Pedagogia Redentiva Solano
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SEO PEDAGGICA
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RESUMO
Neste artigo o autor, apresenta a educao escolar crist como o entrelaamento de todas as reas de conhecimento com a verdade da existncia
do Deus Criador e com a revelao proposicional encontrada nas Escrituras.
Ele aponta como essa abordagem, apesar de se fazer presente na histria da
educao, tem sido esquecida pela academia. Isso representa mais do que um
crime histrico e tem prejudicado o prprio processo educacional e as escolas
e educadores cristos. Estes tm grandes dificuldades por serem produtos desse
sistema. Portanto, a educao crist clama por uma pedagogia e metodologia
educacional prpria, que faa justia s verdades de Deus. Teorias pedaggicas
desenvolvidas por mentes modernas que rejeitam a existncia de Deus, a realidade do pecado e a existncia de absolutos, ainda que eivadas de qualificativos
de esperana, de transformao e de progresso, apresentam respostas inadequadas e metodologias confusas, especialmente para as escolas crists. Isso
demonstrado com uma anlise de diversas correntes educacionais presentes no
universo pedaggico brasileiro. O autor indica que possvel encontrar diversos
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Ver PEARCEY, Nancy R.; TAXTON. Charles B. A alma da cincia: f crist e filosofia natural.
So Paulo: Cultura Crist, 2005.
2
Ver tambm, neste nmero, artigo do Rev. Alderi Souza de Matos: Breve histria da educao
crist: dos primrdios ao sculo 20.
3
DSOUZA, Dinesh. Whats so great about Christianity. Washington: Regnery Publishing, 2007.
Este livro traz uma relao parcial, mas impressionante, de cientistas que deram forma cincia moderna
(p. 97). Nessa obra, DSouza, pesquisador social da Stanford University, constri uma argumentao
fortssima para a pertinncia do cristianismo como fonte libertadora do saber, indicando como a civilizao embarca na contra-mo do progresso e de sua sustentabilidade quando despreza suas premissas e
contribuies.
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SCHAEFFER, Francis. A morte da razo: a desintegrao da vida e da cultura moderna. So
Paulo: Cultura Crist, 2002, p. 45.
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de um lastro e diretriz, que podero ser supridos por uma pedagogia especfica,
conceitual e metodolgica, para as escolas crists.
1.1 O mito da neutralidade acadmica
A grande falcia de nossa era a afirmao da neutralidade da pedagogia,
no que diz respeito a sua abstrao da f. Nesse sentido, a educao estaria
centralizada no prprio homem, como ensina um autor:
A educao, enquanto fenmeno, se apresenta como uma comunicao entre
pessoas livres em graus diferentes de maturao humana, numa situao histrica determinada. Por isso se define como papel das instituies educacionais:
ordenar e sistematizar as relaes homem-meio para criar as condies timas
de desenvolvimento das novas geraes, cuja ao e participao permita a
continuidade e a sobrevivncia da cultura e, em ltima instncia, do prprio
homem. Portanto, o sentido da educao, a sua finalidade, o prprio homem,
quer dizer, a sua promoo.5
Esse conceito horizontalizado, sem a dimenso vertical do relacionamento de tudo e de todos com Deus, est no cerne do problema educacional.
Ele apresenta uma parte da realidade como sendo o todo dela. Pretendemos
educar pessoas para a vida, mas ignoramos as realidades transcendentais do
universo. Relegamos ao esquecimento o que d coerncia s reas de conhecimento, o que d sentido existncia humana, o que d propsito e senso de
julgamento cultura. Apontando essa lacuna, Gordon Clark escreve que, no
campo secular,
... as escolas no so, obviamente, crists. Mas, com semelhante obviedade,
no so neutras. As Escrituras dizem que o temor do Senhor o princpio da
sabedoria parte essencial do conhecimento; mas as escolas, omitindo todas
as referncias a Deus, passam aos alunos a noo de que o conhecimento se
obtm sem qualquer relacionamento com Deus. Elas ensinam, na realidade,
que Deus no tem qualquer controle sobre a histria; que no existe qualquer
planejamento nos eventos operados por Deus; e que Deus no preordenou
qualquer acontecimento... As escolas no so, nunca foram, nunca podero ser
neutras. O sistema escolar que ignora a Deus, ensina seus alunos a ignorarem
a Deus. Isso no neutralidade, a pior forma de antagonismo, porque julga
que Deus no importante; ele irrelevante raa humana. Isso atesmo.6
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tem influncia na formao das pessoas, mas no pode receber o crdito integral
pelos desvios sociais que os cristos conhecem e identificam como pecado e
transgresso da lei de Deus. A escola crist no pode ignorar o pecado original,
nem as distores causadas por ele na produo acadmica das pessoas.
