A Formacao e o Desenvolvimento Do Romance
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Segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
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A FORMAO E O DESENVOLVIMENTO DO
ROMANCE
Claudia Chalita de Azevedo*1
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Para alguns, nascido com as peripcias de Dom Quixote, para outros, com o
naufrgio e a ilha de deserta de Robinson Cruse2, o romance moderno, a
despeito das nobres origens a ele atribudas pelo historiador e que ele prprio
revindica, na realidade um recm-chegado nas Letras, um plebeu que
vingou e que, em meio aos gneros secularmente estabelecidos e pouco por
ele suplantados, continua parecendo um arrivista, s vezes at mesmo um
aventureiro. (...) O extraordinrio destino percorrido em to pouco tempo
pelo romance resulta na verdade de seu carter arrivista, pois, ao
examinarmos de perto, ele o deve, sobretudo, a conquistas nos territrios de
seus vizinhos, os quais ele pacientemente absorveu at reduzir quase todo o
domnio literrio condio de colnia. (ROBERT, 2007, p.11)
Auerbach (2004) acredita que a literatura e, por sua vez, o romance, se nutre de
razes antigas, que definiram, em grande parte, a sua trajetria social. A primeira est
em Homero e a segunda nos textos bblicos. Ao comparar a narrativa Satiricon de
Petrnio com os textos do Novo Testamento, o crtico alemo depreende que o prosador
romano no consegue dar a sua obra a constituio sria existente nos acontecimentos
subjetivos e trgicos que circundam a histria de Cristo. Petrnio escreve de cima,
com superioridade em relao aos fatos mundanos narrados. J as narraes bblicas so
redigidas de dentro, em meio aos acontecimentos, descendo s profundezas
cotidianas e vulgares da vida do povo (AUERBACH, 2004, p.38) para levar a srio a
realidade mimetizada. Ao contrrio de Satiricon, o mundo real, nos relatos bblicos,
sacudido em seus alicerces, modifica-se e renova-se perante os nossos olhos
(AUERBACH, 2004, p.37). Embora, na literatura helenstica e latina, apaream
algumas narrativas de particular valor literrio como Satiricon (documento de stira
social), o romance constitui-se como uma das mais ricas criaes artsticas das
modernas literaturas ocidentais.
O termo romance, segundo Aguiar e Silva (1976), remonta poca medieval.
Primeiramente, designou a lngua vulgar, a lngua romnica que, embora resultado de
uma transformao do latim, j se apresentava de forma diferente. Posteriormente, a
palavra romance alcanou um significado literrio, apontando determinadas
composies redigidas em lngua vulgar. Apesar de suas flutuaes semnticas, o
vocbulo comeou a denominar, sobretudo, composies literrias de cunho narrativo
que eram primitivamente em verso para serem recitadas e lidas. possvel aproximar o
preconceito em relao ao primeiro momento escolha lingustica, lngua vulgar,
romana ao preconceito posterior, ou seja, o pblico. O romance, at o sculo XVIII,
era um gnero literrio desprestigiado, apreciado por leitores pouco exigentes, que se
dirigia a um pblico feminino cujos objetivos eram o entretenimento e a evaso. Alm
de ser considerado um gnero inferior, era visto como um elemento de perturbao
passional e de corrupo dos bons costumes.
