A Questao Do Humanismo

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A QUESTO DO HUMANISMO

Holanda A. F, (1997) Dilogo e Psicoterapia Cap. I. So Paulo: Lemos Editorial.

1. O SENTIDO DA QUESTO HUMANISTA


Etimologicamente temos que o Humanismo tudo aquilo que se volta
para o humano, que relativo ao homem,1 embora seja uma concepo
demasiado abrangente para ser tomada por definio.
O humanismo uma idia, centrada no humano. a tomada do humano
por objetivo. a tentativa de transcender a si mesmo e se centrar no homem
como objeto prprio. Falar de um humanismo , fundamentalmente, expressar
uma atitude diante do fenmeno humano. uma considerao valorativa do
gnero humano, atribuindo-lhe um sentido.
Para se ter uma significao precisa dos conceitos de homem, de
indivduo e de pessoa, precisamos definir o que se compreende por
humanismo. Andr Lalande2 assinala para a inutilidade de se apontar o
paradoxo do humanismo. Todavia, verdadeiro que, ao fazer uma anlise das
idias ditas humanistas, no se faz nada alm de retomar o eterno paradoxo
da existncia humana: o que faz o homem buscar continuamente sua essncia.
Karl Jaspers, sobre o humanismo, diz:
O termo humanismo possui sentidos diversos.
Designa, de uma parte, um ideal de cultura
implicando a assimilao da tradio clssica; em
seguida, a recriao do homem de hoje a partir de
sua origem: enfim, o sentido do humano, que permite
reconhecer em cada homem a dignidade humana. 3
Quando buscamos uma definio de Humanismo, vemos que este se
refere, basicamente, ao movimento de esprito representado pela figura dos
humanistas renascentistas (como Petrarca, Laurent Valia, Erasmo de
Rotterdam, Bud, Ulrich de Hutten), que se empenharam num esforo por
relevar e valorizar a dignidade do esprito humano, retomando a cultura grega
clssica.4
O humanismo no se constitui em um sistema, visto ser virtualmente
impossvel determinar seu princpio ou mesmo o seu fim. No se organiza, ao
redor de certas idias, diretrizes que desencadeiam movimentos reformistas.
No se constitui nem mesmo numa espcie de filosofia. Todavia, foi e continua
sendo a idia central de numerosos sistemas filosficos.
Humanismo sinnimo tambm da doutrina proposta por F.C.S. Schiller
em suas obras de Oxford:
1

Cunha, 1991
Lalande, 1956
3
Jaspers, 1949 : 187
4
Lalande, 1956 : 421
2

Humanismo simplesmente o fato de que o


problema filosfico concerne aos seres humanos se
esforando em compreender um mundo de
experincia humana com os recursos do esprito
humano".5
Esta tentativa de definio j , com efeito, uma limitao sua prpria
imagem, da mesma maneira que qualquer imagem que se atribua ao homem o
limitar. Ao se procurar o significado do humanismo, a primeira questo que se
pe sobre a significao do homem enquanto tal.
Desde os primrdios do pensamento filosfico, esta questo vem, direta
ou indiretamente, mente dos pensadores, pois virtualmente impossvel ao
homem pensar a realidade do mundo fazendo uma completa abstrao de si
mesmo.
A questo fundamental do humanismo: o que o homem?, tem
substancial reflexo no pensar de Jaspers, para quem o homem est sempre
aberto para o futuro, sendo um ser inacabado e inacabvel.6
O humanismo surge ento como um questionamento, uma procura pelo
sentido de ser deste homem. E um esforo contnuo pela compreenso de sua
totalidade, pela sua considerao integral.
Heidegger assim compreende o humanismo:
...por humanismo em sentido geral, se
entende o esforo tendente a tornar o homem livre
para a sua humanidade e a lev-lo a encontrar nessa
liberdade sua dignidade, ento o humanismo se
diferenciar segundo a concepo de liberdade e de
natureza do homem.7
Uma definio de humanismo ser, ento, to ampla e diferenciada
quantas forem as imagens e concepes que as filosofias possurem do ser
humano.
Diramos que o Humanismo uma idia, cuja diretriz bsica a de
reao aos conceitos e atitudes que deixam o ser humano relegado a um plano
inferior; , pois, uma re-significao deste humano, onde se prima pela sua
dignidade e pela sua liberdade; uma considerao da totalidade do ser
humano, pois no h humanismo que recorra a um homem
compartamentalizado; a retomada do sentido de integrao do homem ao
meio em que vive, visto no poder ser considerada humanista a concepo que
destaca o homem de seu meio, nem que destaca o meio do homem; assim,
como um corolrio da primeira diretriz, uma idia que posiciona o homem
num primeiro plano, no o secundarizando.

2. HUMANISMO E NOO DE HOMEM


5

F.C.S.Schiller apud Lalande, 1956 : 422


Jaspers, 1949 : 187
7
Heidegger, 1957 : 36
6

A posio humanista a de questionar exatamente este ser humano;


de se perguntar sobre o que o homem? Ou ainda, quem o homem?
Falar de humanismo, pois, parece uma das grandes contradies a que
o homem se impe. Instituir algo chamado de filosofia humanista ou
psicologia humanista, parece a certeza de que algo est errado na prpria
considerao do ser humano enquanto tal.
Esta contradio, este paradoxo, refere-se ao fato que:
...juntamente com a imensa e aparentemente
irresistvel vaga que eleva ao mais alto cimo das
aspiraes da sociedade moderna o valor da pessoa e a
exigncia da sua realizao nos campos cultural, poltico,
jurdico, social, pedaggico, religioso, ela assiste ao longo
desfilar das filosofias que, ou dissolvem criticamente a
noo de pessoa, ou minam os fundamentos metafsicos
com que fora pensada na tradio clssica, repensando-a
segundo os cnones da nova metafsica da subjetividade.8
Apesar desta verdade, o prprio paradoxo , em si, uma parte significativa da
realidade. Zuben, na sua introduo obra de Martin Buber, diz que:
O paradoxo a paixo do pensamento, o pensador
sem paradoxo como um amante sem paixo, um sujeito
medocre.9
Com isto, percebe-se que este suposto paradoxo
tambm, parte da prpria existncia. E importante
levantar novamente esta questo, pois muito comum se
falar ou se comentar acerca do humanismo ou da
psicologia humanista, exaltar a sua beleza e sua poesia;
mas, no seu cerne, no seu sustentculo, na sua motivao,
nada discutido.
Vemos que o humanismo, sob certo aspecto, uma contradio, um
paradoxo; por outro lado, uma necessidade, na medida em que nos vivemos
numa sociedade altamente intelectualizada e tecnicista. Valorizar o tcnico em
demasia cria uma sociedade desenvolvida, mas esquecida de questes
bsicas como a relao humana, o contato com o outro sem intermediaes,
etc.
A interrogao geral realizada pela filosofia clssica, em especial pelos
gregos antigos, tendo sido retomada por figuras histricas no seio da filosofia,
pressupe em si mesma, uma objetivao do gnero humano.
Esta objetivao, ou busca de definio, termina por criar um conflito
dos humanismos10 onde colidem diversas acepes para o ser humano: no
existencialismo ateu, o homem se define por sua liberdade; na viso marxista,
o homem produto da evoluo material e social; numa concepo
sociolgica, o homem existe em funo de uma sociedade; se tomamos por
8