1.2 A pseudo-justia paritria na apresentao das cosmovises
Muitos conflitos experimentados por instituies crists de ensino tm a sua
origem em algumas pessoas que at professam a f crist, mas que tm uma viso
diferente do que seria Educao Crist. Elas demonstram relutncia em abraar
as verdades de Deus e entrela-las s demais verdades. Ainda que proclamem
conscientizao da ausncia da neutralidade na educao, fraquejam em suas
convices crists e so acometidas de um falso senso de justia e de concesso de
direitos iguais a todos os credos. Enxergam a pluralidade no como sendo uma
caracterstica inexorvel da sociedade em sua plenitude, mas como de existncia
necessria e at impositiva dentro da prpria escola crist. Com o propsito de
abstrair a religio do ensino, advogam, s vezes sem se aperceber, a manuteno
da distoro de viso da vida, e dos desvios da verdade, encontrados em quaisquer
outras escolas. Na realidade, terminam caindo na falcia de defender o mito j
comentado da neutralidade acadmica.
Crticas, por vezes virulentas, surgem desse tipo de oposio. Escolas e
educadores cristos experimentam conflitos e inquietaes, que chegam com
mais peso e maior poder letal por procederem de um campo que se julgava
aliado. verdade que tais crticos, na falta de argumentos prprios, esto
apenas emulando o pensamento secular, mas, no cmputo final, essas vozes
negam s escolas crists o direito7 de apresentar suas convices e uma viso
unificada de vida, centrada na realidade do Criador. Com freqncia a crtica
a de que a escola est virando igreja, e as suas aulas, uma escola dominical,
pelas conotaes religiosas do ensino. No entanto, a verdadeira escola crist
reconhece a soberania das esferas8 e sabe separar entre o lar, a igreja e a es7
Esse direito assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB (Lei
N 9.394, de 20 de dezembro de 1996), em seu Art. 20, que d reconhecimento legal existncia das
escolas confessionais.
8
Soberania das Esferas uma expresso encontrada na obra do filsofo holands Herman
Dooyeweerd (1894-1977). Seu tratado, extenso e muito tcnico, no disponvel em portugus, chamado
Uma Nova Crtica do Pensamento Terico (4 vols.). Simplificadamente, podemos dizer que Dooyeweerd,
construindo sobre os conceitos de Joo Calvino (1509-1564) e Abrao Kuyper (1837-1920), ensina que
cada instituio criada por Deus (a famlia, a escola, o estado), possui uma esfera especfica de autoridade.
Isso no significa que sejam autnomas. Cada uma deve responder a Deus, o doador desta autoridade. Mas
quer dizer que no devem usurpar ou interferir na autoridade da outra esfera. Cada uma dessas esferas,
autoridades em si, so responsveis por suas misses e aes, na providncia divina. No caso da escola
crist, ela deve entender que no usurpa a autoridade da famlia, nem da igreja. Muito menos substitui
essas outras esferas. A esfera da escola, e nisso ela tem autoridade, ministrar conhecimento, sendo
responsvel, perante Deus, de ministrar esse conhecimento reconhecendo-o em todas as reas do saber.
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Essa citao faz parte de um caso real de correspondncias trocadas entre dois ministros presbiterianos em dezembro de 2008. De um lado, o crtico protestava contra a implantao de materiais
didticos de orientao crist. Entre outras coisas, disse: ...no se faz educao, ... impondo a quem
quer que seja nossas convices religiosas; na seqncia, acusa a escola crist de ... um obscurantismo
tremendo... para ns que lutamos tanto pela liberdade de conscincia e tolerncia. Contrapondo-se a
esse argumento, o outro ministro defendeu o direito e propriedade das escolas crists apresentarem as
reas de conhecimento no contexto de uma cosmoviso crist, e escreveu o seguinte: evidente... que
[voc] aceita a dicotomia entre f e realidade, crena e historicidade, cristianismo e cincia... a noo
de Deus como criador, a encarnao, o nascimento virginal, a ressurreio dos mortos, e as demais
doutrinas crists, tm repercusso direta na maneira como ns olhamos, nos entendemos e nos relacionamos com o mundo ao nosso redor. Essas coisas nos do uma base firme para fazer cincia, pesquisar
nosso mundo e usar suas leis na tecnologia. Voc d a impresso de que a cincia e os cientistas so
neutros. Acreditar nisso obscurantismo. Ningum neutro. Se a educao no for enviesada pelos
valores cristos, ser pelos valores secularizados, marxistas, humansticos, agnsticos, ou por quaisquer
outros.