As estreitas relaes entre o romance ingls do sculo XVIII e o pensamento
cartesiano so estudadas por Ian Watt (2010). Ao discutir as ligaes entre o pblico
leitor, o desenvolvimento da imprensa e o surgimento do romance moderno, Watt
considera o romance diverso das produes da antiguidade e da idade mdia. Para o
ingls, o romance, pela forma como representa a realidade, como incorpora em si a
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experincia individual a forma literria que reflete mais plenamente essa reorientao
individualista e inovadora (WATT, 2010, p.13) e confere originalidade e vitalidade a
uma cultura e a diferencia de outras formas anteriores. Watt afirma que o romancista,
assim como o filsofo, est procura do relato autntico das experincias individuais;
no entanto, o romance est interessado em como as peculiaridades de determinada
coletividade so extradas e transfiguradas. Se a fico antiga apresenta termos de
autntica singularidade, da mesma forma que a encontrada nos romances do sculo
XVIII, isso no passa de casos raros:
Homero, por exemplo, tinha em comum com eles essa clareza de viso que
se manifesta nas descries detalhadas, extensas e deliciosamente acuradas,
abundantes em suas obras; na fico posterior, de O asno de ouro a Aucassin
e Nicolette, de Chaucer a Bunyan, h muito trechos que mostram as
personagens, suas aes e seu ambiente com uma particularidade to
autntica quanto de qualquer romance do sculo XVIII. Contudo h uma
diferena importante: em Homero e na prosa de fico mais antiga esses
trechos so relativamente raros e tendem-se a destacar da narrativa geral; a
estrutura literria total no era orientada no sentido do realismo formal, e o
enredo, sobretudo em geral tradicional e quase sempre muito improvvel
estava em conflito direto com suas premissas. Mesmo quando declararam
perseguir um objetivo inteiramente realista, como foi o caso de muitos
autores do sculo XVII, os escritores mais antigos no eram sinceros.
(WATT, 2010, p.13)
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Alm disto, a sentimentalidade no dever falar alto ou muito cedo, pois, para muitos,
mais malfica do que o demnio da cronologia. Foster afirma: O romance est
encharcado de humanidade (FOSTER, 1998, p.25), e consiste em uma das reas mais
midas da literatura irrigada por uma centena de riachos, degenerando-se
ocasionalmente num pntano. (FOSTER, 1998, p.9). Mikhail Bakhtin (1998) ao situar
o texto na histria e na sociedade, posteriormente, vai desenvolver a noo de
dialogismo.
Se Ian Watt (2010) elege a literatura inglesa em detrimento da fico francesa,
alem e russa, tanto Georg Lukcs (2000) quanto Mikhail Bakhtin (1998), em
momentos diferentes, designam a obra de Dostoivski como a que mais se aproxima do
que o romance como forma literria da modernidade. Bakthin reflete apenas sobre a
obra de Dostoivski, enquanto Lukcs disserta sobre Dom Quixote, de Cervantes, os
romances ingleses, e os de Balzac, Sthendal, Flaubert e Dostoivski.
Tendo como contexto a ecloso da primeira guerra mundial, A teoria do
romance de Lukcs, segundo o seu autor, surgiu como um repdio psicose blica
(LUKCS, 2000, p. 8). O romance, para o hngaro, exacerbou a insuficincia do
mundo que se tornou opaco, denunciando o que est ausente. O hiato entre o sujeito e o
objeto no foi abolido, mas agravado. Lukcs (2000) retoma do romantismo alemo a
concepo da arte alicerada na oposio entre antigos e modernos. A epopeia a forma
de expresso da unidade do mundo grego, enquanto o romance constitui-se no modo de
expresso da modernidade problemtica e tambm como manifestao da possibilidade
de uma busca de sentido. O romance a forma da virilidade madura, em contraposio
puerilidade normativa da epopeia (LUKCS, 2000, p. 71). Na Grcia, o destino dos
homens estava ligado a uma comunidade; na modernidade est vinculado
individualidade, tica racional de Kant, estritamente individual e subjetiva:
O heri da epopeia nunca , a rigor, um indivduo. Desde sempre considerouse trao essencial da epopeia que seu objeto no um destino pessoal, mas de
uma comunidade. E com razo, pois a perfeio e completude do sistema de
valores que determina o cosmos pico cria um todo demasiado orgnico para
que uma das suas partes possa tornar-se to isolada em si mesma, to
fortemente voltada a si mesma a ponto de descobrir-se como interioridade, a
ponto de tornar-se individualidade. (LUKCS, 2000, p.67)
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tendncias evolutivas do novo mundo, ele , por isso, o nico gnero nascido
naquele mundo e em tudo semelhante a ele. O romance antecipou muito, e
ainda antecipa a futura evoluo da literatura. Deste modo, tornando-se o
senhor, ele contribui para a renovao de todos os outros gneros, ele os
contaminou e os contamina por meio da sua evoluo e pelo seu prprio
inacabamento. (BAKTHIN, 1988, p.400)
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eles, deixa de esconder-se e torna-se ele prprio o centro do espetculo (TADI, 1992,
p. 12). A primeira pessoa do singular invade o romance desde o incio das suas linhas. O
leitor, ao iniciar a leitura De castelo em castelo de Cline, depara-se com as seguintes
palavras: Para falar com franqueza, aqui entre ns, acabo pior do que comecei... Oh,
no comecei l muito bem... nasci, repito, em Courbevoie, Sena... (APUD TADI,
1992, p.13). Tadi alerta que um leitor que identifica o narrador com o autor Cline, no
romance citado anteriormente, teria a mesma ingenuidade que os espectadores que
concluram que o comboio que chegava estao de La Ciotat, dos irmos Lumire, iria
adentrar na sala de exibio. A partir desta reflexo, o professor e especialista em Proust
apresenta e discute os diferentes graus na identificao entre o autor e o narrador.