Vaz, 1992 : 195


Zuben in Buber, 1979 : V
10
Etcheverry, 1975
9

base o pensamento freudiano, teremos um ser complexo e ignorante de si


prprio; e um homem mergulhado totalmente em Deus, se o olharmos numa
concepo pantesta.
Esta busca de objetivao causa a desumanizao segundo muitos
humanistas. Numa tentativa de retomar a questo, Brun assinala que:
A interrogao Quem o homem? Implica no
reconhecimento de um sujeito (..), que parte de si para
alcanar um ponto de interrogao, debruando-se sobre
uma verdade ao interior da qual ele tem o sentimento de se
encontrar, sem poder coincidir plenamente com ela. 11
Esta inverso no modo de considerar a questo que interroga o ser
humano, no somente reavalia o prprio papel do ato de questionar, como
acessa o mago desta ao. No mais se interroga no vazio, mas se aponta
em direo a um caminho diverso daquele que objetiva e quantifica o gnero
humano.
Quanto mais se progrediu em termos de crescimento e desenvolvimento
tecnolgico e sistemtico, tanto menos a cincia se envolveu com a totalidade
da existncia humana e mais se verificou uma desateno com aqueles valores
que hoje so retomados pela filosofia que se prope humanista. Mais
precisamente:
A inverso do Quem sou eu? Para o O que sou eu?
Comeou a partir do momento em que se cessou de refletir
sobre a queda do homem para observar a queda dos
corpos.12
A interrogao sobre o ser como caracterstica do humanismo se
encontra presente desde os filsofos pr-socrticos. Por sua atitude
racionalista de pensar a realidade, estes filsofos se questionaram acerca do
sentido do ser.
Os filsofos pr-socrticos devem ser considerados os verdadeiros
fundadores do pensamento ocidental. O prprio Scrates muito deve a estes
pioneiros pensadores.
Protgoras de Abdera (Sc.V a.C.) sucessivamente apontado pelos
pensadores humanistas como o ponto de referncia das idias humanistas na
Grcia antiga. Durant,13 em sua obra histrica, refere-se a Protgoras como o
maior dos sofistas, na qualidade de quem comeou o subjetivismo na
filosofia. Seu pensamento se sobressai a Sofstica por trazer tona a questo
da individualidade e do relativismo em meio a uma afirmao da superioridade
da vida social baseada na tcnica do ensino da virtude poltica, 14 como a
usada pela maioria dos sofistas.
Este humanismo sofstico de Protgoras surge da sua mxima que diz:
O homem a medida de todas as coisas, do ser daquilo que , do no-ser

11

Brun, 1982 : 41
Brun, 1982 : 41
13
Durant, 1988.
14
Brhier, 1962.
12

daquilo que no .15 Todo conhecimento deriva da individualidade, j que as


coisas so como aparecem para o indivduo em particular.
O subjetivismo de Protgoras, onde a realidade percebida
individualmente, por suas impresses, deriva num relativismo - todas as
impresses so verdadeiras para quem as experimenta - e num fenomenismo
radical, onde se chega considerao do homem como medida da realidade:
O homem medida de todas as coisas significa,
pois, que o sujeito, mediante suas experincias sensveis,
pedra de toque e juiz da realidade, e distingue o existente
do inexistente por meio de suas sensaes, as quais no
obstante no dependem tanto do objeto exterior presente,
que pode provocar sensaes opostas em sujeitos
diferentes, como o estado subjetivo de cada um, que varia
de um para outro sujeito e de um para outro momento da
existncia individual.16
O humanismo em termos filosficos gerais, como doutrina, algo
recente. No seu sentido mais estrito, o humanismo comeou com o advento da
Renascena (Scs. XV-XVI). A cultura renascentista considerada uma cultura
humanista. A idia renascentista era retomar aquelas conceptualizaes do
homem clssico, retomar a cultura grega clssica. O humanista na Renascena
era aquele que cultivava as humanidades, as humanitas.
Esta atitude humanista renascentista era uma atitude diante do mundo e
da vida que se supunha ter sido a mesma dos gregos clssicos. Os antigos
gregos eram considerados como homens das artes e das cincias, homens
universais. Era a retomada de uma cultura tida como promovedora da beleza e
da retido.
Os homens da Renascena vinham se opor filosofia at ento vigente
mais recente, queles ideais da Idade Mdia e da filosofia Escolstica. A
Escolstica era uma doutrina referente aos ensinamentos de filosofia e teologia
ministrados nas escolas e universidades da Idade Mdia europia.
Caracterizava-se no somente pela tentativa de conciliar os dogmas cristos
com os ensinamentos filosficos clssicos, em especial o platonismo e o
aristotelismo, como tambm pelo fato fundamental de ser um mtodo
especfico voltado para a segurana dos argumentos e solidez da discusso.
A Escolstica se caracterizava por ser uma vertente tradicional e
formalista, erguida sobre mudanas polticas, sociais e econmicas do mundo
medieval, em especial no perodo entre os sculos XII e XIII.
Nesse sentido, o humanismo renascentista, bem como quase todos os
demais movimentos de pensamento e cultura, passaram a ser uma reao a
este formalismo teolgico da Escolstica, na tentativa de reestruturar os ideais
da Idade Mdia, passando a retomar a cultura grega naqueles aspectos mais
emergentes, tais como a exaltao da beleza do ser humano e outros. Da
surgem os humanistas que valorizavam a dignidade do esprito humano como
Erasmo de Rotterdam e Tomas Morus.
Era uma tentativa de reintegrar o homem ao mundo da natureza e da
histria, e de interpret-lo nesta perspectiva. Uma reao obscuridade
15
16

Japiassu & Marcondes, 1990.


