Globalização e Reversão Neocolonial
Globalização e Reversão Neocolonial
Globalização e Reversão Neocolonial
En publicacin:
Filosofa y teoras polticas entre la crtica y la utopa. Hoyos Vsquez, Guillermo. CLACSO, Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires. 2007. ISBN: 978-987-1183-75-3.
Disponible en: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/hoyos/11Sampaio.pdf
Red de Bibliotecas Virtuales de Ciencias Sociales de Amrica Latina y el Caribe de la Red CLACSO
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Globalizao e reverso
neocolonial: o impasse brasileiro
INTRODUO
H pelo menos duas dcadas, vem sendo inculcada sociedade latinoamericana a idia de que as economias da regio esto condenadas a
curvar-se ante a inelutabilidade da globalizao dos negcios e a ajustar-se o mais rapidamente possvel s exigncias do capital internacional e das potncias hegemnicas. Dentro desta concepo, o raio de
manobra das economias da regio est limitado denio do ritmo e
da intensidade de assimilao das transformaes irradiadas pelo capitalismo central. Com rarssimas excees, a ausncia de propostas que
abram novos horizontes para os povos latino-americanos levou a luta
poltica a car polarizada entre as faces modernizadoras e conservadoras das burguesias latino-americanas.
Os grupos econmicos e sociais mais estreitamente articulados s
novas tendncias do capitalismo internacional lutam pela globalizao
j. Ansiosos por aproveitar as oportunidades de negcios que surgem
da nova conjuntura mercantil, no querem perder tempo. Contando
com amplo apoio da comunidade internacional, colocam as exigncias
do mercado acima de tudo, relegando os custos econmicos, sociais
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vinculam em base estratgica da concorrncia intercapitalista em escala mundial. Da, a corrida desenfreada para aumentar a estabilidade
da moeda, a produtividade da fora de trabalho, a qualidade da infraestrutura econmica. Paralelamente, tentam redimensionar a escala
de sua fronteira econmica e a importncia relativa de seus mercados
internos, promovendo diferentes estratgias de integrao regional e
criando diversos mecanismos supranacionais de poltica econmica.
esta a lgica da formao de grandes blocos econmicos como a ALCA,
articulada pelos Estados Unidos, e a Unio Europia, que se organiza
em torno da Alemanha.
Se as economias capitalistas mais desenvolvidas ainda possuem
alguma capacidade de atenuar os efeitos mais destrutivos da globalizao dos negcios (que elas prprias impulsionam), reforando a escala de suas economias e de suas estruturas estatais, as tendncias que
levam ao enfraquecimento dos Estados nacionais manifestam-se com
fora redobrada nas regies perifricas.
O problema central que o novo contexto histrico reduz dramaticamente os graus de liberdade das burguesias das economias perifricas diante do capital internacional. Como as empresas transnacionais passaram a operar com tecnologias concebidas para mercados
supranacionais, com renda mdia muito elevada, a natureza de seus
vnculos com as economias dependentes tornou-se muito mais uida. A
situao bem diferente daquela que ocorrera na fase nal de difuso
da Segunda Revoluo Industrial. No ciclo expansivo do ps-guerra, a
estratgia de conquista dos mercados internos, mediante a transferncia de unidades produtivas, levava o capital internacional a exigir espaos econmicos nacionais relativamente bem delimitados. Tratava-se
de evitar que unidades produtivas deslocadas para a periferia sofressem
a concorrncia de produtos importados. este contexto histrico que
permitiu que, at o incio dos anos oitenta, as economias mais avanadas da regio apresentassem uma certa convergncia tecnolgica com
as economias centrais. Na era da mundializao do capital, estamos assistindo a um fenmeno bem diferente. O objetivo das grandes empresas transnacionais diluir a economia dependente no mercado global
para que possam explorar as potencialidades de negcios da periferia
sem sacricar sua mobilidade espacial. Por esse motivo, os gigantes da
economia mundial no querem que as fronteiras nacionais continuem
rigidamente delimitadas. O interesse no Terceiro Mundo se resume
basicamente aos seguintes objetivos: ter livre acesso aos mercados,
(no importando se eles sero atendidos com produtos importados ou
com produo local a deciso depende de circunstncias ditadas pela
estratgia de concorrncia de cada empresa); ter o mximo de exibilidade para aproveitar as potencialidades da regio como plataformas de
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na melhor das hipteses, so capazes de gerar algumas ilhas de prosperidade. Enganam-se, portanto, os que depositam tanta esperana no
poder do capital internacional como mola mestre do crescimento.
