Kleist Pentesileia
Kleist Pentesileia
Kleist Pentesileia
ATO I: PRLOGO
Cena 1.
Seguidos por seus squitos, entram Ulisses, por um lado, e Antloco, pelo outro.
Depois Diomedes e, mais tarde, Aquiles com mirmides.
Antloco. Salve, rei! Como est indo a guerra desde que nos separamos nas muralhas de Tria?
Ulisses. Mal, Antloco. Olhe a plancie! As tropas das amazonas e
dos gregos sangram-se como lobas raivosas sem nem mesmo saber por qu.
Se os deuses no pararem a carnificina, elas vo se despedaar sem arredar
p, os dentes de uma cravados na garganta da outra.
Antloco. Mas o que querem essas amazonas?
Ulisses. Aconselhado por Agamemnon, eu e Aquiles, o filho de Peleu, partimos com a tropa dos mirmides. Corria o boato que Pentesileia
tinha sado das florestas da Ctia com suas amazonas suas guerreiras protegidas por peles de serpente e trazia para Tria seu bando vido de sangue para libertar Pramo. Chegando margem do Escamandro, soubemos
que Defobo, o filho de Pramo, acabava de sair de Tria com sua tropa para saudar a rainha que veio em sua ajuda. Redobramos o passo, a noite inteira, para impedir essa perigosa aliana. Sabe, Antloco, o que vislumbramos ao primeiro raio da manh? Num grande vale, bem nossa frente, o
exrcito das amazonas em luta contra os troianos de Defobo. Como um
furaco rasgando as nuvens, Pentesileia estraalha as fileiras troianas.
Antloco. muito estranho!
Disponvel em
Ulisses. Essa tambm minha posio. Voc pensa que tenho prazer nesta carnificina absurda? A primeira coisa a fazer tirar Aquiles daqui. Assim como o co se lana ao pescoo do cervo, assim tambm faz esse
louco desde que viu to bela caa no bosque da guerra. Seria possvel detlo com uma flecha na coxa; quero ver, Antloco, o efeito que pode ter sua
eloquncia com ele espumando desse jeito.
Antloco. Tentemos juntos, mais uma vez, enfiar sem violncia um
pouco de razo nessa cabea quente. Astucioso Ulisses, voc saber encontrar a brecha de sua couraa. (Olhando para fora) Diomedes est chegando,
plido e transtornado (entra Diomedes).
Ulisses. Quais so as novas?
Antloco. Alguma mensagem?
Diomedes. A pior que voc j ouviu.
Ulisses. O que ?
Antloco. Fale logo!
Diomedes. Aquiles est nas mos das amazonas; agora que as
muralhas de Tria no caem mesmo.
Antloco. Ave de mau augrio!
Ulisses. Mas quando? Onde?
Diomedes. Como um raio, uma nova ofensiva dessas furiosas guerreiras destroava as fileiras dos bravos etlios e as empurrava, como ondas,
na nossa direo. Em vo tentamos deter sua fuga. Como uma torrente impetuosa, ela nos afasta, no seu turbilho, do campo de batalha e s conseguimos fincar p j longe do filho de Peleu. Cercado de lanas, ele abandona o negro combate, desce, p ante p, da colina e, felizmente, corre em
nossa direo. J o saudvamos alegremente quando os gritos ficam entalados nas gargantas. Seu carro tinha estancado na beira de um precipcio.
Os cavalos se empinam, caem e se enredam nos arreios, que prendem o filho dos deuses como nas malhas de uma rede.
Antloco. Que loucura !
Diomedes. Antes que ele possa soltar-se, a rainha, na frente de uma
tropa de amazonas triunfantes, lhe corta a sada.
Antloco. Pelos deuses !
na, bebendo avidamente o ar que retarda o seu galope. Ela voa como uma
flecha.
Diomedes. A cada passada do cavalo, ela parece engolir um pouco
do caminho que ainda a separa de Aquiles. J come a poeira levantada pelo
carro do filho de Peleu, lento demais.
Antloco. Olhe o louco arrogante dando voltas como se estivesse
brincando. Cuidado, ela vai cortar caminho e peg-lo!
Diomedes. J esto ombro a ombro; a sombra da filha de Ares, imensa no sol da manh, cai sobre ele e o esmaga.