Mondofo, 1968 : 187

medieval, e uma retomada da humanitas grega, no sentido da educao do


homem nos moldes da Paidia.
Segundo os ideais renascentistas, o homem antigo era aquele que
formava a si prprio graas penetrao da livre razo. 17
No Renascimento, em nome do humanismo, o homem comea a
separar-se da grande ordem do mundo, para se tornar organizador desta
ordem: na pintura, onde o artista reordena o mundo atravs da perspectiva; nas
cincias e na tcnica, onde o homem toma impulso para produzir um mundo a
partir de si prprio e de suas necessidades. At mesmo no plano religioso
advm mudanas com a Reforma, que no mais reconhece intermedirios na
comunicao do homem com Deus.
A grande imagem deste perodo a frase de Leonardo da Vinci (14521519): O homem o modelo do mundo. O artista a encarnao do ideal de
homem renascentista. ele quem forja o mundo, insatisfeito com as mazelas
de sua realidade.
O humanismo ainda os Studia humanitatis, ou o estudo das
humanidades, dos valores considerados como essencialmente humanos,
referindo-se poesia, histria, retrica, gramtica e filosofia moral.
Ao mesmo tempo em que o humanismo foi uma reao, tambm uma
atitude diante do mundo, da vida, do ambiente, do homem. Hoje, a idia do
humanismo toma cores mais diversificadas, passando a ser uma idia mais
complexa. Forma-se em torno de um interesse no ser humano, interesse este
que comea com a antropologia filosfica, ou seja, uma viso do homem.
Nogare18 classifica os humanismos em histrico - literrio, que se refere
diretamente ao humanismo renascentista; especulativo - filosfico, que
estabelece a viso de homem de um determinado pensador; e, tico sociolgico, que visa o real, o costume e o social. Na sua concepo, o mais
adequado seria a considerao sartreana de atribuio de algo caracterstico
ao ser humano em relao aos outros seres, o que permitiria divisar um
humanismo e um anti - humanismo.
Numa outra tentativa de esclarecer os diversos sentidos do humanismo,
temos em Etcheverry19 um humanismo racionalista, caracterizado pelo primado
do pensamento e pela autonomia do esprito a partir de sua conscincia
criadora; um humanismo existencialista, onde o homem aparece como ser
colocado no mundo, num posicionamento vinculado sua liberdade e sua
projeo no mundo, cujo sentido est no vivido; um humanismo marxista, com
o primado do materialismo dialtico e histrico, e a colocao do homem face
questo da alienao; e um humanismo cristo, que coloca o homem como
senhor do universo, segundo o mistrio da cristandade.
Tomar o homem como objeto de interesse - objeto aqui compreendido
como foco, como centro de interesse, a principal caracterstica de qualquer
movimento humanista.
Edmund Husserl (1859-1938) disse que o fenmeno histrico mais
importante a humanidade que pugna por sua compreenso. A grande luta do
homem, e talvez sua principal tarefa, buscar sua auto-compreenso. Neste
sentido, fica difcil restringir o humanismo a algo originado na Renascena,
difcil encarar o humanismo sem abarcar questes filosficas como a
17

Husserl, 1976.
Nogare, 1985.
19
Etcheverry, 1975.
18

Metafsica, a Dialtica ou a Lgica, porque, na realidade, todas aquelas


instncias que tocam o humano, sob algum prisma, vem a ser humanista.
Assim, Scrates, Plato, Aristteles, e at mesmo os pr-socrticos foram
humanistas.
A questo fundamental talvez seja: o que realmente o homem?, qual
a sua essncia; enfim, tentar buscar a identidade do homem enquanto ser
humano.
A definio de homem, a busca de sua identidade, uma atitude frente ao
fenmeno humano, caminham no sentido de valorizar este homem, de
consider-lo como um valor. O humanismo passa a ser ento a valorizao do
humano, uma atitude de valorizao frente ao fenmeno humano.
Estas so algumas das caractersticas principais da idia humanista
contempornea. O ser humano diverso dos demais seres, e esta
particularidade o torna o centro de interesse do humanismo.
Homem e mundo tm uma relao constitutiva e complementar. Eu
estou no mundo. Na medida em que sou no mundo, a explicao do homem
como um animal racional passa a ser secundria. Antes de conhecer, de
questionar, o homem deve existir em relao com os outros, com o mundo.
O humanismo pode ser caracterizado ento pelo interesse que se volta
ao problema de sua natureza, sua origem e destino, ou como afirma
Etcheverry:
Humanismo quer dizer pleno desenvolvimento do homem.20

3. CINCIA E HUMANISMO: A PERDA DO SENTIDO


Quando tomamos a evoluo do pensamento humano, podemos dizer
que de uma considerao geocntrica na Antiguidade, passou-se a um
teocentrismo na Idade Mdia, desembocando numa viso antropocntrica na
Idade Moderna.
O sentido da retomada da questo do humanismo deve-se ao fato de
que a cincia e as idias decorrentes desta, continuamente voltam-se para um
antropocentrismo limitado e inadequado ao gnero humano.
Fruto de um desenvolvimento linear, cujos objetivos foram pautados
pelas necessidades de uma sociedade voltada para a produo, para uma
concepo de tcnica como eficcia e Rentabilidade,21 paulatinamente foi-se
valorizando a objetividade, em detrimento do carter subjetivo da realidade
humana. Nesta considerao tcnica do pensamento, do ato de pensar e
repensar a realidade, esquece-se ou abandona-se o sentido do prprio ser
pensante.22
20

Etcheverry, 1975 : 8
Marques, 1989. Convm assinalar que esta posio deriva da excessiva tecnologizao da
sociedade, oriunda fundamentalmente do deslumbramento do homem advindo da Revoluo
Industrial que modificou sobremaneira a perspectiva socioeconmica da cultura ocidental. Por
Revoluo Industrial entendemos o movimento, iniciado na Inglaterra, resultante do emprego
de novas tcnicas e mtodos de produo, que ocasionaram um desenvolvimento econmico
demasiado acelerado. Este perodo iniciou-se em fins do sculo XVIII, sendo marcante no
sculo XIX. A pedra fundamental deste movimento foi a inveno, por James Watt em 1769,
da mquina vapor. A mudana da fora motriz para o vapor, impulsionou decisivamente o
progresso industrial, em direo eficcia e rentabilidade.
22
Heidegger, 1957.
21

