A Hermenêutica Da Teologia Da Libertação PDF
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Boff, pois enquanto aceita uma ferramenta que considera objetiva, ele adota uma
abordagem hermenutica de Jesus que orientada para o leitor e, portanto,
inerentemente subjetiva. Isto introduz outra das importantes pressuposies
hermenuticas de Boff, que a do "crculo hermenutico," conceito que comeou com F.
Schleiermacher e recebeu fundamentao terica do filsofo alemo Hans-Georg
Gadamer.19
B. A Influncia de Gadamer
A teologia da libertao surgiu como produto da hermenutica reader-response. Esse tipo
de hermenutica surgiu no final da dcada de 60 e tornou-se proeminente durante a
dcada de 70. Ela enfatiza a relao recproca entre o leitor e o texto, como uma reao
nova crtica literria e ao estruturalismo, que ensinaram a autonomia do texto. Seu
suporte filosfico vem das obras do filsofo alemo Hans-Georg Gadamer. Elas so uma
reao contra a idia de que somente o mtodo cientfico totalmente objetivo e capaz
de chegar verdade. Em reao, Gadamer enfatizou o papel dos pressupostos para a
conscincia e a compreenso. As idias de Gadamer produziram diversos tipos de
abordagens dentro dos estudos bblicos acadmicos, entre elas as hermenuticas
liberacionistas. So aquelas hermenuticas que lem o texto a partir de uma agenda
definida, poltica ou ideolgica, via de regra. Os "leitores ideolgicos" costumam apelar
para os princpios de Gadamer para justificar sua leitura do texto sagrado.
Para entender Boff preciso entender um pouco os principais conceitos de Gadamer.
Primeiro, o conceito de fuso de horizontes. "Horizontes" so os mundos vivos do autor e
do intrprete que se fundem quando os dois se encontram no texto. O leitor expande o
horizonte do texto ao apropriar-se dele em uma nova situao histrica. O texto, em
troca, questiona o leitor a desafiar e expandir as estruturas e pressuposies que trouxe
ao texto. Nesse processo surge a fuso dos horizontes. Em resumo, a hermenutica de
Gadamer se move do autor e do texto para uma unio entre o texto e o leitor, com razes
no presente em vez do passado.
C. O Crculo Hermenutico
Boff abraa a idia de que no h como escapar ao "crculo hermenutico." De fato, ele
torna esta premissa uma das pressuposies fundamentais da sua hermenutica.
Segundo Boff, os historiadores se aproximam dos seus temas com os olhos da sua poca,
com os interesses ditados pelo conceito de erudio cientfica que eles e a sua poca
possuem. Por mais que tentem, eles nunca podem escapar de si mesmos e chegar ao
sujeito (pp. 16-19). O papel do sujeito no processo interpretativo essencial:
Perguntar: Quem s tu, Jesus de Nazar? perguntar por
uma Pessoa. Perguntar por uma pessoa tocar num mistrio
insondvel. Quanto mais conhecido, mais se abre ao
conhecimento. No podemos perguntar por uma pessoa sem
nos deixar envolver em sua atmosfera. Assim, definindo a
Cristo estamos definindo a ns mesmos. Quanto mais nos
conhecemos mais podemos conhecer a Jesus. Ao tentarmos
num contexto de Amrica Latina situar nossa posio diante
de Jesus, inserimos nessa tarefa todas as nossas
preocupaes. Destarte ele prolonga sua encarnao para
dentro de nossa histria e revela uma face nova,
especialmente por ns conhecida e amada (p. 45).