10 RUSHDOONY, Rousas J. The philosophy of the Christian curriculum. Valecito, CA: Ross
House Books, 1985, p. 72.
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12
MILLER, Scott A. Developmental research methods. Thousand Oaks, CA: SAGE, 2007, p. 235.
Minha traduo.
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relevante que at o famoso Mtodo Paulo Freire de alfabetizao de adultos, segundo reportagem da Rdio Cmara, com o Prof. Afonso Celso Scocuglia, foi desenvolvido e os seus postulados
estabelecidos, aps uma experincia em uma sala de aula com 5 alunos, dos quais 2 desistiram e apenas
3 foram alfabetizados. Texto disponvel em: http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/default.
asp?selecao=MAT&Materia=50033. Acesso em: 28 fev. 2009.
14 CORTELLA, Mrio Srgio; DE LA TAILLE, Yves. Nos labirintos da moral. Campinas, SP:
Papirus, 2005, p. 83.
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15 Ver a bibliografia selecionada sobre Educao Crist, publicada neste nmero, contendo inmeras obras publicadas, bem como vrias teses e monografias no publicadas. Estas ltimas incluem
em grande parte trabalhos apresentados como parte dos requisitos dos cursos de mestrado e doutorado
oferecidos pelo Centro Presbiteriano de Ps-Graduao Andrew Jumper.
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FREIRE, Paulo. Educao como prtica da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 160 p.
17
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 184 p. Este livro
j est na 38 edio.
18
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 16 ed. So Paulo: Paz e Terra, 1996, 2000. 165 p.
Este livro j est na 37 edio.
20
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignao. Compilao de Ana Maria Arajo Freire. So Paulo:
UNESP, 2000. 134 p.
21 FREIRE, Paulo, Pedagogia da tolerncia. Compilao de Ana Maria Arajo Freire. So Paulo:
UNESP, 2005. 329 p.
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Ainda assim, nesse livro, vemos at um Freire mais maduro, talvez sem
tanta convico de suas lealdades poltico-sociais do passado. No entanto,
ele ainda insiste em indicar que o caminho para o sucesso na educao a
libertao da heteronomia. Essa rejeio terica da lei (vamos ver adiante que
ela mais terica do que prtica) confunde ainda mais a j abalada mente de
nossos professores. Em Pedagogia da Autonomia, Freire diz:
Se trabalho com crianas, devo estar atento difcil passagem ou caminhada
da heteronomia para a autonomia, atento responsabilidade de minha presena
que tanto pode ser auxiliadora, como pode virar perturbadora da busca inquieta
dos educandos... primordialmente a minha postura tem de ser a de respeito
pessoa que queira mudar ou que recuse mudar.24
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ESPRITO SANTO, Ruy Cezar. Pedagogia da transgresso: um caminho para o auto conhecimento. Braslia: Papirus, 1995.
27
GODINHA, Edna Maria Silva. Pedagogia da alternncia: uma proposta diferenciada. Manuscrito ainda no publicado. Disponvel em: http://www.webartigos.com/articles/3845/1/pedagogia-daalternancia/pagina1.html. Acesso em: 23 fev. 2009.
28
2008.
29
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31
MORIN, Edgar. Introduo ao pensamento complexo. 3 ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001,
p. 20.
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Mas ser que ele no leva longe demais o conceito? Continuando sua
meditao sobre o tema ele diz que a complexidade apresenta-se com os traos inquietantes da confuso, do inextricvel, da desordem, da ambigidade,
da incerteza.32 verdade que ele aponta o trabalho do educador como sendo
restaurar a ordem:
Da a necessidade, para o conhecimento, de pr em ordem nos fenmenos ao
rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto , de selecionar os elementos de
ordem e de certeza, de retirar a ambigidade, de clarificar, de distinguir, de
hierarquizar.33
Mas ser que complexidade significa caos? H esperana, nimo e resposta para o educador perante o quadro traado por Morin? Afinal ele diz que
a complexidade surge como dificuldade, como incerteza e no como uma
clareza e como resposta.34
Vemos que, em vez de reconhecermos a fonte do conhecimento e
aquele que une todas as coisas (Cl 1.17-20), geramos percepo sem
propsito de que h unio, mas provocadora de desagregao. Camos de
volta na falcia de que no caos se produz progresso e organizao. Olhando a maravilhosa capacidade humana de reorganizao exatamente pela
unidade de pensamento que a caracteriza, esquecemos de computar o alto
pedgio cobrado pela destruio, pelas crises, pela desorganizao, e quase
glorificamos esse caos como essencial ao processo educacional.