Isto se constitui num paradoxo, pois, nada mais contraditrio do que


explorar dimenses humanas sem perceb-las, criando alternativas e meios
que facilitem a vivncia do ser humano, mas em contrapartida, submetendo-o a
uma posio secundria diante destes meios. A cincia no se torna e no se
forma enquanto cincia se no houver uma gnese e um direcionamento no
pensamento humano.
A cincia e a tecnologia evoluram com base em idias que suplantaram,
em determinado momento, estes aspectos subjetivos da realidade, para exaltar
e estabelecer o primado do uso e da experimentao.
Esta cincia atual chamada de objetivista e mecanicista, sob a gide
de um mtodo de acessar a realidade que deriva das concepes prticas de
Galileu Galilei e de um mtodo de pensamento denominado cartesiano.
De Galileu (1564-1642) herda-se a marca indelvel do saber como
expresso matemtica. Da surge a necessidade de experimentao e de
modelos matemticos que possam dar conta da busca pela certeza e da
verdade cientfica.
Continuamente se critica esta cincia exortando a influncia que
Descartes (1596-1650) exerceu sobre ela. Descartes foi um elemento dos mais
importantes, sem dvida, e teve o mrito de determinar uma organizao de
pensamento que possibilitou o progresso tecnolgico do qual ora usufrumos.
O pensamento cartesiano era estruturar uma filosofia que pudesse ser
compatvel com a idia de civilizao, que pudesse ser utilitria em termos
pragmticos, que pudesse ser fiel a certos preceitos caros sociedade, que
pudesse, enfim, ser digna da histria da evoluo do pensamento humano.
Este utilitarismo se reflete na inteno de transformar a cincia em algo
que permita ao homem ser senhor e possuidor da natureza.
Desta forma, o aspecto central do humanismo em relao ao
desenvolvimento tecnolgico se volta para a questo da tcnica, compreendida
como:
... o esforo do homem que emprega as faculdades
mentais para dominar e tornar utilizveis a matria e suas
foras, ou seja, o que se encontra na natureza. Esse
aproveitamento da matria (...) no se restringe de forma
alguma a garantir a existncia na luta pela vida. Muito
acertadamente, Ortega y Gasset definiu algures a tcnica
como o esforo por diminuir os esforos.23
Compreenda-se a tcnica num duplo sentido: subjetivamente, como
habilidade ou percia, voltada para a concepo da tchn grega, como arte;
e objetivamente, como um conjunto instrumental, referente aos aparelhos e
processos usados na ao humana e aos produtos dessa atividade. 24
O questionamento humanista repousa na considerao da ao da
tcnica sobre o ser humano, visto esta haver modificado o trabalho humano na
sua essncia, com a mecanizao e a diviso de trabalho.
Com o desenvolvimento cientfico houve o rompimento definitivo entre
tcnica e arte, entre mecanicismo e objetivismo de um lado, e espontaneidade
e subjetividade de outro. Ao empreender a tarefa de explicar a realidade do
23
24

Hiller, 1973 : VII


Hiller, 1973.

homem, o prprio homem se viu diante de seu dilema: esquecer-se para poder
recordar-se, retirar-se para poder perceber-se, de fora, destacado, isolado, sob
condies rigidamente controladas, como se esta tarefa fosse possvel de ser
determinada.
Neste ponto se insere a crtica husserliana cincia europia. Afinal,
haveria uma crise desta cincia, reflexo de uma crise do homem europeu, pela
perda do sentido da cincia para a vida humana.
A maneira exclusiva que a viso global do mundo
que a do homem moderno foi deixada, na segunda
metade do sculo XIX, determinar e cegar pelas cincias
positivas e pela prosperity, significava que nos voltvamos
com indiferena s questes que para a humanidade
autntica so questes decisivas.25
O esforo cartesiano, embora estivesse voltado para a filosofia enquanto
estudo da sabedoria, para a explicao dos fenmenos em sua totalidade,
destinou-se aplicao prtica, atravs da tcnica, o que serviu de esteio para
uma compreenso da realidade que, preocupada com a utilizao e o domnio
da natureza, afirma o homem como agente criador, descobrindo-lhe segredos
antes interditados. Isto determina um certo deslumbramento do homem consigo
mesmo e, paradoxalmente, o afasta de sua prpria vivncia em comunho e
encontro com esta natureza.26
Esta filosofia racionalista, calcada na acentuao do poder da razo, na
tentativa de apreender as verdades substanciais do mundo, constituiu sistemas
mecanicistas deste mundo. Sobre isto nos alerta Marques que:
preciso, pois, que tenhamos claro que o
mecanicismo nasce da defesa que cientistas e filsofos
empreenderam pela liberdade do homem contra o
determinismo das coisas naturais.27
Esta reao parece ter gerado, contrariamente, outro determinismo,
desta feita antropocntrico, no sentido de exacerbao de um lado desta
liberdade humana, a de criar e gerar sob a forma de um mecanicismo autoreforador, negligenciando aspectos dinmicos da natureza humana.
Deve-se assinalar a autntica revoluo copernicana empreendida por
Descartes no seio da cincia em vigor na poca. Esta revoluo trouxe, sem
dvidas, elementos que posteriormente puderam ser retomados e reavaliados,
permitindo inclusive esta discusso.
Mesmo dentro de sua concepo mecanicista de mundo, surge uma
noo de homem, cujo elo central o cogito, fundamento de sua antropologia,
que instaura o primado da subjetividade enquanto ente pensante, sujeito
criador de seu universo. Contudo, seu mtodo, embora de fundamental
importncia para a determinao do carter de cientificidade da sociedade
moderna, no explorou a questo fundamental do ser, aquela que o interroga
no seu sentido.
25

Husserl, 1976 : 10.


Marques, 1993.
27
Marques, 1993 : 53.
26

As questes deixadas de lado por esta cincia positivista, mecanicista


cartesiana, so justamente aquelas que mais tocam a humanidade, em
especial aos europeus, devido s guerras sofridas. So questes que
envolvem o sentido ou a falta dele na existncia humana.

4. HUMANISMO E CINCIA: RESGATE DO SIGNIFICADO


A cincia, ao mesmo tempo em que evolua na direo do domnio da
tcnica e do uso da instrumentao, padecia da falta de significado em sua
evoluo.
Pouco a pouco, foram surgindo (ou ressurgindo) os questionamentos
destinados a superar esta dificuldade. O homem, supremo mestre da natureza
e dominador da tecnologia cientfica, percebe-se alienado em seu prprio
caminho de progresso, sem saber o que fazer com este desenvolvimento.
Com a evoluo das idias filosficas, novas frmulas vo sendo
apontadas para solucionar este problema. Heidegger (1889-1976) aponta para
uma nova questo na tentativa de soluo da questo humanista: libertar-se da
interpretao tcnica do pensamento, retomar o sentido da tchn, voltar-se
questo da verdade, abrindo o ser vivncia de sua prpria realidade.
Heidegger assinala para uma maneira mais adequada, mais
direcionada, mais ampla de se perceber a realidade. Trata-se de uma nova
forma de se fazer filosofia, e, por conseguinte, cincia. a retomada do
cartesianismo numa vertente mais aberta.
Esta tarefa realizada pela Fenomenologia de Edmund Husserl, onde
se fala numa exigncia de reconstruo, de retomada da subjetividade
cartesiana, e de sua superao.
Sua proposio de um novo mtodo, vinculado ao mtodo
anteriormente assinalado por Descartes, mas que, ao invs de destacar do
mundo o homem, recoloca-o, reposiciona-o, como uma insero deste homem
no convvio com seus semelhantes.28
Do cogito solipsista cartesiano surge um sujeito transcendental, cuja
conscincia intencional instaura a realidade do ego cogito-cogitatum, de uma
ligao intrnseca sujeito-objeto. Esta mudana permite a retomada do sentido
do ser humano enquanto devir heracltico. Da surge que:
justamente assim que a subjetividade
transcendental se alarga em intersubjetividade, em
socialidade intersubjetivamente transcendental, que o
solo transcendental para a natureza e o mundo
intersubjetivos em geral.29
Husserl se prope a realizar a perda do mundo, da idia de cincia, para
poder recuper-la adiante, mais ampliada, mais universal. E uma perda no
sentido de absteno de conhecimentos prvios (cujas razes esto fincadas
na dvida cartesiana) para poder apreciar a totalidade da expresso do
fenmeno que surge aos nossos olhos, processando um retorno s coisas
como elas so, s coisas - mesmas.
28
29

Husserl, 1992
Grifos do original. Husserl, 1992: 46 47.