Antloco. Mas vejam, ele desviou seus cavalos e vem novamente em
nossa direo!
Diomedes. Que astucioso, ele a enganou. Incapaz de parar, ela passa ao lado do carro, vacila da sela, tropea...
Antloco.... e cai! Estatela-se no cho. Uma amazona cai sobre ela.
Diomedes. E outra...
Antloco. Outra...
Diomedes. Outra...
Antloco e Diomedes. Vitria! Salve! Salve, Aquiles! Salve, filho dos
deuses! Salve! (Aquiles, entra, salta do carro e tira o elmo. Os reis o cercam).
Ulisses. Salve, heri da Grcia, vencedor at na fuga. Se, com um
golpe de mestre, voc conseguiu derrubar sua inimiga na poeira, de costas,
sem olhar para ela, o que no far quando a encontrar frente a frente?
Diomedes. O que acabo de ver me convence de que sua magistral
corrida foi de propsito. Pergunto-me se, ao nascer do sol, quando estvamos
me espera com
Pentesileia. Maldito seja o dia de hoje! Minhas amigas mais queridas se juntam ao traioeiro destino para me ferir! Quando estou quase pegando a glria com a mo, uma fora estranha me barra o caminho; minha
alma contradio e revolta. Afaste-se!
Proto. ( parte) Que os deuses a protejam!
Pentesileia. Ser que s penso em mim? Ser que apenas meu desejo que me leva de volta ao campo de batalha? Sim, fizemos a colheita;
mas para qu? Vocs no vo coroar com flores os jovens que capturaram.
No os levaro pelos vales perfumados, ao som dos clarins e dos cmbalos.
Aquiles, o filho de Ttis, vir atrs. Eu o vejo segui-las at os muros de nossa cidade, resgatar os cativos no interior do templo de rtemis, solt-los
das correntes de rosas e prend-las com pesadas correntes de bronze. E eu,
que teimo loucamente em abat-lo, devo parar de persegui-lo? No! Prefiro
renunciar a minhas aes gloriosas, coroa que orna minha cabea e
promessa de lev-las ao cume da felicidade. Maldito seja o corao que no
se pode impor medida!
Proto. Rainha, seu olhar tem um brilho estranho, incompreensvel.
Em minha alma inquieta nascem pensamentos to sombrios que parecem
surgir das trevas. O exrcito grego se dispersou como poeira no vento.
Nossa posio isolou Aquiles, o filho de Ttis. Deixe de provoc-lo, evite
seu olhar! Juro que logo voltar para as fileiras gregas. Eu ficarei na retaguarda. Prometo que ele no resgatar nenhum cativo e no impedir o
riso de nenhuma das virgens.
Pentesileia. (para Astria) Ser possvel fazer isso, Astria?
Astria. Senhora...
Pentesileia. Posso levar o exrcito de volta, como quer Proto?
Astria. Desculpe, Princesa, no que me diz respeito...
Pentesileia. Fale sem medo!
Proto. (timidamente) Se voc for perguntar a opinio de todas as
princesas do conselho...
Pentesileia. a opinio desta aqui que eu quero ouvir!... Mas o que
est acontecendo? Responda, Astria, posso levar o exrcito de volta ptria?
Pentesileia. assim? Como voc est animada! Pois no tenha medo, ningum o tomar de voc. Tragam Licaonte, o prncipe da Arcdia!
Para no perd-lo, virgem que deixou de ser amazona, fuja do fragor da
batalha e procure, com ele, um esconderijo nos mais afastados vales floridos de nossas montanhas, onde o rouxinol entoa seu canto sensual! Celebre, luxuriosa, essa festa pela qual tanto anseia, mas no aparea mais na
minha frente! Seja eternamente banida de nossa cidade! Que seu amante e
seus beijos lhe sirvam de consolo quando tudo ter perdido: glria, ptria,
amor, a rainha, a amiga.
Astria. (olhando ao longe) Rainha, Aquiles est se aproximando.
Pentesileia. timo, companheiras, voltemos batalha! Deuses, concedam-me a alegria de derrubar vitoriosamente a meus ps esse jovem
guerreiro to ardentemente desejado! Astria, voc conduzir as tropas.
