A Criação Fantásticado Humano e o Conhecimento de Mundo: Contextos para o Estudo Da Obra Frankenstein de Mary Shelley
A Criação Fantásticado Humano e o Conhecimento de Mundo: Contextos para o Estudo Da Obra Frankenstein de Mary Shelley
A Criação Fantásticado Humano e o Conhecimento de Mundo: Contextos para o Estudo Da Obra Frankenstein de Mary Shelley
UEMS / 2005
DOURADOS MS
2005
SUMRIO
RESUMO........................................................................................
ABSTRACT.....................................................................................
1 INTRODUO.....................................................................................
2 FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY A OBRA............................................
2.1 O romance gtico e o romance de fico cientfica...........................................
2.2 Histria do romance Frankenstein.............................................................
2.3 Estrutura da obra Frankenstein.............................................................10
2.4 Anlise dos Personagens.......................................................................
2.5 Foco Narrativo em Frankenstein...............................................................
2.6 O Tempo e o Espao em Frankenstein........................................................
2.7 A Mitologia em Frankenstein...............................................................22
2.8 Filmografia.....................................................................................
2.9 A Intertextualidade presente em Frankenstein................................................
3 A CRIAO FANTSTICA DO HOMEM E O CONHECIMENTO DE MUNDO............
3.1 Conceito de Fantstico.........................................................................
3.2 A Criao Fantstica do Humano em Frankenstein...........................................
3.3 Conhecimento de Mundo......................................................................
4 CONSIDERAES FINAIS.......................................................................
REFERNCIAS.................................................................................
RESUMO
ABSTRACT
Frankenstein, the work, talks about the history of the mans creation by the man and its
consequences. Using a series of fantastic resources, this is considered a Gothic novel; however,
the work goes beyond: it can be characterized as one of the first scientific novels of the history
that also studies more deeply the human relationships. Parallels to the Bible, John Milton's Lost
Paradise and the history of Prometheus don't lack, therefore they all have the thematic of life
and mans degradation, and as well as all those mentioned works, Frankenstein also has a
morals that could be: the society (or humanity), with its addictions and prejudices, destroys
mans virtues. In Kenneth Brannaghs adaptation for the movies, the Creature asks Victor, its
Creator: "Who were these people that form me? Good people? Bad people?... You gave me life,
and later you left me so that I died... Who am I?... Do you think I am bad?". This is the reason
why Man's Fantastic Creation and the Knowledge of World are analyzed in this work, for it
goes through the whole series of values and concepts formed during the history of humanity'
and Frankenstein becomes possible to find the key, or the answer, for mens actions, mens
creations, mens discoveries and mens selfishness.
1 INTRODUO
Quando Mary Shelley teve o lampejo de construir sua histria espetacular sobre a vida
de um cientista e o ser por ele criado, apenas como um passatempo, num castelo prximo aos
Alpes Suos no ano de 1816, mal sabia ela que sua obra se tornaria, ao longo da histria da
humanidade, uma verdadeira premonio dos tempos futuros, nos quais Deus no mais
precisaria estar no posto de Criador, mas que competiria com a criao do homem pelo homem.
Frankenstein, a obra, conta a histria de um homem obcecado pela busca da verdade e
pelas possibilidades que a cincia lhe oferece. Prottipo do cientista louco, Victor Frankenstein
deixa-se levar, sozinho e cada vez mais afastado da sociedade, por todos os caminhos que a sua
curiosidade cientfica procura. Buscando compreender os mecanismos mais profundos da vida,
Victor acaba por dar origem ao seu monstro (que lhe vai roubar o nome no imaginrio popular),
que passa a assombr-lo e no fim o leva destruio pessoal, ao destruir tudo o que lhe caro.
A dramaticidade, a eloqncia, a seriedade e a criatividade com que Mary Shelley
comps Frankenstein so citadas por todos os seus analisadores. E, principalmente, o fato de
uma mulher ter composto um texto narrativo gtico, com a finalidade de despertar horror no
corao a torna a pioneira nas histrias de suspense e fico cientfica que chegam at os dias
atuais.
Desnecessrio tambm catalogar quantas filmagens foram feitas utilizando os
personagens dessa histria, mas, uma que perdura, justamente por procurar respeitar a
Quanto s circunstncias em que a obra foi criada, vale lembrar que ele aconteceu
quase de maneira casual. Conforme nos relata Harold Bloom (2002, p. 262), Mary Shelley e seu
marido Percy estavam passando o vero de 1816 s margens de um lago na Sua e tinham
como vizinho o poeta Lord Byron1. Durante as noites ou quando o tempo no estava propcio
aos passeios, os amigos reuniam-se para ler histrias alems de fantasmas e discutirem teorias
cientficas que estavam em propagao naquela poca, como, por exemplo, o galvanismo2 e as
experincias do Dr. Erasmus Darwin (av de Charles Darwin) no campo das leis da vida
orgnica. No fulgor das discusses, eles chegaram a cogitar a possibilidade de se reanimar um
cadver.
Para passar o tempo, Byron props que cada pessoa presente (ele prprio, seu amigo
Polidori e os Shelley) escrevesse uma histria fantasmagrica. Sob a influncia das histrias
lidas e das discusses filosficas e cientficas, Mary Shelley conforme ela mesma diz, viu em
uma noite que estava com insnia a cena principal de sua histria: um jovem cientista
apavorado diante da criatura disforme que acabara de dar vida. No outro dia, Mary disse aos
seus amigos que tinha pensado em uma histria e escreveu um conto de poucas pginas que se
iniciava com a frase: It was on a dreary night of November [...] (SHELLEY, 1996, p. 25)3
que, na verso definitiva da obra, est localizada no incio do captulo V, pgina 25, onde
justamente a Criatura recebe a vida. Entusiasmados com o que leram, os amigos, e
principalmente o marido, incentivaram-na a transformar aquele conto num romance, que foi
publicado pela primeira vez em 1818. A idia de Mary Shelley foi a melhor que surgiu no grupo
naquele momento e a nica que foi concluda.
Lord Byron: George Gordon Noel Byron (1788-1824) considerado o principal expoente do movimento maldo-sculo, na lngua inglesa; sua vida repleta de momentos intensos caracterizam a postura do homem
romntico. autor do clebre Don Juan, bem como Beppo: Uma Histria Veneziana e inmeros poemas
(BURGESS, 1999, p. 187).
2
Galvanismo: conjunto de fenmenos de natureza eletroqumica que se passam em sistemas constitudos por
metais diferentes postos em contato com eletrlitos (SILVA; FRIEDMAN, 2005).
3
Traduo: Era uma noite lgubre de Novembro (SHELLEY, 2002, p. 65).
Depois de alguns dias de repouso no navio, Victor Frankenstein decide contar a sua
histria para o capito, com a finalidade de no deixar que a busca desenfreada pelo
conhecimento e sabedoria arruinasse a vida de Walton.
Victor conta sua vida desde quando era pequeno. Relata como sua amada Elizabeth
entrou para a famlia; como procurava descobrir a origem das coisas; a morte de sua me e o
desejo dela de que Victor e Elizabeth se casassem. Antes de se casar, no entanto, Victor vai para
a universidade em Ingolstadt estudar medicina. Aps dois anos de estudo, decide estudar
Fisiologia e descobre como animar a matria sem vida devido s conseqncias catastrficas
de tal descobrimento, Victor no especifica este segredo:
I was surprised that among so many men of genius, who had directed their
inquiries towards the same science, that I alone should be reserved to
discover so astonishing a secret5 (SHELLEY, 1990, p. 23).
Traduo: Disse-me ento que comearia sua narrativa no dia seguinte, quando eu estivesse de folga [...] esse
manuscrito, sem dvida, proporcionar a voc um enorme prazer; para mim, porm, que o conheo e que ouo
tudo de seus prprios lbios com que interesse e simpatia hei de l-lo em algum momento, no futuro!
(SHELLEY, 2002, p. 32-33).
5
Traduo: Surpreendi-me de que, entre tantos homens de gnio que haviam dirigido suas indagaes no
mesmo sentido, a mim apenas estivesse reservada a revelao de um segredo to espantoso (SHELLEY, 2002,
p. 59).
Ento constri com parte de cadveres, um ser gigantesco e lhe d vida. Quando a
Criatura abre os olhos e respira, percebe que infundiu vida num ser que lhe causa horror e
repulsa. Victor ento cai num sono repleto de pesadelos; ao despertar, v a face horrenda da
Criatura a lhe contemplar; sai correndo desesperadamente pela noite chuvosa e s pra quando
encontra, descendo de uma carruagem, o amigo de infncia, Henry Clerval, que veio estudar em
Ingolstadt. Eles vo casa de Victor, o qual fica to contente em no mais encontrar a Criatura
que tem um ataque de riso, muito prximo loucura, e desmaia. Victor fica acamado durante
alguns meses, tendo, como enfermeiro, Henry.
Ao ter a sade restabelecida, Victor comea a estudar Literatura juntamente com
Henry. Um dia, recebe a notcia de que William, seu irmo mais novo, estava morto. Ele retorna
imediatamente a Genebra. Ao chegar, impossibilitado de entrar porque era tarde da noite e os
portes da cidade j estavam fechados. Ento, visita o lugar onde seu irmo foi morto. L v a
Criatura e logo deduz que ela a responsvel pela morte de William. Ao chegar em casa, seu
irmo Ernest diz que Justine Moritz era culpada pela morte da criana, porque a jia que ele
estava usando naquele dia foi encontrada em seu poder. Justine foi julgada e condenada ao
cadafalso pelo crime.
Melanclico com a morte de Justine, Victor vai passear pelas montanhas e encontra a
Criatura; ela implora a Victor que oua a sua histria. Esse, movido pelo remorso, decide ouvila: aps receber vida, vendo-se sozinha no laboratrio, a Criatura pega algumas roupas e segue
para a floresta. Ali, aprimora seus sentidos e aprende algumas coisas, como, por exemplo, a
utilidade do fogo. Devido escassez de comida, muda-se dali e refugia-se sob uma cabana.