Na citao acima podem ser observados os principais elementos ou estgios do crculo
hermenutico de Boff.23 Primeiramente, a pessoa aproxima-se de Jesus da perspectiva
da f e inquire sobre ele. Em segundo lugar, a pessoa tocada por Jesus e ento volta-se
para si mesma e para a sua situao. Ela aprende mais sobre si mesma e o seu contexto
foi resultado de sua interao com Jesus, de suas prprias pr-concepes e do ambiente
em que vivia. A concluso que cada um procura responder pergunta "quem Jesus"
dentro das suas prprias preocupaes vitais (pp. 17-19). Segundo, a fim de realmente
compreender quem Jesus, preciso aproximar-se dele como algum tocado e atrado
por ele. Esse "toque" de Jesus nada tem a ver com o conceito evanglico de um encontro
pessoal com Cristo atravs da pregao do Evangelho ou da leitura das Escrituras. O
Jesus de Boff pode ser encontrado fora das Escrituras. Jesus penetrou no subconsciente
da nossa cultura ocidental. Ele est sempre presente ali e pode a qualquer momento ser
evocado e revivido como uma experincia de f. Somente dentro deste arcabouo,
declara Boff, podemos entender de certa maneira as novas experincias de Cristo que
esto ocorrendo entre jovens de hoje (nas comunidades eclesiais de base?), sem a
mediao da igreja e das Escrituras. Tais experincias so mediadas pelo substrato da
nossa cultura, por meio da qual Jesus prolonga a sua encarnao (pp. 52-3).29 O ensino
de Boff, ento, que a interao com Jesus, que conduz ao entendimento dentro do
crculo hermenutico, no depende necessariamente da revelao bblica.
Embora Boff esteja correto em reconhecer a influncia das pr-convices na
interpretao, ele pode ser criticado por ter exagerado o valor da "autoconscincia
hermenutica" como caminho para se livrar do crculo hermenutico. Tem-se a impresso
de que, para Boff, a conscincia das prprias pressuposies libera o indivduo da
circularidade inevitvel da hermenutica da teologia da libertao e possibilita um melhor
entendimento de Jesus. Uma crtica que geralmente se faz contra a adoo do crculo
hermenutico como fundamental, que aqueles que se ocupam com a luta social e com a
poltica, pela justia, ao lado dos marxistas e outros ativistas, no tm nenhum modo de
saber se esto agindo de acordo com os ensinos das Escrituras, ou se, antes, esto
usando-as para legitimar uma instncia poltica ou ideolgica particular.30
Lendo-se a obra de Croatto, fica-se com a ntida impresso de que sua hermenutica
conscientemente desenvolvida visando legitimar a causa dos pobres e oprimidos. J que
supostamente Deus est engajado na luta em favor dos oprimidos, a Bblia deve ser lida
dessa perspectiva. Apesar de afirmar que o texto polissmico (comporta um nmero
ilimitado de sentidos), afirma tambm que a leitura mais apropriada da Bblia aquela
feita a partir da situao de opresso e pobreza. Aqui percebe-se uma notvel
semelhana entre o conceito do "mais-que-sentido-literal" da proposta de Croatto (e das
novas hermenuticas em geral) e as alegorias de Orgenes e dos escolsticos medievais:
desprezam o sentido gramtico-histrico e valorizam um sentido que est alm do texto,
o qual alcanado atravs do horizonte do leitor (no caso de Filo e Orgenes, o
platonismo; no caso de Boff e Croatto, a praxis liberacionista). Tal nfase, desprezando o
sentido histrico e gramatical, acaba por achar sentidos no texto bblico que
absolutamente no faziam parte do que era pretendido pelo autor.31
considerando-se que a revelao est sempre em processo, um modelo sempre deve ser
confrontado com a realidade, enriquecido, criticado, corrigido e mantido aberto ao
crescimento interno (p. 55). As religies do mundo so articulaes histricas dessa
proposta-resposta dialtica. Desde que ainda no foi obtida uma sntese completa, a
revelao est sempre em processo; ela tem de ser continuamente traduzida para novos
contextos histricos e sociais (p. 55; ver tambm pp. 277-8). Deste modo, fica validado
um modelo latino-americano de fazer cristologia.
Por trs deste conceito est a suposio de Boff de que a histria da salvao to
extensa quanto o mundo e a histria da auto-comunicao de Deus e da resposta
humana proposta divina (p. 54). O que Boff quer dizer com a "proposta de Deus"? No
a revelao de Deus na Escritura, mas na histria do mundo. Para se responder ao que
Deus est propondo dentro de uma determinada cultura, preciso desenvolver um
modelo compatvel com aquela cultura, a fim de se entender e responder a Deus. Em
termos de modelos religiosos, somente uma cristologia desenvolvida a partir de um
contexto de opresso pode habilitar os pobres e os oprimidos a responderem proposta
libertadora de Deus.