Cuide dos gregos e no deixe nenhuma das amazonas tocar no filho de Ttis! S eu posso abater o filho dos deuses. Se com ferro que tenho de abra-lo, eis o ferro que, sem ferir, com doura, vai traz-lo, abraado, para
meu corao. Ento, nosso cortejo triunfal retomar o caminho da ptria e
eu serei, para vocs, a rainha da Festa das Rosas! Vamos, sigam-me! (V
Proto em lgrimas, se volta para ela e a toma nos braos). Proto, minha alma
gmea, quer vir comigo?
Proto. (com voz embargada) Com voc, iria at os infernos. Mas sem
voc, o que iria fazer na Ilha dos Bem-Aventurados?
Pentesileia. Proto, melhor de todas as mortais, quer vir comigo?
timo. Juntas, lutaremos e venceremos, ou no. Que nosso lema seja: coroas de rosas para nossos heris ou coroas de ciprestes para ns! (Saem).
Cena 3. A suma sacerdotisa de rtemis entra com um grupo de jovens virgens,
carregando cestos de rosas. Depois, voltam Proto, Astria, Pentesileia e algumas
amazonas.
Sacerdotisa. Minhas bem amadas virgens portadoras de rosas, deixem-me ver o fruto da colheita. Nestes campos mais fcil colher cativos
do que rosas. As rosas so to raras nestes vales! ( virgem 1) Voc colheu
apenas uma nica rosa. Mas que rosa: digna de coroar um rei. Pentesileia
no poder desejar mais bela quando derrubar Aquiles, o filho dos deuses.
Quando ela o vencer, voc lhe dar essa rosa real. Guarde-a, com cuidado,
(s virgens) Talvez j comece a combater o jovem que seus corpos aguerridos desejam. Na prxima primavera, quando as rosas desabrocharem, vocs podero procurar um jovem guerreiro na batalha. Por enquanto, trancem as coroas!. No fiquem a paradas. Como se eu precisasse ensinar-lhes
os deveres do amor... (Proto entra apressada)
Proto. O que faz aqui, Venervel Sacerdotisa, se o exrcito se prepara logo ali para a deciso sangrenta?
Sacerdotisa. O exrcito? Impossvel! Onde?
Proto. Nas margens do Escamandro. Se prestar ateno ao vento
que sopra das montanhas, ouvir os gritos furiosos da rainha, o fragor das
armas desembainhadas, o relincho dos cavalos, as trombetas, os clarins, os
cmbalos, as vozes de bronze da guerra.
Sacerdotisa. O que ela ainda est querendo, se os cativos se amontoam, aos milhares, nas florestas?
Proto. Olhe! Olhe! Surgindo entre as negras nuvens, os raios do sol
iluminam a cabea de Aquiles. Luminoso, ele se ergue no alto de uma colina, ele e seu cavalo, revestidos de bronze. Seu esplendor ofuscante brilha
mais do que a safira e a ametista.
Sacerdotisa. Que importa ele? Uma filha de Ares, uma rainha, no
escolhe seu adversrio. Voc v a rainha?
Proto. Sim, na frente das guerreiras. Cingida de flamejante couraa
de ouro, inebriada pela promessa da luta, danando, ela se aproxima de
Aquiles. Como mordida de cimes, parece querer se antecipar ao sol no
beijo na fronte juvenil do filho de Ttis.
Sacerdotisa. Onde j se viu tamanha loucura? A rainha, uma filha
de Ares que tirou o seio, atingida pelas flechas envenenadas do amor?
assustador! Ela est caminho do inferno. Se perecer, no ser frente ao
adversrio no combate, mas diante do inimigo que guarda no peito. Ela nos
arrastar para o abismo. (Astria volta)
Astria. Fuja, Venervel Sacerdotisa, e leve os cativos. O exrcito
grego inteiro se precipita em nossa direo.
Sacerdotisa. O que aconteceu? Onde est a rainha?
obra pa-
ra gigantes!
Pentesileia. E da?
Proto. E depois, o que far?
Pentesileia. Pelos seus cabelos de fogo, eu o puxaria para mim, sua
boba!
Proto. Quem?
Pentesileia. O sol quando passa por cima de minha cabea... (As
amazonas se olham apavoradas. Pentesileia olha para a gua do rio) mas no, ele
est aqui, aos meus ps. Me abrace! (quer se jogar na gua, Proto a segura. Ela
desmaia).