Nesse lugar, a Criatura observa, atravs de uma fenda na parede, o comportamento de seus
moradores. Uma famlia composta por um velho cego, de nome De Lacey, e seus filhos Flix e
gata. Eles viviam em Paris e tiveram seus bens confiscados porque Flix auxiliou um
comerciante turco a fugir da priso por acreditar em sua inocncia. O turco, em gratido,
prometeu-lhe a mo de sua filha Safie. No entanto, aps a fuga, o turco volta para sua terra natal
e tenta levar a filha com ele, mas a moa foge para viver junto ao seu amado. Como ela no
sabia falar a lngua inglesa, Flix comea a ensinar-lhe o idioma. Atravs dessa fresta, a
Criatura assiste s aulas e aprende a falar. Logo depois, encontra uma pasta com alguns livros e
toma conhecimento da leitura e da escrita. Nessa poca, encontra, entre as roupas que trouxera
do laboratrio, o dirio de Victor. Por meio dele, descobre a sua origem, quem era seu criador e
passa a odi-lo. Esse dio aumenta quando a Criatura sente-se rejeitada pelos homens; primeiro,
ela tenta uma aproximao com o velho De Lacey (que a acolhe carinhosamente), mas Flix o
espanca e foge com sua famlia da cabana; em seguida, aps salvar uma criana da morte,
ferida pelo homem que a acompanhava.
Depois de se recuperar, a Criatura segue para Genebra, na esperana de encontrar seu
criador. Um dia, enquanto descansava, v um menino brincando na floresta. Ela acredita que
aquela criana, por ser inocente, no iria rejeit-la. Movida por esse impulso, agarra o menino,
que comea a gritar que seu pai, o Sr. Frankenstein, a castigaria. Ao ouvir esse nome, a Criatura
mata o garoto. Logo depois, encontra uma jovem adormecida num celeiro e coloca em sua
roupa a jia que retirou do garoto.
Ao terminar sua histria, a Criatura pede a Victor para criar uma fmea para lhe fazer
companhia. Victor concorda com essa idia, desde que eles deixem para sempre os lugares
habitados pelo homem. Por sentir repulsa em desenvolver seus trabalhos em casa, vai
Inglaterra. Nessa viagem, tem a companhia de Henry; no entanto, Victor desvencilha-se dele e
vai para uma ilha quase deserta montar seu laboratrio.
Aps construir o novo ser, Victor percebe que est cometendo outro erro e o destri
antes de lhe dar vida. Isso desperta a ira vingativa da Criatura, que promete acompanh-lo em
sua noite de npcias. Victor abandona a ilha e, aps adormecer num barco que tomou para se
desvencilhar do cadver, aporta na Irlanda. L, acusado da morte de um homem, ningum
menos que o seu amigo Henry. Ao ver o corpo, desespera-se e cai em coma profundo. Aps
recuperar a sade, Victor absolvido das acusaes e volta a Genebra para se casar com
Elizabeth. Desta forma, determinaria seu futuro: ou morreria ou destruiria a Criatura.
Aps o casamento, o casal segue para sua noite de npcias. Victor arma-se e aguarda
que a Criatura venha ao seu encontro. Enquanto inspecionava a hospedaria, ouve um grito
terrvel. Ele corre at o quarto e encontra Elizabeth morta no leito nupcial. Atravs das vidraas,
v a figura sinistra da Criatura. Victor saca a sua arma, atira, mas ela consegue sumir no lago.
Depois disso, seu pai adoece e morre de desgosto.
Movido pela vingana, Victor passa a perseguir a Criatura por vrias partes do mundo;
sofre muito durante essa perseguio, que s acaba quando fica preso num bloco de gelo no mar
e salvo por Robert.
Assim termina a narrativa de Victor Frankenstein. O que segue foi descrito por Walton.
Vrias vezes, o capito tenta arrancar informaes sobre a criao da Criatura, mas o cientista
sempre se nega a dar tal informao. A sade de Victor foi piorando a cada dia, at culminar
com a sua morte. Na noite em que isso ocorreu, Walton entra na cabina onde estava o corpo e se
depara com a Criatura chorando abraada ao cadver. No entanto, agora tarde para
lamentaes, como ele mesmo diz. A Criatura promete rumar para o Norte, onde acenderia sua
pira funerria e, assim, encontraria seu fim. Dizendo isto, salta do navio e desaparece na
escurido infinita.
10
que ainda hoje continuam sem resposta, e onde se abriram portas para todas as dvidas sobre o
lugar que a busca pelo conhecimento deve ter na sociedade humana, dvidas que atravessaram a
fico cientfica desde os seus primrdios at atualidade, e que so hoje uma preocupao
muito real e concreta das sociedades modernas. Ser que a busca pelo conhecimento, um fim
em si mesmo, ter de ter limites, ser que as conseqncias previsveis so compensadas pelas
recompensas possveis?
Shelley levanta as questes, mas no lhes d respostas definitivas, ainda que seja bvio o
lado para que pende: o monstro um criminoso, mas no um criminoso sem corao. Limitase a reagir s injustias e ofensas de que foi vtima. Assim sendo, quem o maior criminoso? O
monstro, ou Frankenstein, que lhe deu vida e depois o repeliu, repugnado pela sua fealdade?
No fim das contas, para Michel Jalil Fauza (2005), em Frankenstein tem-se uma fbula
acerca da responsabilidade humana perante a sociedade como um todo e perante cada um dos
seus componentes, uma grande parbola acerca dos atos que se praticam e das suas
conseqncias, e que mostra como a vida toma rumos inesperados devido, por vezes, a
pequenas coisas. Escusado ser dizer que uma obra-prima, um grande livro de fico
cientfica e um timo exemplo do que a fico cientfica pode ser quando usada de forma sria.
Estruturalmente, o livro possui quatro cartas iniciais, vinte e quatro captulos e pode
ser dividido da seguinte maneira conforme Antonio Carlos Pinho Silva e Ablio Friedman
(2005):
Introduo do incio at o final do captulo IV. A temos:
11
a morte da me de Victor;
Complicao captulo V.
A complicao ocorre no momento em que Victor d vida a sua Criatura.
12
Victor nasceu em Genebra como o filho primognito de uma famlia distinta. Como ele
mesmo descreve em sua histria, teve uma infncia muito agradvel, graas aos pais carinhosos
e indulgentes e Elizabeth. Desde criana ele j possui um temperamento agitado, paixes
veementes e sede por conhecimento. Seu primeiro interesse a poesia, mas depois de certo
tempo focaliza suas atenes cincia. Este interesse em breve se torna uma obsesso: ele se
dedica completamente a aprender os segredos do cu e da terra. Sua obsesso diagnosticada
por mudanas radicais de carter e de sade. Ele muda de um homem sensvel e saudvel para
se tornar um egosta, doentio e que se afasta da amada e da famlia durante alguns anos. Depois,
Victor alega que foi enganado por uma paixo e que estava sobre o jugo da: Evil influence,
the Angel of Destruction, which asserted omnipotent sway over me from the moment I turned
my reluctant steps from my father's door6 (SHELLEY, 1996, p. 19).
apenas depois da criao do monstro que Victor passa a pensar nas conseqncias
dos seus atos. A obsesso o havia cegado, aparentemente antes de concluir sua obra. No entanto,
segundo Cynthia Hamberg (2005), ele no leva a culpa pelo que aconteceu. De fato, parece
ansioso para esquecer isto de qualquer forma, mas fica claro que a Criatura no o deixar
esquecer.
Traduo: Demonaca influncia do Anjo da Destruio que me dominou desde o instante em que,
relutantemente, eu me afastei dos degraus da porta da casa de meu pai (SHELLEY, 2002, p. 51).
13
Depois que a Criatura lhe conta sua histria, Victor sente um pouco de compaixo, a
ponto de sentir, at mesmo, responsabilidade pela sua criao. Porm, a responsabilidade de um
ser humano da sua categoria eventualmente desaparece, e ele decide, ao final, no acatar ao
pedido da Criatura. Esse sentimento de compaixo pela Criatura desaparece totalmente quando
Elizabeth assassinada. A nica coisa que Victor passa a sentir o dio. O nico propsito de
sua vida ser exclusivamente matar ao ser que deu vida e vingar sua famlia.
No final de sua vida, o dio violento desaparece, mas Victor permanece to
determinado quanto antes. Isto resulta em algumas aes contraditrias e comentrios que faz.
Por um lado, o fato de contar sua histria, pode ser algo positivo. Fazendo isto, ele assegura que
a histria real e serve de advertncia para as geraes futuras. Isto leva concluso que ele
descobriu seu erro e que finalmente se responsabilizou pelos seus atos. Mas, por outro lado, h
o episdio em que a tripulao do navio de Walton exige a volta para a sua terra natal, e Victor
responde a este fato com um discurso emocionante e apaixonado. Entre outras coisas, ele acusa
aos homens de covardia e fraca ndole. Se eles iriam abandonar a expedio, que voltassem para
casa com um estigma de desgraa. Julgando por este comentrio, Victor no apreendeu muito
da sua provao; aparentemente, ainda sente que as pessoas deveriam colocar seus sentimentos
e desejos acima de tudo. Este um raciocnio interessante da natureza egosta de Victor.
Outro exemplo de seu egosmo, retratado por Antonio Carlos Pinho Silva e Ablio
Friedman (2005), a maneira como ele lida com as ameaas da Criatura. bvio que a Criatura
quer feri-lo; desta forma, Victor acredita que apenas ele quem ela quer eliminar. Porm,
parece claro que a melhor forma de atingir Victor ferir as pessoas que ele ama. Isto
exatamente o que faz a Criatura ao exterminar sua famlia e seus amigos. Assim, Victor no
percebe isto; se ele tivesse percebido, teria protegido mais a Elizabeth, por exemplo.
Essencialmente, h duas formas de Victor escapar da vingana da Criatura: uma forma matar a
Criatura. Victor tenta, mas a Criatura sempre escapa; outra forma seria sacrificar a sua vida em
14
troca das vidas dos amigos e familiares, em outras palavras, suicidar-se. Desta forma, Victor
teria como se vingar da Criatura; esta ttica poderia ter sido trabalhada no final do livro. Este
modo drstico de parar com os assassinatos da Criatura no passa pela mente de Victor, no
entanto, ele no tem medo de morrer. Alis, quando estava adoentado, com febre, ele mesmo
deseja estar morto: Soon, oh! Very soon, will death extinguish these throbbings, and relieve me
from the mighty weight of anguish that bears me to the dust; and, in executing the award of
justice, I shall also sink to rest7 (SHELLEY, 1996, p. 98-9).