A Fenomenologia ensina um mtodo de se postar diante das coisas,


numa atitude de escuta e espera ativa do ente, de modo a fundamentar a
cincia na sua radicalidade, no retorno s suas razes. a negao da idia de
que o homem uma coisa entre as coisas, para recolocar a essncia na
existncia, num esforo de clarificao da realidade humana, de abertura
experienciao e vivncia total do mundo.
Heidegger vai procurar estabelecer uma ontologia com base no mtodo
fenomenolgico husserliano, e termina por criar a analtica existencial. Sua
concepo a de que:
As cincias so modos de ser da presena nos
quais ela tambm se comporta com entes que ela mesma
no precisa ser. Pertence essencialmente presena ser
em um mundo. Assim, a compreenso do ser, prpria da
presena, inclui, de maneira igualmente originria, a
compreenso de mundo e a compreenso do ser dos
entes que se tornam acessveis dentro do mundo. Dessa
maneira, as ontologias que possuem por tema os entes
desprovidos do modo de ser da presena se fundam e
motivam na estrutura ntica da prpria presena, que
acolhe em si a determinao de uma compreenso pr ontolgica do ser.30
Para ele, o humanismo retoma a humanitas do homem, um humanismo
que pensa o humanismo do homem. Sua proposio de redimensionar a
prpria palavra humanismo.
Pois na palavra humanismo o humanus indica a
humanitas, a Essncia do homem. O ismo indica que a
Essncia do homem para ser concebida Essencialmente.
Esse o sentido da palavra humanismo, como palavra.
Por isso, restituir-lhe um sentido s pode significar:
redimensionar o sentido da palavra.31
O que o homem , repousa na sua colocao no mundo e no seu
carter de incompletude. Estas so asseres existencialistas que Sartre
(1905-1980) refora, ao considerar o homem como um projeto vivido
subjetivamente.
O humanismo sartreano calcado na questo da responsabilidade da
escolha do homem, naquilo que ele faz de si quando se projeta no mundo.
Neste projetar-se, o homem instaura a intersubjetividade, visto a subjetividade
no ser rigorosamente individual, pois:
No cogito ns no descobrimos s a ns, mas
tambm aos outros. Pelo penso contrariamente filosofia
de Descartes, contrariamente filosofia de Kant, atingimo-

30
31

Heidegger, 1988 : 40
Heidegger, 1957 : 72

nos a ns prprios, em face do outro, e o outro to certo


para ns como ns mesmos.32
Nesta relao cogito-outro, descobre-se ao outro e a si mesmo como
existentes, numa relao onde este outro surge como indispensvel minha
prpria existncia.
O existencialismo surge como um humanismo contrrio concepo
clssica de natureza humana, esttica, onde, segundo Sartre,33 se faz um juzo
do homem pelo homem, como um fim e um valor em si mesmo. O humanismo
sartreano se expressa enquanto liberdade e libertao do homem, que o leva a
voltar-se para fora.
O humanismo, portanto, a retomada da subjetividade, do significado
do ser humano naquilo que ele tem de mais particular, a sua relao
intersubjetiva.
Martin Buber (1878-1965) surge tambm como um pensador
essencialmente humanista, por sua considerao ontolgica do ser humano,
numa concepo terica que caminha em direo a uma abordagem dialtica
da realidade, onde o problema moral, do bem e do mal, no pode ser
compreendido independente de seu contraponto.
com base nesta viso dialtica do mundo que Buber fundamenta sua
antropologia filosfica. Para Buber, a antropologia filosfica se define pelo
estudo da totalidade do homem,34 na qual se inclui o questionamento do seu
lugar no cosmos, suas conexes com o destino, sua relao com o mundo das
coisas e sua compreenso dos semelhantes, alm da considerao da
conscincia de sua existncia como finita, e sua atitude frente ao mistrio no
qual se atira.
Para Buber, as disciplinas filosficas no do conta desta totalidade do
ser humano, caracterizando-se por privilegiar a objetivao, processo este que
chama de des-humanizao, por considerar apenas uma parte deste ser
complexo.
O humanismo buberiano marcado pela sua recusa em aceitar a idia
de que a humanidade do homem se baseia na sua racionalidade, pois esta
razo somente poderia ser considerada quando em conexo com a no-razo
humana.35
A caracterstica fundamental do pensamento humanista de Martin Buber
est no seu esforo de retomar o ser humano na sua globalidade, apontando
para as consideraes limitadas da cincia e da filosofia ao compartamentalizar
e estratificar o ser humano, consideraes estas que servem de empecilho
realizao plena de sua essncia: a de estar continuamente em processo.

5. A PSICOLOGIA HUMANISTA
A Psicologia adotou, em determinado momento histrico, o modelo das
cincias exatas, caracterizado pelo posicionamento do observador face ao
objeto, numa atitude empirista cujo objetivo era o estabelecimento das leis
gerais do psiquismo.
32

Sartre, 1970 : 249


Sartre, 1970.
34
Friedman, 1986.
35
Buber, 1965.
33

Este modelo, porm, no supriu as necessidades integrais de


compreenso que o ser humano tinha. Uma mera concepo mecanicista e
objetiva da realidade psicolgica era demasiado restrita para a considerao do
ser humano como transcendente. Precisava-se, pois, de uma psicologia mais
voltada a estas caractersticas humanas, uma psicologia humanista.
Amatuzzi36 coloca que, uma das razes do progresso do movimento
humanista na Psicologia, estava no fato que as demais doutrinas explicavam
bem certos aspectos da realidade, mas nenhuma conseguia alcanar aquilo
que realmente mexia com o ntimo dos homens. Enquanto algumas explicavam
as razes pelas quais os homens vo ou deixam de ir s guerras, e o que
causa certos traumas, nenhuma delas conseguia realmente explicar a
existncia da guerra em si. Esta seria uma questo essencialmente humana.
A Psicologia Humanista nasce, pois, desta necessidade de ampliar a
viso do homem, que se achava limitada e restrita a apenas alguns aspectos, a
alguns elementos, segundo as perspectivas behaviorista e psicanaltica. Tanto
a Psicanlise, quanto o Behaviorismo, apontavam para partes de um todo
maior e mais complexo que o ser humano. A viso total deste ser humano
estava prejudicada por esta nfase nas partes. assim que surge a idia de se
abordar o gnero humano dentro de sua inteira complexidade. curioso
assinalar o fato de terem sido os maiores representantes desta nova
perspectiva oriundos tanto de uma quanto de outra das abordagens a que
criticam, quando no tiveram influncias significativas de ambas.37
Poder-se-ia definir a Psicologia Humanista (ou Humanstica) a partir de
uma atitude intelectual especfica, onde um representante seria J.Cohen. 38
Segundo Cohen, seriam caractersticas essenciais desta abordagem:
1)
a subjetividade,
2)
a identidade pessoal,
3)
o sentido da historicidade do ser humano (que lhe d o sentido de
passado e futuro), e
4)
a categorizao em juzos morais e axiolgicos.
Esta tentativa de sistematizao, contudo, no redundou claramente
numa nova escola. Na realidade, a Psicologia Humanista no se estruturou em
torno de um lder (como a Psicanlise), mas surgiu do agrupamento de
pessoas com os mesmos intuitos e necessidades. O esforo real da Psicologia
Humanista reside no fato de considerar que a Psicologia no podia ser
resumida ou delimitada em metodologias particulares, o que limitaria seu
prprio campo de atuao. Analogamente, diramos que o mapa no o
territrio, e como tal no podemos nos prender somente a ele.
36