Proto. Infeliz! Desmaiou!
Sacerdotisa. O filho de Ttis est chegando. Nem o exrcito inteiro
das virgens pode det-lo.
Astria. Deuses imortais, salvem a rainha!
Sacerdotisa. (s virgens) Vamos embora, no h lugar para ns no
corao da batalha. (A sacerdotisa e as virgens saem).
Por que deveria me acalmar? Por que essa cara de espanto? Por que voc
olha tanto atrs de mim, como se houvesse ali um monstro ameaador? O
que lhe contei foi apenas um sonho... Ou no?... Ser que aconteceu?... Fale!
Onde esto Astria e as outras? (olha em volta e v Aquiles) Que dio, o
monstro est atrs de mim! Mas com essa mo... (desembainha seu punhal)
Proto. Infeliz!
Pentesileia. Como, falsa amiga, est querendo me impedir?
Proto. Salve-a, filho de Ttis!
Pentesileia. Louca, ele vai pisar no meu pescoo.
Proto. Pisar, sua insensata?
Pentesileia. Afaste-se!
Proto. Mas olhe, ele est desarmado.
Pentesileia. O qu?
Proto. Se pedisse, ele estaria pronto a se deixar coroar de flores por
voc.
Pentesileia. Ser? Diga-me...
Proto. Filho de Ttis, ela no quer acreditar em mim. Fale voc!
Pentesileia. Ele seria meu cativo?
Proto. No est vendo?
Aquiles. (que se aproximou) Seu cativo, no sentido mais doce da palavra, sublime rainha. Um cativo pronto para passar o resto da vida prisioneiro de seu olhar.
Proto. Est ouvindo? Ele caiu na poeira, junto com voc, quando se
afrontaram e, enquanto voc permanecia desmaiada, ele foi desarmado...
No foi assim?
Aquiles. Fui desarmado e conduzido a seus ps (ajoelha-se diante dela).
Pentesileia. Pois ento, eu te sado, doce encanto de minha vida,
jovem deus de vioso rosto... Meu corao, libere o sangue que, retido no
fundo de meu seio, esperava sua chegada. Venham mensageiras do prazer,
seivas de minha juventude, fluam jubilosas em minhas veias e desfraldem
no reino de minhas faces seu estandarte vermelho: o jovem Aquiles todo
meu. (levanta-se).
Proto. Acalme-se, amada rainha.
quando voc foi derrubado, meu corao invejou a poeira onde seu corpo
estava cado. Voc me perdoa?
Aquiles. Do fundo do corao.
Pentesileia. Ento me diga: o que faz o amor para prender a fera ferida?
Aquiles. Basta lhe acariciar a cabea e o leo amansa.
Pentesileia. Fique quieto; os sentimentos de meu corao lhe acariciam como se fossem mos. (ela o cobre de flores) Esta grinalda na sua cabea,
no seu pescoo, nos seus braos e nas suas mos, mais em baixo, nos seus
ps, de volta cabea... pronto... O que voc est fazendo?
Aquiles. Cheirando o perfume de seus lbios.
Pentesileia. No... no! So as rosas que exalam esse perfume.
Aquiles. Gostaria de cheir-las ainda em boto.
Pentesileia. Quando elas desabrocharem, meu amado, voc as colher, (pe mais uma coroa na cabea de Aquiles) Quanta doura e suavidade
vejo em seu rosto radiante... Foi mesmo voc quem derrotou Heitor, o maior heri de Tria?
sumou as npcias. Nesta mesma noite, toda a tribo criminosa foi acariciada
a golpe de punhal e morreu.
Aquiles. Entendo muito bem que as mulheres tenham feito isso.
Pentesileia. Nosso povo, reunido em conselho, tomou ento uma
deciso: iria fundar um Estado sem tutela, um Estado no qual nenhuma
voz masculina daria ordens arrogantes. Se os olhos de um homem avistassem o reino das amazonas, deveriam se fechar para sempre. E todo recmnascido homem seria morto. Mas no momento solene da coroao de Tanas, ouviu-se uma voz na multido: Como mulheres fracas, atrapalhadas
por fartos seios, conseguiro retesar um arco? Por um momento, a rainha
permaneceu imvel, esperando o efeito destas palavras. Sentindo covardia
a sua volta, decepou, de um s golpe, o seio direito e batizou de amazonas,
o que quer dizer seios cortados, as mulheres capazes de retesar o arco.