Antagonista A Criatura
A primeira aparncia da Criatura, que permanece sem nome, descrita por seu criador,
ela construda de vrios corpos diferentes:
His yellow skin scarcely covered the work of muscles and arteries beneath;
his hair was of a lustrous black, and flowing; his teeth of a pearly whiteness;
[] his watery eyes, that seemed almost of the same colour as the dun white
sockets in which they were set, his shrivelled complexion and straight black
lips8 (SHELLEY, 1996, p. 26).
Traduo: Breve, muito breve a morte extinguir essas palpitaes e me aliviar da pesada carga de angstia
que me conduzir ao p e, cumprindo a deciso da justia, eu tambm deverei mergulhar no repouso eterno
(SHELLEY, 2002, p. 212).
8
Traduo: Sua pele amarela mal cobria o relevo dos msculos e das artrias que jaziam por baixo; seus
cabelos eram corridos e de um negro lustroso; seus dentes, alvos como prolas; ... seus olhos desmaiados, quase
da mesma cor cinzenta das rbitas onde se cravavam, e com a pele encarquilhada e os lbios negros e retos
(SHELLEY, 2002, p. 65).
15
hbitos. Ao ler romances como o Paraso Perdido de John Milton, comea a desejar conhecer
sobre a sua origem e porque a sua aparncia a isola dos outros: I was apparently united by no
link to any other being in existence9 (SHELLEY, 1996, p. 67). Claro est que ela almeja um
pouco de bondade, proteo e companhia. Estes desejos se tornam mais evidentes at mesmo
quando l o dirio que Victor manteve durante sua criao. Atravs da leitura, percebe que seu
criador no ficou contente por t-la criado, isso a faz se sentir mais s e rejeitada at por ela
mesma.
Apenas quando se convence da bondade dos De Lacey, que decide se aproximar para
fazer um contato pela primeira vez. A sua conversa inicial com o velho De Lacey muito
positiva; isto acontece, principalmente, pelo fato do velho ser cego e, desta forma, o
aparecimento da Criatura no pode levar a qualquer idia preconceituosa. Inesperadamente, os
demais familiares retornam ao lar, e a Criatura expulsa da casa. Ainda assim, ela se recusa a
pensar mal deles e se culpa por ter sido descoberta. Apenas quando ela descobre que a famlia
fugiu apavorada da choupana que comear a nutrir sentimentos negativos como o dio e a
vingana. Estes sentimentos no so dirigidos famlia De Lacey, mas sim, para o seu criador.
Posteriormente, ela declara que as matanas no lhe fizeram bem. Alega que era: the
slave, not the master, of an impulse which I detested, yet could not disobey10 (SHELLEY, 1996,
p. 121), um estado que se assemelha ligeiramente com a obsesso de Victor pela cincia. A
Criatura, da mesma forma que Victor, chega a um ponto onde no nutre outro sentimento alm
do dio. Quando v que sua ltima vtima, Victor Frankenstein, est morto, mostra remorso. Ela
agora aceita que nunca haveria possibilidade de: pardoning my outward form, would love me
for the excellent qualities which I was capable of unfolding11 (SHELLEY, 1996, p. 121), com
9
Traduo: Aparentemente, eu no possua liame algum com qualquer outra criatura viva (SHELLEY, 2002,
p. 150).
10
Traduo: O escravo, e no o senhor, de um impulso que, embora detestasse, no podia deixar de obedecer
(SHELLEY, 2002, p. 256).
11
Traduo: Perdoando a minha forma exterior, me amassem pelas excelentes qualidades que era capaz de
revelar (SHELLEY, 2002, p. 258).
16
um imenso rancor, promete a Walton: consume to ashes this miserable frame para que as
curiosas geraes do futuro no criem such another as I have been12 (SHELLEY, 1996, p.
122).
Walton era um jovem aventureiro que pretendia desvendar os mistrios do Plo Norte.
Teve sua viagem financiada por uma herana que recebeu de um primo. Nunca se dedicou aos
estudos, mas sempre gostou muito de ler. Seu pai morreu numa viagem martima. por meio de
suas cartas, destinadas irm Margaret, tomadas enquanto Victor estava enfermo em seu navio,
que se conhece a histria de Victor Frankenstein e a sua Criatura.
rf muito cedo, vive com uma famlia de camponeses em Milo antes de ser adotada
pela famlia Frankenstein. Eles a levam para Genebra, onde ela iniciada em seus costumes.
Desde o momento que Elizabeth entrou na casa, j estava certo que ela seria esposa de Victor.
Este sempre achou que ela era realmente sua propriedade, ou seja, o matrimnio era algo
inevitvel: No word, no expression could body forth the kind of relation in which she stood to
me--my more than sister, since till death she was to be mine only13 (SHELLEY, 1996, p. 14).
Uma clara descrio do surgimento de Elizabeth apresentada quando seus futuros
pais adotivos a vem pela primeira vez:
This child was thin, and very fair. Her hair was the brightest living gold, and,
despite the poverty of her clothing, seemed to set a crown of distinction on
her head. Her brow was clear and ample, her blue eyes cloudless, and her
lips and the moulding of her face so expressive of sensibility and sweetness,
that none could behold her without looking on her as of a distinct species, a
12
Traduo: Reduzirei a cinzas este corpo miservel...outro ser igual a mim (SHELLEY, 2002, p. 259).
Traduo: Nenhuma palavra, nenhuma expresso poderiam incorporar melhor o tipo de parentesco que ela
representava para mim mais do que irm, j que at a morte ela deveria ser apenas minha (SHELLEY, 2002,
p. 39).
13
17
Henry o nico amigo de Victor. difcil determinar porque eles so to amigos, pois
a relao parece um pouco unilateral, na opinio de Cynthia Hamberg (2005). Ao longo do
livro, Henry acompanha seu amigo: cuida da sua sade e o acompanha em suas viagens.
Henry e Victor tm personalidades opostas. evidente que Victor admira a
sensibilidade de Henry, a imaginao entusistica e a gentileza. Ao contrrio de Victor, Henry
est mais interessado em literatura (canes hericas, livros de cavalheirismo e romances),
estudo da lngua e da natureza. Embora Henry tambm tenha uma mente questionadora e esteja
ansioso por obter experincia e instruo, nunca deixa isso interferir em suas relaes pessoais.
No romance, declarado que Henry tem uma percepo aguda dos outros; por causa
disto e pela frgil sade de Victor, Henry sente que h algo de terrivelmente errado acontecendo
com o amigo. Mas, sendo leal, nunca pergunta a Victor sobre isto, pois bvio que este no
quer compartilhar seu problema. Para Antonio Carlos Pinho Silva e Ablio Friedman (2005),
14
Traduo: Esta era esguia e muito bela. Seu cabelo era vvido e brilhante como o ouro, parecia ostentar uma
coroa de distino sobre a cabea. Sua fronte era larga, seus olhos azuis sem uma nvoa, os lbios e o contorno
do seu rosto exprimiam tanta sensibilidade e doura que ningum podia contempl-la sem ver nela uma origem
distinta, um ser enviado pelo cu, com a marca celestial em todas as suas feies (SHELLEY, 2002, p. 38).
18
talvez, se Victor tivesse dividido seu segredo ao amigo em quem tinha tanta confiana, Henry
no teria pago o preo mais caro por sua amizade.
Sendo uma pessoa atenciosa, Caroline, como uma adolescente, cuida de seu pai
gravemente doente durante vrios meses. As circunstncias so difceis para ela, mas sua
coragem a tira das dificuldades. Ela trabalha arduamente e faz pequenos trabalhos manuais para
ajudar no oramento.
Depois que se casa com Alphonse Frankenstein, as finanas no mais lhe preocupam;
ela se torna um anjo da guarda dos menos afortunados. Ela delicada, sensvel e indulgente
com seus filhos, em resumo, uma me perfeita. A descrio de Caroline pode ser comparada
15
Traduo: Tomara todas as precaues para que minha mente no se impregnasse de horrores sobrenaturais.
No me lembro de haver me arrepiado ante um conto de superstio ou haver temido o aparecimento de um
esprito. A escurido jamais me perturbou, e um cemitrio nada mais era para mim do que o receptculo de
corpos privados de vida, que depois de terem sido sede da beleza e da fora, se haviam transformado em
alimento dos vermes (SHELLEY, 2002, p. 59).
19
Irmo mais novo de Victor, criana meiga e alegre que foi assassinada pela Criatura
quando passeava na floresta.
Irmo de Victor; rapaz forte e vigoroso que aspirava entrar para o servio militar; sua
ltima apario na obra foi no julgamento de Justine.
Veio morar com a famlia Frankenstein quando tinha doze anos; uma garota muito
humilde e perturbada pela me que era insana, mas sempre atenta s necessidades da famlia
que a acolheu. Foi acusada injustamente pela morte de William. No entanto, seu confessor a
assediou e ameaou-a de tal forma que ela confessou um crime que no cometera e morreu no
cadafalso como assassina.
20
Robert Walton - My affection for my guest increases every day, he excites at once
my admiration and my pity to an astonishing degree16 (SHELLEY, 1996, p. 09).
Apesar de existir, na obra, uma certa ordem de narrativa, segundo Antonio Carlos
Pinho Silva e Ablio Friedman (2005), o tempo que predomina o psicolgico, uma vez que
Victor, na maior parte da histria, relata a Robert Walton a sua histria de infortnios, para que
16
Traduo: Aumenta a minha estima pelo hspede, na razo direta da minha admirao e da minha piedade
(SHELLEY, 2002, p. 29)
17
Traduo: Como posso descrever minhas emoes ante aquela catstrofe? (SHELLEY, 2002, p. 65).
18
Traduo: com muita dificuldade que me lembro dos primeiros tempos da minha existncia. Todos os
acontecimentos daquele perodo esto encobertos pela nvoa do tempo e me parecem confusos e indistintos
(SHELLEY, 2002, p. 119).
21
sirva de exemplo ao jovem capito e ele, na sua nsia por conhecimento, no cometa um erro
semelhante ao seu.
A maior parte da histria se passa em Genebra e Ingolstadt. Embora existam vrias
descries de montanhas, vales, rios e vegetao abundante, as cenas de maior tenso ocorrem
em lugares fechados e at macabros:
o encontro entre Victor e a Criatura d-se numa cabana no alto das montanhas;
22
barro do cho, umedeceu-o com gua e esculpiu a massa, at obter as feies iguais de um
deus. Inspirado nessa primeira esttua, modelou muitas outras. Em seguida, insuflou-lhes a
fidelidade do cavalo, a fora do touro, a esperteza da raposa, a avidez do lobo. Minerva fez as
novas criaturas sorverem algumas gotas de nctar e elas adquiriram o esprito divino: estava
criada a raa humana.