Amatuzzi, 1989.
interessante observar neste sentido que os representantes mais significativos do
movimento humanista em psicologia passaram ou por um ou por outro dos dois modelos que
mais criticam. Adler, Fromm e Rank foram dissidentes psicanalistas. Carl Rogers admite ter
recebido muita informao da Psicanlise e das Teorias da Aprendizagem (Rogers, 1961).
Frederick Perls, criador da Gestalt-terapia, na sua formao, sofreu influncia direta da
Psicanlise e da anlise Reichiana, inclusive tendo escrito seu primeiro livro como uma
reviso da teoria psicanaltica; e Maslow chega a fazer anlise pessoal e a considerar, em
1955, a Psicanlise como a melhor psicoterapia (Fadiman e Frager, 1979). Von Gebsattel,
Medard Boss e Bally (expoentes da Anlise Existencial) so analistas freudianos; Biswanger foi
membro da Sociedade Psicanaltica de Viena por recomendao do prprio Freud e outros
terapeutas existencialistas sofreram influncia de Jung (May, 1967).
38
Arnold, Eysenck & Meili, 1982.
37

Justo,39 aponta para oito caractersticas do movimento humanista na


Psicologia:
1)
nfase na considerao do homem total, em contraponto s
parcialidades das demais abordagens (uma viso sistmica e ativa da
realidade humana);
2)
viso otimista e positiva do ser humano quanto a potencialidades e
possibilidades, numa perspectiva virtualmente prospectiva do humano,
baseado em conceitos tais como o de tendncia auto-realizao e de
liberdade;
3)
considerao da intencionalidade do homem, ou seja:
A intencionalidade sumamente importante por
constituir a base sobre a qual o homem constri sua
identidade. O indivduo procura, a um tempo, conservao.
e mudana. (..) A Psicologia Humanista reconhece que o
homem procura repouso mas, habitualmente, deseja
variedade e desequilbrio. Portanto, as intenes do
homem so mltiplas, complexas e, qui, paradoxais.40
4)
colocao do homem como um ser consciente e, portanto, retomando a
questo da liberdade e do presente;
5) importncia da subjetividade, dos aspectos pessoais da natureza humana;
6)
orientao social do homem, numa perspectiva interacionista, onde o ser
individual se forma a partir dos contatos estabelecidos com o grupo;
7) nfase nas caractersticas mais elevadas do homem, com interesse voltado
a questes como criatividade, crescimento, afeto, autonomia, potencialidades
etc.;
8) apresentao do conceito de Self ou a retomada deste como princpio
unificador da personalidade humana, e um dos construtos mais fundamentais
da Psicologia Humanista:
Para mim, o self inclui todas as percepes que
indivduo tem do prprio organismo, de sua experincia
da maneira como estas percepes esto relacionadas
outras percepes e objetos do seu ambiente e a todo
mundo exterior.41

o
e
a
o

A estas caractersticas, podemos ainda apontar os cinco postulados e


orientaes da Psicologia Humanista, segundo Bugental, citado por Justo:
1. O homem, como homem, mais do que a soma das partes.
2.
O homem tem seu ser num contexto humano: sua natureza se
expressa na relao com outros homens.

39

Justo, 1978.
Justo, 1978 : 148
41
Roges, in Evans, 1975 : 16
40

3. O homem consciente: seja qual for o grau de conscincia, esta


parte essencial do ser humano.
4.
O homem tem a capacidade de escolha: quando consciente, o
homem consciente de ser mais que mero espectador - sente-se
participante da experincia.
5 O homem intencional: busca, a um tempo, situao homeosttica e
desequilbrio, variedade.42
A rigor, a Psicologia Humanista se fundamenta basicamente numa
preocupao com o homem, no sentido de valorizar sua existncia e buscar a
sua essncia naquilo que ele possui de mais ntimo e particular: sua
experincia, sua vivncia. Este o critrio ltimo para qualquer validao
humana.
Metodologicamente, ela se distingue das demais correntes psicolgicas
pela nfase dada ao significado subjacente ao procedimento. O agir puramente
tecnolgico d lugar ao encontro efetivo entre dois seres.
O conhecimento encarado de uma forma absolutamente relativa, no
sentido de que h continuamente uma mudana se processando, e, como tal,
deve-se atentar aos meandros desta continuidade.
Neste sentido, podemos classificar a abordagem humanista em
Psicologia como fundamentalmente fenomenolgica e com direcionamentos
existenciais. Parte da experincia consciente e concreta da pessoa para
ascender ao mago do seu ser. Insiste na totalidade43 e na integridade do ser
humano, enfatizando a liberdade e a autonomia deste ser, como um ser que
no , mas esta, se forma e se completa a cada momento de sua vivncia,
numa perspectiva dinmica e dialtica.
Quando nos propomos buscar as razes do que se considera Psicologia
Humanista, vemos que os modelos humanistas se mostram mais
determinantes na Europa, tendo sido especialmente importantes, os trabalhos
de psiquiatras e psiclogos como Carl Gustav Jung, Alfred Adler, Otto Rank e
outros, cujos pensamentos se caracterizaram por serem reativos aos
elementos mecanicistas e deterministas da teoria freudiana.
Esses desviacionistas (Adler, Jung, Rank, Stekel,
Ferenczi) comearam por atribuir igual ou maior nfase ao
presente (ao aqui-e-agora, presena do paciente) e
tambm ao futuro (a atrao da aspirao e do propsito, a
meta ou plano de vida do indivduo).44
Alguns dissidentes freudianos comearam a pensar as questes
diversamente. Adler,45 por exemplo, talvez seja um dos primeiros a tentar
42

