do lado contrrio do consenso do
"politicamente correto". Em um mundo tomado pelo cinismo, talvez no devssemos nos escandalizar quando o cinismo cotidiano
usado como estratgia artstica para provocar o confronto. Segundo
Miguel Gonzlez, a eficcia da obra de Sandoval est na capacidade
de registrar os elementos mais desprezveis que habitam nas entranhas de uma sociedade infame (SANDOVAL, 2001, p. 8).
Nas expulses corporais desencadeiam -se processo s contaminadores. Supe-se qu e as substncias que o corpo expulsa
conta mina m porque so resduos, partculas de morte, represen tando o impuro, aquilo qu e no deve ser tocado. A purgao ou
a chamada catarse associada a este s movimentos de exp uls o
do s fluidos corporais, assim como o pranto, os suores, o vmito,
ou inclusive a sada definitiva do prprio corpo, a prpria morte.
Segundo Kristeva (2000, p. 42), o ato de purificao po tica so mente se protege do abjeto s ubme rgindo nele. Esta ideia ajuda a
compreender a metfora do criador como pharmakos, como um
se r expiatrio que convive com o impuro, chegando inclusive a
absorv-lo, a simboliz-lo, at conv erter-se em katharmos, o oficiante que alm de ser pharmakos tambm aquele qu e proporcion a a catarse e a possvel cura. Observo es ta natureza ambgua
do pharmakos nas prticas votivas e rituais de lvaro Villalobos
e Rosemberg Sandoval. Convivendo com a dor, a contaminao e
a morte, suas aes poticas se convertem e m ato de sacrifcio.
Em Yag (1992) 210 e Rose-Rose (2001 e 2003), o corpo do
performer se oferece, consagra-se em ato de sacrifcio. Nas duas
Refiro-me s declar aes dest e a rtista durante o enco ntro com o gru po
int ern acional Black Market, desenv olvido na Cida de do Mxico (junho, 2003).
2 10 Existe m du as verses desta a o, cons truda a partir do ritu al sag rado do Yag .
Numa, o artis ta ves tido como um "xam es farra pa do" a pa recia em um crculo de
fogo, lendo um texto de Julio Cortazar, ao mesm o tempo e m qu e, com um pedao
de vid ro, co rtava sua pele emba ixo do umb igo, e bebi a o sa ngue qu e recolhi a
com sua mo. Na seg unda verso, o artist a cortava-se com um crucifixo no qu al
tinh a incru st ado um bisturi cirrgico.
20' )
162
perform ances, o sangue do a rtista - qu e brota da s feridas cau sadas pela prpria ao - transforma-se em uma oferenda real
e simblica da prpria dor, ao mesmo tempo em que resulta em
desafio possibilidade de autodestruio - segundo o prprio
executante, "u m ato de consci ncia" qu e conv erte a dor "em ultra
po tncia moral" (2004). Este ritual de autocomunh o pod eri a
evoca r a performance de Michael Joumi ac - Messe pour un corps
(19 69) - ond e o artista oficiava o sacra me nto do seu prpri o
sa ngue. Em Rose-Rose, descalo, vestido de bran co e se nta do
sobre um metate' ", tritura com as mo s vri as d zias de rosas
vermelhas com es pinhos, inscrevendo uma "incerta e do ente
cartografia da dor" (200 3) . Definida por ele mesmo como "desencena o" de um a "a o de moral supe rior", esta a o / rto /
oferend a, "de dica da a todos aque les para qu em a dor e a barbrie tiv eram mais pod er do qu e o tempo", foi realizad a na Praa
de Tlatelo lco da Cidad e de Mxico, em junho de 2003; exec utada
e observad a naqu ele es pao, alcana va s ua pleni tud e expressiva
como com m unitas de aflio.
Rose-Rose / Rosemb er g Sandoval, Tlarelo lco, Ciuda d de Mxico.
Foto: lIeana Di guez
2 11
163
Estes fragme ntos fazem par te de um texto escrito com l pis sobre as pa redes e o
cho da Sala Mutis, na Universidad dei Valle de Cali, como parte da ao Margen
(1996).
164
165
Vrias dessas imagens foram inclu das na Mostra desta artista, Ciudad espiral
y otros pla ceres artificiales apresentada no Museu Universitr io de Cincias
167
mo vimentos de resistn cia passiva, situaes qu e de man eira alguma const itue m fund aes do insli to, mas confi guraes histricas de subjetividades dissidentes individuais e coletvas!".
