Sagrado
Sagrado
Sagrado
Resumo
Este trabalho objetiva demonstrar como a psique o meio por excelncia de
conectarmos com a experincia com nossa dimenso transcendente, tomando
a Psicologia Analtica de Carl Gustav Jung como a abordagem psicolgica.
Para essa articulao, inicialmente, comentaremos a necessidade humana de
conectar-se ao sagrado e de algumas das experincias religiosas do incio da
vida de Jung e suas possveis influncias em sua obra. Em seguida, trataremos
de conceitos da Psicologia Analtica sobre religio e de alguns mal entendidos
acerca dessas concepes psicolgicas a respeito da religio, e, por fim,
discorremos sobre a funo da psique como intermediadora do divino,
realizando
Palavras
uma
chave:
conexo
sagrado,
entre
religio,
psique,
cincia.
psicologia
analtica.
Abstract
This work aims to demonstrate how the psyche is the quintessential way of
connecting with our experience with transcendent dimension, taking the
Analytical Psychology of Carl Gustav Jung as the psychological approach. For
this joint, initially, will comment on the human need to connect to the sacred and
religious experiences of some of the early life of Jung and their possible
influences on his work. Then we will address concepts of Analytical Psychology
of religion and some misunderstandings about these psychological conceptions
of religion, and, finally, carry on about the function of the psyche as a mediator
of
the
divine,
Keywords:
making
sacred,
connection
religion,
between
psyche,
faith
analytical
and
science.
psychology
ou
seja,
como
onde
elas
tm
buscado
sagrado?
de
um
novo
olhar
sobre
mundo
possibilitado
pela
uma
possvel
tendncia
para
desinstitucionalizao?
ritualsticas
dogmticas
da
mesma.
tarde
nos
templos
santurios
Eliade
(1996).
O homem que busca o sagrado tem uma dimenso existncia aberta, uma
condio de trans-humanidade. Aquele que no busca sua condio existencial
aberta torna-se fechado para si mesmo, fica dessacralizado. (Eliade, 1996;
p.136)
Jung pode ser considerado um mstico no sentido profundo da palavra,
segundo refere Boff: Talvez poucos homens da nossa cultura humana atual
tenham mergulhado tanto no mistrio como Jung, at as ltimas razes, at o
limite extremo e intransponvel e se transforma num ser csmico pelo
alargamento de sua conscincia. Jung atingiu essa dimenso mstica secular,
profana,
I-
As
incorporou
primeiras
tambm
experincias
elemento
religiosas
religioso.
de
Jung
Jung parede ser um homem desse tempo, desse tempo que refere Eliade. Sua
existncia desde muito cedo se mostrou aberta religiosidade. Ele fez a
experincia existencial de estar aberto espiritualidade e de e descobrir uma
nova forma de vivenci-la. A espiritualidade se manifesta bem cedo em sua
vida. Educado na religio luterana, Jung introduzido na religio por seu pai,
pastor
de
sua
pequena
comunidade
rural.
Em suas Memrias, ele expe aquilo que seria a base de sua grande questo
com a religio, com a espiritualidade e com a transcendncia. Sua vida
espiritual ento marcada de um lado pela vivncia objetiva e, de outro lado,
pela
vivncia
subjetiva
da
religiosidade.
A vivncia objetiva, fortemente preconizada por seu pai, torna-se para Jung
uma verdadeira decepo. Os ritos, dogmas e princpios teolgicos bastante
racionalistas, j lhe inspiraram muita desconfiana. Ao perceber a f do seu pai,
dogmtica e ritual, mas no como uma experincia transformadora, mas, faz
com que, tal experincia religiosa objetiva, lhe perca um sentido maior.
Seguidas so as decepes com seu pai. Algumas situaes, como exemplo:
de no conseguir no entendimento do mistrio da Trindade; a de perceber que
sentido.
ento, em sua prpria experincia subjetiva, que Jung encontra uma forma
nova de expresso religiosa. Embora no incio de sua vida nada lhe fosse to
claro assim. Aos 11 anos a ideia de Deus j lhe era interessante. Deus era um
ser nico e, segundo eu ouvira dizer, impossvel de ser representado. (Jung,
1998;
p.38)
Em uma de suas vises durante uma crise de uma pseudocrupe, relatava ver
um circulo azul brilhante, do tamanho da lua cheia, onde se moviam formas
douradas
que
entendia
serem
anjos.