Numa primeira leitura, parece que o caminhar pedaggico de Morin est
na direo correta. No entanto, por alijar o transcendente, a filosofia da f
crist, em vez de meramente identificar a complexidade, passa, no entanto, a
ser gerador de mais complexidade. Essa possante constatao, principalmente
na mo de discpulos desavisados, cria dificuldades no que deveria ser facilitado; complica o que deveria ser simplificado; esquece o bsico, no ensino,
e promove formulaes tericas inatingveis. Por isso alguns crticos, como
Cludio de Moura Castro, tm apontado correntes pedaggicas contemporneas como sendo responsveis por um subjetivismo sem propsito no campo
educacional, que tem deseducado em vez de educar.35
Essa viso de desespero e no redentiva, da complexidade, leva ao humanismo desenfreado, ainda nas palavras de Morin:
32
Ibid.
33
Ibid.
34
MORIN, Edgar. O desafio da complexidade. In: Cincia com conscincia. So Paulo: Editora
Bertrand Brasil, 1996. Disponvel em: http://www.cac.ufpe.br/vidvirt/memo/texto5.htm. Acesso em:
20 jan. 2009.
35
CASTRO, Cludio de Moura. Autpsia de um fiasco. Veja, ed. 1990, 10 jan. 2007.
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mas se devemos abandonar a viso que faz o homem o centro do mundo, devemos salvaguardar a nossa viso humanista, que nos ensina que necessrio
salvar a humanidade e civilizar a terra.36
36
p. 20.
37 Por exemplo, para uma crtica minha ao construtivismo, confrontando essa teoria com as evidncias e princpios da f crist, ver: PORTELA, F. Solano. O que esto ensinando aos nossos filhos? Uma
avaliao preliminar de Jean Piaget e do Construtivismo. Fides Reformata, Vol. V, n. 1. (jan.-jun. 2000),
p. 78-80; ou, PORTELA, F. Solano. Construtivismo no cenrio brasileiro. In: Fundamentos bblicos e
filosficos da educao crist. So Paulo: ACSI, 2004, p. 68-91.
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A Bblia apresenta o universo e a vida como sendo criao de Deus, e a humanidade como sendo
criao especial dele, sua imagem e semelhana, com inerente dignidade, a partir de um casal, em um
registro histrico descritivo e no meramente potico: Gn 1 e 2; Mc 10.6.
39
40
A Bblia afirma que as posturais morais assumidas pelo homem so, por si, um reflexo da existncia e transcendncia do Deus Santo e Justo, e que o envolvimento consciente no reconhecimento e
adorao desse Deus, bem como nas aes morais pessoais, algo possibilitado por interveno divina;
pela redeno efetivada por Cristo Jesus queles que ouvem o seu chamado e so atrados e sustentados
pelo Esprito Santo de Deus: Rm 2.14-15; 1 Pe 1.16; Jl 2.32; Ef 2.8-10.
41
A Bblia apresenta o conhecimento como sendo transmissvel, de Deus fonte de todo o conhecimento, s pessoas, e de pessoa a pessoa: Pv 1.1-7; Pv 9.10; Jr 3.15; J 1.1 e 14.
42
A Bblia afirma que o fim principal das pessoas glorificar a Deus, e desfrutar desse enquadramento e propsito criativo, por toda a eternidade: 1 Co 10.31; Sl 73.24-28.
43 SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervm: o abandono da verdade e as trgicas conseqncias
para a nossa cultura. So Paulo: Cultura Crist, 2002, p. 193.
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Morin avana mais esse conceito e diz: ... h algo mais que... a diferena
de indivduo para indivduo, o fato que cada indivduo um sujeito.51
O ponto que devemos reconhecer, aqui, que a diferena e a dignidade
inerente a cada pessoa tem sido reconhecida na pedagogia contempornea. Esse
reconhecimento vem at como uma contradio pois os tericos da educao,
em paralelo, nos ltimos cinquenta anos embarcaram em uma anacrnica onda
coletivista, essncia do marxismo onde a sociedade suplanta os direitos e a
essncia do indivduo. Entretanto, a questo da individualidade est no cerne
da filosofia da f crist e da cosmoviso da escola crist e esse um importante
ponto de contato, ainda que e educao crist deva preferir o termo singularidade (que expressa, condies nicas a cada ser) a individualidade (que pode
dar a idia de ausncia de altruismo, de egoismo).