No segundo caso, o autor desaparece e emudece. Embora seja difcil datar a
origem do tema do desaparecimento do sujeito e do escritor, Tadi (1992) afirma que
talvez a fonte esteja no ensaio de Maurice Blanchot intitulado A parte do fogo de 1949.
A literatura dispensa doravante o escritor: j no essa inspirao que trabalha, essa
negao que se afirma, esse ideal que se inscreveu no mundo como a perspectiva
absoluta da totalidade do mundo (BLANCHOT, 1997, p.319). A escolha de um
pseudnimo, no incio do sculo XX, era um hbito difundido. Esta atitude delineia uma
situao de semirruptura. Outra maneira para distinguir o indivduo e o eu que escreve
consiste na particularidade do escritor no conceder entrevistas e nem exibir-se nas
mdias. Alm disto, o autor no irrompe somente na sua assinatura, mas tambm nos
prefcios. Andr Gide no incluiu prefcio em suas fices, com exceo de O
imoralista, de 1902. O irnico Paludes de 1895 precedido de um antiprefcio: o que
interessa ao autor o que El ps no seu livro sem o saber; o autor espera do pblico a
revelao das suas obras, frmula que contm j toda teoria da recepo (APUD
TADI, 1997, p.25).
Os romancistas, mais do que os seus predecessores, tm narrado a gnese das
suas obras. Igualmente, tm multiplicado as confidncias. O culto dos autgrafos
confunde-se com o da voz que silenciou. No entanto, independentemente do autor se
ocultar ou se expor, o pblico persegue a sua imagem na TV, as suas respostas nos
jornais. Sobretudo, o desenvolvimento das biografias completadas pelas
autobiografias fornece uma exigncia: os leitores no se contentam apenas com o que
os romances lhes apresentam, mas almejam tambm conferir se existe uma realidade
alm da fico, uma pessoa por trs ou por dentro do texto. Para Tadi (1997), em sua
recapitulao sobre o romance do sculo XX, este gnero absorveu outros gneros como
a poesia, o teatro, a crtica literria, a filosofia, a lingustica, a msica, a pintura, a
fotografia.
Ao refletir sobre o romance moderno, Anatol Rosenfeld (1997) prope uma
analogia com a pintura, e relaciona as mudanas estruturais no romance moderno com
as alteraes ocorridas nas artes plsticas e na sociedade. Com este intuito, formula trs
hipteses. A primeira se apoia na ideia de que, em um determinado perodo histrico,
existem, tanto na pintura quanto na literatura, caractersticas comuns: formais, temticas
e ideolgicas (levando em conta as particularidades nacionais e tambm de cada obra de
arte). A segunda hiptese trata sobre a recusa da pintura, nas artes plsticas, em
permanecer mimtica, em produzir ou copiar a realidade. A arte moderna rompe com a
perspectiva clssica:
O retrato desapareceu. (...) A perspectiva cria a iluso do espao
tridimensional, projetando o mundo a partir de uma conscincia individual. O
mundo relativizado, visto em relao a esta conscincia, constitudo a
partir dela; mas esta relatividade reveste-se da iluso do absoluto. Um mundo
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Alm destas duas hipteses, Rosenfeld (1997) discorre sobre a ordem cronolgica
dos acontecimentos de uma narrativa ao iniciarem uma fuso dos nveis temporais. Os
elementos estruturais do romance moderno so dissolvidos. A cronologia, a motivao
causal, o enredo linear, a montagem da personalidade so eliminados.