(Jung,
1998;
p.31)
Um tanto enigmtica foi sua experincia com uma pedra do campo onde
morava. Passava muito tempo assentado sobre ela. Num desses momentos
pensou assim: mas a pedra tambm poderia dizer: eu estou aqui nesse
declive e ele est em cima de mim... sou aquele que est sentado na pedra, ou
sou
pedra
na
qual
ele
est
sentado?
(Jung,
1998;
p.32)
olhares.
Numa outra vivncia, ao voltar do colgio, Jung diz que teve a sensao de
emergir de uma nvoa espessa, tomando conscincia do que agora ele era ele.
Diz assim Jung: Nesse instante preciso eu me tornei eu por mim mesmo.
Antes eu estivera l, mas tudo se produzia passivamente; dali em diante, eu o
sabia: agora eu sou eu. Agora eu existo. (Jung, 1998; p.42). Ele faz a
experincia de sua prpria autoconscincia, percebendo sua existncia
separada de fora do seu ambiente, ao mesmo que o leva a sentir-se em
comunho com tudo ao se redor. Uma sensao de pertena, de estar
integrado
Afirma
conscientemente
consigo
mesmo
ento
com
seu
entorno.
que:
(Jung
1998;
p.54)
Jung interessava-se desde muito cedo por livros que continham imagens as
descries de todas as religies, sobretudo as imagens catlicas, as de Brama,
Vishu e Shiva. (Jung, 1998; p.30), demonstrando assim a diversidade do seu
interesse e causando reflexo em como trataria a experincia religiosa mais
tarde,
usando
tnica
da
pluralidade.
como
isso
soa
atual.
por
volta
dos
seus
12
anos.
Assim
ele
narra:
Diante dos meus olhos ergue-se a bela Catedral (da Basilia), e, em cima, o
cu azul. Deus est sentado em seu trono de ouro, muito alto acima do mundo
e, debaixo do trono, um enorme excremento cai sobre o teto novo e colorido da
igreja; este se despedaa e os muros desabam (Jung, 1998; p.47).
Jung chora de alegria por essa viso. Descobre a que fizera a experincia de
Deus que seu pai no tinha tentado. Ele descobre o Deus vivo. Por outro lado,
para tal sonho caberia outras possibilidades de entendimento, o que no
faremos
aqui
por
destoar
do
objetivo
desse
trabalho.
Relaes
da
Psicologia
Analtica
com
Religio
Jung, em sua histria pessoal, passa de uma atitude de f e crena para uma
disposio cientfica a fim de aprofundar na relao da psicologia e religio. Ele
vai buscar, em suma, a vivncia subjetiva, cercada pela possibilidade de
descobrir
sentido.
Uma das inovaes do tema proposto por Jung a ideia da funo religiosa da
psique. Em Psicologia e Religio (CW XI) ele estabelece uma compreenso de
que a nossa psique funciona com base no religere, isto , conforme as
polaridades do consciente e inconsciente atingem certo grau de integrao. Os
refere:
Encaro a religio como uma atitude do esprito humano, atitude que, de acordo
com o emprego originrio do termo religio, poderamos qualificar a modo de
considerao
observao
cuidadosas de
certos fatores
dinmicos,
com
verter
verter
tambm
num
estado
de
alma
constantemente
fludo,
semelhante a uma ressonncia que se prolonga por muito tempo, mas que
termina por se apagar na alma que volta a seu estado profano. Pode tambm
surgir bruscamente na alma como choques e convulses. Pode conduzir
estranhas excitaes, alucinaes, transportes e xtases. (Otto; 1985,
p.180).
Portanto, o conceito de religere, para Jung se refere quela experincia do
que
tocaremos
mais
frente.
vivncia
espiritual
normatizada
pelas
religies
institudas.