Bugental, in Justo, 1978 : 155


Bugental, 1962.
44
Matson, 1978 : 75
45
Alfred Adler (1870 1937) nascido em Viena, foi um dos expoentes da chamada psicologia
das profundezas, uma aluso psicologia que releva os aspectos inconscientes do psiquismo
e introduz fatores como subjetividade, relatividade e interpretao dos fatos psquicos. Uma
das maiores contribuies de Adler talvez tenha sido a substituio da postura interrogatria
clssica do analista por uma conversao colaborativa, cara a cara com seu paciente. Adler
43

resgatar esta questo do humano para a Psicologia. Ele trouxe o aspecto


teleolgico46 psicologia. Quando Adler coloca isto, ele retoma questes que
no eram trabalhadas pela Psicanlise clssica, como a questo do sentido da
vida, que viria a ser analisada na sua profundidade por Viktor Frankl,47 e do
crescimento e do desenvolvimento humanos, dentre outras.
Com Adler e suas posies, vm tambm no seu bojo, questionamentos
relativos filosofia existencialista. A Psicologia Humanista nasce, ento, da
necessidade de se ampliar a viso de homem que se tinha no mbito da
atuao psicolgica. A idia central dos que trabalharam em prol disso partia
do fato que, tanto a Psicanlise quanto o Behaviorismo, tratavam de partes de
um todo, no caso, o homem, mas no conseguiam alcanar uma viso
totalizante do ser humano. A inteno pois, desses psiclogos, foi resgatar o
ser humano, considerado na sua totalidade. Assim, a Psicologia Humanista
retoma o conceito de holismo de Jan Smuts48 e o de relao parte-todo da
Gestalt-Theorie.49
Abraham Maslow,50 alm de ser figura exponencial na Psicologia
Humanstica, pode ainda ser considerado o iniciador desta idia, ao lado de
est diretamente relacionado realizao da psicologia do ego, estando inserido numa
perspectiva culturalista neo psicanaltica, ao lado de figuras como Erich Fromm, Karen
Horney, Harald Schultz Hencke e Harry Stack Sullivan (Bonin, 1991)
46
Teleologia vem do grego te/os, que significa fim, finalidade. Assim, trata-se do estudo dos
propsitos, das finalidades das coisas, e ento, retoma o aspecto prospectivo do homem,
colocando-o diante de seus objetivos, de seus fins. o contrrio do mecanicismo no sentido
em que este ltimo explica o presente e o futuro em termos de relaes com o passado, ao
passo que a teleologia, coloca nfase no futuro para explicar presente e passado.
47
Viktor Emil Frankl, nasceu em Viena, em 1905. E o fundador da anlise existencial,
conhecida atualmente como Iogoterapia (a terceira escola vienense de psicoterapia). Tendo
sido prisioneiro dos alemes em campos de concentrao na Segunda Guerra, Frankl
desenvolve um sistema psicolgico baseado na questo do sentido da vida, do propsito. Sua
psicologia extremamente filosfica, sendo especialmente influenciada pela Fenomenologia e
pelo Existencialismo. Dentre suas tcnicas teraputicas encontram-se algumas devedoras de
conceitos adlerianos, como a inteno paradoxal e a derreflexo.
48
O conceito de holismo refere-se teoria de J.C.Smuts segundo a qual um todo (e sobretudo
um ser vivo) tem caractersticas especficas que diferem das caractersticas de cada uma das
partes (entelequia).
O holismo integra-se na pesquisa biolgica associada com o mutacionismo (H.de Vries) que
considera a evoluo conseqncia de variao intermitente que pode ser reduzida a uma
repentina reestruturao (Arnold, Eysenck & Meili, 1982:168).
49
Movimento que nasce na Alemanha, por volta de 1912, com a publicao de um artigo, de
autoria de Max Wertheimer (1880-1943), versando sobre o movimento aparente. Este artigo
era um relato da pesquisa empreendida por Wertheimer, juntamente com Wolfgang Khler
(1882-1974) e Kurt Koffka (1886-1941) que se tornaram co-fundadores deste novo sistema. As
pesquisas da Gestalt-Theorie foram sobre a percepo, mais especificamente sobre o fato de
que o todo no pode ser interpretado somente como a soma de suas partes, mas como a soma
das sensaes de suas partes. (Ex.: som de uma melodia; podemos ouvi-la transpondo-a para
outro tom, mas se mudarmos uma nota, altera-se o todo, altera-se a estrutura).
50
Abraham H.Maslow (1908-1970) nasceu em Nova York. Foi uma das figuras mais
importantes da Psicologia moderna. A Psicologia Humanista, conforme histria DeCarvalho
(1990), surgiu, com esse ttulo, no final da dcada de 50 e inicio dos anos 60. Foi sobretudo
graas ao trabalho de dois homens, Abraham Maslow e Anthony Sutich, que o Movimento
Humanista pode ser articulado, organizado e institucionalmente fundado como a Terceira Fora
da Psicologia (Boainain Jr, 1994:2). Alm de iniciador do movimento humanista, tambm teve
participao ativa na Psicologia Transpessoal. Quando, em 1957, Julian Huxley cunhou o
termo trans-humanista, Maslow e outros derivaram-no em transpessoal, o que para muitos
representa a quarta fora em psicologia, ao se ocupar das experincias msticas e dos