As implicaes so bvias. Uma cristologia refletida e vitalmente testada na Amrica
Latina precisa ter caractersticas prprias; ela deve reler os antigos textos do Novo
Testamento com preocupaes tomadas do contexto da Amrica Latina (pp. 56-7). A
conseqncia da pressuposio acima que, sendo a cristologia da libertao concebida a
partir de um contexto de opresso e dominao que prevalece na Amrica Latina, ela
requer um compromisso socio-poltico especfico para romper com tal situao de
opresso.32 Ela procura criar um estilo e desenvolver o contedo da cristologia de tal
maneira que possa destacar as dimenses libertadoras presentes na carreira histrica de
Jesus.33 Este seria o nico modelo competente para fazer com que se responda
revelao de Deus num contexto latino-americano.
Ao assumir a concepo acima, Boff parece negar implicitamente qualquer continuidade
no conhecimento de Deus e na resposta a ele entre diferentes geraes ou culturas
separadas no tempo ou geograficamente. Pode-se observar que uma das inferncias
ltimas desta concepo que fica impossvel a comunicao dos contedos teolgicos de
um modelo histrico entre diferentes geraes e culturas. Se a revelao de Deus
(proposta) somente pode ser entendida e corretamente respondida dentro dos
parmetros de um determinado contexto (resposta), e se contextos variam e diferem
entre si, os contedos de um modelo cristolgico desenvolvidos em um certo momento da
histria e dentro de uma certa cultura, no sero comunicados inteligivelmente fora do
contexto original onde ele foi produzido. Pode-se argumentar, ento, que a cristologia
liberacionista do prprio Boff fica isolada de toda a reflexo cristolgica anterior e no
pode ser julgada a partir de qualquer referencial histrico. Olhando de outra perspectiva,
no resta nenhuma base para Boff criticar qualquer outro modelo cristolgico. Todavia,
uma das caractersticas destacadas na abordagem de Boff a crtica que faz s
cristologias tradicionais.
Este conceito pode ser levado um passo adiante. Desde que os indivduos so diferentes e
tm compromissos diferentes, com pressuposies derivadas de diferentes contextos
culturais e histricos, tambm pode-se argumentar que no pode haver comunicao
inteligvel de um contedo teolgico entre duas pessoas. A implicao da nfase na
descontinuidade dos modelos histricos que somente Boff realmente pode entender a
sua cristologia da libertao e ningum mais.
corresponde
da reflexo
ao
da
2.
preciso
ler
os
Evangelhos
com
os
olhos
de
latino-americanos
oprimidos
e
deixar
que
nossa
experincia
de
opresso
nos
leve
a
Jesus,
e
dele
retornemos
nossa
realidade
com
esperana
de
libertao.
3. Precisamos entender Jesus por ns mesmos e elaborar uma cristologia
compatvel com nossa gerao, com nossa histria e nossa situao. A reflexo sobre
Cristo
feita
por
geraes
anteriores
no
pode
substituir a nossa prpria.
4. Devemos ler as Escrituras com a mente crtica de
e ver os relatos em termos da luta entre opressores
isso, podemos usar a anlise crtica social do marxismo.
um analista social
e oprimidos. Para
A figura de Jesus Cristo como libertador social e suas implicaes para a igreja latinoamericana, conforme expostas por Boff, so resultado dessas convices acima.
No que se segue, procurarei resumir as principais concluses de Boff quanto aos pontos
cruciais de sua cristologia. Uma anlise crtica ser oferecida mais ao fim deste artigo.