Aquiles. Por Zeus, claro que uma mulher como essa no precisava
de seios. Foi feita para governar um povo de homens e minha alma se inclina diante dela... Mas termine sua histria. Como esse orgulhoso Estado
das amazonas, nascido sem a ajuda dos homens, pode se perpetuar?
Pentesileia. Quando a rainha julga que o momento de substituir
as companheiras que morreram, ela chama todas as virgens ao templo de
rtemis e invoca Ares rogando-lhe fecundar seus jovens corpos. a Festa
das Virgens
Pentesileia. Escute! Tinha eu vinte e trs anos de idade, quando minha me estava morrendo e Ares me escolheu como noiva. Em mensagem
solene, ele ordenava que eu partisse para Tria e trouxesse o deus coroado
de rosas. Em prantos, nessa hora em que minha me morria, eu quase no
ouvi a mensagem. Me, disse eu, me deixe ficar ao seu lado!. Mas ela desejava que eu partisse, pois sua morte iria deixar o trono sem descendncia.
V, minha criana, ela me disse, Ares lhe chama, coroe de rosas Aquiles, o
filho de Ttis, e se torne uma me to orgulhosa quanto eu. Apertou-me
docemente a mo e morreu.
Proto. Como? A rainha sua me disse o nome de Aquiles?
Pentesileia. Disse: uma me tem esse direito.
Aquiles. Qual o problema?
Pentesileia. Uma filha de Ares no deve procurar seu adversrio.
Deve aceitar aquele que o deus coloca sua frente, no meio do combate.
No Proto?
Proto. exatamente assim.
Aquiles. E ento...
Pentesileia. O luto ainda me pesava quando apareci no templo de
Ares para receber o arco de ouro que confere a realeza. Quando o toquei,
fui tomada pelo esprito de minha me e executar sua ltima vontade me
pareceu o dever mais sagrado. Pus-me a caminho, menos para obedecer a
Ares do que para agradar a sombra de minha me. medida que me aproximava do Escamandro, minha dor diminua e o mundo alegre das lutas se
revelava minha alma. Ento, eu no via quem fosse mais digno de ser coroado de rosas, por mim, do que aquele que minha me tinha escolhido: o
amvel, o selvagem, o doce, o terrvel, o vencedor de Heitor. Aquiles, voc
era o eterno objeto de meus pensamentos e de meus sonhos.
Aquiles. Minha amada!
Pentesileia. E quando o vislumbrei como um sol entre plidos astros noturnos foi como se o prprio Ares, o deus das batalhas, tivesse descido do Olimpo, trovejando, a galope, para saudar sua noiva em minha
pessoa. Nesse momento, Aquiles, adivinhei a verdadeira natureza do sentimento que me sufocava o peito. O deus do amor acabava de me atingir.
Foi ento que decidi que de duas coisas uma: ou lhe vencer ou morrer. E
das duas, foi a mais doce que me coube... O que est olhando? (Barulho de
armas).
Proto. ( parte, para Aquiles) Por favor, Aquiles, diga-lhe logo a verdade.
Pentesileia. O que est dizendo? O que aconteceu?
Aquiles. (com alegria forada). Comigo, voc dar luz o deus da terra, mas eu no a seguirei. voc quem vai me seguir. Uma vez terminada a
guerra, eu a levarei, triunfalmente, e a farei sentar no trono de meus pais.
(O barulho das armas continua)
Pentesileia. Como? No estou entendendo nada.
Aquiles. No tenha medo, rainha! A falta de tempo me obriga a lhe
anunciar o destino que lhe reservam os deuses. Sem dvida, eu lhe perteno, para sempre, pela fora do amor. Mas voc me pertence pelo acaso das
batalhas. Na luta, foi voc, nobre rainha, quem caiu a meus ps, e no eu
aos seus. Pentesileia. (procurando se levantar) Cruel!
Aquiles. Por favor, minha
amada!Nem
Zeus
poderia mudar
isso. Controle-se e compreenda que seu destino est selado para sempre.
Voc minha cativa.
Pentesileia. Eu? Sua cativa?