Para Vargas Llosa, o escritor age como um carniceiro de sua prpria
experincia. (LLOSA, 2006, p.15). O autor peruano se interessa pela perspectiva da
experincia que no necessariamente biogrfica. Llosa coloca as dificuldades do ofcio
de escrever para demonstrar que no existem romancistas precoces como Arthur
Rimbaud. Ao refletir sobre o poder das histrias em detrimento opresso do sistema,
Llosa afirma:
No sem razo; sob uma aparncia inofensiva, inventar histrias uma
maneira de exercer a liberdade e de lutar contra os que religiosos ou leigos
gostariam de aboli-la. Essa a razo pela qual as ditaduras o fascismo, o
comunismo, os regimes fundamentais islmicos, os despotismos militares
africanos ou latinos-americanos tentam controlar a literatura aprisionando-a
na camisa de fora da censura. (LLOSA, 2006, p.11)
Um romance uma segunda vida (PAMUK, 2011, p.9) afirma Orhan Pamuk
ao apresentar o seu ponto de vista sobre o romance ocidental e acerca da sua prpria
potica. Para o escritor turco, ler um romance permite ao leitor escapar da lgica
cartesiana, ter pensamentos contraditrios e entender diferentes pontos de vistas. Nas
conferncias realizadas na Universidade de Havard, Pamuk atualiza as ideias de
Aspectos de um romance, de Foster. O objetivo principal do escritor explorar os
efeitos que o romance tem sobre o leitor, entender como o romancista trabalha e como
um romance escrito. Para Pamuk (2011), as experincias de leitor e escritor se
entrelaam. Estudar romances requer a leitura de grandes romances e o desejo de se
escrever de forma semelhante. O filsofo Nietzsche lembrado para fundamentar a
ideia de que, antes de se falar em arte, necessrio tentar criar uma obra de arte. Ao se
questionar sobre em que medida o romance espelha a realidade ou fruto da imaginao
do escritor, Pamuk (2011) afirma que a fora propulsora do romance a ambiguidade, a
existncia simultnea do ingnuo e do reflexivo tanto no leitor quanto no escritor. Para
Pamuk (2011), o totalitarismo almeja uma personalidade fixa, j a literatura deseja uma
identidade tenazmente em devenir:
A arte do romance se torna poltica, no quando o autor expressa opinies
polticas, mas quando fazemos um esforo para entender algum que
diferente de ns em termos de cultura, classe e sexo. Isso significa sentir
compaixo antes de emitir um juzo tico, cultural e poltico. (PAMUK,
2011, p. 53.)
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livro vende pouco, etc., constata-se que surgem novos escritores e novas editoras.
Recentes prmios literrios despontam, nos ltimos anos, com valores mais altos. Os
jovens autores no esperam mais a consagrao pela academia ou pelo mercado;
encontram diversas formas de organizao, improvisam-se como crticos, formam listas
de discusso, utilizam as oportunidades oferecidas pela internet. Novas vozes emergem
a partir de espaos que at recentemente estavam apartados do universo literrio. Uma
expresso artstica, oriunda da periferia das grandes cidades, cujo percurso iniciou-se
atravs da msica, alcanou a literatura e agora utiliza o seu prprio discurso. Alm da
fertilidade, Resende (2008) aponta para a qualidade dos textos e o cuidado na
preparao da obra. A correo imediata feita pelos programas de computador, a
originalidade na escritura e um repertrio de referncias da tradio literria so
aspectos tambm constatados. Consequncia da fertilidade, da juventude e das recentes
possibilidades editoriais, a multiplicidade, a heterogeneidade em convvio no
excludente revela-se na linguagem, nos formatos, na relao de busca com o leitor. So
mltiplos tons e temas e, sobretudo, mltiplas convices do que literatura. H, na
maioria dos textos, a manifestao de uma urgncia, de uma presentificao radical.