A resistncia civil uma forma de luta poltica baseada
na desobedi nci a pel a via da no -viol ncia. Dada a necessidade de colaborao qu e es tabelece a governabilidade, a objeo
da consci ncia e a retirada do consenso para socavar o poder
con stitu em um a ttica eficaz. Este tipo de a es - do modo com o
foram executadas na Cidade do Mxico entre julio y septiembre
de 2006 - podem concretizar-se em sentadas, boicotes, tomadas
simblicas de instituies, fech amento de es paos, e inclusive a
criao de gove rn os alte rna tivos ou paralelos'?",
22 1
169
Agora que as ruas nos devolvem uma aparente normalidade, volto memria e aos seus numerosos arquivos onde se
entrecruzam o macro e o micro. Mais interessada no inventrio
de microaes que atravessaram o macrotecido social, desenvolvidas durante alguns meses de julho a setembro de 2006, na cidade do Mxico, constato dois amplos blocos. De um lado o conjunto de performances realizadas de forma espontnea - individual e/ou coletiva - por cidados que ocuparam as ruas onde se
instalaram de planto. De outro lado o conjunto de aes convocadas pelo Movimento de Resistncia Criativa para evidenciar e
intervir no protesto em espaos vinculados ao poder, utilizando
de forma consciente alguns dispositivos artsticos.
As aes da Resistncia Criativa tinham o propsito de incrementar a no colaborao e produzir a no-governabilidade,
fazendo visvel a no-submisso de um elevado nmero de cidados atravs de intervenes simblicas em espaos pblicos,
especialmente em algumas das instituies e empresas vinculadas ao partido declarado vencedor. No amplo registro de aes
podem ser citados os fechamentos simblicos de bancos e bloqueios s sedes do BBVA Bancomer e do HSBC, aos centros empresariais como o Conselho Coordenador Empresarial, Bolsa
Mexicana de Valores e Mexicana de Aviao. As incurses em
centros comerciais e supermercados, nas quais se simulava comprar em quantidades exageradas, mas realmente desorganizando a disposio dos mveis de alguns produtos, foram includos
no boicote popular contra as produtoras que apoiaram a fraude.
Em todos os casos, as aes eram realizadas e construdas pelos cidados que assistiam convocao da Resistncia Criativa,
enfatizando a manifestao discursiva, - emblemas, canes,
stiras, priorizando as estratgias performticas, pardicas e
ldicas -, e evitando a confrontao estril. Performances como
a "Conferencia de Prensa lntemacional'Ps, o sepultamento sim222
171
Refiro -me a estes dias porque posso prestar test emunho deles pela minha
prp ria participao e dos num ero sos registros visuais rea lizado s.
172
Dois dias antes de ser levantado o planto sobre a Avenid a Reform a. presenciei
uma insta lao constru da com avies, ta nques e so ldados de plst ico qu e
haviam sido brinqu edos de alguma criana. O autor des ta 'r epres enta o'
- foi a palavra que usou - disse-me que tinha querid o expressar uma cena
provvel se o Exrcito, como se te mia naqu ele momento. ar re metesse contra os
acam pa mentos da resist ncia.
173
Tambm percebi como 'construes situacionistas' algumas manifestaes mais austeras e radicais em sua afirmao
como gesto. No real desafio aos dispositivos espetaculares, grupos de pessoas ocupavam o espao sentados no cho com as
suas faml ias. O gesto desco ntextualizado era seu maio r rec urso: realizava-se na praa aquilo que devia ser realizado em casa,
sentar-se a descansar em companhia familiar sobre pequenos
ban cos prprios, es pecialmente tra nsportados; ou configuravam
escultricos arranjos como se posassem para uma foto familiar.
Alm dessa disposio corporal e espacial, havia dois detalhes
signicos: pequenos papis ou cartes com lricas mensagens e o
figurino amarelo, sem que se pud era identificar alguma propa ganda partidria. Embora o amarelo era a cor que representava
o Partido de Oposio - Partido da Revoluo Democrtica, o
PRD- a soc iedade civil em resistncia apropriou-se espontaneamente desta cor, de forma tal que durante este perodo era bas tante comum a utilizao de detalhes que sugeriam um figurino
representacional, indicando um sm bo lo de dlssid ncia-" .