Aquiles. Sim, rainha. Isso mesmo. Pentesileia (levanta as mos para o
cu) Deuses imortais, eu lhes suplico.
Cena 2.
Entram Diomedes e, a seguir, Ulisses com seu exrcito. Depois, Astria com as amazonas e, enfim, a sacerdotisa com as virgens..
Diomedes. Afaste-se Aquiles! A sorte das batalhas incerta; ela traz
de volta as amazonas vitoriosas, gritando sem parar o nome de Pentesileia.
Aquiles. (rasgando a coroa de flores) Minhas armas! Meus cavalos!
Vou investir contra elas.
Pentesileia. Olhe esse furioso! Ser o mesmo de antes?
Aquiles. (armando-se, implacvel, para a luta) Leve-a daqui!
Diomedes. Para onde?
Aquiles. Para o acampamento. Irei logo para l.
volta, seu vencedor. Pois bem, peo perdo por essa vitria rpida demais;
foi um erro. S lamento o sangue e os cativos perdidos por sua causa. Em
nome do povo, eu lhe declaro, portanto, livre de nossas leis. Voc pode ir
aonde quiser e correr atrs daquele que pisou no seu cangote, j que esta
a lei de sua guerra. Quanto a ns, permita, rainha, que renunciemos luta e
voltemos para casa, j que no sabemos, como voc, suplicar aos gregos
que perseguimos que se ajoelhem, diante de ns, na poeira.
Pentesileia. (cambaleante) Proto!
Proto. Querida irm!
Pentesileia. Eu lhe peo, fique junto de mim.
Proto. At que a morte nos separe... Voc est tremendo?
Pentesileia. No nada, irei me recuperar.
Proto. Voc acaba de sofrer um grande golpe. Agente firme.
Pentesileia. Ns os perdemos...?
Proto. O qu, minha rainha?
Pentesileia.
que
captura-
Ulisses. Aquiles, esse homem perdeu o juzo? Ouviu o que ele disse?
Aquiles. Por favor Ulisses, no faa essa cara de desdm. Isso me irrita.
Ulisses. Que inferno! Estarei ouvindo bem? Voc jura, Diomedes,
que ele quer se entregar rainha e se tornar seu cativo?
Diomedes. o que acabo de dizer.
Ulisses. E nossa guerra por Helena, em Tria, este insensato a abandona?
Diomedes. Juro que verdade.
Ulisses. No acredito.
Aquiles. Do que ele estava falando? De Tria?
Ulisses. O que voc est dizendo?
Aquiles. Eu?
Ulisses. Sim, voc.
Aquiles. Eu perguntava se voc estava falando de Tria.
Ulisses. Sim, queria saber se a guerra por Helena tinha sido esquecida, como um sonho matutino.
Aquiles. Mesmo se Tria afundasse e em seu lugar surgisse um lago de guas azuis, ela no me seria mais indiferente do que agora.
Ulisses. Mas ele est falando srio! (a Diomedes) No deixe esse homem sozinho! (entra Antloco)
Aquiles. Ento, ela aceita?
Antloco. Aceita, filho de Peleu. Alis, j est vindo. Mas com uma
tropa feroz de amazonas acompanhadas de ces. No sei o que est querendo com isso.
Aquiles. Deve ser o costume de sua raa... Ela cheia de artimanhas... Com ces, voc disse?... , mas eles devem comer na mo; devem ser
mansos como ela... Sigam-me!
Diomedes. Que louco!
Ulisses. preciso amarr-lo...
Diomedes. As amazonas esto chegando, vamos embora. (Todos saem).
Cena 3.
A sacerdotisa, as virgens e amazonas. Depois, Astria. Depois ainda Pentesileia e
Proto com o cadver de Aquiles.
Sacerdotisa. Tragam cordas! Derrubem a cadela! Amarrem-na! No h
mos que ainda possam domin-la. Espumando, ela se entrega fria entre
os ces. Brandindo o arco e danando pelos campos, como uma bacante, ela
chama de irms a estas feras uivantes e atia sua matilha carniceira contra o mais belo dos gamos. Filhas de Ares, armem-se de cordas para derrub-la como um co raivoso e amarr-la. Vamos lev-la para casa e ver se h
meio de salv-la.