Segundo, a transnacionalizao do capitalismo reforou a dependncia nanceira, o que se evidencia pelo carter estrutural dos desequilbrios no balano de pagamentos. Depois da concluso do Plano
Brady, no incio dos anos noventa, quando os bancos privados nalmente digeriram a crise de sobreendividamento da dcada anterior, as
economias latino-americanas foram pressionadas a adotar polticas de
estabilizao monetria e programas de liberalizao destinados a impulsionar a insero especializada das economias perifricas no sistema capitalista mundial e a fomentar uma nova rodada de modernizao
dos padres de consumo. merc das vicissitudes das nanas internacionais, as economias da regio vem-se foradas ora a gerar megasupervits comercias, destinados a pagar o servio da dvida externa, ora
a produzir megadcits comerciais, a m de viabilizar a compra macia
de produtos estrangeiros e a absoro indiscriminada de emprstimos
internacionais. Nessas circunstncias, o mercado interno deixa de ser
o centro dinmico da economia e a instabilidade econmica torna-se
uma fonte permanente de crise social e poltica.
Por m, as transformaes no padro de desenvolvimento capitalista intensicaram a dependncia cultural, comprometendo a premissa elementar de um Estado nacional: sua existncia como entidade
dotada de vontade poltica prpria. De um lado, os progressos tecnolgicos nas reas de comunicaes e transportes exacerbaram o mimetismo cultural, levando ao paroxismo a propenso das classes mdias e
altas de copiar os padres de consumo e comportamento difundidos do
centro hegemnico. Os efeitos perversos desta forma de incorporao
de progresso tcnico sobre as sociedades perifricas so conhecidos:
maior concentrao de renda e crescente excluso social. Quanto maior
o hiato entre desenvolvidos e subdesenvolvidos tanto maior a desigualdade social necessria. De outro lado, a sacralizao do mercado
como princpio organizador da vida social deixou as regies perifricas
totalmente indefesas diante do grande capital internacional. Negando
a vontade poltica como meio de construo da Nao, elas abriram
mo de seu principal instrumento de ao coletiva: o Estado nacional.
A natureza anti-nacional e anti-social do modelo econmico neoliberal ca patente no momento de pagar a dvida externa. O dilema
se situa entre cumprir os compromissos assumidos com a comunidade
econmica internacional e satisfazer as demandas das classes abastadas de rpido acesso aos bens de consumo das economias centrais ou,
pelo contrrio, defender os interesses nacionais e atender s necessidades das classes populares. Sem controle sobre seu destino, a vida de sua
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de ativos produtivos, as autoridades econmicas sustentaram articialmente a rentabilidade corrente das empresas e o valor contbil de seus
patrimnios, adotando medidas para impedir uma recesso aberta e
prolongada e resistindo s presses para a liberalizao da economias.
Premido pela urgncia de administrar a extrema instabilidade da
economia, o Estado brasileiro no articulou um plano de reorganizao
produtiva. A renegociao da dvida externa no signicou a superao
do estrangulamento cambial e o ajuste privado no teve como contrapartida um aumento da competitividade dinmica da economia brasileira1. Por isso, ainda que a estratgia de protelar o enfrentamento dos
problemas colocados pelo novo contexto internacional tenha evitado a
hiperinao aberta, ela s agravou a obsoletizao do parque produtivo. Mais do que isso. Ao preservar os vnculos nanceiros dos credores
externos com os muturios internos, particularmente com as unidades
de gasto do setor pblico, a reciclagem da dvida externa reforou de
maneira extraordinria a inuncia da comunidade nanceira internacional sobre os rumos da poltica econmica brasileira. Ao chancelar o
ajuste privado em direo a ativos nanceiros e s exportaes, a poltica econmica provocou o encilhamento nanceiro do setor pblico.
No nal dos anos oitenta, a falta de perspectiva em relao
retomada do nanciamento externo, o crescimento acelerado da dvida pblica e o progressivo encurtamento do perl de vencimento dos
1 A hiptese aqui desenvolvida a de que foi a ao do Estado que evitou que a fuga
generalizada para a liquidez provocasse uma violenta crise de liquidao de ativos produtivos. Na primeira metade dos anos oitenta, tal estratgia se traduziu em medidas que
procuravam compatibilizar a gerao de megasupervits comerciais com a preservao de
um patamar de demanda efetiva suciente para evitar crises abertas de liquidao. Para
tanto, foram tomadas medidas destinadas a contrabalanar os efeitos da contrao do
mercado interno sobre a contabilidade das empresas, tais como estmulos s exportaes,
estatizao da dvida externa e defesa articial da rentabilidade corrente do grande capital
industrial. Na segunda metade da dcada, o crescente risco de que os grandes detentores
de riqueza nanceira fugissem concentradamente para ativos reais e moeda estrangeira
colocou a poltica econmica integralmente a reboque dos movimentos especulativos do
mercado nanceiro e dos grandes grupos exportadores. Conciliar os compromissos assumidos com os credores internacionais com a preservao da conana na moeda nacional
tornaram-se, assim, os dois principais desaos das autoridades econmicas. A impossibilidade de alcanar simultaneamente essas duas metas levou adoo de um padro de
gesto econmica que combinava a suspenso temporria dos pagamentos aos credores
internacionais com a administrao ad hoc da tendncia acelerao inacionaria. Sem
raio de manobra para arbitrar o nvel das taxas de juros e as condies de liquidez dos
ativos nanceiros, a poltica antiinacionria ganhou um carter paradoxal, assumindo a
forma ora de uma estratgia de choques destinados a controlar diretamente os preos e
desindexar a economias, quando o processo inacionrio ameaava fugir completamente
de qualquer controle, ora de uma poltica de coordenao dos aumentos de preos e
reindexao da economia, quando, aps a liberao dos preos, a acelerao inacionaria
voltava a ganhar mpeto.