Algum tempo depois, num banquete em que um boi seria dividido entre os Olmpicos
e os homens, Prometeu encarregou-se de fazer a partilha. De um lado, ps a carne e as
entranhas do animal; de outro, apenas os ossos disfarados sob gordura branca. Jpiter escolheu
a segunda parte. Ao verificar que fora vtima de um ardil, encolerizou-se contra Prometeu e os
mortais. Para puni-los, escondeu-lhes o fogo, ltimo elemento que lhes faltava para
desenvolverem uma civilizao. Para ajudar o ser humano, Prometeu subiu ao Olimpo e roubou
o fogo de Zeus; a partir deste instante, definitivamente, as pessoas foram diferenciadas dos
animais, no momento em que receberam o fogo dos deuses e desenvolveram as habilidades de
criar armas e ferramentas. Enganado mais uma vez, Jpiter, para vingar-se, mandou Pandora
terra para espalhar toda a sorte de desgraas entre os homens e acorrentou Prometeu no cume do
monte Cucaso, onde abutres iam todos os dias comer-lhe o fgado imortal. Apesar do
sofrimento, o tit manteve a sua atitude de revolta. Desafiou Jpiter, declarando que sabia um
segredo sobre a sua deposio. Passados trinta anos, ou trinta sculos, Jpiter permitiu que
Hrcules libertasse Prometeu. Este revelou um orculo20, segundo o qual, se Jpiter esposasse
Ttis, ela teria um filho que o destronaria.
Esta narrao mitolgica, para Alexander Martins Vianna (2005), tambm recorre
plasticidade com que Prometeu criou o ser humano atravs do barro; esse mito, infundido em
conjunto com o fogo que Prometeu tinha roubado, torna-se o fogo da vida com que ele animou
suas esttuas.
20
Orculo: divindade que responde a consultas e orienta o crente. (SILVA; FRIEDMAN, 2005).
23
Por causa do aspecto de criao, segundo Cynthia Hamberg (2005), Prometeu tornouse um smbolo para a criao artstica do sculo XVIII. Victor Frankenstein, por exemplo, pode
realmente ser visto como o Prometeu moderno. Ele desafia aos deuses (ou a Deus) quando cria
a vida. No instante da criao, ele toma o lugar de Deus e se torna o criador. Da mesma forma
que Prometeu, Victor castigado por suas aes. No entanto, castigado por sua prpria
Criatura, ao contrrio do tit, que foi castigado pelos deuses.
2.8 Filmografia
Como todo grande livro, Frankenstein j teve vrias verses cinematogrficas, sendo
um dos mais adaptados em toda a histria do cinema, somando a marca de 110 produes
(FRANCO, 2005), entre as quais se destaca o clssico de 1921, dirigido por James Whale, tendo
Boris Karloff no papel da Criatura e imortalizando seu rosto (como podemos constatar atravs
do desenho de capa da edio de 2002 da editora L&PM Pocket). Alguns desses filmes no
foram fiis estrutura da obra criada por Mary Shelley e ligaram o nome Frankenstein
Criatura e no ao criador; outros, como a verso do ingls Kenneth Brannagh, Mary Shelleys
Frankenstein, de 1994, procuraram manter o esprito da obra, sendo esta a adaptao mais fiel
para o cinema, estudando com afinco as referncias citadas no livro.
A obra de Brannagh, justamente por ater-se ao texto original, d uma clara dimenso
do embate entre criador e Criatura, entre a cincia e a religio, temas to presentes no momento
atual devido s polmicas descobertas cientficas. Como nos relata Joo Lus Almeida Machado
(2005), algumas das questes que esto em pauta no debate acerca da clonagem aparecem na
trama do Dr. Frankenstein (mas estudar-se- mais aprofundadamente estas questes na prxima
unidade). Debates de carter filosfico rondam o texto e transparecem nas telas. Afinal, o que
motivou a criao desse temvel monstro? Se ele foi criado, o que motivou seu criador a rejeit-
24
lo de forma to veemente? Devem ser criados limites para a ao da cincia? A criao da vida
no apenas atributo de Deus? Os homens, imperfeitos como so, no devem restringir suas
aes e acatar os desgnios de Deus? Observando estas indagaes e tendo como base o livro, o
filme tenta respond-las.
A verso cinematogrfica de 1994 conta com a escalao de um elenco brilhante e que
realmente d vida aos personagens do livro de Mary Shelley: alm de dirigir, Kenneth Brannagh
tambm atua no filme, fazendo o papel do atormentado Dr. Frankenstein; Robert de Niro, como
a Criatura, concede uma maior expressividade e dramaticidade figura do monstro; tm-se
ainda outros nomes como Aidan Quinn, Helena Bonham Carter e John Cleese.
Sem dvida alguma, uma das passagens mais marcantes do filme o dilogo
estabelecido entre Victor e a Criatura no interior de uma caverna no rtico; apesar da adaptao
feita pelos roteiristas na fala da Criatura, a mesma repleta de uma intensa filosofia e
romantismo. Nesta ocasio, a Criatura questiona seu criador pela morte de Willie e Justine, pois
sua culpa o fato dela no saber usar adequadamente as capacidades que possui. Pergunta se ela
tem alma ou se o criador se esqueceu disso: Quem eram estas pessoas que me formam?
Pessoas boas? Pessoas ms?... Voc me deu vida, e depois me abandonou para que eu
morresse... Quem sou eu?... Acha que eu que sou mau?
Diante de tal argumentao, Victor sente-se totalmente impotente e comovido, como se
fosse assumir a sua responsabilidade pelo ser que criara; mas, devido ao seu prprio egosmo,
v-se que, no transcorrer da histria, ele acredita que a Criatura tem um forte poder
argumentativo, mas que no passa de uma armadilha. A adaptao cinematogrfica utiliza, com
um senso acurado, os espaos fechados e abertos, o jogo do claro e do escuro, e a trilha sonora
envolvente. Neste trabalho de anlise, sero desenvolvidos argumentos tendo como base esta
verso, que se encaixa perfeitamente no estudo da fantstica criao do homem e do seu
conhecimento de mundo.
25
26
21
Traduo: Quando voltei para casa, meu primeiro cuidado foi procurar toda a obra daquele autor e, depois, as
de Paracelso (SHELLEY, 2002, p. 43)
27
this enlightened and scientific age, to find a disciple of Albertus Magnus22 (SHELLEY, 1996,
p. 19).
Cornelius Agrippa: foi um mago que viveu na Renascena, adotou o nome de Agrippa
em homenagem ao fundador de sua cidade natal na Alemanha. Trabalhou como mdico,
advogado, astrlogo e com curas atravs da f. Mas fez tantos inimigos quanto amigos e foi
acusado de feitiaria. Em 1529, publicou um livro chamado Sobre a Filosofia Oculta, valendose de textos hebraicos e gregos para argumentar que a melhor maneira de chegar a conhecer a
Deus era por meio da magia. A Igreja declarou-o um hertico e o prendeu. Agrippa foi uma das
inspiraes de Goethe para escrever a pea Fausto, na qual um homem de cincia faz um pacto
com o diabo segundo Nelson Ascher (2004, p. 14). Seu nome tambm um termo para designar
um livro de magia muito especial, cortado em forma de pessoa. Ele tambm inspirou Mary
Shelley na composio do carter de Victor Frankenstein:
In this house I chanced to find a volume of the works of Cornelius Agrippa. I
opened it with apathy; the theory which he attempts to demonstrate, and the
wonderful facts which he relates, soon changed this feeling into enthusiasm.
A new light seemed to dawn upon my mind; and, bounding with joy, I
communicated my discovery to my father. My father looked carelessly at the
title page of my book, and said, - Ah! Cornelius Agrippa! My dear Victor, do
not waste your time upon this; it is sad trash.23 (SHELLEY, 1996, p. 15).
22
Traduo Jamais esperei encontrar, nesta idade das cincias e das luzes, um discpulo de Albertus Magnus
(SHELLEY, 2002, p. 52).
23
Traduo: Nessa casa, eu encontrei por acaso um volume das obras de Cornelius Agrippa. Abri-o
displicentemente; a teoria que ele tenta demonstrar e os maravilhosos fatos que ele relata logo transformaram
esse sentimento em entusiasmo. Parecia que uma nova luz surgia em meu crebro, e vibrando de alegria,
comuniquei minha descoberta a meu pai. Meu pai olhou descuidadamente para a capa do meu livro e disse: - Ah!
Cornelius Agrippa! Meu caro Victor, no perca tempo com isso. uma bobagem (SHELLEY, 2002, p. 43).
28
Criatura, Victor faz uma experimentao reanimando um sapo atravs de descarga eltrica em
seus pontos vitais. No livro, existem vrias passagens referentes doutrina de Galvani, tais
como:
On this occasion a man of great research in natural philosophy was with us,
and, excited by this catastrophe, he entered on the explanation of a theory
which he had formed on the subject of electricity and galvanism, which was
at once new and astonishing to me24 (SHELLEY, 1996, p. 17).
Traduo: Nesta ocasio, achava-se conosco um homem, grande pesquisador das cincias naturais, que
excitado por este acidente, se ps a explicar uma teoria que elaborara sobre a eletricidade e o galvanismo, ao
mesmo tempo nova e espantosa para mim (SHELLEY, 2002, p. 46).
25
Traduo: Assaltava-o uma paixo: as rochas altaneiras, as montanhas e os bosques profundos e sombrios,
com suas cores e suas formas, despertavam nele sensaes e um amor que no precisavam de recnditos
encantos, nascidos da imaginao, ou de interesses emprestados pelo que a viso lhe podia proporcionar
(SHELLEY, 2002, p. 182).
29
26
Traduo: Como algum que numa estrada solitria, caminha temeroso e aterrorizado, e, tendo olhado em
derredor, avana, sem virar mais a cabea; por saber que um terrvel inimigo aproxima-se por trs dele
(SHELLEY, 2002, p. 67).