Astria. (ainda fora do palco) Vitria! Vitria! Aquiles caiu, ele foi
derrotado. Vencedora, ela vai coro-lo de rosas.
Sacerdotisa. Ouvi bem? Qual de vocs poderia confirmar essa notcia?
Astria. (entrando). Os deuses do inferno so testemunhas: Pentesileia, nascida de uma mulher, est por terra com os ces e dilacera o corpo
do filho de Ttis.
Sacerdotisa. apavorante! Quem poder decifrar esse monstruoso
enigma?
Astria. Santa sacerdotisa de rtemis, castas filhas de Ares, escutem-me: sou a Grgona africana que s de olhar vai transform-las em pedra.
Sacerdotisa. Fale, mulher medonha, o que aconteceu?
Astria. Aquela que no tem mais nome para ns marchava ao encontro do to amado jovem guerreiro, brandindo o arco e tendo seus ces
em volta. Deixando para trs seus amigos, Aquiles, que, como todo o exrcito assegura, a tinha desafiado apenas para render- se voluntariamente a
ela, pois tambm a amava, se aproxima com o corao cheio de ternos pressgios. Mas, quando ele que, inocente, s leva uma lana, e assim mesmo
apenas para dar a impresso que est armado , quando ele v que ela avana com esse sinistro cortejo, vacila, vira a cabea, escuta, foge apavorado, pra e foge mais uma vez como um pequeno gamo que ouve ao longe o
rugido do leo. Com a fora que lhe d a loucura, a rainha retesa o arco,
aponta, atira e sua flecha traspassa o pescoo do filho de Ttis. Ele desmorona, mas, ainda vivo, se levanta arquejante, cai, se levanta de novo e tenta
fugir. Peguem!, grita ela, Ces,peguem-no! Precipitando-se sobre ele
com toda a matilha, ela no passa de uma cadela no meio de ces que aferram seu peito, seu pescoo... Arrastando-se no sangue, ele ainda lhe acaricia o rosto, dizendo: Pentesileia, minha noiva, era esta a Festa das Rosas
que voc me prometia? Mas ela arranca a couraa que ainda o cobre e crava seus dentes em seu alvo peito, competindo em ferocidade com os ces.
Quando cheguei, o sangue pingava de sua boca e de suas mos. (Um silncio de pavor).
Sacerdotisa. Uma virgem como ela, to pura, to sensata, to cheia
de dignidade e de graa! (Silncio).
Astria. A infeliz permanece l, junto ao cadver, sem dizer uma
palavra, com os olhos fixos no vazio. De cabelos em p, perguntamos o que
ela est fazendo ali? Ela se cala. Perguntamos se ela nos reconhece? Continua calada. Perguntamos se ela quer vir conosco? O mesmo silncio... Apavorada, corri para c. (Pentesileia entra seguida por Proto carregando o cadver
de Aquiles coberto por um pano vermelho).
Astria. Ei-la que chega, coroada de ortigas e espinhos secos, seguindo o cadver, com o arco no ombro em sinal de vitria.
Sacerdotisa. (apavorada). rtemis testemunha, no sou responsvel por essa atrocidade. Suma daqui, criatura do Hades! Afaste-se, sombra!
V e acabe de apodrecer no campo onde voam os corvos! (Pentesileia examina uma flecha, limpa o sangue que a sujou, seca as penas, separa a ponta de ferro da
haste de madeira e olha em volta. Estremece, deixa cair seu arco e chora.) Ajude-a,
Proto!
Proto. (parecendo viver uma luta interior, deita o cadver no cho, se aproxima de Pentesileia e lhe fala, aos prantos) No quer sentar-se, rainha? Voc
lutou e sofreu demais. No quer descansar no meu corao fiel? (Pentesileia
olha em volta; Proto, tomando-a pela mo, senta numa pedra junto com ela) Voc
me reconhece, irm de meu corao? (Pentesileia olha para ela, seu rosto se anima um pouco) Sou eu, Proto, que lhe ama com ternura (Pentesileia lhe acaricia o rosto; Proto lhe beija as mos). No fcil vencer, voc deve estar cansada. No quer lavar o rosto e as mos? (Pentesileia se olha e aprova com a ca-
bea). Tire essa coroa de espinhos, sabemos que voc foi vitoriosa! (Duas
amazonas trazem uma bacia d'gua; Pentesileia se ajoelha e molha o rosto).