2ZS
Muitos obje tos foram confecciona dos e vend idos por comercia ntes , qu e
174
175
benas e feiras popul ares--". As r uas for a m tran sform adas pel a
instal aes iminentes. Dentro das lonas qu e co bria m os ac a mpamentos colocavam -s e diversos e le me ntos qu e procurav am
expressar uma utopia carnavalesc a. Instalaram -se varais com
poemas e desenhos como -literatura de cordel, pendurou-se
"roupas de carto" sobre as quais eram escr itas mensagens
engenhosas'?", Num ambiente de religiosidade popular foram
erguidos altares e consagrados "novos sa ntos", rostos qu e .circulavam tamb m no s esca pul r ios di stribu do s nas verbenas
dominicai s.
Est as repres enta cion alid ad es po pul ares misturaram -se
com al gum as cria es de a r t is tas vis ua is. Entre as prim eiras
aes e mp ree nd idas pel a socieda de civ il, foi feita, e m defesa
do voto cida d o, um a exposi o cole t iva d e ca r ta zes urbano s:
De las obligacion es de la razn (el may oreo y el m enudeo) que
instal ada no Passeio da Alam ed a, re u n iu ob ras de um a ce nten a d e a rt is tas, escr ito res, a ta res, ca r tu n is tas e dese n his ta s.
Em a lgun s dos ca r tazes resignifi cava -se as pla cas d e tr nsi to ,
a lu d indo-se po ltica, es tratgia ex plo ra da pel a gr fica a t i-,
vis ta d e ou tros co ntex tos!" . Qua nd o os cartazes fora m ras ga d os e dani ficad os, v r ios cida d os, num ges to de re pa ra o
s imb lica, sagra da me n te os cos t ura ra m e restauraram . A pa rtir da, v ri as obras fora m o bje to de inte r ven es cont n uas
a t tras forrna rem -se e m pro du es co letivas e a n n imas.
Entre os num erosos e co ncorrido s eve ntos, dest aco a marat on a "Bailando cont ra
el fra ude", que fez uma a pro pria o pa rd ica do programa televisivo "Bailando
por un suefio",
229 Estas aes fora m desenvol vidas como part e da din mica popular "tiende para
qu e nos entienda ".
230 Pen so no tra ba lho grfico do Grupo Arte Callejero em Buen os Aires, brevem ent e
referido no Captulo IV.
228
177
Cada uma daquelas cerimnias pblicas conformou espaos liminares, onde o imaginrio foi medido com as exigncias do
simblico (FINTER, 2003, p. 38). Certamente aquelas expresses
semiotizaram ou transformaram em linguagem a indignao e o
gesto de dissidncia de uma grande parte da sociedade civil, no
podendo no entanto ser reduzidas a gestos estticos. Falaramnos a partir de 'outro lugar', que embora no fosse o lugar das
artes tambm no era o espao do real comum. Considerando a
apreciao de Helga Finter quando viveu a experincia dos panelaos em Buenos Aires, estas a es, sem dvida alguma, criaram
um "espao potencial" ao construir expresses extraordinrias
nas quais colaborou um gesto de estranhamento, de poetizao.
Assim como tambm foram inspiradas por um movimento ldico
que carnavalizou a possibilidade de reduzi-las a gesticulaes da
sociedade do espetculo, precisamente essas aes conseguiram
parodiar os atos espetaculares do poder, porque subvertendo a
ordem e conseguindo espao de expressividade prpria, configuraram outras narrativas e espalharam imaginrios dissidentes que se expressaram nas escalas do macro e do micro.
o espao do
Centro Histri co da Cida de do Mx ico pa recia deixar para trs os mecani smos conte mpor neos d a a mns ia, p rprio das clau stro-polis pa ri- pt icas - da form a qu e as
imagens de Fra ncis Alys suge riram criticame nte em Cuentos
Patriticos (1997) - para es pa lha r ca rtografias do de sejo, itinerrios carnavalesco s qu e a travessa ra m o tecido social e a briram novas form as de acoplame nto dos corpos, al m do controle
das mquinas do poder e do peso das instituies!". O que me
interessa aqui ressaltar o modo pelo qu al os aconte cime ntos
do real subverteram a obra de a rte, e a indireta subverso do
prprio olhar do artista pelo macro gesto carnavales co do movimento de Resistn cia na cida de de Mxico em 2006.