27
Traduo: O livro com que Flix instrua Safie era Imprios Arruinados de Volney... Atravs deste livro,
obtive um breve conhecimento da histria e uma viso dos imprios atualmente existentes no mundo. Consegui
compreender os costumes, os governos e as religies das diferentes naes da Terra (SHELLEY, 2002, p. 138).
30
escreveu em grossos volumes, concorda que no fez histria no sentido maior, de investigao
acurada, como assume, por exemplo, com um Tucdides, mas simples biografias, algo mais
descomprometido com os rigores metodolgicos, mas que at hoje atrai um universo maior de
leitores. Na obra Frankenstein, quem cita a obra de Plutarco a Criatura; esta conta que sentiu
grande comoo ao tomar conhecimento do carter humano atravs da leitura:
The volume of Plutarch's Lives, which I possessed, contained the histories of
the first founders of the ancient republics [...] but Plutarch taught me high
thoughts; he elevated me above the wretched sphere of my own reflections
to admire and love the heroes of past ages28 (SHELLEY, 1996, p. 67).
28
Traduo: O volume que eu possua das Vidas Ilustres de Plutarco continha as histrias dos primeiros
fundadores das antigas repblicas... mas Plutarco ensinou-me pensamentos mais sublimes, elevou-me para acima
da ruinosa esfera de minhas prprias reflexes, ensinando-me a admirar e amar os heris do passado
(SHELLEY, 2002, p. 149-50).
31
rejeitado que seu criador lhe causou e por tomar o romance como verdico, concedia ao
personagem atributos quase divinos:
In the Sorrows of Werther, besides the interest of its simple and affecting
story, so many opinions are canvassed, and so many lights thrown upon what
had hitherto been to me obscure subjects, that I found in it a never-ending
source of speculation and astonishment... I thought Werther himself a more
divine being than I had ever beheld or imagined; his character contained no
pretension, but it sunk deep.29 (SHELLEY, 1996, p. 66-67).
32
Composta de doze livros e escrita em pentmetros ingleses, a obra apresenta a inovao dos
versos brancos, com extraordinrio senso de ritmo e sonoridade. A relao da obra Frankenstein
com o Paraso Perdido profundamente evidente para Harold Bloom (2002, p. 265), no
apenas por causa das duas histrias abordarem a criao e queda do homem, mas por mostrar
que geralmente o grotesco, o anmalo o smbolo do mal. Alm da epgrafe ser um trecho do
texto de Milton, onde Ado aborda a Deus sobre a sua criao, quem tomar conhecimento no
romance de Mary Shelley sobre esta histria a Criatura, ora se identificando com Ado, por
ser um objeto de criao, ora o invejando por ter um Criador sempre presente; outras vezes se
identificando com Satans, pela rejeio porque passa e pela inveja do convvio harmonioso
entre as pessoas: But Paradise Lost excited different and far deeper emotions... Many times I
considered Satan as the fitter emblem of my condition; for often, like him, when I viewed the
bliss of my protectors, the bitter gall of envy rose within me30 (SHELLEY, 1996, p. 67).
Schiller: importante poeta, dramaturgo e filsofo alemo, interessado, sobretudo, na
Esttica; faleceu jovem, mas deixou poesias, peas teatrais e escritos que marcaram a literatura
e a filosofia alems. No livro, ele no mencionado; mas faz uma pequena participao no
filme de Kenneth Brannagh, como um jovem e arrogante estudante de Ingolstadt, que se
interpe no caminho de Victor e Henry Clerval.
30
Traduo: Mas o Paraso Perdido provocou-me sensaes ainda mais diversas e profundas... muitas vezes
considerei Satans como o emblema que mais se adaptava minha situao, pois no raro, como ele, quando eu
via a alegria de meus protetores, sentia dentro de mim o gosto amargo da inveja. (SHELLEY, 2002, p. 150-1).
34
35
estudo da psicologia humana (efeitos da rejeio e falta de afeto sobre o indivduo) e tambm
das relaes sociais (preconceitos e valorizao das aparncias causando a marginalizao
daqueles que formam uma minoria) e diversas verses cinematogrficas da mesma obra, em
que as nuances do texto original esto apagadas e, em seu lugar, apresentada apenas a
trajetria de um monstro feio e mau.
Selma Calasans Rodrigues (1988, p. 14) relata que ao longo do caminho, o fantstico
atravessou fases distintas, em que lanou mo de expedientes diferentes para criar a sensao de
insegurana e, se inicialmente o inslito era produzido no nvel semntico, no sculo XX ele se
infiltra no nvel sinttico: em fins do sculo XVIII e comeo do XIX, o fantstico exigia a
presena do elemento sobrenatural, advindo o medo da figura de um fantasma ou monstro (a
causa da angstia est no ambiente externo); tambm passa a explorar a dimenso psicolgica,
sendo o sobrenatural substitudo por imagens assustadoras cuja origem est na loucura, em
alucinaes, pesadelos (a causa da angstia est no interior do sujeito).
Ainda em Selma Calasans Rodrigues (1988, p. 17), encontramos o parecer de Arvde
Barine sobre o fantstico na literatura do sculo XVIII:
Nosso sculo foi favorvel literatura fantstica. Nele ela encontrou seu
renascimento, do qual ns no vimos seno a aurora. A honra dessa nova
florao tem origem provavelmente na cincia. Quando essa nos ensina que
uma ligeira alterao de nossa retina faria o mundo para sempre descolorido,
ela sugere a todos o pensamento de que o mundo real poderia bem no ser
uma aparncia, como j os filsofos o sabiam. Quando ela nos prov de
criaturas dotadas de rgos e de sentidos diferentes dos nossos, ela faz
pressentir que deve haver tantas aparncias de mundos quantas formas de
olhos e de variedades de entendimento. A cincia torna-se assim a aliada e,
mais ainda, a inspiradora do escritor fantstico: ela o encoraja a sonhar
mundos imaginrios ao falar-lhe sem cessar de mundos ignorados.
(RODRIGUES,1988, p. 17).
36
Mary Shelley trabalha a interao obra e mundo, apresentando uma obra que pode ser
lida de diversas formas. Produzida num contexto que via surgir o declnio do poeta como
demiurgo, o ato de criar toma a direo da fantasia sobrenatural, fugindo de uma concretizao
esquematizada, conforme Joo Lus Almeida Machado (2005). E isto tem a ver com a
depreenso do imaginrio e sua natureza pois:
O difuso do imaginrio a condio para que ele seja capaz de assumir
configuraes diversas, o que sempre exigido pois se trata de tornar o
imaginrio apto para o uso. A fico e a configurao apta para o uso do
imaginrio (porque) cria possibilidades dele se organizar, mas provoca
tematizaes pragmticas correspondentes. A fico a configurao
contrafactual da realidade existente; ela ultrapassa os limites dos dois planos
- imaginrio e real. (LIMA, 1983, p. 379).
Mary Shelley trabalha esta dialtica do imaginrio e prope trs narrativas que se
interconectam, contadas por homens totalmente destitudos do sentimento de vida familiar.
Cada um deles apresenta a perspectiva de negao desta experincia. Walton, Victor e a criatura
so seres que problematizam o TER da vida burguesa, segundo Lus Carlos Calil (2005).
Walton est determinado a encontrar regies no Plo Norte para nelas viver e deseja partilhar
sua descoberta com a humanidade, da mesma maneira que Victor. Os dois se encontram
duplos / parceiros no isolamento. Victor, para gerar uma vida artificial se exila da humanidade,
dos confortos da casa, da noiva. Incapaz de confessar seus atos, no consegue avisar sua famlia
do perigo que a ronda. A Criatura, centro da narrativa, por sua vez, est colocada como um
marginal na sociedade; sem famlia, apreende o mundo pelos livros e, enfurecida por
37
comportamentos para ela incompreensveis, aniquila todos que possam contribuir, de alguma
forma, para com a vida feliz de seu criador.
Vivendo numa poca que j mostra os sinais da decadncia de uma ordem que no
satisfazia as demandas do real, na opinio de Harold Bloom (2002, p. 268), Mary Shelley
parece impregnada das idias da me, famosa escritora feminista, e delas se serve para criar
uma fantasia que fala sobre os efeitos periculosos e perniciosos da manuteno rgida das
esferas masculina e feminina do domnio pblico. Trabalho versus lazer, razo versus
imaginao so a tnica que impulsiona subversivamente o real ficcional. Inocncia versus
marginalidade so eixos que determinam os narradores.
De acordo com Cristina Maria Teixeira Martinho (2005), as trs narrativas
concntricas impem um desdobramento linear da linha do enredo. Este inicia-se e termina com
Walton, escrevendo para sua irm inglesa, da periferia exterior do mundo civilizado, limite
entre o conhecido e o desconhecido. Deste ponto, caminhamos para dentro do crculo da
civilizao, os arrabaldes rurais de Genebra, centro da tica Protestante. Neste lugar, homens e
mulheres demonstram os bons sentimentos, a compostura e o decoro decorrentes das
convenes tradicionais. As famlias ligadas temtica esto bem codificadas. Estas famlias
no mostram a viso de tantos romances da poca, com as aventuras que sempre apresentaram
finais felizes, triunfando sobre qualquer posicionamento contrrio.
Temos, em Frankenstein, na viso de Harold Bloom (2002, p. 270), o caminho oposto.
Os leitores se deparam primeiro com a civilizao e seus descontentes, em suas tentativas de
resgatar-se dentro desta sociedade com aventuras miraculosas que atinjam o valor de uma
regenerao de vida. A circularidade do enredo enfatiza um outro tipo de vida mantida pela
conscincia das personagens que se vinculam a outros valores. Cegos para quaisquer outros
contextos, Walton e Victor, na realidade, no se compreenderam ainda como trnsfugos sociais.
38
Mary Shelley no tematiza o processo inconsciente que os leva ao isolamento, mas trabalha a
transcendncia dos valores que permeiam suas aes.
