HIpólito de Roma
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Boletim de
Estudos Clssicos
Associao Portuguesa de Estudos Clssicos
Instituto de Estudos Clssicos
Coimbra
Junho de 2012
DE TRADITIONE APOSTOLICA DE
HIPLITO DE ROMA (SC. III):
TESTEMUNHOS SOBRE O USO RITUAL DOS ALIMENTOS NO
CRISTIANISMO PRIMITIVO.
Selecionaram-se alguns passos do primeiro regulamento eclesistico
conhecido, atribudo a Hiplito de Roma, de acordo com o interesse dos
mesmos para uma melhor compreenso do uso dos alimentos no contexto
ritual do cristianismo primitivo. Os passos selecionados do texto latino esto
seguidos pela traduo original em Portugus1. A abordagem aqui seguida
privilegia dar a conhecer o texto enquanto fonte para o conhecimento da
alimentao em contexto religioso, pelo que os comentrios ao texto figuram,
de forma sucinta, na parte III deste documento. Na parte II faz-se uma
apresentao da obra estudada e do contexto do seu aparecimento.
I De Traditione Apostolica alguns excertos texto latino e traduo
5. De oblatione olei (p. 55)
Si quis oleum offert, secundum panis oblationem et uini, et non ad
sermonem dicti, sed simili uirtute, gratias referat dicens:
Vt oleum hoc sanctificans das deus sanitatem utentibus et
percipientibus, unde uncxisti reges sacerdotes et profetas, sic et omnibus
gustantibus confortationem et sanitatem utentibus illud praebeat.
5. Acerca da oferta de azeite:
Se algum traz azeite, sejam dadas graas, tal como com a oblao de
po e vinho, no com o uso das mesmas palavras, mas com idntico
propsito:
-Santificando, Deus, este azeite, que concedas a salvao aos que o
usam e que o recebem, com que ungiste reis, sacerdotes e profetas; que do
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1 B. Botte (1968), Hippolite de Rome: la Tradition Apostolique, Paris, SC. 11.
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que creem, tornando doces, atravs da suavidade das Suas palavras, toda a
amargura de corao.
A gua presente em oferenda como sinal do banho, para que o homem
interior, que a alma, atinja os mesmos benefcios que o corpo.
De todas estas coisas o bispo dar poro aos que comungam. Partido
o po, quando apresenta cada bocado, dir: -O po do cu em Cristo
Jesus. O que recebe responder, por sua vez: -Amen. Se os padres no
forem suficientes, tambm os diconos peguem nos clices, e com dignidade
e modstia mantenham a seguinte ordem: primeiro, o que tem a gua;
segundo, o que tem o leite; terceiro, o que tem o vinho.
E ento seja oferecido ao bispo pelos diconos, que dar graas do
po, como smbolo (aquilo que em grego se diz de antitypo) do corpo de
Cristo; e o clice com vinho misturado como antitypo, (que como os gregos
dizem semelhana), do sangue, que foi vertido em favor de todos os que
creem Nele.
22. De communione (p. 98)
Die prima sabbati episcopus, si potest, manu sua, dum diaconi frangunt,
omni populo distribuet ipse, et presbyteri coctum panem frangent. Cum
diaconus ad presbyterum affert, porriget uestem suam, et ipse presbyter
sumet, et populo manu sua distribuet. Ceteris diebus recipiente secundum
mandatum episcopi.
22. Acerca da comunho
No Domingo, o bispo, se possvel, distribuir ele prprio a comunho
a todo o povo, enquanto os diconos partem o po; os padres partiro
tambm o po, depois de cozido. Quando o dicono leva o po ao padre,
abrir o seu regao, e o prprio padre pegue nele e de sua mo o distribua
ao povo. Nos restantes dias comunguem segundo as instrues do bispo.
26. De cena communi (p. 102)
Et cum cenant, qui adsunt fideles sument de manu episcopi paululum
panis antequam frangant proprium panem, quia eulogia est et non eucaristia
sicut caro domini.
26. Da refeio comum
Quando comem, os fiis presentes recebero da mo do bispo um
pedao de po antes de partirem o prprio po, porque um acolhimento, e
no uma Eucaristia, como a carne do Senhor
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27. Quod non oportet ut catechumeni edant cum fidelibus (p. 104)
Catecuminus in cena dominica non concumbat. Per omnem uero
oblationem memor sit qui offert eius qui illum uocauit; propterea enim
depraecatus est ut ingrediatur sub tecto eius.
27. Por que razo no devem os catecmenos comer com os fiis
O catecmeno no tomar parte da ceia do Senhor. Ao longo de toda a
partilha, que todo o que oferece se lembre Daquele que o convidou; por
causa disso que ele suplicou que o deixasse entrar na Sua morada.
28. Quod oportet ut comedant cum disciplina et sufficientia
Edentes uero et bibentes cum honestate id agite et non ad ebrietatem, et
non ut aliquis inrideat, aut tristetur, qui uocat uos, in uestra inquietudine, sed
ore tut dingus efficiatur ut inggrediantur sancti ad deum. Vos enim, inquit,
estis sal terrae. Si communiter uero omnibus oblatum fuerit quod dicitur
graece apoforetum, accipitur ab eo. Si autem ut omnes gustent sufficienter,
gustate et superet, et quibuscumque uoluerit qui uocauit uos mittat tanquam
de reliquiis sanctorum et gaudeat fiducia.
Gustantes autem cum silentio percipiant qui uocati sunt, non
contendentes uerbis, sed quae hortatus fuerit episcopus et, si interrogauerit
aliquid, respondeatur illi.
