Transformada de Laplace: Uma Obra de Engenharia: Danny Augusto Vieira Tonidandel e Ant Onio em Ilio Angueth de Ara Ujo
Transformada de Laplace: Uma Obra de Engenharia: Danny Augusto Vieira Tonidandel e Ant Onio em Ilio Angueth de Ara Ujo
Transformada de Laplace: Uma Obra de Engenharia: Danny Augusto Vieira Tonidandel e Ant Onio em Ilio Angueth de Ara Ujo
2, 2601 (2012)
www.sbfisica.org.br
Hist
oria da Fsica e Ci
encias Afins
1
Faculdade Santa Rita, Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Recebido em 11/10/2010; Aceito em 2/2/2012; Publicado em 20/4/2012
Geraco
es de fsicos e engenheiros tem se utilizado das transformadas, principalmente da transformada de Laplace, como atalhos para soluca
o de problemas e para estudo de fen
omenos transit
orios e permanentes. Mas seria
a transformada de Laplace mesmo de Laplace? Mais do que simplesmente uma tecnica, a hist
oria que permeia
seu desenvolvimento pode ser vista como uma verdadeira saga de quase 200 anos. Seu nome rende homenagens
ao grande matem
atico frances Pierre-Simon de Laplace, mas isso n
ao e tudo. Na tentativa de responder a esta
quest
ao e estimular o interesse pelo estudo das tecnicas de transformaca
o em geral, s
ao apresentados alguns
tracos hist
oricos e inovaco
es que zeram dessa extraordin
aria ferramenta uma verdadeira obra de engenharia.
Palavras-chave: transformada de Laplace, hist
oria da fsica, educaca
o superior.
Generations of physicists and engineers have been using the mathematical transforms, especially the Laplace
transform, as a short-cut to solve countless problems and to study transient and steady-state phenomena. However, it is the Laplace transform really Laplaces? Its history could be viewed as a truly 200 year-old saga. Its
name pays homage to the great french mathematician Pierre-Simon de Laplace, but that is not all. In attempt
to answer this question and stimulate the interest on topics concerned to transform techniques, a historic approach is presented showing some technical innovations that made out of this extraordinary tool a real work of
engineering.
Keywords: Laplace transform, history of physics, higher education.
1. Introduc
ao
A transformada de Laplace e amplamente conhecida
e utilizada, principalmente nas ciencias exatas e engenharias.
Encarada como um ritual de passagem pelos estudantes de graduac
ao, ela pode ser
usada para analise de sistemas lineares invariantes
no tempo, tais como circuitos eletricos, osciladores
harmonicos, dispositivos opticos e sistema mecanicos.
Nessas aplicacoes costuma-se interpret
a-la como transformacoes do domnio do tempo para o domnio de
frequencias. A vantagem mais interessante desta transformacao e que as integrac
oes e derivac
oes tornam-se
multiplicacoes e divisoes. Ela permite fazer a resolucao
de equacoes diferenciais em forma de equac
oes polinomiais, que sao muito mais simples de resolver.
1.1.
A transformada
e de fato de Laplace?
Pelo menos em teoria, todo sistema fsico pode ser descrito por meio de uma ou mais equac
oes diferenciais
que representam com precisao ou, pelo menos, razoa1 E-mail:
2601-2
Tonidandel e Ara
ujo
(1)
y(u) =
(2)
L(u)
d2 y
dy
+ M (u)
+ N (u)y = R(a)eK(u)Q(a) ,
2
du
du
(3)
y(x) =
(4)
u1
func
ao f (t)
e dita causal se f (t) = 0 para todo t < 0.
u(t) =
y x tx .
(5)
x=0
y x tx dx,
u(t) =
(6)
o que mostra que ja a esta epoca, Laplace escrevia a transformacao de uma forma proxima `a atual.
Hoje ela ainda e utilizada para resolver certos tipos de
equacoes diferenciais e e conhecida como transformacao
de Mellin. As investigacoes de Laplace no problema da
interpolacao parecem ter sugerido o estudo de formas
similares `a Eq. (1), por ter obtido algumas solucoes na
forma exponencial [4]. Contudo, o desenvolvimento do
que os estudantes conhecem hoje como transformada
de Laplace nao termina por a.
1.2.
Reinven
c
ao da transformada
2.
2.1.
2601-3
Redescobrindo a transformada
O c
alculo operacional
Durante o u
ltimo quarto do seculo XIX, Heaviside escreveu para modesta revista de tecnicos em eletricidade, chamada The Electrician (O eletricista, posteriormente compilados nos Electrical Papers de 1892)
[6], sobre uma tecnica que havia desenvolvido e chamado de calculo operacional. Tal tecnica era, em alto
e bom som, nada menos que a transformada de Laplace, de maneira proxima como a conhecida atualmente, inclusive com a noc
ao de operadores lineares.
A diferenca era que, ate ent
ao, o calculo operacional
tratava de funcoes apenas no domnio do tempo. Nao
se tinha ainda a noc
ao de domnio da frequencia e
domnio do tempo, que foram incorporados posteriormente. Mas como ele procedeu? A melhor forma de
entender o metodo de Heaviside e, sem d
uvida, com
um exemplo pratico, em consonancia com seu peculiar
metodo de trabalho.