Vale ressaltar que este trabalho no tem a inteno de se posicionar sob uma ou outra
perspectiva, mas sim o de apresent-las como plos de pensamento concernentes aos caminhos
da evoluo (no propriamente biolgica, mas tambm social), configurando na dialtica citada
anteriormente. Estaramos, pois, diante de duas provises: aquela por base rousseauniana, de
apego natureza e a seus costumes, cultura rstica e tribal que resulta em convivncia justa; e
a que dita o progresso, o desenvolvimento como percalo natural do homem, destino natural de
sua espcie e que a ela faz jus como caracterstica significante do processo vital e de suas
geraes.
neste ponto que entra Shelley e sua advertncia com relao ao furor cientfico
vivido principalmente no sculo XVIII, colocando em plena Europa uma criana deformada,
mal-amparada e, o que pior, por ningum aceita, conforme Cristina Maria Teixeira Martinho
(2005). The being, por vezes no propriamente traduzido como o monstro, no cresce de
forma diferente aos prias das sociedades modernas, sem o mnimo possvel de assistncia ou
compaixo, e dessa forma se transforma no assassino de conscincia incomum. , sem dvida,
o personagem mais humano da obra, mesmo sendo o nico que no foi gerado como um.
Michel Jalil Fauza (2005) alega que por essa razo e a partir do pressuposto de sua
poca, Frankenstein consensualmente considerado o pai da fico cientfica, e no apenas um
conto de horror, como assim se transformou para muitos leitores:
Na verdade, trata-se do grande, seno nico mito original produzido
pela idade da cincia e da tcnica, a cujos primrdios sua autora
assistiu na Inglaterra e cuja culminao estamos hoje vivendo pelo
mundo todo com o advento da ciberntica e da engenharia gentica
(FAUZA, 2005).
A complementar estas palavras, diz-se que a culminao ainda est por vir, j que no
incio do sculo XXI, difcil a tarefa de definir o que j aconteceu, o que est acontecendo e o
39
que est por vir em termos de tecnologia e cincia. Porm, certo que o ser de Frankenstein,
criado a partir do casamento homem & cincia foi o primeiro de muitos humanides da
espcie na literatura, segundo Edgar Franco (2005).
De conformidade com Jos Paulo Paes (1997, p. 235), a respeito deste tpico, no
captulo V de Frankenstein, onde descrito o momento decisivo em que o monstro se anima,
inexiste qualquer indicao acerca dos meios utilizados pelo seu criador para insuflar-lhe a
centelha da vida. Esta produto, todavia, no de artes mgicas ou de recurso ao sobrenatural,
como na fico gtica, mas de uma descoberta cientfica; a artificialidade dessa recriao de
vida est bem marcada, no prefcio de 1831, pela aluso ao uso de uma mquina para conseguila e ao prprio carter maquinal dos movimentos executados pelo monstro, que j parece
participar dessa simbiose entre o mecnico e o biolgico caracterstica dos cyborgs da moderna
fico cientfica.
Na verso cinematogrfica de Kenneth Brannagh, possvel chegar mais longe, pois
os roteiristas mergulharam nas fontes intertextuais citadas na obra e criaram uma forma de
apresentar a criao do monstro ao pblico. Primeiramente, Victor, obcecado, invade o
laboratrio do professor Waldman e rouba suas anotaes. Constata que o professor usou
material errado, precisa de fontes auxiliares; aqui est a experincia: um fracasso, o ser
reanimado deformado e a sua figura causa asco; esse fator depende de matria-prima
apropriada, a matria-prima a que se refere seriam os cadveres (pressupe-se, de corpos
ainda frescos). Utilizando todos os seus conhecimentos sobre a eletricidade, o galvanismo e
os estudos de vrios cientistas, alm de acupuntura e uma idia original de utilizar lquido
amnitico que seria o responsvel pela manuteno da vida nos estgios iniciais, a Criatura
construda e modelada recebe, alm de descargas eltricas, vrios choques de enguias que esto
na soluo preparada por Victor, e reanimada. Nesse ponto da criao humana, tanto de forma
implcita no romance, como explcita no filme, define-se o elemento fantstico a partir do efeito
40
41
criador. Este, ser sem nome, mais digno de amor que seu criador, e mais odioso, mais digno de
pena e quem mais se deve temer e, sobretudo mais apto para causar ao receptor um choque
maior de conscientizao no qual o reconhecimento esttico compele mais elevada concepo
do ego. Assim como o Espectro e a Emanao, Frankenstein e sua Criatura constituem as
metades solipssticas31 de um s eu. Victor a mente e as emoes voltadas para o interior de si
mesmo, e sua Criatura, a mente e as emoes dirigidas imaginariamente para o exterior,
procurando maior humanizao atravs do confronto com os outros egos.
Vale notar tambm que, com a morte prxima, Victor mostra grande agitao ao falar
ao capito do navio:
Farewell, Walton! Seek happiness in tranquillity and avoid ambition, even if
it be only the apparently innocent one of distinguishing yourself in science
and discoveries. Yet why do I say this? I have myself been blasted in these
hopes, yet another may succeed32 (SHELLEY, 1996, p. 120).
Solipsismo: doutrina filosfica que considera o eu como nica realidade no mundo. (BLOOM, 2002, p. 265)
Traduo: Adeus, Walton! Procure a felicidade na tranqilidade e evite a ambio, mesmo que seja apenas
aparente, para distingui-lo na cincia ou em alguma descoberta. Contudo, por que digo isso? Eu tive as minhas
esperanas destrudas, mas outro pode ser bem-sucedido. (SHELLEY, 2002, p. 254).
33
Traduo: No existe culpa, maldade, desgraa, ou misria que se possa comparar minha (SHELLEY,
2002, p. 258).
32
42
qual pretende ser consumida. Seu exagero to grotesco quanto melodramtico. A batalha a que
se dedicam esses terrveis inimigos a luta pela glria, esse impulso viril que inspirou horror
autora, levando-a a escrever seu livro como um protesto. A Criatura usurpa ao homem que o
criou o papel de Prometeu sofredor. Realmente, no de se espantar que no mito resultante e na
viso popular o nome Frankenstein seja assimilado Criatura, e no ao criador.
Na opinio de Edgar Franco (2005), a literatura, muitas vezes, tem o poder de
antecipar os fatos, ou melhor, profetizar sobre eles. Frankenstein, como literatura fantstica,
pde prever o surgimento da clonagem humana. Para ele, o romance pode ser caracterizado
como o marco da literatura de fico cientfica, pelo fato de narrar a histria da criao de um
ser humano hbrido, formado pela unio de partes humanas retiradas de diversos corpos. Na
poca em que foi escrito, a cincia ainda estava distante de desvendar a estrutura do DNA, mas
at hoje o romance demonstra sua atualidade servindo de metfora para ecologistas do
Greenpeace batizarem os biotecnlogos que desenvolvem pesquisas de hibridizao de genes
humanos com animais para empresas de bioengenharia, eles foram apelidados de CientistasFrankenstein, numa aluso ao Dr. Victor Frankenstein, responsvel pela criao do monstro.
O romance questiona at que ponto a cincia pode subverter a tica e desafiar os princpios da
natureza, subvertendo a ordem natural das coisas. No final, a Criatura volta-se contra o criador,
demonstrando o posicionamento da autora em oposio onipotncia da cincia.
Essa anlise da criao do ser pelo Dr. Frankenstein, e do romance por Mary Shelley,
leva ao ltimo dos elementos contextualizantes do fantstico, que Selma Calasans Rodrigues
(1988, p. 37) chama de inanimado animado. Compreendendo, desde j, por inanimado, aquilo
que no dotado de alma, de movimento prprio proveniente da vontade (um cadver, por
exemplo); e ao contrrio, o animado, o que tem alma, vontade e movimentos prprios; pode-se
enfrentar alguns motivos fantsticos como o das esttuas animadas (no caso Prometeu,
43
44
Criatura, evitando, assim, a procriao dessa espcie e, quem sabe, o extermnio da raa
humana.
Para Joo Lus Almeida Machado (2005), o leitor levado a conhecer a vida do
protagonista solitria e egocntrica, como o so os protagonistas de romances gticos e
todos os pormenores que o conduzem da criao do monstro sua prpria autodestruio.
Victor ambicioso no que diz respeito ao conhecimento; tem, sua espera, uma mulher que o
ama a prima Elizabeth e com quem pretende se casar depois de ter concludo seus planos
acadmicos. O ideal romntico pincelado pela autora na expectativa de unio desses dois
personagens interrompido pelos efeitos da cincia, usada como elemento deflagrador das
transformaes da aparente normalidade na vida do protagonista. From this day natural
philosophy, and particularly chemistry, in the most comprehensive sense of the term, became
nearly my sole occupation34 (SHELLEY, 1996, p. 22). A energia eltrica recm-descoberta o
ponto alto da cincia, responsvel pela criao do monstro verifica-se, da, traos claros de
elementos de fico cientfica presentes tambm na obra.
Alexander Martins Vianna (2005) alega que, laicizando o tema da (re)criao do
(super)homem, Mary Shelley cria um plano dramtico de condenao para Frankenstein por
pretender romper a barreira entre a vida e a morte. A viso da natureza como exemplo perfeito
de fora vital pressupe a existncia do ciclo entre a vida e a morte, pois a vida brota da
decomposio da matria morta em uma projeo perptua para o futuro. Nesse sentido, tal
espiral no pode ser rompida e, caso ocorra, estar-se-ia diante de um novo paradigma, algo
estranho a tudo existente em matria de saber, normas, valores e convenes. Tal a condio
existencial de um monstro. O monstro, ou pria social, o sinal de que algo dentro de uma
sociedade no vai bem. No entanto, longe de contemplarem a si mesmas na imagem do
34
Traduo: A partir daquele dia, as cincias naturais, e particularmente a qumica, no mais compreensvel
sentido do termo, tornaram-se quase que minha nica ocupao (SHELLEY, 2002, p. 57).
45
monstro, as sociedades tendem geralmente a criar fronteiras (reais / simblicas) para projetar no
aliengena social os seus males.
No entanto, Mary Shelley no conceder tal mecanismo de escape a Frankenstein:
afinal, a sua escultura viva no seria uma abstrao distante perdida numa estatstica, mas um
ser individual especial que, desenvolvendo razo e sensibilidade, era capaz de se fazer presente
mente de seu criador como indivduo e, portanto, tornou-se impossvel para Victor alienar-se
dos efeitos imprevistos de sua obra desconforto do qual poupada a maioria dos cientistas (do
passado e do presente), sob o manto protetor da neutralidade cientfica, especializao e
finalidades nobres.