Evoco a palavra desejo na mais s imples das ace pes, a
231
179
partir da definio quattartana, como vontade ou desejo de viver, de criar, de amar, de inventar outra percepo do mundo,
outros sistemas de valores (GUATTARI, 2005, p. 318). O desejo
sempre produto de alguma coisa, e especialmente de subjetividades indceis, estimuladas por pulses que tecem outras
tramas. Esta a percepo que me interessa desenvolver quando penso naquelas teatralidades da resistncia que fizeram engendrar uma erotizao da poltica, uma orgistica utopia da
proximidade.
6.2. Estticas liminares.
A liminaridade tem textura poltica por implicar em processos de inverso de status. uma antiestrutura, um "espao
potencial" a partir do qual se desautomatizam os discursos do
campo da arte e da representao, dinamitando lugares comuns.
A histria das representaes tem fundado lugares de legitimao onde so duplicadas e se pretende reforar presenas.
A partir de os territrios da instituio poltica - qualquer uma
delas -, at as tribunas artsticas, a representao como conceito
tem sido legitimada pelas relaes entre verdade e substituio.
Nesta encruzilhada foi se formando uma sucesso que remetia:
[...] da representao como ideia ou realidade, ou realidade objetiva da ideia (relao com o objeto) representao como delegao, eventualmente poltica, e em consequncia substituio de sujeitos identificveis uns com outros e to substituveis
quanto objetivveis" (DERRIDA, 1989a, p.11).
180
A funo da filosofia consiste em delimitar o real da iluso, a verdade da mentira. Mas o teatro o mundo no qual no existe esta
distino. No tem sentido perguntar-se se o teatro verdadeiro,
se real, se ilusrio, ou se enganoso. Somente pelo fato de
estabelecer esta questo desaparece o teatro. Aceitar a no diferena entre o verdadeiro e o falso, entre o real e o ilusrio, a
condio do funcionamento do teatro (FOULCAULT, 1999, p. 149).
181
estas associaes em vnculo poltico com a experincia: a segunda remete "ao poder do estabelecido e as suas imagens petrificadas" nos mausolus. A outra "refunda espaos pblicos da
vida".
Estes tecidos da presena nos dispositivos representacionais tambm disparam problematizaes sobre os retornos do
real. Hal Foster (2001, p. 149) introduziu uma viso do real como
trauma, "o real que est por baixo". A partir do diagrama lacaniano
da visualidade, Foster (2001, p. 150) analisa o deslizamento na
concepo do real: "da realidade como efeito da representao ao
real alm traumtico". Expandindo o horizonte, ultrapassando as
referencalidades psicanalticas, no penso no real como inscrio
da ferida, mas como irrupo do imediato, acontecimento ou textura e no superfcie, porque no procuro reduzi -lo s taxonomias
'ps' do epidrmico nem "fluidez das superfcies" chamadas erroneamente de "sociedades transparentes". Ou como pedao de
realidade encontrada ou ready made que irrompe. Nem como realismo, nem como realidade construda na representao. O real
que entra ou invade se concentra entre o objeto e o acontecimento, entre o desfeito de realidade funcional e o conjunto de acontecimentos que tecem a vida imediata: "Realidade prvia", dizia
Kantor (1984), numa viso mais matrica; ou a morte como "objeto encontrado", como tambm expressou o criador polon s-",
numa percepo mais contextuai.
O tecido que hoje define certos gestos artsticos revela as
hibridaes e negociaes entre os espaos do real e os espaos
poticos. Mas inspirando-se na trama social, a arte se insere nela
(BOURRIAUD, 2001, p. 18), de forma tal que o real hoje no exclusivamente tratamento temtico no universo da fico, mas a
textura e o gesto inscrito na prtica esttica, encontro e tambm
documento.
As mediaes entre o esttico e o poltico tm sido delineadas com insistncia em termos de relevncia, como se a elaborao esttica existisse em detrimento do poltico ou como se
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183
184
185
.,
como "instrumento de cidadania" dionisaca, retorna-se ao olhar
de Benjamin para reabilitar o auratico na proximidade participativa. Neste ponto de grande importncia a observao de
Giorgio Agamben (2005, p. 170) acerca da necessidade de reconstruir uma nova aura que opera por efeito de estranhamento; mas , ao contrrio de Agamben, penso que esta "nova aura"
no se apropria de um "novo valor" pelo efeito do objeto, mas
pelo acontecimento que a produz: acontecimento ou prtica no
lugar do objeto artstico.