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pitalista mundial e a consolidao do Estado nacional como uma entidade relativamente autnoma. Uma formulao sintetiza a essncia do
momento histrico brasileiro: dependncia e barbrie4. De acordo com
a interpretao de trs dos maiores pensadores do Brasil Caio Prado
Junior, Florestan Fernandes e Celso Furtado a misso civilizatria do
capitalismo dependente teria atingido o limite de suas possibilidades.
Em algum momento entre 1950 e 1980, intervalo exguo quando visto
de uma perspectiva histrica de longo prazo, a burguesia brasileira teria se divorciado completamente das demais classes sociais. A partir de
ento, o pas passava a ser visto como um mero instrumento de seus
interesses particularistas e imediatistas.
Em suma, a incapacidade de evitar os efeitos destrutivos da crise
da industrializao pesada comprometeu as bases materiais, sociais e
polticas do Estado nacional, colocando o Brasil diante da ameaa de
processos de reverso neocolonial que interrompem o movimento de
construo da nao. Nessas circunstncias, no parece um exagero
armar que h uma incompatibilidade incontornvel entre: a disciplina
nanceira e monetria exigida pela comunidade nanceira internacional; a reproduo de mecanismos de mobilidade social que sejam capazes de dar um mnimo de legitimidade ao sistema poltico; e a recomposio de um esquema regional de poder que neutralize as poderosas
tendncias que levam ao fracionamento da nao.
Nessas circunstncias, para sobreviver como projeto civilizatrio, a sociedade brasileira no teria outra alternativa seno romper o
quanto antes com as relaes econmicas, sociais e culturais responsveis pela situao de dependncia e subdesenvolvimento. Continuar
igual seria acelerar a rota suicida de decadncia econmica, regresso
social e decomposio moral. A gravidade do momento histrico ca
evidenciada tanto na conclamao de Caio Prado Jnior, de meados dos
anos sessentas, a favor da revoluo brasileira quanto na insistncia
de Florestan Fernandes, desde o incio dos anos setentas, no carter
anti-social, anti-nacional e anti-democrtico da burguesia brasileira,
assim como na eloqente advertncia de Furtado, no incio dos anos
noventas, de que foras externas poderosssimas ameaam a integridade do sistema econmico nacional.
A adversidade do marco histrico e os complexos problemas do
Brasil revelam que no h atalho para o desenvolvimento nacional. O
4 Esta sntese deve ser vista como contraposio tanto idia de que dependncia e desenvolvimento poderiam marchar em paralelo formulao que alimentava as iluses desenvolvimentistas das classes dominantes brasileiras desde Juscelino Kubitschek quanto
idia de que o Brasil no um pas subdesenvolvido mas um pas injusto proposio
que orienta a viso das atuais autoridades brasileiras.
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desao colossal e, ao contrrio do que se supe, no haver cooperao internacional. A continuidade do movimento de formao do Brasil
contemporneo est ameaada e ela s prosseguir se as classes sociais
interessadas na construo da nao tiverem a vontade frrea de levar
a superao do capitalismo dependente s ltimas conseqncias. Furtado, um intelectual reconhecido pela sua viso ponderada dos problemas nacionais, no escondeu o carter decisivo do momento histrico.
Em meio milnio de histria, partindo de uma constelao de feitorias, de populaes indgenas desgarradas, de escravos transplantados de outro continente, de aventureiros europeus e asiticos em
busca de um destino melhor, chegamos a um povo de extraordinria
polivalncia cultural, um pas sem paralelo pela vastido territorial
e homogeneidade lingstica e religiosa. Mas nos falta a experincia
de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja sobrevivncia chegou a estar ameaada. E nos falta tambm um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades, e principalmente
de nossas debilidades. Mas no ignoramos que o tempo histrico se
acelera e que a contagem desse tempo se faz contra ns. Trata-se de
saber se temos um futuro como nao que conta na construo do
devenir humano. Ou se prevalecero as foras que se empenham em
interromper o nosso processo histrico de formao de um Estadonao (Furtado, 1992: 61).
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BIBLIOGRAFA
Fernandes, Florestan 1990 Nem Federao nem democracia em Revista
So Paulo em Perspectiva (So Paulo) Vol. 4, No 1.
Fernandes, Florestan 1994 Democracia e desenvolvimento (So Paulo:
Hucitec).
Fernandes, Florestan 1995 Em busca do socialismo (So Paulo: Xam).
Furtado, Celso 1992 Brasil: a construo interrompida (Rio de Janeiro: Paz
e Terra).
Sampaio Jr., Plinio de Arruda 1989 Auge e declnio da estratgia
cooperativa de reciclagem da dvida externa em Novos Estudos
(So Paulo) No 25.
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