2.2.
Fazendo matem
atica experimental
I(p) =
1/Lp
e.
1 + R/Lp
(10)
A Eq. (10) e chamada equacao operacional do problema. Em seguida, Heaviside buscava comparar a
forma da equacao operacional com solucoes conhecidas
de problemas existentes, para inferir, deste modo, regras para sua interpretacao e converte-la em solucao
explcita (em funcao de t). Uma de suas sadas favoritas eram as series de potencia [8]. Ele sabia que
1
= 1 x + x2 x3 + .
(1 + x)
(11)
1
I(p) =
R
1 + Lp
e e ilustrada na Fig. 1.
[( ) ( )
2
e (t)
R
R
=
+
Lp
Lp
Lp
]
( )3 ( )4
R
e (t)
R
+ ...
.
Lp
Lp
R
(12)
+
R
Lp
Lp
]
( )3 ( )4
R
R
+ . . . H(t).
Lp
Lp
(13)
Figura 1 - Func
ao degrau unit
ario ou func
ao de Heaviside.
e = LpI + RI,
em que I = I(p). Logo, isolando I, tem-se
O uso da funcao degrau unitario causava muita confusao, em virtude da notacao usada por Heaviside, que
a denotava por 1 . Alem disso, uma investigacao da
Eq. (13) levanta a questao: o que vem a ser a expressao
1
H(t) =
p
d
dt
)1
H(t) ?
Ora, se
p f (t) =
(9)
entao
df (t)
,
dt
(14)
2601-4
Tonidandel e Ara
ujo
t
1
f (t) = f ( )d 3 .
p
0
(15)
Logo,
t
p1 H (t) = H ( ) d = t
(16)
p2 H(t) = p1 p1 H(t) = d =
0
t2
2!
(17)
tn
.
(18)
n!
Assim, substituindo as Eqs. (14) a (18) na Eq. (13),
tem-se a expressao da corrente em uma serie de
potencias ascendentes de t
pn H(t) =
]
)
( )2
( )3
1 R
1 R
R
t
t +
t . . . H(t) .
L
2! L
3! L
(19)
No entanto, Heaviside sabia que
E
i(t) =
R
[(
x2
x3
+ ... ,
(20)
2!
3!
logo, comparando-se as Eqs. (19) e (20), reconhece-se
que
ex = 1 x +
E
[1 e(R/Lt) ],
(21)
R
que e a soluc
ao correta e completa para a corrente.
O processo de expandir equac
ao operacional (em
forma de series convergentes, como a Eq. (13) ou series
divergentes) de tal modo a obter a solucao temporal
e o que Heaviside chamava de algebrizing, um processo de algebrizar a equac
ao. Curioso notar que ele
nao tinha (ou nao se preocupava em fornecer) uma justificativa plausvel para o uso. Talvez por isto ele criava um ambiente de hostilidade4 com os matematicos
da epoca, utilizando justificativas do tipo: o antdoto
esta, quase sempre, muito proximo ao veneno.
Contudo, deve-se enfatizar que Heaviside nao ensinou nada de novo aos matematicos: ja `aquela epoca,
o uso de operadores diferenciais era conhecido, apesar
de Heaviside ter criado sua propria vers
ao do assunto,
principalmente pelo uso das series de potencias.
A verdadeira contribuic
ao de Heaviside, e pela qual
ele merece credito, foi por ter mostrado como aplicar
o que ele chamou de Calculo Operacional em problemas fsicos reais de grande relevancia tecnologica.
Mais especificamente, uma de suas contribuicoes foi
o Teorema da Expansao: similar ao que hoje e conhecida como expansao em frac
oes parciais para uma
funcao racional, sua formulacao e utilizacao sao as provas vivas de seu estilo, ja que foi estabelecido sem
qualquer prova matematica. Atualmente, o Teorema
da Expansao ainda e uma das bases fundamentais entre os metodos que englobam a transformada de Laplace. Todavia, inovacao de Heaviside nao reside apenas neste fato e sim, principalmente, por ter usado o
Teorema da Expansao, com sucesso, para funcoes naoracionais, principalmente ao defrontar-se com o problema das linhas de transmissao, que desafiava os cientistas da epoca. Nele, Heaviside utilizou o teorema
para resolucao de uma equacao diferencial parcial, o que
seria proibitivo. A formula da expansao e a Eq. (22)
{
e k t 1
N (k )
,
k
{D (k )}
(22)
que fornece a funcao temporal f (t) a partir da equacao
operacional, o que e similar ao que e chamado hoje
transformada inversa, simbolizada por T 1 . Os
valores de 1 , . . . , k sao os polos do denominador
D(p); N (p) e o numerador da expressao operacional
(em funcao da variavel p). Outros metodos, apesar
de eficazes, sao geralmente dispendiosos por exigirem
operacoes como integrais de linha em contornos fechados ou expansoes assintoticas em series de potencias,
geralmente distantes do dia-a-dia do engenheiro, o que
os tornam muitas vezes impraticaveis.
f (t) = T 1
N (p)
D (p)
d
k=1 dp
i(t) =
3 Aqui,
3.