28. Por que conveniente que comam ordeiramente e com moderao
Quando comeis e bebeis, fazei-o com elevao, e no at
embriaguez, para que ningum se ria de vs, ou que o que vos convida no
fique triste com a vossa agitao; mas que ele pea para ser considerado
digno que os santos entrem na sua casa. Vs sois, disse Ele, o sal da terra
(Mt 5, 13). Se a todos vs, em conjunto, vos for oferecido aquilo que em
Grego se chama de apophoreton, seja aceite assim. Mas se for para que em
comum se saciem, comei de modo a que sobre, e que aquele que vos
convidou vos mande embora com aquilo que achar bem, tal como os outros
santos, e com confiana se alegre. Durante a refeio, os que foram
convidados comero em silncio, sem troca de palavras, dizendo apenas
aquilo que o bispo autorizar e, caso ele pergunte algo, se lhe responda.
29. Quod oportet comedere cum gratiarum actione (p. 108)
Unusquisque in nomine domini edat. Hoc enim deo placet, ut
aemulatores etiam apud gentes simus, omnes similes et sobrii.
29. O que se deve comer em ao de graas
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apices ueterum per monumenta sequor, inuenio Hippolytum, qui quondam scisma
Nouati/presbiter attigerat nostra sequenda negans,/usque ad martyrii prouectum
insigne tulisse/lucida sanguinei praemia supplicii./Nec mirere senem peruersi
dogmatis olim/munere ditatum catholicae fidei. O nome e o martrio de Hiplito de
Roma seguem os contornos do mito grego de Hiplito, filho de Teseu. Por este
motivo, pensa-se que o relato do martrio do sacerdote romano, atado e desmembrado
por cavalos, seja, nos seus contornos exatos, uma fico literria que adapta um mito
conhecido.
3 Epgr. 28: Hippolytus fertur, premerent cum iussa tyranni,/ presbyter in
scisma sempre mansisse Novati; []sic noster meruit confessus martyr ut esset/ haec
audita refert Damasus, probat omnia Christus.
4 Obra desaparecida, mas de que Jernimo d nota no seu De Viris Illustribus,
61.
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Hiplito foi, assim, o ltimo autor cristo que, em Roma fez do grego
sua lngua principal. Apresenta, neste primeiro quartel do sc. III, a
particularidade de se debruar sobre questes disciplinares. Faz, pois, todo o
sentido que o Ocidente latino o tenha preservado na memria como um
rigorista, cuja rutura temporria com a Igreja de Roma ficou marcada pela
oposio reviso do penitencial.
Neste esprito, entre inmeros escritos, Hiplito deixou o De Apostolica
Traditione ( ), texto de enorme interesse, posto que,
aps o antigo texto da Didach, primeiro catecismo ou de manual pastoral do
judeo-cristianismo, composto nos primeiros anos do sc. II e atribudo aos
doze apstolos, constitui um volume que organiza as constituies
eclesisticas da Antiguidade crist.
D testemunho do ritual seguido na Igreja, com regras e frmulas fixas
para os sacramentos institudos, tais como a batismo e a Eucaristia. Descreve
tambm os graus da hierarquia ministerial: o bispo, o presbtero, o dicono, o
leitor, o catecmeno, a viva e, em categorias especiais, os confessores, as
virgens e os subdiconos, (os confessores so os fiis que deram prova
pblica da sua f e sobreviveram, os dois ltimos resultavam de votos
individuais, sem ter havido, portanto, imposio das mos do bispo.); quais as
funes atribudas a cada um, qual o ritual especfico para a sua ordenao.
A transmisso do texto hoje conhecido verdadeiramente tortuosa, e
tentaremos resumi-la ao essencial5: constando o texto original como perdido,
o mesmo apresentava uma verso fragmentria e resumida no livro VIII das
Constituies Apostlicas6. No entanto, existem tradues coptas, rabes,
etipicas e latinas. De entre as verses orientais, s a traduo copta se funda
diretamente no original grego, integrando um conjunto de leis sob o nome de
Heptateuco Egpcio (sc. V).
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5 J. Magne (1975) Tradition Apostolique sur les carismes et Diataxeis des
saints aptres, Paris.
6 Trata-se de uma coleo de oito tratados de ordenaes crists em grego,
coligido nos finais do sc. IV provavelmente em Antioquia, contendo o principal da
doutrina e do culto, para ser usado como guia das atividades do clero. Os livros I-VI
reescrevem as chamadas Didaskalia Apostolorum, O Ensino dos doze apstolos,
texto escrito tambm nos incios do sc. III, procedente de Antioquia, mas que se
apresenta como tendo resultado do I Conclio, o de Jerusalm, (Act. 15 1-33). O livro
VII est dependente da Didach, com alguns captulos a integrarem oraes judaicas.
Entre os caps 3-46 do livro VIII encontra-se a verso grega da obra de Hiplito.
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est Ide, est dada11) que marcmos a negrito no corpo do latim, legitima,
em nosso entender, o argumento de que se esto a descrever momentos
cultuais agrupados na missa enquanto conjunto cultual que envolve a
Eucaristia. Entre o passado e o tempo atual, verifica-se no primeiro uma
maior literalidade, ou seja, as palavras e seus referentes encontravam-se mais
prximos. Assim se entendem as abundantes referncias alimentares em
contexto ritual.
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11 luz da informao da Tradio Apostlica, o que que est dado? A
palavra e a Eucaristia ? (leitura atual). Curiosamente, a obra de Hiplito no refere, no
culto, os momentos de liturgia da palavra ou de ensinamento catequtico, ou mesmo
de leituras de textos sagrados. O ritual aprovado por Hiplito fundamentalmente
gesto que suporta a palavra, e no o inverso. Estamos inclinados a pensar que a
expresso alude aos bens alimentares efetivamente usados no culto, e a partilha de
uma refeio comunitria, em ao de graas, que uma vez dada, encerrava a
reunio.