47
48
49
Maria Montessori (1870-1952) foi a famosa mdica italiana, que iniciou seus trabalhos educacionais com excepcionais, trasladando os princpios e prtica para a educao bsica, como um todo.
Muitas escolas empregam o seu mtodo e levam o seu nome.
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Deus nos criou nicos, singulares. O relacionamento que o Criador mantm com suas criaturas primordialmente individual. verdade que existe o
sentido corporativo de povo de Deus, e que a singularidade e relacionamento
individual nunca prerrogativa para uma viso dissociada das responsabilidades coletivas. Esse entendimento faz com que ateno especial seja dada,
nas escolas e pelos educadores cristos, ao progresso educacional de cada um.
Produz esmero e ateno individualizada e no somente coletiva. Gera compaixo, apreo e reforo com os que ficam para trs, ainda que sem descuidar
da necessidade de prepar-los para um mundo competitivo, no qual abundam
incompreenses e onde a defesa dos mais fracos nem sempre est presente.
3.4 Com os quatro pilares da educao
Sobejamente conhecidos por praticamente todos os pedagogos e escolas,
os quatro pilares foram desenvolvidos e apresentados sob a coordenao de
Jacques Delors (1925-), divulgados sob a chancela da UNESCO e ganharam
ampla aceitao global. So eles: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser.52 lgico que essas quatro reas de
aprendizado podem receber roupagem humanstica e dissociada de qualquer
pensamento relacionado com a cosmoviso crist. No entanto, as escolas
crists podem no somente conviver pacificamente com essa especificao
qudrupla, em sua misso de ensino, mas podem dar corpo e significado com
as verdades da filosofia da f crist, a cada um desses aspectos. O aprendizado
do conhecimento bem especificado em Dt. 6.1-8 e no Salmo 78; o envolvimento com as tarefas a serem realizadas aprender a fazer, est claro em Ec
9.10a; o aprendizado da convivncia patente pelo fato de termos sido criados
seres sociais e no bom, que estejamos ss (Gn 2.18). Essa convivncia
primariamente com a famlia, mas se transporta, como dever, a uma atitude
positiva e pacfica para com todos (Hb 12.14). Finalmente, o conhecimento
prprio, o aprender a ser, condio essencial para que vejamos a distncia
que nos afasta da perfeio divina e nos joguemos s suas misericrdias na
esperana da redeno e propsito de vida que vem como fruto do relacionamento restaurado com o Criador.
3.5 Com a constatao, pela educao, dos males sociais
A maioria dos esforos pedaggicos contemporneos demonstra uma
intensa preocupao social e uma perspicaz identificao de injustias e carncias. Por exemplo, o educador Paschoal Lemme (1904-1997), falando sobre a
situao do Brasil rural, aponta:
52 DELORS, Jacques (Org.). Educao, um tesouro a descobrir. So Paulo: Cortez, 1999. A discusso sobre os quatro pilares ocupa o quarto captulo deste livro (p. 89-102), que a transcrio do
Relatrio para a UNESCO da Comisso Internacional sobre Educao para o Sculo XXI.
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LEMME, Paschoal. In: GADOTTI, Moacir. Histria das idias pedaggicas. 3 ed. So Paulo:
tica, 1995, p. 249.
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Isso equivale a um reconhecimento dos valores cristos, ainda que incoerentemente com o restante do seu pensamento. Em diferentes ocasies ele se apega
a princpios tais como tica: a existncia de certo e errado; limites e leis; o dever
de ensinar, como misso, com responsabilidade e sacrifcio. Freire est prestando
homenagem, sem perceber, a princpios absolutos preciosos ao cristianismo.
No mesmo tom, mais frente neste mesmo livro, ele se posiciona contra a liberdade sem limites;57 indica a impossibilidade da neutralidade em
educao,58 e que o professor tem que se aperceber que, por no ser neutra,
minha prtica exige de mim uma definio.59 Continua, ainda: Neutra, indiferente... a educao jamais foi, , ou ser.60 At o destaque dos contedos
palavra que contemporaneamente equivale a uma depreciao da escola que
os valoriza, encontrada na obra de Freire, quando ele escreve que o professor
deve ensinar certo e bem os contedos61 de sua disciplina.