(CW
smbolos
espontneos
realizam
IX).
opus
religiosa
na
psique
geomtricas,
etc.,
como
refere
seguinte
Cohan:
os
rios
voltam
ser
rios.
emocional
ela
ligada.
(Jung;
CW
IX;
583):
que:
1996;
CW
XI,
7)
da
psique.
A dissoluo de uma tradio, por mais necessria que seja em certas pocas,
sempre uma perda e um perigo; um perigo para a alma, porque a vida
instintiva como o que h de mais conservador no homem se exprime
justamente pelos hbitos tradicionais. (Jung; 1985, CW XVI, , 214)
O conceito de sincronicidade proposto por Jung tem estrita ligao com a
experincia religiosa. entendida pela coincidncia significativa entre dois
eventos no ligados por relao causal. Ela uma demonstrao da viso
produz
tal
conhecimento
revelado
sincronisticamente?
funo
de
compensao
da
psique.
psquico.
III- O lado mal dito de Jung - os mal entendidos acerca de suas concepes
religiosas
Jung concebe suas ideias sobre a religiosidade mantendo-se no campo da
fenomenologia. Em momento algum, em sua obra, ele se afasta do ponto de
vista psicolgico, no entrando no campo metafsico ou transcendente. Os
fatos religiosos lhe interessam apenas como fenmenos psicolgicos. Para a
frustrao Jung a concebe a expresso religiosa como uma projeo de
contedos simblicos da psique. O que reconhecido fora, o que a psique j
traz
dentro.
confisses
tiraram
dessas
experincias.
(Jung,
CW
XI)
(1985;
p.
143).
Sugerindo que essa imago seria a nica forma de conhecimento de Deus, Jung
reduz o transcendente ao imanente, limitando suas investigaes ao nvel
psicolgico do arqutipo. Jung refere-se dimenso transcendente da alma.
No fui eu que atribu uma funo religiosa alma; simplesmente produzi os
que
seja.
(Jung,
CW
XII;
14).
arquetpica.
fala
von
Franz,
as
religies
se
preocuparam:
brbaros
completos.
(Franz,
1996;
p.56)
IV-
psique
como
mediadora
do
divino
Jung aponta uma grande preocupao com o homem do sculo XX. Para ele,
h pouca ressonncia dos contedos religiosos com a realidade simblica da
atualidade. A energia psquica do individuo e de sua coletividade no encontra
eco, no ressoa nos smbolos e rituais religiosos de nossa contemporaneidade.
As tradies j no tm o mesmo efeito de dar direes, sentidos vida e de
alimentar a sede de significados imanente no homem. O ser ontolgico, no
encontra o seu significado em sua existncia. O contato com as razes
primordiais da humanidade est muito distante do homem contemporneo.
O resultado se configura de uma forma alarmante. No encontrando essa
canalizao nossa energia espiritual se reflui para o interior da psique humana,
causando em alguns, efeitos desastrosos e muito destrutivos. Neuroses,
obsesses, psicoses, pnicos, etc., so as novas modalidades de desequilbrio
psicolgico que enchem os consultrios de psicologia e de psiquiatria. A
mesma energia da Natureza no encontra sentido, isto canalizao tanto
energtica, quanto de significado, e reflui para o inconsciente, constela-se e
retorna ao ego carente de meios para redistribu-la. A sociedade, de um modo
geral, parece ter perdido o seu rumo. O projeto humano nesse planeta parece
ameaado e longe de sua melhor dimenso evolutiva. Elegemos barreiras,
levantamos
escudos
para
afetividade
para
espiritualidade.
de
ser
amados?
mais
profundo.
parecem
ter
perdido
sua
influncia.
Por outro lado, esse refluxo da energia psquica para dentro do indivduo pode
mudou-se
radicalmente.
Criativamente,
novos
smbolos
de
(Ulanov,
2002;
p.
274).
Jung, com essa proposta, quer provocar uma sntese entre a cincia e f,
colocando a psique como o canal e o caminho de ligao entre essas duas
formas de conhecimento humano. Tal abordagem sugere a construo de um
novo relacionamento com o divino. A psicologia analtica nos permite entender
o divino contido nos sonhos, nos sintomas, nas fantasias, etc., na medida em
que
ela
nos
prope
um
dilogo
com
nossas
imagens.
anlise:
tambm
um
aspecto
mntrico
intercessor.