A crtica de Agamben ao efeito acumulativo da cultura como mercadorias acumuladas num armazm -, aponta o escurecimento do "carter energtico" das obras de arte em favor
da sua 'disponibilidade' para a complacncia esttica. Mas hoje,
assim como tempos atrs, o armazenamento das obras para contemplao segue os mesmos trilhos de seu "valor de exibio"
como mercadorias, esfriando o "car ter energtico" que menciona Agamben, e gerando uma 'nova aura' definida no pelo "aparecimento nico de uma lonjura" mas pela autenticidade que
fixa seu valor mercantil, dominando inclusive as "obras abertas"
da arte processual contempornea, s instalaes e produes
efmeras. No entanto os curadores de arte se esforam em apresent-las como gestos de subverso, nas bienais e nos armazns
brancos da esttica contempornea, estas seguem sendo oferecidas como objetos estticos, valorizados tambm pelo seu custo.
Quando penso na realizao de estticas da participao
que geram "utopia de proximidade", creio que estas no necessariamente tm que concretizar-se nas escala do macro. Se tenho
apontado a realizao de aes como rituais carnavalescos, tambm dentro e fora da arte h que se considerar a relacionalidade e a liminaridade como reprodues do micro, sem que neste
prime tambm o esprito festivo. Existem rituais da memria
- como Rosa Cuchillo e Prometeo, ou as passeatas das Mes da
Praa de Maio, exemplos desenvolvidos em pginas anteriores-"
23 3
No incluo neste est udo (motivo pelo qu al sinto-me em dvida) outros exemplos
como as passeatas das mulheres de branco em Cuba, e as teatralidade s da
memria que Alicia dei Campo estuda nos espaos chilenos.
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1
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11
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I
- em que a ao participativa pode ser intensamente lrica e reunificadora, gerando micro-communitas poticas.
A dimenso participativa definida hoje alm do espao
que as poticas abertas ou os wok-in-proqress propiciam, pois
no resultante de uma condio estrutural. O participativo
tambm no acontece hoje no sentido em que foram propostas
as estratgias do teatro invisvel, tentando propiciar a discusso
de uma problemtica conscientizante. Considerando que hoje a
participao acontece no mbito de uma liminaridade que potencializa o encontro no como ato da ideologia, mas dos afetos
e das vontades, gerando outras narrativas e mitologias que incidem na transformao dos modos de vida?", Talvez seja este
o lugar onde podemos pensar a liminaridade como geradora de
espaos poticos potencializadores de mcroutop as-",
A concepo utpica da liminaridade implica uma sada
do lugar-comum, dos clichs e dos status. Se na verdade esta
aspirao supe uma idealizao, poderia considerar-se para
recolocar numa posio mais humilde os que nela agem. As
circunstncias marginais do criador ou do intelectual foram
sugeridas por Edward Said (1996, p. 64)- quem alm de tudo
viveu estas situaes especficas - como "condio metafrica", "inquietude, movimento, estado de instabilidade permanente". Esta imagem de maneira alguma representa estar
acima do tempo nem do lugar no qual se vive. Assim como as
pessoas pblicas, os criadores e pensadores "caminham vigiados pela poltica de [...] representaes" e "esto em condies de oferecer resistncia a estas representaes colocando
em julgamento as imagens, os discursos oficiais e as justificativas do poder" (SAID, 1996, p. 39). Transcrevo as palavras
de Said desejando evitar qualquer inteno de preceptuao,
Nos seus estudos sobre antropologia do ritual. Turn er observou a liminaridade
como estado gerador de mitos, de simbolos e rituai s,ao propiciar reclassificaes
peridicas da realidade e da relao do homem com a sociedade, a natureza e a
cultura (1988, p. 134).
235 Refiro-me a situaes particulares relacionadas com projetos de pequenos
grupos, de pequenas comunidades, fora dos propsitos totalitrios que se tem
vinculado concepo 'utpica' de algumas sociedades contemporneas.
23 4
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