A. O Jesus Histrico
Virtualmente todas as cristologias latino-americanas tendem a enfocar o Jesus histrico
em contraste com o Cristo da f. De acordo com elas, o lado humano de Jesus, e no a
reflexo da igreja sobre a sua pessoa e natureza, que inspira e empolga a cristologia da
libertao. Boff trata inicialmente do Jesus histrico.
pergunta "O que Jesus Cristo realmente queria?", Boff responde: Jesus no pregou nem
a si mesmo, nem a igreja, mas o reino de Deus. O reino de Deus a realizao de uma
utopia fundamental do corao humano, a transfigurao total deste mundo. Ele est
livre de tudo aquilo que aliena os seres humanos, livre da dor, do pecado, das divises e
da morte. O que Jesus queria era fazer as pessoas e os seus discpulos entenderem que o
contedo teolgico da expresso "reino de Deus" era muito mais profundo do que eles
imaginavam. Exigia converso das pessoas e uma transformao radical do mundo
humano. Essa nova ordem j foi introduzida por ele (pp. 64-7).
De acordo com Boff, Jesus Cristo veio como libertador da condio humana. Na religio
judaica do tempo de Jesus, tudo estava prescrito e determinado: primeiro as relaes
com Deus e depois as relaes entre os seres humanos. A conscincia sentia-se oprimida
por prescries legais insuportveis. Jesus levantou um impressionante protesto contra
toda essa escravizao humana em nome da lei. A sua atitude fundamental foi de
liberdade diante da lei. Essa liberdade era para o bem, e no para a libertinagem.
preciso concordar com Frances Young que uma das decepes com a obra de Boff que
ela tem pouco a dizer que seja realmente novo. O quadro do Jesus histrico que emerge
da maneira como ele trata os Evangelhos , em grande parte, dependente das idias dos
estudiosos alemes ps-bultmannianos, especialmente Bornkamm, que se dedicaram a
"redescobrir" o verdadeiro Jesus, busca esta iniciada no sculo 17, com Reimarus, aps o
surgimento do racionalismo. Sob este aspecto, Jesus Cristo Libertador tem muitos
paralelos com obras tais como Sendo um Cristo, de Hans Kng. De acordo com Young,
apesar de sua erudio, o livro carece de coerncia interna e de rigor intelectual, e mui
otimisticamente apela ao Jesus histrico contra o Jesus do cristianismo estabelecido.
A pesquisa e o relato de Boff sobre as vrias tcnicas empregadas na busca do Jesus
histrico so elucidativos. No obstante, s vezes o quadro de Jesus que emerge da sua
cristologia se baseia somente numa simples citao de textos, e ocasionalmente at
mesmo num fundamentalismo baseado puramente na teologia de Lucas.50
B. O Cristo da F
O significado do Cristo da f para a Amrica Latina, especialmente para o Brasil, pode ser
resumido no que ele chama de "elementos de um cristologia em linguagem secular."
Destaco apenas trs desses elementos.
Cristo o ponto mega da evoluo, o homo revelatus, e o futuro como presente. Aqui,
Boff recorre especialmente a Teilhard de Chardin. Como o homo revelatus, Cristo realizou
as aspiraes messinicas do corao humano (pp. 254-6). Este primeiro elemento est
sujeito a crticas em vrios aspectos. Um deles que Boff desenha um Jesus que
dificilmente acabaria rejeitado e crucificado por seu prprio povo. Seu Jesus o
cumprimento de tudo aquilo por que os seres humanos naturalmente se esforam. Dessa
perspectiva, acabam sendo minimizados os conflitos que Jesus despertou. Para Boff,
Jesus no era "contra nada. Ele a favor do amor, da espontaneidade e da liberdade"
(pp. 81-2). Outro aspecto: Boff ignora totalmente a raiz mais profunda dos problemas
sociais, que a corrupo do corao humano. Os seres humanos no so vistos como
radicalmente escravizados por foras hostis e pelo seu prprio pecado e assim
necessitando de um libertador distintamente divino com um poder redentor alm da
capacidade humana.51
Cristo como conciliao de opostos e ambiente divino. Como tal, Cristo mediador entre
Deus e os seres humanos, no no sentido evanglico tradicional, mas no sentido de
realizar a esperana fundamental que as pessoas tm de experimentar o
inexperimentvel. Ele tambm representa a conciliao de opostos humanos, criando pela
cruz uma nova humanidade, um milieu divin (pp. 256-8). Aqui fica evidente como as
pressuposies hermenuticas de Boff o levaram a esta viso humanstica da mediao
de Cristo. Ao adotar a crtica da forma e das fontes, Boff conclui que as passagens dos
Evangelhos que tratam da expiao e da redeno, bem como as passagens do Novo
Testamento que afirmam que Cristo morreu pelos nossos pecados, so interpretaes
posteriores da comunidade palestina. Elas no tm nenhuma raiz no Jesus histrico. Elas
simplesmente refletem a reao de f da igreja primitiva ao Senhor ressurrecto. O
conceito da morte vicria de Cristo apenas uma interpretao entre outras muitas
possveis interpretaes, que no deve ser absolutizada (pp. 146-7). Ao enfatizar a
libertao no nvel social e estrutural, geralmente em categorias de opressor e oprimido,
Boff minimiza a implicao da morte de Cristo para expiar os pecados individuais e
pessoais. Pouca ou nenhuma ateno dada justificao pessoal e ao perdo de
pecados como resultados diretos da morte de Cristo.