Kurt Goldstein,51 Charlotte Bhler52 e Carl Rogers, com a criao, em 1961


do Journal of Humanistic Psychology e, da inaugurao, em 1963, da American
Association of Humanistic Psychology.
O movimento humanista se amplia e se sedimenta com as contribuies de
um pensamento, oriundo principalmente da psiquiatria, que lhe confere um
carter aplicativo-existencia53 a partir de nomes tais como Ludwig
Binswanger,54 Medard Boss,55 Erich Fromm,56 Rollo May57 e Ronald Laing.58
Um evento de grande importncia no estabelecimento da Psicologia
Humanista, foi o Simpsio sobre Psicologia Existencial, organizado por Rollo
estados alterados de conscincia. Tornou-se, todavia, mais conhecido pelos seus estudos
sobre a motivao humana, o que o levou a elaborar uma hierarquia de necessidades bsicas.
Sua inteno era de conhecer e compreender as realizaes que o ser humano capaz de
realizar, lanando mo de estudos de pequenas amostras de seres humanos saudveis
psicologicamente, para determinar o diferencial das outras pessoas. Esta atitude de extrema
importncia, pois a critica que Maslow fazia Psicanlise que esta generalizava suas
concluses a partir da observao de indivduos mentalmente perturbados, o que deriva numa
posio pessimista e rotuladora. Com isto prope j em seu livro Introduo Psicologia do
Ser, de 1957, uma perspectiva do que poderamos chamar de uma Psicologia da Sade.
51
Kurt Goldstein (1878-?), nasceu em Kattowitz. Foi um dos expoentes da psicologia
organicista, tendo tido formao de neurologia e psiquiatria. Seu campo de trabalho abrangia
desde a psicologia da linguagem e da percepo, at os comportamentos de expresso e o
pensamento (Bonin, 1991). Seu trabalho teve influncia sobre a Gestalt-Theorie e o
pensamento de Merleau-Ponty.
52
Charlotte Bhler, (1893-1974), nasceu em Berlin. Ao se interessar pela Psicologia, trabalhou
inicialmente com Hermann Ebbinghaus, a quem abandonou para realizar experimentos com o
pensamento. Alcanou grande conceito como psicloga infantil e juvenil, cujo trabalho
intentava atingir um esboo de uma psicologia da vida (Bonin, 1991).
53
Gonzalez, 1988.
54
Ludwig Binswanger (1881-1966), psiquiatra e psicoterapeuta suio, foi o iniciador do
movimento intitulado de Dasein-Anlise (ou Analtica Existencial). Doutorou-se com um tema
psiquitrico, com Carl Jung, atravs do qual conheceu a Psicanlise. Foi igualmente
influenciado pelo pensamento de Husserl e de Heidegger, sendo um dos expoentes da vertente
psiquitrica fenomenolgica, juntamente com Karl Jaspers.
55
Medard Boss (1903-), psiquiatra suio, um dos fundadores da psiquiatria existencial
baseada em princpios heideggerianos. Comeou sua anlise didtica com Freud, continuandoa em Zurich, Londres e Bedim, e foi colaborador de Jung, embora tenha se afastado de ambos.
Manteve intenso contato com Heidegger e, em 1972, funda o Instituto Analtico Existencial de
Psicoterapia e Psicossomtica em Zurich.
56
Erich Fromm (1900-1980), psicanalista nascido em Frankfurt, autor de vrias obras, Fromm
fundamentalmente um filsofo social. Trabalhou, de 1929 a 1932, no Instituto de Pesquisa
Social de Frankfurt at o advento do nazismo hitleriano, quando vai para o International
Institute for Social Research de New York, onde trabalha com personalidades do quilate de
Theodor Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer e Herbert Marcuse. Tendo sido um terico
da psicanlise neo-freudiana (a corrente intitulada neopsicanlise que enfatizava os aspectos
sociais e ambientais do desenvolvimento humano), Fromm estabelece uma nova contribuio
da Psicanlise ao associ-la aos estudos de problemas relativos sociedade e cultura. A
destacar fundamentalmente seus estudos sobre o sentido da liberdade para o homem
moderno.
57
Rollo May (1909-), psicanalista americano que segue uma linha existencialista influenciada
por Kierkegaard, Sartre e Buber, e se ope psicologia empiricista. E um dos expoentes da
chamada psicologia existencial, embora haja controvrsias quanto a esta categorizao.
58
Ronald Laing (1927-1989), nascido em Glasgow, licenciado em Medicina e Psiquiatria.
Trabalhou no Tavistock lnstitute o! Human Relations (onde estudou as estruturas familiares) e
no lnstitute o! Schizophrenia and Family Research. Formou-se psicanalista tendo Winnicott
como um de seus analistas didticos. Laing considerado, ao lado de David Cooper (1931- ),
um dos dirigentes da antipsiquiama, movimento que integra ao tomar da fenomenologia
existencial conceitos para criticar o modelo psiquitrico da esquizofrenia (Bonin, 1991).

May, e realizado na Conveno Anual da American Psychological Association,


em setembro de 1959. Participaram nomes como Abraham Maslow, Hermann
Feifel, Gordon Allport, Carl Rogers, alm do prprio Rollo May.
A penetrao do pensamento existencialista europeu e de seu
vocabulrio nos Estados Unidos foi tamanha, a ponto de tornar as referncias
ao Movimento Humanista como Psicologia Existencial-Humanstica. A
Psicologia Humanista-Existencial,59 entretanto, no constitui um corpo terico
nico, organizado, estabelecido, com regras claras e teorias definidas. uma
coletnea de numerosas diretrizes de outras escolas de pensamento, que se
unem numa congregao de cabeas que chegaram concluso que tinham
muito mais em comum entre si, em termos de idias bsicas, do que com as
escolas das quais originariamente derivavam.
No existe, assim, um corpo nico por no possuir uma teoria formal de
personalidade, de psicoterapia, de psicopatologia, etc. Em algum momento e
em algumas idias, entretanto, seus pensamentos convergem num ponto, no
resgate da dignidade e da liberdade humanas, e foi esta convergncia que
gerou o aparecimento da psicologia humanista. Uma destas idias centrais era
a que se referia ao processo do ser humano, no tocante a seus fins e objetivos:
Viam que tal pessoa persegue fins e valores no
por causa de uma necessidade de homeostase, como
ensinava a mais recente psicanlise, mas com a finalidade
do que Fromm e Horney chamaram auto-realizao ou
Goldstein e Maslow chamaram auto-atualizao, ou ainda
Bhler chamou autodesempenho e ilustrou em seus
estudos sobre o curso da vida humana.60
Carl Rogers levou esta filosofia humanista a fundo aplicando-a
psicoterapia, redefinindo o papel do terapeuta na relao, bem como o conceito
da prpria relao psicoterpica, destacando-a definitivamente do mtodo
psiquitrico. Ao reposicionar o terapeuta na relao com seu cliente, Rogers
redimensiona o valor e o papel do ser humano nas relaes humanas e na
sociedade. Suas idias primam pela presena e pelo sentido do humano nas
diversas relaes.
Neste sentido, questes como a liberdade de escolha e de experincias,
posicionam o homem diante de sua realidade de maneira mais global e ativa,
pois o recoloca diante de suas prprias potencialidades, de seu poder
pessoal, transformando a relao psicoteraputica de uma situao assptica,
numa abordagem to pessoal e prxima da vida.
O compromisso dos psiclogos que se propuseram um pensamento
sobre o homem diverso do que ento existia, era e permanece sendo um
compromisso com o futuro deste homem, futuro este que autodeterminado
pelo prprio homem e que o permite crescer continuamente. Nas palavras de
Matson:

59

Esta expresso mais coerente do que a usual psicologia existencial-humanista, visto que,
parafraseando Sartre, o existencialismo um humanismo, e como tal, uma expresso
diferente se constituiria numa redundncia lgica, ao passo que o seu inverso apenas reflete
uma considerao diversa.
60
Arnold, Eysenck & Meili, Vol.2, 1982:189.

A Psicologia Humanista no apenas o estudo do


ser humano um compromisso com o devir humano. 61
Com base nesta discusso, os pensamentos de Martin Buber e de Carl
Rogers surgem como expoentes de uma filosofia humanista que desemboca
em abordagens psicoteraputicas caracterizadas pela nfase no vir-a-ser do
homem, e pelo compromisso com a sua existncia.

BIBLIOGRFIA
Holanda A. F, (1997) Dilogo e Psicoterapia Cap. I. So Paulo: Lemos Editorial.

61

Matson, 1978:69

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