Essa ltima se evidencia por atitudes, como a interveno de novos atores presentes no
universo da produo literria. Escritores moradores da periferia ou segregados da
sociedade eliminaram os mediadores na construo das narrativas com novas
subjetividades, fazendo-se proprietrios das suas prprias vozes. Na recusa dos
intermedirios tradicionais, essas vozes buscam a substituio dos editores pela criao
de editoras em que tenham maior participao. Nas mltiplas possibilidades da fico
contempornea, o tema mais evidente produzido na cultura no Brasil contemporneo
consiste na violncia nas grandes cidades. A cidade real ou imaginria torna-se o locus
dos conflitos privados, mas que so tambm conflitos pblicos que invadem a vida e os
comportamentos individuais, ameaam o presente e afastam o futuro que aparenta ser
impossvel.
Quando se reflete sobre as narrativas contemporneas, no h como no se
pensar sobre a contemporaneidade. Giorgio Agamben (2009) afirma que ser
contemporneo no coincidir perfeitamente s pretenses de seu tempo. Esse
deslocamento permite um recuo ao passado sem o desvio do presente. A funo do
contemporneo alcanar a legibilidade dos ndices histricos, relacionando o tempo
presente com outros tempos. E assim, ler de modo indito o presente, embora o agora
seja inapreensvel, pois est dividido entre o no mais e o ainda mais. A condio
para se pensar a contemporaneidade cindir o tempo em mais tempos, inaugurando uma
descontinuidade.
O desafio ao se debater sobre a fico brasileira contempornea reside no fato de
que o objeto em questo impreciso, pois envolve algo que est sendo produzido. Alm
disso, importante escolher obras atuais em termos de manifestao do imaginrio
social, e no do momento da publicao. A imagem do cu estrelado de Hans Robert
Jauss exemplifica a diferena entre as obras que atuam em um movimento inercial e as
que ampliam o deslocamento. preciso incluir nessa discusso o conceito de fico que
no abrange apenas o conceito de gnero literrio.
Para Susana Scramim (2007), a literatura abarca uma noo maior do que a ideia
de contemporneo, pois necessrio que se assuma o risco de que ela seja deslocada
para um local de passagem de discursos. Escrever literatura do presente hoje tem a
funo de fazer coincidirem as coisas que a modernidade esgotou h muito: a
possibilidade do conhecimento e da experincia (SCRAMIM, 2007, p. 16).
O sculo XXI, segundo Karl Erik Schollhammer (2009), iniciou com a disperso
de temas e com estilos de convivncia mltipla. H uma ausncia de modelos cannicos
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como, por exemplo, uma nova Clarisse Lispector ou um novo Guimares Rosa.
Reconhece-se a importncia da internet. No debate sobre a literatura contempornea,
faz-se referncia a muitos jovens, mas no apenas a eles. Importam tambm autores que
no gestaram a produo atual, mas que permanecem inovadores com suas obras,
muitas vezes menos temerosos de radicalizaes, de profanaes. O realismo o
elemento chave na tentativa de delinear a heterogeneidade que caracteriza a literatura
contempornea:
No terei coragem de definir fundamentos para uma nova arte e literatura
polticas, pelo contrrio, voltarei a essa discusso [realismo] para refletir
sobre a simultnea vontade por parte de alguns escritores e artistas
contemporneos de se engajarem na realidade social e a dificuldade de
traduzir esta vontade num projeto esttico adequado. (SCHOLLHAMMER,
2009, p.166)
Donaldo Schler (1989) afirma que o romance est morrendo e deve continuar a
sucumbir:
Um gnero que perdeu a possibilidade de morrer que realmente est morto.
A epopeia no pode morrer porque j h muitos sculos a morte silenciou a
voz que lhe animava o ritmo. Morta, a epopeia se eternizou. Alimentando-se
de suas muitas mortes, que o romance se mantm vivo. (SCHLER, 1989,
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importantes do pas entre 1990 e 2004. Os dados assinalam que suas personagens so,
em sua maioria, brancas, do sexo masculino das classes mdias:
O resultado que, como conjunto, nossa literatura apresenta uma perspectiva
social enviesada, tanto mais grave pelo fato de que os grupos que esto
excludos da voz literria so os mesmos que so silenciados nos outros
espaos de produo de discurso a poltica, a mdia, em alguma medida,
tambm o mundo acadmico. (DALCASTAGN, 2013, p.193)
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