Como David Peterson observa, o mtodo de Boff o leva a depreciar o significado de
grande parte do material do Novo Testamento a fim de obter a sua interpretao da
relevncia de Cristo para a cultura latino-americana. Diz Peterson:
Os leitores que permanecem convencidos de que a
interpretao dada pelo Novo Testamento sobre a pessoa e
obra de Cristo continua normativa para todas as geraes
continuaro a buscar os melhores mtodos para tornar o
Cristo do testemunho apostlico relevante para as pessoas
do nosso tempo e de vrias culturas.52
tudo que julga ser verdade nele, sem correr o risco de adotar categorias anti-crists.
Exatamente porque no reconhece que o nico verdadeiro conhecimento inato que todos
os homens tm em comum o conhecimento de Deus (um contedo especfico que
suprimido nos coraes dos homens cados, cf. Romanos 1), Boff permanece sem
qualquer base para uma confrontao tica direta entre o homem e Deus, e assim, ele
tambm permanece sem um critrio pelo qual venha a diferenciar a verdade do que
falso em um sistema como o marxismo.
no dois modos de conhecer (p. 31) Como Kant, Boff separa f e razo e as coloca em
dois planos distintos, para evitar a coliso entre ambas.
Duas crticas podem ser feitas a esta tentativa. Primeiro, o dualismo nmeno-fenmeno,
que a base para o dualismo f-razo aceito por Boff, no pode ser mantido luz das
Escrituras. O Deus da Bblia no permanece somente no domnio do nmeno ele
intervm e age tambm dentro do fenmeno. Uma distino entre f e razo no deve
ser forada ao ponto de provocar uma separao radical entre ambas. Boff insiste nesta
distino para enfatizar a prioridade da f na reflexo cristolgica. Porm, insistindo neste
ponto, Boff est puxando o tapete de debaixo dos prprios ps, pois, ao contrrio de
Bultmann, ele gostaria de ver uma continuidade entre o Jesus histrico e o Cristo da f.
Esta continuidade essencial para a sua cristologia, visto que sua reconstruo de Jesus
como libertador da condio humana supostamente derivada do Jesus histrico.
Segundo, ao adotar implicitamente a distino de Kant entre f e razo, Boff assume
outro postulado da filosofia moderna, a saber, a autonomia que o homem tem de, dentro
do domnio do fenomenal, conhecer e entender a realidade parte de Deus (o que
tambm chega bem perto da concepo catlica romana de revelao natural). Isto,
claro, vai de encontro ao ponto mais essencial da Escritura, isto , que Deus a condio
primria para o conhecimento do homem.
Tambm, estabelecendo esta distino, Boff permite uma transferncia de toda a reflexo
sobre a cristologia do Novo Testamento doutrinas como a encarnao, ressurreio,
propiciao e redeno (que Boff considera produtos da f dos apstolos) para o
nmeno, causando em ltima anlise uma separao entre elas e o Jesus histrico algo
que Boff no desejaria.