O monstro, por sua vez, tambm protagonista e instaura, na narrativa, o dilema moral
que conduz grande questo da histria: a maldade do monstro pode ser compreendida, uma
vez que a ele foi negado qualquer tipo de instruo hora de sua criao? How delineate the
wretch whom with such infinite pains and care I had endeavoured to form?35 (SHELLEY,
1996, p. 25) o que Frankenstein diz ao se deparar com a Criatura, que jogada ao mundo
sem nenhum tipo de tutela. O monstro desaparece, aprende a lidar com os problemas do mundo
e retorna, tempos depois, em busca de uma vingana que no gratuita, mas fundada no
ressentimento que vem como conseqncia das adversidades por quais passa.
Para Gabriela Almeida (2005), o que mais grave a maldade humana,
preconceituosa e intolerante; ou a maldade acionada no por opo, mas como revide ao julgo
preconceituoso dos seres-humanos? This was then the reward of my benevolence! I had saved
a human being from destruction, and, as a recompense, I now writhed under the miserable pain
of a wound, which shattered the flesh and bone36 (SHELLEY, 1996, p. 74) relata a Criatura
35
Traduo: Como descrever o ser miservel que eu lograra formar atravs de sofrimentos e cuidados
infinitos? (SHELLEY, 2002, p. 65).
36
Traduo: Foi essa ento a recompensa da minha bondade! Eu salvara um ser humano da morte e, como
recompensa, contorcia-me agora com a dor miservel de uma ferida que me rasgara a carne e estraalhara os
ossos (SHELLEY, 2002, p. 164).
46
num monlogo em que explica o porqu de ter optado por odiar todos os homens, que o haviam
tratado mal apenas por causa de sua aparncia horrenda Am I to be thought the only criminal
when all human kind sinned against me?37 (SHELLEY, 1996, p. 122). O monstro, aqui, um
personagem redondo, que evolui ao longo da trama, e que tem, de alguma forma, sua maldade
justificada.
Axel Kahn (2005) pede para que se observe o fato da Criatura ter no somente forma e
fora humana, mas ter outros atributos humanos, que so a conscincia, a empatia, o desejo.
Quando ela escapa e se acha na floresta, no interior da Sua, de onde observa uma famlia, ela
se impressiona pela vida familiar, pela afeio do homem e da mulher, dos pais pelas suas
crianas. Ela gostaria de, tambm, experimentar isso. Essa a razo pela qual vai procurar
Victor Frankenstein, o criador, e lhe pede para criar uma criatura fmea. No tanto para se
reproduzir, mas para ser totalmente humanizado, para o que preciso ter uma parceira que o
olhe como tal. Ora, os homens no olham essa Criatura como um homem, como um deles,
conseqentemente, so incapazes de interagir com ela positivamente, so incapazes de
humaniz-la. preciso dois para ser um homem, ou, mesmo, uma Criatura humanizada, e a
Criatura pede isso a Victor Frankenstein, que comea a fabricar a mulher. Ele no chega ao final
do seu empreendimento, porque sente medo de uma gerao de pequenos monstros
conquistando a Terra. Fica-se, ento, diante de um ser que tem a capacidade de ser humano, que
tem a capacidade de ter uma conscincia, que tem o desejo de amar, mas est proibido de
humanizar-se. Percebe-se que os seres humanos esto, de alguma forma, na situao de todos os
grandes criminosos, que no foram nunca considerados pelos outros como pertencentes ao seu
mundo. Assim as pessoas, cuja violncia extraordinria tem sua origem no fato de que foram
permanentemente rejeitadas, negadas como pertencentes humanidade. Em Frankenstein, a
Criatura representa isso. potencialmente humana, mas impedida de ser humanizada pela
37
Traduo: Devo considerar-me o nico criminoso, quando toda a humanidade pecou contra mim?
(SHELLEY, 2002, p. 258).
47
nica pessoa que pode faz-lo. Reinterpreta-se assim, o mito de Frankenstein, concluindo que
porque a tecnologia no foi at o fim nos seus propsitos que o desastre acontece e, no, porque
deu incio a esse empreendimento.
Os dois pargrafos anteriores, analisados de todos os ngulos, chegam, em mais um
enfoque abordado no livro, ao preconceito ao diferente ou ao anormal, caractersticas de todas
as sociedades, principalmente as de massas. Conforme relatam Antonio Carlos Pinho Silva e
Ablio Friedman (2005), a Criatura sempre foi desprezada e maltratada pela sociedade. Sob essa
tica, o monstro de Frankenstein, que no fundo um ser dcil e amvel, passa a ser um smbolo
dos excludos. Essa idia reforada pelas falas da Criatura estarem sempre grafadas entre
aspas e pelo fato dela no ter sequer um nome. Ela a Criatura e mais nada, e que leva a crer
que o ser humano um produto da natureza e da civilizao.
Alexander Martins Vianna (2005) nos relata que, portanto, a tragdia de Frankenstein
contada por Mary Shelley no deixa de manifestar certos incmodos com a forma que as elites
governantes tratavam a questo social na poca. A arrogncia social, a afetao nas afeies e a
falta de solidariedade constroem seus prprios monstros sociais, que so jogados para o nada
social ou para o mal. Nesse sentido, no uma condenao moralista religiosa contra o saber
mdico-cientfico que Mary Shelley nos apresenta, mas uma provocao romntico-humanista
que pretende lembrar que o homem, em sua nsia de tentar aperfeioar a si mesmo e a seu
mundo, no pode perder a sensibilidade, o que significa equilibrar de modo inclusivo as
relaes entre meios e fins. Tal a lio que Frankenstein quer deixar para Walton em seus
ltimos momentos:
In a fit of enthusiastic madness I created a rational creature, and was bound
towards him, to assure, as far as was in my power, his happiness and wellbeing I refused to create a companion for the first creature He showed
unparalleled malignity and selfishness, in evil: he destroyed my friends; he
devoted to destruction beings who possessed exquisite sensations, happiness,
and wisdom; nor do I know where this thirst for vengeance may end.
Miserable himself, that he may render no other wretched he ought to die.
48
The task of his destruction was mine, but I have failedThat he should live
to be an instrument of mischief disturbs me38 (SHELLEY, 1996, p. 119).
Assim, as ltimas palavras de Frankenstein que concluem seu ciclo trgico esto longe
de anularem as esperanas de descobertas no campo da cincia, pois, mesmo recomendando o
afastamento do capito de uma sorte como a sua, acaba por se lamentar e acredita que uma
outra pessoa poderia assumir o seu legado; mas as palavras ditas servem para corrigir em
Walton (que est na mesma posio do leitor) um tipo de nsia de saber que por desequilibrar
a relao entre meios e fins perde a sensibilidade em relao beleza da vida, em qualquer de
suas expresses.
Para criar um contraponto sentimental a isso, Mary Shelley expe, logo em seguida, a
interlocuo de Frankenstein com Walton e, assim, coloca o leitor num plano de suspense e
segurana em relao quilo que deve ser entendido como a moral da histria:
I do not know that the relation of my disasters will be useful to you; yet,
when I reflect that you are pursuing the same course, exposing yourself to
the same dangers which have rendered me what I am, I imagine that you
may deduce an apt moral from my tale; one that may direct you if you
succeed in your undertaking, and console you in case of failure. Prepare to
hear of occurrences which are usually deemed marvellous nor can I doubt
but that my tale conveys in its series internal evidence of the truth of the
events of which it is composed39 (SHELLEY, 1996, p. 10).
Por isso mesmo que, para Cristina Maria Teixeira Martinho (2005), o paradoxo
prometico de Frankenstein rico de implicaes para a anlise da sensibilidade romntica em
matria de conhecimento: ele tinha em mente uma escultura viva, uma criatura superior ao seu
38
Traduo: Num rasgo de entusistica loucura, criei um ser racional e devia assegurar-lhe, tanto quanto me
fosse possvel, sua felicidade e bem-estar... Eu recusei criar uma companheira para a primeira criatura. Ela
demonstrava uma crueldade sem par e um egosmo diablico; ele destruiu meus amigos; devotou-se destruio
de seres que possuam delicados sentimentos, eram felizes e sbios. Desgraado ele prprio, para que no cause
mais desgraas deve morrer. A mim competia destru-lo, mas falhei... Aflige-me pensar que ele possa ficar vivo
para ser um instrumento da desgraa (SHELLEY, 2002, p.253-4).
39
Traduo: No sei em que a narrao dos meus desastres lhe ser til; no entanto, quando penso que o senhor
est seguindo os mesmos caminhos, expondo-se aos mesmos perigos que me tornaram no que sou, acho que o
senhor talvez tire algum proveito da minha narrativa, uma concluso que possa orient-lo se for bem sucedido
em sua empresa, e consol-lo, se falhar. Prepare-se para ouvir fatos que comumente so julgados maravilhas...
nem eu duvido que a minha narrativa rena em si uma srie de evidncias internas da verdade dos
acontecimentos de que se compe (SHELLEY, 2002, p.31-2).
49
criador em beleza, sensibilidade, inteligncia, fora e resistncia; mas, como tal criao poderia
ser a imagem da beleza se seu criador, para torn-la possvel, privou-se de vida e afeio,
acercando-se somente da morte? A afeio e a sensibilidade so apresentadas por Mary Shelley
como medidores para definir quando a busca do saber adquire feies monstruosas. Lio cara
para a posteridade ...
4 CONSIDERAES FINAIS
51
mais na compreenso da histria como um todo. O pai dela era William Godwin, filsofo
influente e novelista muito ligado ao aspecto judicial e poltico do Romantismo. Sua me era
Mary Wollstonecraft, autora de artigos para revistas, cartas de viagem, tradues, um romance,
uma histria contempornea da Revoluo Francesa e uma Reivindicao dos Direitos das
Mulheres, o trabalho mais importante sobre os direitos das mulheres antes de J.S. Mill e o seu
Sujeio das Mulheres, quase oitenta anos depois. Wollstonecraft faleceu alguns dias depois de
dar luz a Mary, no final de agosto de 1797; assim, a autora de Frankenstein, assim como todos
os personagens importantes de sua trama, no teve me. A jovem Mary passou uma parte de sua
vida na Esccia e outra em Londres. Aos dezesseis anos, ela conheceu o poeta Percy Shelley,
ento com vinte e um anos, que era um admirador e hspede freqente do seu pai; eles se
apaixonaram, Mary engravidou, e o casal foi morar junto no vero de 1814. Durante os dois
anos que se seguiram a sua unio, eles viveram em constantes dificuldades financeiras. Seu
primeiro filho, uma menina, nasceu prematuramente em fevereiro de 1815 e morreu alguns dias
depois; o segundo filho, William a quem Mary deu nome ao irmo mais novo de Victor
Frankenstein, queridinho William, foi a primeira vtima da Criatura nasceu depois de onze
meses, em janeiro de 1816.