Do c
alculo operacional para a integral de Laplace
2601-5
(23)
d t
e( )A(t )d.
dt t0
(24)
ept
+ y(t) .
Z(p)
(25)
1
= ept A(t)dt .
pZ(p)
0
(26)
As Eqs. (24) e (26) constituem por sua vez a formulacao completa do problema. Em verdade, Carson
dava tanta importancia ao resultado, que as denominava equacoes fundamentais da teoria de circuitos. A
partir delas e possvel obter todas as regras do calculo
operacional de Heaviside. Foi apos este resultado que
Carson compos a primeira tabela com os pares de transformadas, que ele batizou de tabela de integrais infinitas, como ilustra a Fig. 3, tendo-as utilizado pela
primeira vez na resolucao de problemas praticos, reduzindo a solucao de uma equacao operacional em simples
comparacao com a tabela, o que ainda e feito atualmente.
3.2.
A t
ecnica se espalha
encontrava um correspondente direto na tabela de integrais, que ele havia criado. Contudo, o problema de
encontrar A( ) de forma que a Eq. (26) se verificasse
ja havia sido resolvido, cerca de uma decada antes,
em 1916, pelo matematico da universidade de Cam-
obscuro m
etodo de Heaviside pode ser evidenciado por trabalhos de contempor
aneos. Talvez, um dos mais importantes seja do
not
orio fsico-matem
atico Harold Jereys, da Universidade de Cambridge. Dois anos ap
os a morte de Heaviside (1927), Jereys escreveu
em seu livro Operational Methods in Mathematical Physics, publicado pela Cambridge University Press, que o m
etodo de Heaviside,
apesar de desleixado, havia sido completamente decifrado pela formulac
ao de Bromwich. Para Jereys, his methods [referindo-se
a Heaviside] may appear slipshod, but his precautions were such that they practically always gave the right answer. . . . He left the
mathematicians with the problem of explaining why the answers were right, wich was duly solved, in time, by Bromwich, and it was
then found that many of Heavisides solutions could be obtained easily by workers without his amazing skill in manipulation, but using
the theory of the complex variable [10].
2601-6
Tonidandel e Ara
ujo
1 c+i ept
dp ,
2i ci pH(p)
(27)
f (t) = L
1
{F (s)} =
2i
I
F (s) est ds,
(28)
4.
Considerac
oes finais
A matematica e talvez a u
nica ciencia que nao necessita de um orgao sensorial, mas aparenta ser, ao mesmo
tempo, um sensor para os mecanismos universais, ao
menos aqueles tangveis, dos fenomenos ditos materiais.
As transformadas, na visao de muitos, sempre tiveram
certo ar de misterio. Mas o que sao realmente? Desde
uma simples substituicao de variaveis ate uma integral
de contorno em um plano complexo podem fazer parte
deste contexto. Nao se objetivou neste trabalho esgotar o assunto abordado, nem tampouco a historia de
seu desenvolvimento e aplicacoes. Uma pretensiosa e talvez impraticavel - empreitada preencheria seguramente varios livros. Buscou-se, contudo, apresentar de
maneira modesta os fundamentos da transformada de
Laplace, juntamente com o aspecto humano e historico
inerente ao seu desenvolvimento, na tentativa de criar
uma visao unificada de seu conceito, entendendo que as
transformadas sao, dentre incontaveis outras tecnicas,
pontes que facilitam a busca por uma melhor compreensao dos fenomenos da natureza.
Refer
encias
[1] M.A.B. Deakin, Archive for History of Exact Sciences
25, 4 (1981).
[2] L. Euler, Imperial Academy of Sciences 2 (1769).
[3] P.S. Laplace, Mem. Acad. Roy. Sci 10 (1779). Tambem
em Oeuvres Completes de Laplace (Gauthier-Villars,
Paris, 1887).
[4] P.S. Laplace, Mem. Acad. Sci 9, 357 (1810).
[5] B.J. Hunt, The Maxwellians (Cornell University Press,
Cornell, 2005).
[6] O. Heaviside, Electrical Papers (Elibron Classics, London, 1892), v. 1.
[7] O. Heaviside, Electromagnetic Theory (Elibron Classics, London, 1893), v. 2.
[8] Heaviside, op. cit.
[9] J.R. Carson, Electric Circuit Theory And The Operational Calculus (Chelsea Publishing Company, New
York, 1953). Reedica
o do livro de 1926.
[10] H. Jereys, Operational Methods in Mathematical Physics (Cambridge University Press, Cambridge, 1927).
[11] P.J. Nahin, IEEE Spectrum 28, 60 (1991).
[12] T.J.IA. Bromwich, in Proceedings of London Mathematical Society, London 15, 401 (1916).
[13] T.J.IA. Bromwich, Mathematical Gazette 14, 150
(1928).
[14] G. Doetch,
Theorie und An. der
Transformation (Springer, Berlim, 1937).
Laplace-