ENGLISH ABSTRACT
This article is an analysis of the hermeneutic of liberation theologian Leonardo Boff. Lopes
critically reviews Boffs most influential work, Jesus Christ Liberator, where his
hermeneutical assumptions and method are clearly exposed. According to Lopes, the
main hermeneutical assumptions of Boffs "liberation christology" are: the validity of the
NOTAS
1 Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador: Ensaio de Cristologia Crtica Para Nosso Tempo
(So Paulo: Vozes, 1972). A pesquisa para este artigo foi feita na sexta edio (1977).
Outras obras de Leonardo e Clodovis Boff aqui citadas foram pesquisadas na biblioteca do
Seminrio Teolgico Westminster (Filadlfia), onde os livros de Leonardo e Clodovis Boff
disponveis esto traduzidos para o ingls.
2 Suas duas ltimas publicaes nessa linha so A guia e a Galinha Uma Metfora da
Condio Humana (So Paulo: Vozes, 1997) e O Despertar da guia O Diablico e o
Simblico na Construo da Realidade (So Paulo: Vozes, 1998). Da sua fase ecolgica
temos Ecologia Grito da Terra, Grito dos Pobres (So Paulo: tica, 1996).
3 Bonaventure Kloppenburg, Temptations for the Theology of Liberation, Synthesis Series
n 65 (Chicago, 1974), 13.
4 O livro Hermenutica Bblica de J. Severino Croatto, telogo catlico, um exemplo de
uma hermenutica escrita dessa perspectiva: Hermenutica Bblica: Para Uma Teoria da
Leitura como Produo de Significado (So Paulo: Paulinas-Sinodal, 1986). O original foi
publicado em Buenos Aires: Ediciones La Aurora, 1984.
5 Isso no significa que Boff creia na literalidade da ressurreio de Jesus. Embora faa
freqentes menes ressurreio de Jesus em Jesus Cristo Libertador, ele no parece
acreditar numa ressurreio fsica e literal de Jesus. Ele insiste que no foi a revivificao
de um cadver mas a transformao radical e a transfigurao da realidade terrestre de
Jesus, a concretizao do Reino de Deus na vida de Jesus (p. 224), seguindo assim a
tendncia geral do liberalismo clssico de espiritualizar a ressurreio. Harvey Conn
comenta: "Boff no leva em conta o tmulo vazio. Aceita as aparies de Jesus aps a
morte como sendo trans-subjetivas, isto , as histrias das aparies testemunham de
um impacto que o mistrio imps aos discpulos" (Harvey Conn e Richard Sturz, Teologia
da Libertao, Coleo Pensadores Cristos [So Paulo: Mundo Cristo, 1984], 92).
6 Ver a resenha de Thomas Fingers sobre Jesus Cristo Libertador em Sojourners 11 (Maio
1982), 36-37.
7 Ver Conn e Sturz, Teologia da Libertao, 92.
8 Croatto, Hermenutica Bblica, 37-38. Outra obra mais recente na mesma direo
Philip R. Davies, In Search of "Ancient Israel," em Journal for the Study of the Old
Testament, Supplement Series 148 (Sheffield: JSOT, 1992).
9 Croatto, Hermenutica Bblica, 43.
10 Ibid., 65.
11 Ibid., 65-66.
12 Ver a anlise de Conn e Sturz, Teologia da Libertao, 91.
13 Praxis, do grego pra/ssw, significa fazer, agir, praticar ou exercitar um arte, uma
cincia ou uma habilidade. Na teologia da libertao, o termo usado para o
engajamento scio-politico da igreja em favor dos pobres e oprimidos.
14 Apenas como exemplo, nas notas referentes ao captulo sobre hermenutica, Boff
refere-se a diversas obras sobre o assunto, especialmente a G. Stachel, R. Marle, H.
Cazelles, F. Ferr, W. Kasper, R. Bultmann (Glauben und Verstehen), J. Moltmann, L.