No vero de 1816, os Shelley foram morar na Sua, residindo na cidade de Colnia h
pouca distncia de Genebra, na costa sul do lago. Estava l, no meio do ms de junho, um
vizinho prximo, Lord Byron, quando Mary Shelley comeou a escrever Frankenstein. Ela
recorda os detalhes na Introduo da Autora, feita para a terceira edio em 1831, onde ela
tenta responder a pergunta: Como que eu, ento uma jovem, pude pensar e discorrer sobre
um assunto to horrvel?( SHELLEY, 2002, p. 5). Como o tempo no estava bom, Mary
Shelley, seu marido e amigos mantiveram-se no interior dum castelo lendo histrias alems de
fantasmas uns para os outros, at Lord Byron propor uma competio para a criao de uma
histria fantasmagrica. Dediquei-me a pensar numa histria (SHELLEY, 2002, p. 8) ela
52
Sonho acordado pode lembrar a obra de Coleridge da viso dos sonhos e da posse
imaginativa que propositadamente resultou no poema Kubla Khan, segundo Harold Bloom
(2002, p. 274). Frankenstein, porm, no nenhum fragmento nem uma curiosidade
psicolgica (como Coleridge chamou seu trabalho), mas faz perfeitamente a fico com um
enredo complicado, camadas mltiplas de narraes, e vrios textos com inesgotveis
53
significados temticos. Mary Shelley tinha dezoito anos quando comeou a traar sua histria
no ano de 1816, e dezenove quando concluiu onze meses depois. Especialmente nas dcadas
atuais, quando os romances passaram a ser consumidos avidamente pelos estudantes
universitrios em cursos de ingls, que foi acrescentado o interesse pelo trabalho sofisticado
da autora; quando ela escreveu sua histria, era da mesma faixa etria dos seus leitores
modernos.
s vezes, os leitores so chocados logo de incio ao descobrir que Frankenstein o
nome do cientista obcecado ao invs da criao monstruosa por ele criada; e que a Criatura no
nomeada, figura grotesca dos filmes populares e da televiso, na verdade, o carter mais
eloqente e racional do romance. Mary Shelley comea a oferecer pistas sobre as suas intenes
com a edio de 1818, onde no subttulo compara Victor Frankenstein a Prometeu, o tit
conhecido na mitologia grega por sua defesa humanitria contra a tirania o ser que roubou o
fogo dos deuses para aperfeioar sua criao do homem, e que foi castigado por Jpiter, sendo
encadeado numa rocha e tendo abutres a lhe devorar o fgado. Desta forma, o subttulo
irnico: Frankenstein um Prometeu moderno cujos motivos humanitrios iniciais (descobrir o
segredo da vida para banir as doenas que atormentam ao homem e torn-lo invulnervel
morte violenta), so subordinados imediatamente por uma sede manaca pela fama (a glria da
descoberta) e os seus resultados acabam sendo a destruio e a morte.
A epgrafe do romance, palavras do desesperado monlogo de Ado no fim do Paraso
Perdido de John Milton: Pedi eu, meu criador, que do barro me fizesses homem? Pedi para
que me arrancasses das trevas? (MILTON, 2003, p. 390) subversivamente compara
Frankenstein com Deus, e a sua Criatura com o Ado pecador.
A forma epistolar da narrativa apresentada pelo explorador Robert Walton que atua
como um tipo de elo entre os eventos da histria e os leitores. Ele o primeiro dos trs
narradores do romance, suas cartas do uma credibilidade pessoal fantasia. Simultaneamente,
54
da mesma maneira do Ancient Mariner de Coleridge um poema que citado e ecoa vrias
vezes na trajetria do romance as cartas separam ao leitor do mundo real, ajudando-os, desta
forma, a eliminar as suas descrenas. Junto com seus marinheiros Walton segue para desbravar
o Plo Norte, e a sua primeira viso da Criatura como uma observao cientfica:
We perceived a low carriage, fixed on a sledge and drawn by dogs, pass on
towards the north, at the distance of half a mile: a being which had the shape
of a man, but apparently of gigantic stature, sat in the sledge, and guided the
dogs. We watched the rapid progress of the traveler with our telescopes. 40
(SHELLEY, 1996, p. 7).
Traduo: Percebemos uma carruagem baixa, fixada a um tren e puxada por ces, que passava na direo do
Norte distncia de meia milha; uma criatura que tinha a forma de um homem, mas aparentemente de estatura
gigantesca, estava sentada no tren e guiava os ces. Acompanhamos o progresso do viajante com nossas
lunetas (SHELLEY, 2002, p. 25).
55
trabalho extremo de uma forma diatnica da alteridade. Expe com clareza os resultados
infelizes da recusa em validar as necessidades e o direito da existncia de Um versus o Outro.
Ao deixar sua casa, Victor Frankenstein torna-se melanclico, inicialmente, mas o
objetivo de suas pesquisas em atingir o Conhecimento retira-o do contexto do crculo
domstico. Chega a dar vida a sua Criatura, mas por no ser capaz de entender as vinculaes
de sua ao, afasta dela qualquer tipo de elo afetivo, negligenciando seu papel. A Criatura, sem
mesmo receber nome, perde a identidade e a possibilidade de conseguir enquadrar-se
socialmente, pois o nome representa a autodefinio e a pertena social. Ser insignificante,
sempre mencionada como demonaca, espectro, monstro, sempre repelida pelos outros por
seu aspecto desproporcional, um Outro diferente e ameaador sociedade. Desesperada e
isolada, determina-se ao aniquilamento de ambos, criador e Criatura. A combinao dos
elementos textuais tem ressonncia na vida comum; a estatura da Criatura / monstro de Victor
tem seu anlogo nas mquinas que aparecem na Inglaterra e so de estatura gigantesca; a
tecnologia de ento tinha monstros mecnicos enormes, que Blake em 1808 chamara de Dark
Satanic Mills, conforme o relato de Harold Bloom (2002, p.262).
O tema das relaes humanas, de fato, um dos mais importantes que se referem
Criatura, alm da sua criao fantstica:
But where were my friends and relations? No father was watched my infant
days, no mother had blessed me with smiles and caresses I had never yet
seen a being resembling me, or who claimed any intercourse with me41
(SHELLEY, 1996, p. 64)
41
Traduo: Mas, onde estavam os meus amigos e meus parentes? Nenhum pai vigiara meus dias de criana,
nenhuma me me dedicara seus sorrisos e suas carcias... Jamais vira um ser semelhante a mim, que quisesse
relacionar-se comigo (SHELLEY, 2002, p. 140-1).
56
42
Traduo: Tomei conhecimento da diviso da propriedade, das imensas riquezas e da miservel pobreza das
classes, da descendncia e do sangue nobre... Aprendi que os bens mais estimados... eram uma alta e imaculada
linhagem, unida riqueza (SHELLEY, 2002, p. 139).
57
REFERNCIAS
ABRAMS, M.H.; GREENBLATT, Stephen (ed.). The Norton Anthology of English Literature.
7. ed. New York: W.W. Norton & Company ltd., 2000, 1033 p.
ALMEIDA, Gabriela. Dr. Frankenstein: O poder criador. Disponvel
http://www.claque.com.br/gabriela/2001-2003/gbli033102.htm. Acesso em: 7 abr. 2005.
em:
AUSCHER, Nelson. Johann Wolfgang Von Goethe: o escritor universal. In: GOETHE, J. W.
von. Traduo de Agostinho DOrnellas. Fausto. So Paulo: Martin Claret, 2004, p. 13-19.
BLOOM, Harold. Posfcio. In: SHELLEY, Mary. Traduo de Micio Araujo Jorge Honkins.
Frankenstein. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2002, p. 276.
BURGESS, Anthony .A Literatura Inglesa. Traduo de Duda Machado. 2. ed. So Paulo:
tica, 1999.
CALIL, Lus Carlos. Dr. Frankenstein: Uma experincia de ensino para criar nossos prprios
monstros. Disponvel em: http://www.saudevidaonline.com.br/artigo86.htm. Acesso em: 10 abr.
2005.
CANDEIAS, Jorge. Frankenstein: Uma crtica. Disponvel em: http://ficcao.online.pt/Enigma/criticas/frankenstein.html. Acesso em: 10 abr. 2005.
ENCICLOPDIA BARSA. Luigi Galvani. v. 6. So Paulo: Melhoramentos, 1973, 414 p.
__________. Paracelso. v. 10. So Paulo: Melhoramentos, 1973, 257 p.
FAUZA, Michel Jalil. Frankenstein: Criador e criatura. Disponvel em:
http://www.unicamp.br/iel/alunos/publicacoes/textos/f00005.htm. Acesso em: 10 abr. 2005.
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Mini Aurlio: Minidicionrio da lngua portuguesa
sculo XXI. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, 338p.
FRANCO, Edgar. Seres Hbridos & Clones: Da Literatura para as telas, das telas para a
realidade. Disponvel em: http://www.comciencia.br/reportagens/clonagem/clone14.htm.
Acesso em: 7 abr. 2005.
GOZZOLI, Maria Cristina. Como reconhecer a arte gtica. So Paulo: Martins Fontes, 1986,
84 p.
HAMBERG, Cynthia. Caracterizao, estilo gtico e mitologia presentes em Frankenstein.
Disponvel em: http://home-1.worldonline.nl/~hamberg. Acesso em: 10 abr. 2005.
59
60
rel="license"
nd/2.5/br/"><img
href="http://creativecommons.org/licenses/by-
alt="Creative
Commons
License"
style="border-width:0"
src="http://creativecommons.org/images/public/somerights20.png" /></a><br
/><span
xmlns:dc="http://purl.org/dc/elements/1.1/"
href="http://purl.org/dc/dcmitype/Text"
property="dc:title"
rel="dc:type">A
da
obra
"Frankenstein",
de
Mary
Shelley</span>
by
<span
xmlns:cc="http://creativecommons.org/ns#" property="cc:attributionName">BRIDA,
Ana
Claudia</span>
is
licensed
under
<a
rel="license"
href="http://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.5/br/">Creative Commons
Atribuição-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil
License</a>.