Ulanov (2002, p. 276) sugere que a lacuna entre o ego e o Self o lugar por
excelncia de dilogo entre esses dois mundos. Esse seria um novo lugar do
sagrado conforme sugerido por Mircea Eliade. O ego conhecido, usa
sentimentos e palavras, oferece um sentimento de pertena comunidade. J
o Self desconhecido, impessoal, usa instintos, afetos e imagens e pertence
aos
tempos
imemoriais
da
humanidade.
Ego e Self nunca se fundem, exceto em episdios de doena mental. Mas eles
se aproximam um do outro. A lacuna entre eles pode ser um espao de
loucura, mas a aproximao de ambos nos enche de inmeras sensaes de
conexo estar sentindo-se conectado, ligado consigo mesmo e com o
universo externo. Esse o religare. Somos tomados por sentimentos de
profundo
envolvimento.
E,
lembre-se
que
envolver
ao
Deus
desconhecido,
como
diria
Victor
Frankl.
recipiente
(Ulanov,
p.
276)
Nesse aspecto cabe outro esclarecimento sobre o Mal entendido sobre Jung.
Ele acusado de reducionista, ao trazer proximidade das imagens psicolgicas
do Self com os smbolos religiosos de Deus. Mas ele critica esse absurdo com
o argumento de que, s podemos sentir nossas experincias imediatas atravs
da psique (CW XI; 13-21), sejam experincias internas ou externas. Nossa
psique
intermedia
todas
as
nossas
experincias.
Deus
fala.
(CW
X;
565)
quanto
da
experincia
religiosa.
psique.
Jung demonstra que a alma possui uma funo religiosa natural, e reafirma que
a tarefa mais nobre de toda a educao do adulto a de transpor para a
conscincia o arqutipo de Deus, suas emanaes e efeitos, so justamente os
telogos que me atacam e me acusam de psicologismo. O desafio maior para
ns seria o de correlacionar a realidade psquica inconsciente com nossas
confisses de f conscientes. Encontrar a verdade contida nos smbolos
religiosos
em
nossa
experincia
psquica
particular,
individual.
elabora
questionamentos.
contratrasferencialmente
At
onde,
processo
ns
de
analistas,
individuao
influenciamos
dos
pacientes
no
processo
de
evoluo
dos
nossos
pacientes?
refere
que:
p.98)
processo
de
anlise
(appud
de
alguns
dos
Silveira;
nossos
pacientes?
2000)
refere:
Todos (os meus pacientes), em ltima instncia, estavam doentes por ter
perdido aquilo que uma religio viva sempre deu em todos os tempos a seus
adeptos, e nenhum curou-se realmente sem recobrar a atitude religiosa que lhe
fosse prpria. Isto est claro, no depende absolutamente de adeso a um
credo
particular
ou
de
tornar-se
membro
de
uma
igreja.
Aqui entra ento nossa atitude cuidadora para com a vida. O apelo sugere nos
sintonizarmos com nossa prpria psique. A real fuso da sua nossa conscincia
com a conscincia com o Self o pico de iluminao e o divino conhecimento
da suprema verdade da existncia. Nossa grande tarefa assumir total
responsabilidade pelo nosso prprio ser. Como nos orienta Wincel, a anlise e
o processo de individuao podem abrir caminho para o infinito. (Winckel 1985,
p.38)
Para tal, o cultivo de uma nova espiritualidade se faz absolutamente
necessrio. Como pudemos discorrer nesse texto, Jung nos aponta
possibilidades inovadoras e ousadas. Segundo Boff, a psicologia analtica
uma grande terapia da humanidade. a forma como o ser humano entra em si
mesmo, descobre sua profundidade, reconhece as suas sombras, mas ao
mesmo tempo detecta a sua luminosidade e obedece ao arqutipo fundamental
que est dentro de cada pessoa e procurar realiz-lo no seu dia-a-dia, nos
seus
sonhos
de
vida.
(Isa-Upanishad)
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