Existem, portanto, em frentes diversas e com origem em autores reconhecidos no circuito acadmico, inmeros pontos de contato e alicerces que
podem sobrepor uma pedagogia especfica educao crist aos avanos da
viso pedaggica corrente. Educadores cristos no devem ter uma aceitao
acrtica de tudo que apresentado, at porque possuem um referencial muito
preciso para suas aferies: a Escritura. No entanto, no devem descartar
concluses e afirmaes que se mostram verdadeiras e de auxlio produtivo
ao processo educacional, pois podero abstrair as verdades e coloc-las no
devido contexto de um ensino que tem como centro, significado e propsito
o Criador do Universo.
56
57
Ibid., p. 118.
58
Ibid., p. 126.
59
Ibid., p. 115.
60
Ibid., p. 111.
61
Ibid., p. 116.
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Exatas
Influncia Filosfica
Filosofia
Leitura
Sociologia
Histria
Cincias
Geografia
Linguagem
Gramtica
Matemtica
Humanas
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Pedagogos redentivos prontamente reconhecero a impossibilidade epistmica de que o conhecimento se constri autonomamente na vida do educando,
mas sabero diferenciar entre conhecimento e entendimento. Constataro a
veracidade de que conhecimento se transmite, enquanto que podem admitir com
toda tranqilidade, que entendimento se constri. Pedagogos redentivos resgatam o papel do professor. Ele a interface crucial entre o saber e a ignorncia;
ele o mestre dos assuntos que se prope a transmitir; e ainda que saiba que
a vida um grande aprendizado e que o constante conhecer no tem fim, ele
tem a convico de que est na sala de aula para ensinar e no simplesmente
para aprender; , realmente, o direcionador do processo educacional em sua
esfera de atuao; o promotor da internalizao dos fatos transmitidos, aquele
que prov o meio escolar, em sua sala de aula, necessrio construo do
entendimento, nos seus alunos.
4.4 Os alicerces de uma Pedagogia Redentiva
Por tudo o que temos exposto, a pedagogia da escola crist ir alicerarse em algumas premissas que contextualizaro a prtica educacional e concedero propsito e rumo a educadores e educandos. Entre esses alicerces,
destacamos:
1. O alicerce metafsico Existe Deus e, consequentemente, existe realidade e verdade. Esse Deus no uma abstrao ou projeo humana,
mas o Deus trino Criador, que se revela na Escritura e interage com
a sua criao. Essa realidade ltima a grande ncora metafsica da
educao crist e da pedagogia redentiva.
2. O alicerce epistemolgico A interseco da divindade com o mundo
fsico se d na pessoa de Jesus Cristo, com sua humanidade e divindade
integrais e perceptvel verazmente pelo poder do Esprito Santo, na
vida de muitos, e na vida de todos, criados imagem e semelhana
de Deus, pela ao da chamada graa comum de Deus. Essa graa
comum o meio no qual floresce todo conhecimento65 e se espraia
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Cuja fonte Cristo: em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento esto ocultos
(Cl 2.3).
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Relacional: palavra mal utilizada por crculos teolgicos contemporneos, que colocam o relacionamento da Divindade com a criatura como algo supremo, que reina acima dos atributos divinos
e anula ou suplanta a capacidade de conhecimento e de planejamento do Criador, com o propsito de
que tais relacionamentos com as pessoas sejam autnticos. Em nosso texto utilizamos o termo para
expressar relacionamentos (sobreposies e equivalncias) entre reas de conhecimento e entre pessoas,
sem maiores conotaes filosficas.
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Algumas tentativas srias e bastante produtivas j existem nesse sentido. O Sistema Mackenzie
de Ensino (http://www.mackenzie.br/quem_somos.html acessado em 28 fev. 2009) tem um projeto
educacional completo formulado com uma cosmoviso crist. Necessita, no entanto, ser estudado por
pedagogos cristos, com vistas produo de uma edio mais bsica e mais genrica s escolas crists,
bem como ser complementado por pesquisas, apresentanto pontos metodolgicos nas reas delineadas
nesse pargrafo.
72 Cludio de Moura Castro, Gustavo Iochpe, Fernando Capovilla e outros poucos escritores
contemporneos tm emitido crticas pertinentes sobre os sistemas pedaggicos vigentes em nosso
pas, destacando os aspectos e resultados negativos das avaliaes do ensino brasileiro. Estes aspectos
negativos podem e devem ser resgatados e revertidos por uma pedagogia redentiva.
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