Pentesileia. Oh, Proto!
Sacerdotisa. (contente) Ela est falando. Louvados sejam os deuses!
Proto. Que bom! Mergulhe a cabea na gua!
Pentesileia. Que maravilha! (Proto enxuga a rainha, levanta-a, senta
ao seu lado e a abraa) Que sensao estranha.
Proto. De bem estar, espero.
Pentesileia. (sussurrando) De encantamento.
Proto. Doce irm de meu corao, minha vida!
Pentesileia. Diga-me, estarei nos Campos Elsios? Ser voc uma
das ninfas eternamente jovens que, para me alegrar, assumiu os traos de
minha querida Proto?
Proto. No, melhor das rainhas, sou eu mesma, Proto, que a est
abraando. O que voc est vendo o mundo, o mundo frgil que os deuses s olham de longe.
Pentesileia. No faz mal. Estou feliz. Ainda estou viva, isso me basta para ser feliz. Deixe-me descansar! (Um silncio; em xtase) Estou to feliz,
rtemis, que posso morrer. Se eu morresse agora, teria a certeza de ter
vencido Aquiles.
Proto. (para Astria) Rpido, afaste o cadver!
Pentesileia. (olhando em volta) Querida, que artimanhas so essas?
Proto. Juro que no nada. Pentesileia (para Astria) O que vocs
esto levando? Parem! Quero ver.
Proto. Oh, rainha, no queira saber.
Pentesileia. (abre passagem at o cadver encoberto) ele? Ser que o
atingi em alguma parte vulnervel? Afastem-se! Mesmo que seus ferimentos sejam medonhos, quero v-lo. (levanta o pano que cobre o cadver) Que
monstro pode ter feito isso?
Proto. Voc nos pergunta?
Pentesileia. Oh, rtemis, tudo est consumado! (cai por terra)
Proto. Por que voc no seguiu meu conselho, infeliz? Melhor teria
sido perder-se para sempre na noite da razo do que ter visto essa luz cruel.
Pentesileia. (erguendo-se um pouco). Rosas de sangue! Coroa de chagas! Seus botes j murcham e exalam o cheiro do tmulo.
Proto. (com ternura) E, no entanto, foi o amor que o coroou. Mas
com entusiasmo demais, com os espinhos das rosas para que a coroa fosse
eterna.
Pentesileia. Quero saber quem foi minha mpia rival. No quero
saber quem matou esse corpo cheio de vida, mas quem, pela segunda vez,
matou o morto. Perdo quem lhe roubou a centelha da vida. Mas quem
desfigurou esse jovem, semelhante aos deuses, a tal ponto que a vida e a
podrido nem mais o disputam, deste, eu me vingarei.
Proto. O que responder? Se for para aliviar sua dor, escolha qualquer uma de ns para sua vingana.
Pentesileia. Tome cuidado! Vocs ainda vo acabar dizendo que
sou eu a culpada.
Sacerdotisa. E quem mais, seno voc, infeliz?
Pentesileia. Princesa dos infernos, como se atreve?
Sacerdotisa. rtemis testemunha. A tropa inteira pode confirmar
minhas palavras. Foi sua prpria flecha que o atingiu e quisera deus que
fosse apenas isso... Mas, ao v-lo cair, desvairada, voc avanou com seus
ces e cravou... no ouso dizer o que voc fez ento... No queira saber.
Partamos!
Pentesileia. No acredito; quero que Proto o confirme.
Proto. Oh, rainha, no me pergunte.
Pentesileia. Como? Eu? Com os ces? Com estas mos to pequenas? Com essa boca entreaberta para o amor? Com essas mos e essa boca
feitas para servi-lo de maneira to diferente? No, vocs no podem me
convencer disto. Esto mentindo. Ou, ento, me expliquem: por que ele no
se defendeu?
Sacerdotisa. Ele a amava, infeliz. Ele s foi ao combate, ele s lhe
provocou, para tornar-se seu cativo. Ele veio ao seu encontro com o corao
pacfico, pronto a lhe seguir ao templo de rtemis. Mas voc o feriu...
Pentesileia. Eu o despedacei, no foi? Teria ele morrido de meus
beijos? No foram beijos que eu dei? Teria eu o dilacerado realmente? Respondam!
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