Wittgenstein (Tractatus Logico-Philosophicus), H. D. Bastian e Hans Gadamer (Truth and
Method). Boff parece ter sido influenciado especialmente por Moltmann, Bultmann,
Wittgenstein e Gadamer. A influncia de Gadamer pode ter sido mais indireta, atravs do
irmo de Boff, Clodovis, que publicou o mais competente tratamento da metodologia
teolgica escrita por um latino-americano. Nesta obra ele usa extensivamente as idias
de pensadores como Bachelard, Bourdier, Gadamer, Habermas, Ricouer, Piaget, e
Foucault, bem como dos principais telogos modernos (Phillip Berryman, Liberation
Theology: Essential Facts about the Revolutionary Movement in Latin America and Beyond
[Nova York: Pantheon Books, 1987], 81). Ver ainda Conn e Sturz, Teologia da Libertao,
90.
15 Michael L. Cook, "Jesus from the Other Side of History: Christology in Latin America,"
Theological Studies 44 (1983), 258-287. Ver p. 269.
16 Ibid., 270. Ver tambm as crticas de Robert Kress, "Theological Method: Praxis and
Liberation," Communio 6 (1979), 132. Defendendo Boff, Ferm responde que tais crticas
no se justificam, desde que Boff deixa clara sua discordncia de pensadores europeus.
"A teologia da libertao no indivisvel, mas rica e variada" (Deane W. Ferm, Third
World Liberation Theologies - An Introductory Survey [New York: Orbis Books, 1986] 44).
Entretanto, apesar de discordar dos europeus, Boff utiliza-se profusamente do que
produziram.
17 Boff nega que a teologia da libertao tenha como mentores Bultmann ou Marx
(Leonardo Boff e Clodovis Boff, Liberation Theology: From Confrontation to Dialogue (San
Francisco: Harper & Row, 1986), 19-20. Apesar disso, a influncia do pensamento desses
46 Ibid., 32-33.
47 Miroslav Volf, "Doing and Interpreting: An Examination of the Relationship Between
Theory and Practice in Latin America Liberation Theology," Themelios 8:3 (1983), 11-12.
48 Ibid., 13.
49 Ibid., 14.
50 Frances Young, resenha de Jesus Christ Liberator, em Theology 84 (1981), 57-59.
51 Thomas Fingers, resenha de Jesus Christ Liberator, em Sojourners 11 (Maio 1982),
36-37.
52 David Peterson, resenha de Jesus Christ Liberator, em The Reformed Theological
Review 39:2 (1980), 49.
53 Ibid.
54 Young, resenha, 57-59.
55 Ver Cornelius Van Til, Doctrine of Scripture (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed
Publishing Co., 1967), 13.
56 Confira os argumentos de Cornelius Van Til, "My Credo," em Jerusalem and Athens,
ed. E. R. Geehan (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1971), 3.
57 Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology (Nutley, NJ: Presbyterian
and Reformed Publishing Co., 1974), 133-135.
58 Citado por James M. Robinson, no prefcio da obra de Albert Schweitzer, The Quest of
the Historical Jesus (Nova York: Macmillan, 1968), p.xvii.
59 Ver a anlise de Moiss Silva, Has the Church Misread the Bible? Foundations of
Contemporary Interpretation, vol. 1, ed. Moiss Silva (Grand Rapids: Zondervan: 1987),
111-118.
60 Nmenos, na filosofia de Kant, so "as coisas em si mesmas", que no podem ser
classificadas de acordo com o conhecimento humano. So as coisas que essencialmente
escapam ao conhecimento humano, em contraste com fenmenos, aquelas coisas que
so aparentes conscincia humana e objeto da experincia humana. O nmeno,
entretanto, mesmo no sendo perceptvel ao conhecimento e experincia humana, est
por detrs das coisas que aparecem (fenmenos), e a base da realidade.
61 Ver sobre isso C. Van Til, Christian Theory of Knowledge (Nutley, NJ: Presbyterian and
Reformed Publishing Co., 1969), 32.
62 Van Til, An Introduction to Systematic Theology, 24-26.
63 Ibid., 13.